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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL AÉCIO FLÁVIO DE SOUZA LACERDA JÚNIOR UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU SÃO PAULO - 2016 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL AÉCIO FLÁVIO DE SOUZA LACERDA JÚNIOR HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Arquitetura e Cidade. Linha de pesquisa: Projeto, Produção e Representação. Orientadora: Profª. Drª. Edite Galote Carranza. SÃO PAULO 2016 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. E-mail: f-lacerda@hotmail.com Lacerda Júnior, Aécio Flávio de Souza L131h Habitação de Interesse Social: Jardim Edith da favela ao conjunto residencial / Aécio Flávio de Souza Lacerda Júnior. - São Paulo, 2016. 155 f. : il. ; 30 cm. Orientadora: Edite Galote Carranza. Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2016. 1. Habitação popular. 2. Urbanização – São Paulo (SP). 3. Favelas - Urbanização. 4. Projeto - Arquitetura. I. Carranza, Edite Galote. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título CDD 22 – 711.4 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu Bibliotecária: Tathiane Marques de Assis - CRB 8/8967 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL Nome: LACERDA JR., Aécio Flávio de Souza Título da Defesa: Habitação de Interesse Social: JARDIM EDITH da favela ao conjunto residencial Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Arquitetura e Cidade. Linha de pesquisa: Projeto, Produção e Representação. Data da Defesa: 09 de Dezembro de 2016. Comissão Examinadora Profª. Dra.: Edite Galote Carranza IES: Universidade São Judas Tadeu Profª. Dra.: Ana Maria Tagliari Florio IES: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr.: Luis Octávio Pereira Lopes de Faria e Silva IES: Universidade São Judas Tadeu Resultado Final: APROVADO HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL À família. Aos amigos. Aos mestres. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL AGRADECIMENTOS À professora Dra. Edite Galote Carranza, por sua benevolência. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, em especial à professora Dra. Paula de Vincenzo Fidelis Belffort Mattos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro e concessão de bolsas. Aos líderes comunitários do Jardim Edith: Sr. Gerôncio Henrique Neto (in memoriam), Sr. José Vilson Bezerra Vanderley e Sr. José Henrique da Silva (filho do Sr. Gerôncio). Aos arquitetos Eduardo Ferroni (H+F) e Marta Moreira (MMBB), pelas entrevistas e materiais cedidos. À Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB), pelo acesso a informações e projetos do Jardim Edith. A Débora Sanches pelo dedicação e incentivo em expandir os estudos sobre Habitação Social. Aos professores e parceiros da Universidade Nove de Julho, pelo apoio e incentivo. Aos amigos e colegas da vida e do mestrado. Muito obrigado! HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL “Aos que transformam a vida num eterno aprendizado” Flávio Lacerda HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL APRESENTAÇÃO O interesse pelo tema Habitação de Interesse Social surgiu em 2007, quando participei da Iniciação Cientifica sob a orientação da Professora Orientadora Débora Sanches. A pesquisa: Avaliação Pós-Ocupação dos Empreendimentos de Habitação de Interesse Social na Área Central de São Paulo, tinha como objetivo realizar levantamentos fotográfico e entrevistas com moradores dos empreendimentos habitacionais no Centro de São Paulo, para analisar o perfil da qualidade vida, manutenção dos prédios e gestão dos condomínios Essa experiência foi a primeira oportunidade de aproximação com uma realidade que a teoria não ensina. Participar das reuniões e visitar os empreendimentos trouxeram uma visão mais ampla sobre os espaços projetados para a população de baixa renda. A segunda oportunidade foi realizar uma proposta em uma área central e valorizada no Trabalho Final de Graduação (TFG), onde pude aplicar os conhecimentos adquiridos e questionar sobre produção da moradia digna e a arquitetura social de forma que integrassem soluções dentro de padrões e normas tão restritas. Ao realizar o TFG, não sabia a exata dimensão que envolvia o problema da habitação social. A questão da moradia digna é um assunto que se agrava constantemente e aparenta não ter uma solução efetiva para acabar com o déficit habitacional. O amadurecimento sobre o assunto veio com o tempo e permitiu retomar a pesquisa nesta dissertação de mestrado tendo como objeto de estudo o Conjunto Residencial Jardim Edith, que apresenta características distintas e reforça a cultura de projeto arquitetônicos para a habitação de interesse social. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL RESUMO Jardim Edith, era o nome de uma antiga favela que existiu na zona sul de São Paulo, com origem nos anos de 1970, numa época em que a região não oferecia atrativos imobiliários. O terreno ocupado pela comunidade abrangia quase todo o cruzamento da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini com a Avenida Jornalista Roberto Marinho, que foi desocupada e destinada a construção do viário de conexão com Marginal do Rio Pinheiros e Ponte Estaiada. Atualmente, tornou-se o novo centro financeiro e a área mais valorizada da cidade. A permanência de algumas famílias na parte remanescente do terreno foi destinada a construção do Conjunto Residencial Jardim Edith, que após muitos embates e persistência, conquistaram o direito de continuarem no local de origem. Esta característica distinguiu-se dos parâmetros usuais, praticados até pouco tempo na habitação social, que previa a remoção das famílias para locais distantes das áreas em que viviam. Essa premissa tornou possível a realização de um estudo monográfico sobre a história desta comunidade, que narra em três capítulos o desenvolvimento do bairro, a luta pela moradia digna e a qualidade da arquitetura social. Como método, a pesquisa realizou a revisão bibliográfica sobre o tema, levantamento de reportagens disponíveis em periódicos da época, visitas in loco ao conjunto habitacional e entrevistas. Esta dissertação visa não apenas conhecer, estudar e analisar a história da comunidade Jardim Edith, mastambém identificar os elementos que tornam este projeto uma referência para a habitação social. Palavras chave: 1. Habitação popular. 2. Urbanização – São Paulo (SP). 3. Favelas - Urbanização. 4. Projeto - Arquitetura. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL ABSTRACT Jardim Edith was the name of an old favela that existed in the south of São Paulo, which originated in the 1970s, at a time when the region offered no real estate attractions. Today it is the most valued area of the city and has become the new financial center. The land occupied by the community covered almost all of the intersection of Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini and Avenida Jornalista Roberto Marinho, which was unoccupied and destined to the construction of the connecting road with the Rio Pinheiros and Ponte Estaiada. The permanence of some families in a remnant part of the land was destined to the construction of the Residential Complex Jardim Edith, after many battles and persistence they won the right to stay in the place of origin. This characteristic was distinguished from the usual parameters, practiced until recently in social housing, which provided for the removal of families to places far from the areas where they lived. This premise made possible the realization of a monographic study on the history of this community, which narrates in three chapters the development of the neighborhood, the struggle for decent housing and the quality of social architecture. As a method, the research carried out the bibliographic review on the subject, survey of available articles in periodicals of the time, on-site visits to the housing complex and interviews. This dissertation aims not only to know, study and analyze the history of the Jardim Edith community, but also to identify the elements that make this project a reference for social housing. Keywords: Social housing. 2. Urbanization - São Paulo (SP). 3. Favelas - Urbanization. 4. Design - Architecture. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL LISTA DE ABREVIATURAS AMA Assistência Médica Ambulatorial CEI Creche de Educação Infantil CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano CENU Centro Empresarial Nações Unidas CEPAC Certificado de Potencial Adicional de Construção CRF Coordenadoria de Regularização Fundiária DER Departamento Estadual de Estradas e Rodagem EMURB Empresa Municipal de Urbanização GEIPOT Grupo Executivo de Integração de Políticas de Transporte HABI Superintendência de Habitação Popular HIS Habitação de Interesse Social H+F Hereñú + Ferroni Arquitetos MMBB Marta Moreira, Milton Braga e Fernando de Mello Franco OUC Operação Urbana Consorciada PAR Programa de Arrendamento Residencial PCR Pessoa em Cadeira de Rodas PDE Plano Direto Estratégico PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo PUF Programa de Urbanização de Favelas SMDU Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano SEHAB Secretaria Municipal de Habitação SEMPLA Secretaria Municipal do Planejamento TFG Trabalho Final de Graduação UH Unidades Habitacionais UBS Unidade Básica de Saúde ZEIS Zona Especial de Interesse Social http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/departamentos/index.php?p=152501 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 1 | EDITH: ORIGENS ............................................................................. 17 CAPÍTULO 2 | EDITH: A TRAJETÓRIA ................................................................... 36 CAPÍTULO 3 | EDITH: CONJUNTO RESIDENCIAL ................................................ 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIAS .................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. APÊNDICE .............................................................................................................. 122 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 12 INTRODUÇÃO A comunidade do Jardim Edith originou-se nos anos 1970, na várzea do Rio Pinheiros, dentro de um contexto não muito diferente de outras cidades na Era Industrial. As possibilidades oferecidas pela cidade grande e o sonho de poder mudar de vida fez com que muitas pessoas migrassem para a capital paulista. Porém, a cidade que promovia o trabalho e se desenvolvia, não produzia na mesma escala habitações adequadas para abrigar e satisfazer às necessidades básicas da população de baixa renda. Nessa época as terras alagadiças do Brooklin não atraiam investimentos, sendo ocupadas por trabalhadores que não tinham condições de pagar um aluguel. Posteriormente, se transformou na região da Berrini e atualmente é considerada a área mais valorizada e o novo centro financeiro da cidade. Com a valorização dessa região, o processo de urbanização da favela Jardim Edith passou por muitos embates, mesmo sendo definida como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) no Plano Direto Estratégico de São Paulo (PDE-SP) de 2002. A pressão para que a comunidade abandonasse a área ocupada era intensa. A luta e persistência das famílias tornou possível uma mudança nos parâmetros usuais praticados até pouco tempo, como a remoção da população do local em que vivem para áreas distantes. Outro fator importante foram as solicitações negociadas entre a comunidade e o poder público, que proporcionou a união das Secretarias de Habitação, Educação e Saúde, sendo possível agregar qualidade ao projeto arquitetônico. Portanto, estes fatos reforçam o objetivo desta dissertação que é apresentar a história do Jardim Edith, da favela ao Conjunto Residencial. Metodologia do trabalho O tema desta dissertação foi determinado pela vivência acadêmica na graduação, e a escolha do objeto de estudo pelas características apresentadas anteriormente. Após estas definições, iniciou-se a pesquisa sobre o Conjunto Residencial Jardim Edith. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 13 O primeiro passo foi realizar o levantamento da bibliografia sobre o tema, cujo o livro “Os primeiros arquitetos modernos – Habitação Social no Brasil de 1930-1950”, de Paulo Bruna, contribuiu para aprofundar a visão sobre a arquitetura social moderna. Em paralelo, os estudos realizados por Edite Galote Carranza, sobre o Conjunto Zezinho Magalhães Prado (CEPAC Guarulhos) trouxeram uma aproximação com a obra do Arquiteto Vilanova Artigas, por possuir uma semelhança com o objeto desta dissertação. O segundo passo foi realizar uma visita ao CECAP Guarulhos e, posteriormente ao Jardim Edith, onde foi possível observar como os moradores se apropriam do espaço conforme as suas necessidades, a inserção urbana e os elementos arquitetônicos, uma experiência de observação sensorial. O terceiro passo foi investigar informações em periódicos da época sobre o contexto que envolvia a comunidade do Jardim Edith, para compreender a sua trajetória. O quarto passo foi realizar as entrevistas com os arquitetos autores do projeto, que enriqueceu com informações sobre todo o processo projetual. As constantes alterações e decisões diante das condicionantes foi um grande desafio e que não impediu de produzir uma arquitetura social de qualidade. Outra fonte de pesquisa foram os vídeos com entrevistas e palestras dos arquitetos, disponíveis em sites de arquitetura. Também foi realizada uma visita a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), porém, as pessoas que participaram dessa experiência não estavammais no departamento, mas foi possível realizar uma pesquisa na biblioteca e solicitar os arquivos com as pranchas do projeto. Conforme a pesquisa avançava foram realizadas novas visitas ao Conjunto Residencial, onde as informações obtidas facilitavam o entendimento do projeto e as soluções tomadas pelos arquitetos e ao mesmo tempo como os moradores se apropriavam do espaço, e perceber outros aspectos inerentes sobre a inserção urbana do empreendimento. Os registros fotográficos foram realizados desde a primeira visita, sendo fundamentais para ajudar nas análises do projeto, assim como foram importantes as conversas com os moradores do Jardim Edith. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 14 Concluído o levantamento das informações pelas fontes primárias e secundárias, determinou-se a estrutura desta dissertação composta por três capítulos. O primeiro aborda as origens do Jardim Edith com a evolução do bairro, o surgimento da favela e o desenvolvimento da comunidade. O segundo trata da trajetória do processo que envolveu a luta da comunidade para exigir o cumprimento da legislação que determinou o direito de permanecerem no mesmo lugar. O terceiro apresenta a análise do projeto desenvolvido pelos escritórios de arquitetura MMBB1 e H+F2 para as famílias do Jardim Edith, onde os critérios são apresentados inicialmente com a ficha técnica, seguido pela apresentação dos três equipamentos públicos e posteriormente as habitações, as peças gráficas segue a sequência de planta, corte e elevação, seguida das análises textuais. Os aprofundamentos desses itens serão abordados na introdução do próprio capitulo. A pesquisa conclui que o Jardim Edith é uma referência para a habitação de interesse social e os elementos que identificam essa mudança são expostos nas Considerações Finais, como, a luta da comunidade, a conquista da permanência, a aquisição da moradia digna, a nova produção da arquitetura social, por exemplo. Referenciais teóricos Como metodologia e estruturação deste trabalho foram consideradas as referências levantadas pela pesquisa bibliográfica composta por artigos, livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado. O artigo Requalificação do perímetro da favela do Jardim Edith em São Paulo: percepções iniciais sobre a hospitalidade no espaço urbano, de Airton José Cavenaghi, Luciana Lagares Gonzales e Maria Ângela Cabianca, contribuiu na estruturação dos capítulos por apresentar uma aproximação com o estudo desenvolvido neste trabalho. 1 Sócios do escritório: Marta Moreira, Milton Braga e Fernando Melo Franco. 2 Sócios do escritório: Eduardo Ferroni e Pablo Hereñú. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 15 A dissertação de mestrado de Renata Fragoso Coradin – Habitar Social: a produção contemporânea na cidade de São Paulo, foi muito importante para complementar a bibliografia e ter como ponto de partida a metodologia de análise utilizada nos estudos de caso – incluindo o Jardim Edith, outra dissertação foi a de Monika Olczyk – Problemática e metodologia projetual da habitação de interesse social: análise do conjunto residencial Jardim Edith, que aborda o processo projetual do arquiteto e contribuiu para entender uma outra parte do contexto da história do objeto de estudo dessa dissertação. Outras dissertações de mestrado também contribuíram para a concepção visual deste documento: Edson Lucchini Jr – Aldof Franz Heep: edifícios residenciais, um estudo da sua contribuição para a habitação vertical em São Paulo nos anos 1950 e Alexandre Hepner – Desenho Urbano, Capital e Ideologia em São Paulo, centralidade e forma urbana na Marginal do Rio Pinheiros. A tese de doutorado de Ana Tagliari – Os projetos residenciais não-construídos de Vilanova Artigas em São Paulo, a análise das habitações unifamiliares nesse estudo apresenta uma metodologia de análise do objeto interessante, que contribuiu para a criação da estrutura de análise do Jardim Edith. A tese de Elisabete França - Favelas em São Paulo (1980-2008). Das propostas de desfavelamento aos projetos de urbanização: A experiência do Programa Guarapiranga, assim como os livros de Mariana Fix, Parceiros da Exclusão e São Paulo uma Cidade Global e Heitor Frúgoli Jr., Centralidades em São Paulo: trajetória, conflitos e negociações na metrópole, contribuíram para a contextualização deste trabalho. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 16 [ 01 ] HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 17 CAPÍTULO 1 | EDITH: ORIGENS Nos dias atuais, o conjunto residencial Jardim Edith é o resultado de um longo processo de urbanização da favela, localizado em um dos endereços mais valorizados da cidade de São Paulo: o bairro do Brooklin Novo. O residencial é composto por três torres e duas lâminas horizontais, compõe a paisagem predominante da região e se mimetiza perante os edifícios corporativos de alto padrão situados à margem direita do Rio Pinheiros. O projeto de 25.700m², implantado num terreno de aproximadamente 19.000m² (GOMES, 2013, p.2), tornou-se uma referência de habitação de interesse social, sendo laureado com o prêmio “O Melhor da Arquitetura”3, em 2013, concedido pela revista Arquitetura & Construção. Talvez quem atravesse o rio pela ponte estaiada e visualize as torres, não as identifique como Habitação de Interesse Social, dada a solução arquitetônica pouco usual. O bairro onde está localizado o Jardim Edith teve início a partir de uma parada de bonde da Companhia Carris de Ferro São Paulo, que ligava os municípios de São Paulo e Santo Amaro. A parada foi projetada pelo engenheiro Alberto Kulhmann, em 1886. Em 1900, a São Paulo Tramway, Light and Power Company (Cia. Light) assume a administração das linhas da Cia Carris e, após treze anos, introduz o bonde elétrico em São Paulo (MARTINS, 2012, p. 78). A Cia. Light identificava as paradas de bonde ordenando-as numericamente, porém o pequeno povoado denominado o Quinto Desvio recebeu o nome de Brooklin Paulista, como referência e homenagem ao Brooklin americano (BLANES, 2006, p. 49). Um dado importante sobre o Brooklin Paulista é que ele formava o denominado “cinturão de loteamentos residenciais suburbanos”, e, com o seu desenvolvimento, acabou ultrapassando os limites municipais de Santo Amaro e ocupou trechos expressivos do município de São Paulo. Por fim, a região de Santo Amaro se integrou por completo a São Paulo em 1935, diferentemente do que aconteceu com os 3 Desde 2008, a revista promove essa premiação. Na edição de 2013, concorreram na categoria Habitação Social os escritórios: JT Arquitetura – Conjunto Habitacional e Boldanari Arquitetura e Urbanismo – Residencial Corruíras, sendo o escritório vencedor MMBB Arquitetos & H+F Arquitetos – Jardim Edith. https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Paulo_Tramway,_Light_and_Power_Company HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 18 municípios de Guarulhos e São Bernardo, que permaneceram independentes (LANGENBUCH, 1971, p. 138). Nos primórdios, o Brooklin Paulista foi constituído pela união de três loteamentos (Figura1): o primeiro (cor amarela) pertencia à antiga Fazenda Casa Grande, projetado por Júlio Klaunig e Álvaro Rodrigues e com o perímetro constituído pela Avenida Santo Amaro, Avenida Morumbi, Marginal do Rio Pinheiros e Avenida Água Espraiada; o segundo (cor ciano) loteamento, lançado por Afonso de Oliveira Santos, chamava-se Jardim das Acácias e situava-se entre a Avenida Morumbi e a Avenida Roque Petroni Júnior, tendo nas extremidadesa Avenida Santo Amaro e a Marginal do Rio Pinheiros; o terceiro (cor magenta) foi lançado pela Sociedade Anônima Fábrica Votorantim, tendo em seu perímetro a Avenida Santo Amaro, Avenida Washington Luís, Avenida Vicente Rao e Avenida Água Espraiada (PONCIANO, 2001, p. 37). Figura 1 – Mapa com a identificação dos primeiros loteamentos. Fonte: CeSAD (arquivo DWG) – Adaptado pelo autor. https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_Santo_Amaro https://pt.wikipedia.org/wiki/Marginal_do_Rio_Pinheiros https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_Santo_Amaro https://pt.wikipedia.org/wiki/Washington_Lu%C3%ADs HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 19 Os empreendedores desses loteamentos, majoritariamente estrangeiros, desempenharam um papel importante na valorização dessas áreas. Conforme explana Martins: “[...] no início do século XX, através da articulação entre as obras de infraestrutura – energia, pavimentação, bondes e retificação dos rios – a modernização da cidade passa a ser de fato concretizada. Várias companhias estrangeiras aplicaram seu capital na cidade de São Paulo. Os estrangeiros desempenharam um grande papel na valorização do território paulistano, os terrenos adjacentes à cidade, beneficiados pelas companhias estrangeiras e seus serviços, promoveram uma sistemática especulação, ocasião em que companhias e proprietários de terrenos revelaram seus interesses de lotear terras e vender” (MARTINS, 2012, p. 60). O loteamento do Brooklin Paulista foi se destacando, assim como ocorreu com os bairros do Campo Belo e Indianápolis4, o que contribuiu para a aproximação dos limites do município de Santo Amaro e São Paulo (LANGENBUCH, 1971, p. 139). Na mesma época, em 1933, o engenheiro britânico Louis Romero Sanson, diretor da empresa Sociedade Anônima Autoestradas, completou o percurso da Autoestrada Washington Luís5, estabelecendo a conexão rodoviária entre o centro da cidade e o novo bairro. Elisabete França, em sua tese de doutorado, comenta que Sanson possuía um “espírito visionário” e planejou a cidade satélite aos moldes do que já vinha acontecendo nos bairros Jardim América, Jardim Europa e Jardim Paulista, executados pela City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited (Cia. City)6, responsável pela execução do primeiro bairro-jardim na capital paulista (FRANÇA, 2009, p. 154). Para realizar o projeto do bairro-jardim, a Cia. City contratou os urbanistas ingleses Barry Parker e Raymond Unwin, que já haviam trabalhado com o urbanista Ebenezer 4 Em 1987, parte do bairro teve seu nome alterado para Moema através de abaixo assinado dos moradores ao prefeito Jânio Quadros (PONCIANO, 2001). 5 Atual Avenida Washington Luís. 6 Empresa de urbanização, fundada em Londres (1911), chega ao Brasil em 1912, e se instala em São Paulo. Atuou no planejamento de bairros com o conceito de “cidade-jardim”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Cia._City https://pt.wikipedia.org/wiki/Cia._City HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 20 Howard7 no projeto da primeira cidade-jardim Letchworth, em 1903, e que tinham como conceitos as ruas sinuosas e arborizadas, a integração das construções e jardins, as hortas junto às casas e cinturões verdes para a produção agrícola, que limitavam o crescimento das cidades. “O Jardim América foi o primeiro bairro urbanizado pela Cia. City, além das benfeitorias públicas, das amplas áreas verdes e do traçado das ruas que respeitava a topografia da área, o projeto de Barry Parker estabeleceu terrenos amplos, de tamanho suficiente para abrigar grandes casas e seus jardins espaçosos” (CIA.CITY, 2014). Com as referências de Howard e o modelo do Jardim América (Figura 2), Louis Romero Sanson planejou, juntamente com o urbanista francês Alfred Agache8, o loteamento localizado entre as represas do Guarapiranga e Billings (Figura 3), sendo batizado pelo idealizador de “Interlagos Cidade Satélite da Capital” (MARTINS, 2012, p. 97). Figura 2 - Propaganda da Cia City - Vendas dos lotes do Jardim América. Disponível: <http://ciacity.com.br/projetos/jardim- america/>. Acesso em: 20 ago. 2016. 7 Criou o conceito cidade-jardim. Autor do livro Garden City of Tomorrow (Cidades-jardins de Amanhã), 1898. Fundou em 1899, a Garden Cities Association. Projetou as primeiras cidades-jardins no século XX. 8 Arquiteto francês diplomado pela École des Beaux-Arts de Paris em 1905. É fundador da Sociedade Francesa de Urbanistas, tendo sido secretário-geral até o período entre-guerras. Alguns lhe atribuem a criação do vocábulo ‘urbanismo’. Em 1927, é convidado para uma série de conferências sobre urbanismo no Rio de Janeiro, que culminam com sua contratação, no ano seguinte, para a elaboração de um plano urbanístico para a cidade. A partir de 1939, em seu exílio permanente no Rio de Janeiro, atua como consultor em matéria de urbanismo e elabora projetos para Porto Alegre, Goiânia, Curitiba, Campos, Cabo Frio, Araruama, Atafona, São João da Barra Petrópolis, Vitória, São Paulo e Araxá (OLIVEIRA, 2009). HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 21 O ideal da cidade-jardim previa a integração da cidade com o campo. Segundo Martins (2012), Interlagos começou a valorizar a região sul e a atrair famílias mais abastadas da sociedade. A S/A Autoestrada, empresa de Sanson, também previa a construção do autódromo e do aeroporto, criando uma região de grande valorização (MARTINS, 2012, p. 124). Figura 3 - Interlagos bairro-jardim. Fonte: Acervo do Jornal Estado de São Paulo. Disponível: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19380827- 21135-nac-0001-999-1-not>. Acesso em: 20 ago. 2016. Esse desenvolvimento favoreceu outros bairros que foram constituídos a partir do trajeto da linha do bonde, onde as chácaras e sítios começaram a ser loteados e comercializados. Alguns bairros, por apresentarem um zoneamento predominantemente residencial, arborização, baixa densidade populacional e ruas silenciosas, com características de bairro-jardim, foram povoados, majoritariamente, por alemães e portugueses. A primeira parte do Brooklin Paulista a ser loteada partia da Avenida Santo Amaro e se estendia até a Autoestrada Washington Luiz, delimitada pela Avenida Professor Vicente Rao até o córrego Água Espraiada (que foi canalizado e se transformou em avenida de mesmo nome, atualmente denominada Avenida Jornalista Roberto Marinho). Esse quadrante futuramente seria denominado como Brooklin Velho (Figura 4). A segunda parte do bairro passou a se chamar Brooklin Novo, por fazer parte da nova expansão de loteamentos que levava o desenvolvimento em direção à margem do Rio Pinheiros. O desenho dos arruamentos e lotes seguiam a malha ortogonal, em HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 22 “quadrícula”9. Conforme o Arquiteto Valdir Martins, “não foi possível apoiar a expansão da cidade no modelo de Howard, mas sim na expressiva malha xadrez” (2012, p. 133). A nova parte do Brooklin era delimitada pelas avenidas: Santo Amaro, Roque Petroni Jr., Nações Unidas e dos Bandeirantes. Com a retificação do Rio Pinheiros promove- se uma nova dinâmica na mobilidade da cidade de São Paulo, intensificando o desenvolvimento de industrialização nessa parte da cidade no ano de 1940. 9 Malha utilizada na implantação de diversos bairros de São Paulo, que não considerava a topografia existente. Figura 4 - Identificação das nomenclaturas do Brooklin Paulista – Novo e Velho. Fonte: CeSAD (arquivo DWG) – Adaptado pelo autor. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTORESIDENCIAL | 23 Nessa época, boa parte das terras marginais do Pinheiros pertencia a grandes proprietátios como as loteadoras Cia. City e Cia. Cidade Jardim, a Dumont Villares, que pretendia fazer um distrito industrial no Jaguaré, a Votorantim, no Brooklin, e a própria Cia. Light, na região do Guarapiranga (KAYO, 2013, p. 42). A retificação do Rio Pinheiros transformou a paisagem e o uso das áreas vazias da várzea do rio. Essas áreas foram destinadas à indústria, além dos loteamentos residenciais, sendo povoada por uma população operária e de classe média baixa. A região não possuía uma infraestrutura, o que refletia nos valores dos imóveis, tornando-os acessíveis a essa população. Segundo Rafael Faleiros de Pádua (2009), no artigo “Refletindo sobre a desindustrialização em São Paulo”: “[...] Santo Amaro se industrializou a partir da década de 1950, com a instalação de grandes indústrias fordistas, com grande massa de mão-de- obra, várias linhas de montagem na mesma indústria, com a direção da empresa junto da fábrica. Era um momento de instalação da grande indústria no Brasil e, como nas proximidades do Rio Pinheiros havia uma grande disponibilidade de terrenos (devido também à drenagem das várzeas e à retificação do rio, que foram concluídos na década de 1940), montou-se, em Santo Amaro, um grande e diversificado parque industrial” (PÁDUA, 2009).10 O desenvolvimento do Brooklin Novo, à margem do Rio Pinheiros, passa a ter características diferentes, tais como: gabarito, parcelamento do uso do solo e população, apresentando a ocupação por classes média e média-baixa. De acordo com Wagner Iglecias, o bairro do Brooklin é: “... uma região que sofre processos de especulação e valorização imobiliária desde o início do século XX. O bairro que tinha, até meados dos anos de 1970, uso predominantemente residencial e, em menor escala, industrial, tornou-se, a partir dos anos de 1980, o entorno da mais marcante intervenção do capital privado sobre o traçado urbano da história da cidade de São Paulo” (IGLECIAS, 2002, p. 53). 10 PÁDUA, R. F. de. Refletindo sobre a desindustrialização em São Paulo. Confins [Online], n. 7, out. 2009. Disponível: <http://confins.revues.org/6125>; DOI: 10.4000/confins.6125. Acesso em: 16 jun. 2016. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 24 As nomenclaturas: Velho e Novo nascem, portanto, de uma interpretação que determinou as fases dos loteamentos do Brooklin Paulista. Em 1970, o bairro passa a fazer parte de duas subprefeituras, que são: subprefeitura de Santo Amaro - distrito de Campo Belo, que compreende a porção entre as Avenidas Santo Amaro e Washington Luís e a área que segue em direção à margem do Rio Pinheiros, pertencendo à subprefeitura de Pinheiros – distrito do Itaim Bibi, sendo definido pelos seguintes bairros: Chácara Itaim, Vila Olímpia, Vila Funchal, Brooklin Novo, Brooklin Paulista, Vila Cordeiro, Vila Gertrudes, Vila Uberabinha, Cidade Monções, Jardim Edith (Fig.5) (PMSP, 2016a). EDITH: BAIRRO DE VÁRZEA De acordo com Alexandre Hepner, “o vale do Pinheiros era ocupado por áreas de várzea inundável” e “as áreas industriais ocupavam as extremidades norte e sul do Figura 5 - Indicação do perímetro do Bairro Jardim Edith. Fonte: CeSAD (arquivo DWG) – Adaptado pelo autor. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 25 rio, nos trechos próximo ao Rio Tietê e às represas” (Guarapiranga e Billings). A retificação do Rio Pinheiros foi realizada pela Cia. Light, entre os anos 1940 e 1970, assim como a drenagem das áreas inundáveis ao longo do rio (HEPNER, 2010, p. 109). A Cia. Light, detentora do monopólio de produção e distribuição de energia, e proprietária dessas áreas, promoveu o loteamento e a venda de terras, dando início ao processo de urbanização (FIX, 2007, p. 29). Com a retificação dos rios Tietê e Pinheiros, as Marginais se transformaram em vias expressas, conforme proposto pelo Grupo Executivo de Integração de Políticas de Transporte (GEIPOT), do Ministério do Transporte, criando o pequeno e grande anel viário de ligação (NOBRE, 2000, p. 162). Assim como previu o visionário engenheiro Louis Romero Sanson, nos anos 1930, que a cidade se desenvolveria em direção aos lagos de Santo Amaro (MARTINS, 2012, p. 96), a empresa Bratke-Collet empreendeu na Avenida Berrini, impulsionando o desenvolvimento do polo empresarial com o lançamento de cinquenta prédios, a partir do fim dos anos 1970, sendo o primeiro edifício, o Bandeirantes, concluído em 1977. Depois, outras empresas foram atraídas para a região pela viabilidade de escritórios mais amplos, com mais tecnologia e valores mais acessíveis que os praticados na Avenida Paulista, o que consolidou a nova centralidade de São Paulo (FIX, 2001, p. 15-16). Os antigos loteamentos residenciais, que definiram o Brooklin Novo, passaram por uma profunda transformação na década de 1970. A empresa Bratke-Collet, dos arquitetos Carlos Bratke, Roberto Bratke e Francisco Collet, por exemplo, vislumbrou o potencial dos terrenos das áreas alagadas na região da Berrini, cujos valores eram baixos e atrativos, além da facilidade de acesso, da possibilidade de expansão por conta do zoneamento e da ausência de instalações industriais (o que facilitaria as desapropriações), em 1974 (FIX, 2001, p. 15). Com a abertura de uma avenida, que futuramente se chamaria Engenheiro Luís Carlos Berrini, no fim dos anos 1970 (FIX, 2007, p. 29), a região se transformaria no novo polo do setor terciário da capital paulista. Essa pequena parcela do Brooklin HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 26 Novo, compreende os bairros Cidade Monções e Jardim Edith, pertencentes ao distrito do Itaim Bibi, subprefeitura de Pinheiros (PMSP, 2016a). Desde a gestão do prefeito Prestes Maia (1961-1964), com a Lei de Melhoramento Urbano, já era previsto um plano para canalizar o córrego e criar a Avenida Água Espraiada, o que só ocorreu décadas depois. Esse projeto foi revisto em 1970, pelo Departamento Estadual de Estradas e Rodagem (DER), para que essa avenida fizesse parte do minianel viário metropolitano, onde seria construída uma via expressa ligando a Marginal Pinheiros à Rodovia dos Imigrantes. Contudo, o projeto sofreu nova alteração pela Câmara Metropolitana dos Transportes, que transferiu o Anel Viário para a avenida Roque Petroni (FIX, 2001, p. 87). A decisão da Câmara Metropolitana dos Transportes foi posterior ao início das desapropriações. Durante esse período, as áreas foram ocupadas irregularmente. O abandono da faixa desocupada, à margem do córrego Água Espraiada, tornou as áreas vulneráveis às invasões dos imóveis que não foram demolidos, além de favorecer a construção de barracos ao longo do trajeto proposto para a nova avenida. O resultado desse processo foi a grande ocupação desordenada dessa área, o que culminou no surgimento de diversas favelas, entre elas, o Jardim Edith. EDITH: A FAVELA Diferentemente das favelas do Rio de Janeiro, que surgiram no final do século XIX, as favelas em São Paulo começaram a ser reconhecidas como tal a partir do 1º. Congresso Brasileiro de Urbanismo, em 1941; embora a cidade possuísse “habitações subnormais”, como os cortiços, desde o final do século XIX (KEHL, 2010, p. 35). A favela Jardim Edith surge nos anos 1970, em pleno Milagre Econômico, quando a cidade possuía uma taxa de crescimento da ordem de 3%, muito menor do que a taxa de crescimento das favelas, que era da ordem de 20,16%. As favelas paulistanas seguiam ocupando encostas, beiras de cursos d’água, áreas de mananciais e várzeas de rios – como a Edith, na várzea do rio Pinheiros – tornando-se um ‘problema’urbano nas décadas seguintes (KEHL, 2010, p. 55). HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 27 Na análise de Kehl (2010, p. 97), a favela: “[...] é uma construção comunitária: nela cada tijolo é uma biografia. Ao contrário da ‘cidade formal’, e exatamente como as antigas aldeias da pré- história, a favela é um ambiente que foi inteiramente construído, com as próprias mãos, pelos mesmos homens que a habitam” e, portanto, não “fala a mesma linguagem, nem apresenta o mesmo padrão de desenho da vizinha ou do entorno”. Desde seu início aos dias atuais, as favelas se transformaram fisicamente de barracos de madeira e chão de terra batida para habitações de alvenaria assobradadas e laje de cobertura, e, em termos sociais, é habitada por “trabalhadores pobres que produzem e consomem e que não encontram na metrópole local acessível de moradia no mercado formal” (PASTERNAK, 2002, p. 10). A favela Jardim Edith também era constituída por barracos de madeira, e antes da sua desocupação, em 2005, já existiam também construções em alvenaria. Embora a questão da favela tenha sido tratada no decorrer dos anos como um problema a ser eliminado, devido às suas dimensões e consolidação, tornou-se uma realidade a ser contemplada, conforme opinião do então secretário da habitação do Estado de São Paulo, Lair Krähenbühl (2009, p. 20), já que a favela é fruto da “desigualdade econômica e social que precisa ser combatida”, e hoje não se pode “imaginar que favelas como Heliópolis ou Paraisópolis (ou Jardim Edith) vão sumir do mapa”, uma vez que são espaços estabelecidos e dotados de infraestrutura. A questão do direito de moradia digna e do acesso aos meios de subsistência está resguardada a todos os cidadãos brasileiros, conforme a Constituição Federal. Porém, a realidade para muitas famílias é bem diferente. Na impossibilidade de participar da cidade formal, muitas vezes a alternativa é habitar uma favela. “Ninguém decide morar numa favela porque quer. A favela é o que mercado imobiliário disponibiliza para quem HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 28 tem pouca renda, em geral em áreas que o mercado formal não pode ou não quer ocupar” (ROLNIK, 2009)11. A favela, portanto, é uma questão complexa, marcada pela história de forma negativa e excludente. Conforme afirma Raquel Rolnik, que corrobora com a opinião do Secretário Krähenbüh: “Se, em função da distribuição da renda e riqueza do país, um grande número de pessoas não tem acesso a condições adequadas de moradia pela via do mercado, é obrigação do poder público garantir políticas para que este direito seja implementado para todos” (ROLNIK, 2009)12. Para a superintendente de Habitação Popular, Elisabete França (PMSP, 2010, p. 11), “as favelas paulistanas são um fenômeno urbano, surgido a partir do desenvolvimento de São Paulo, e estão inseridas na estrutura da cidade como um de seus elementos morfológicos, que, embora informais, definem seu partido urbanístico”, complementa ainda que as favelas da cidade real são distinguidas por duas características distintas: [...] A primeira é que sua formação não obedece a nenhuma das regras urbanas ou legislativas: as ruas não são definidas antes da construção das casas e as redes de água e esgoto são implementadas depois da construção das moradias. A segunda é que as unidades habitacionais são construídas de acordo com a disponibilidade de lotes vazios. [...] (PMSP, 2010, p. 11). Compreender as diferenças entre a cidade formal e informal é fundamental para orientar as políticas públicas na solução desses territórios como parte integrante da cidade, e não isolada ou segregada da sociedade, excluindo qualquer estereótipo sobre as favelas. As políticas públicas devem implementar programas que permitam a urbanização de favelas e considerem a cidade como um território diversificado, que investe na 11 O texto foi publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo, em 18/10/09, versão digital, mapas e gráfico sobre moradia popular. Porém, o link não estava mais disponível, somente no blog da autora. 12 Disponível em: https://raquelrolnik.wordpress.com/tag/favela/ - Acessado em: 25 jul. 2016. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 29 integração e uso misto, onde os “cidadãos devem ter seus direitos sociais garantidos e afeiçoadas a seus territórios” (FRANÇA, 2009, p. 20). Foi dessa forma que a favela Jardim Edith foi considerada. Assim, ela foi incorporada ao Programa de Urbanização de Favelas, o que garantiu uma melhor integração da população com a cidade, dando qualidade e preservando as relações já adquiridas pela ocupação, como acesso a redes comunitárias, a empregos e, a equipamentos públicos, conforme previsto na Constituição Federal. Entretanto, deve ser considerado que mesmo em processos de urbanização, as remoções podem ser necessárias. Nesse sentido, a Jardim Edith foi removida temporariamente até que o projeto fosse concluído. Contudo, a permanência dela no local de origem não foi tão simples. Os problemas enfrentados pela comunidade serão tratados com mais detalhes no capítulo 2. Em 1970, após a mudança nos planos do governo para a construção do anel viário da cidade, as terras ao longo do córrego Água Espraiada, se encontravam desapropriadas. Muitos dos imóveis indenizados foram ocupados pelos próprios funcionários do DER e as terras serviram para a construção de moradias precárias, habitadas por migrantes que vinham trabalhar em São Paulo e, posteriormente, por moradores de outras regiões da cidade (FIX, 2007, p. 97). A desapropriação realizada pelo DER fez com que as ocupações fossem acontecendo progressivamente. As favelas foram se consolidando nos diversos bairros à margem do córrego. Nas terras localizadas entre a Marginal Pinheiros e a Avenida Berrini, nasceu a favela Jardim Edith, que em 1995, chegou a ocupar uma área de 68 mil metros quadrado e a abrigar uma população de 3 mil famílias (FIX, 2001, p. 37). Segundo o que o Sr.Gerôncio13, morador e líder comunitário do Jardim Edith, relata, a “favela era tão grande” que ocupava todo o terreno onde está a sede da Rede Globo até a rua James Joule, atrás do Centro Empresarial Nações Unidas (CENU) (Figura 6). Em seu texto, Elisabete França ressalta que: 13 Visita realizada em 22 de agosto de 2015, o Sr.Gerôncio faleceu em 16 de setembro de 2015. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 30 “É importante entender que as favelas foram construídas como uma reação à exclusão social e à segregação espacial e se tornaram, ao mesmo tempo, uma alternativa de autoproteção para seus milhares de moradores, que se estabeleceram nas áreas periféricas das cidades durante um processo de crescimento urbano acelerado” (PMSP, 2010, p. 11). Da mesma forma que a favela Jardim Edith se desenvolvia, o processo de urbanização da Avenida Berrini era cada vez mais intenso. A empresa Bratke-Collet, avançava com os planos de desenvolvimento da nova centralidade de São Paulo. Figura 6 - Favela Jardim Edith - 1995 – Fonte: FRÚGOLI JR. (2000, p. 258) – Adaptado pelo autor. A construção da Avenida Berrini, sinalizou a melhoria da infraestrutura e a valorização da região para receber mais investimentos e se tornar o polo empresarial do setor terciário, como veremos a seguir. Avenida Eng. Luís Carlos Berrini CENU Favela Jardim Edith HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 31 EDITH: A “ESQUINA DA RIQUEZA”14 Entre os anos de 1974 e 1976, a empresa Bratke-Collet adquiriu 30 terrenos na extensão do Rio Pinheiros,limitados ao bairro do Brooklin, entre as avenidas Bandeirantes e Roque Petroni (FRÚGOLI JR., 2000, p. 177). Os terrenos adquiridos, com valores abaixo do mercado, em sua maioria, se localizavam nos bairros Cidade Monções e Jardim Edith, este último segundo Nunes (2010), era delimitado pelo perímetro que compreendia a margem do Rio Pinheiros, rua Arizona, Rua Guaraiuva e a margem do córrego Água Espraiada até encontrar a Marginal. Dessa forma, a Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini15 pode ser considerada uma invenção da Bratke-Collet, o que originou o apelido ‘Bratkelândia’ para a região. A Empresa desenvolveu projetos de várias torres de escritórios, monopolizando quase toda a região, que aos poucos foi deixando de ser um bairro residencial e adquirindo característica comerciais. Assim, a partir de 1975, os edifícios de escritórios e a população de funcionários corporativos atraíram investimentos em comércio e serviços, além de benfeitorias na infraestrutura urbana, gerando oportunidades de emprego. Mesmo a população residente na favela Jardim Edith, às margens do córrego Água Espraiada, pôde se inserir, com ofertas de empregos, nos comércios e serviços da região. A favela Jardim Edith se tornou, então, vizinha de megaprojetos que começaram a surgir na região, entre eles a Bolsa de Imóveis do Estado de São Paulo, em 1980, que planejou a concepção do CENU (Figura 7), um imponente conjunto composto por três torres, símbolo do poder 14 O título é utilizado por Mariana Fix no livro “São Paulo: cidade global”, nesta dissertação utilizo a mesma expressão, por traduzir a conclusão da evolução sobre a origem do Jardim Edith. 15 Neste trabalho, a partir desse momento, por ser mais usual a denominaremos por Avenida Berrini. Figura 7 - Indicação das áreas do CENU e Jardim Edith. Fonte: FIX (2007, p. 82) - Adaptado do autor. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 32 e dinheiro. O terreno de 32.367 metros quadrados para a realização do projeto ficava entre a Marginal Pinheiros e a Avenida Berrini, e a divisa de lote se dava com a favela Jardim Edith. Essa proximidade contribuiu na diminuição dos valores negociados, o que tornou a aquisição mais acessível. A incorporadora previa o grande potencial de valorização da área caso a remoção da população favelada acontecesse. Em 1989, o escritório Botti Rubin foi contratado para realizar o projeto do CENU. A primeira proposta contemplava a construção de quatro torres, mas, por questões de investimento, uma das torres foi subtraída da concepção inicial. Em 1992, inicia-se a construção das três torres, contribuindo com o skyline da Berrini (FIX, 2007, p. 80). O progresso da região fez com que os projetos de melhorias na infraestrutura da Avenida Água Espraiada fossem retomados. As análises do projeto tiveram início na gestão de Jânio Quadros (1985-1988), com base na Lei de Melhoramentos de 1964. A proposta foi redesenhada para atender ao novo limite da implantação do bairro, mas nada foi feito nesta gestão. A sucessora, Luiza Erundina (1989-1992), também fez revisões no projeto e, em 1990, incluiu a proposta numa Operação Urbana16 (FIX, 2007, p. 90). As modificações realizadas pelas gestões anteriores não foram executadas, e somente na gestão de Paulo Maluf (1992-1996) foram concretizadas com as devidas alterações do então atual prefeito. O projeto foi idealizado pela Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), ainda na gestão Erundina, e previa intervenções no sistema de drenagem, sistema viário e a realocação das favelas (dentro do mesmo quadrilátero). Na gestão Maluf, o projeto da Operação Urbana foi retirado da Câmara e voltou para a Emurb e, ao contrário do que defendia, foi reelaborado e, de uma via local passou para uma via expressa, a fim de conectar a Marginal Pinheiros com a Rodovia dos Imigrantes, conforme determinação do prefeito em exercício (FIX, 2001, p. 92). Essa decisão afetou diretamente toda a população da favela Jardim Edith que residia no final do córrego, sendo este o principal obstáculo para a conexão direta da futura 16 A Operação Urbana, assim como a Legislação inerente a esse estudo serão abordadas no Capítulo 2. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 33 avenida com a marginal do rio. A remoção de uma parcela da população, que se formou a partir dos anos 1970, fez com que as famílias do Jardim Edith se sentissem ameaçadas, pois as transformações urbanas e o interesse do mercado imobiliário pressionavam a saída da favela. Como os empresários da região tinham interesse na valorização dos empreendimentos, constituíram a Associação de Promoção Habitacional e Social, em 1995, para ajudar a Prefeitura no processo de remoção da favela. O pool de empresários arrecadou 8 milhões de reais para a compra de um terreno e a construção de um conjunto habitacional localizado a 15 quilômetros da Av. Berrini, no Jardim Educandário (FIX, 2001, p. 32). Contudo, o processo de remoção não foi amigável e, ainda na gestão Maluf, teve início o processo de canalização do córrego Água Espraiada, para a construção da avenida homônima. No cadastramento para a remoção, os moradores tinham três opções: comprar uma moradia financiada pela Prefeitura, receber uma verba em dinheiro ou ganhar uma passagem de volta à ‘terra natal’ (FIX, 2001, p. 32). Famílias que optaram pela moradia seriam reassentadas em terrenos da Prefeitura a 50 quilômetros da Berrini, na Zona Leste, no Barro Branco, Cidade Tiradentes. A segunda opção era uma ajuda de custo de R$ 1.500,00 para ajudar na mudança (sem um destino exato), a Prefeitura fazia o transporte de graça. A terceira opção, era o retorno das famílias para os estados de origem, como Pernambuco, Bahia e Paraíba. Em paralelo ao processo de remoção da população favelada, os investimentos na infraestrutura da região se intensificavam nessa época, houve até uma proposta para construção de um aeroporto de helicópteros com área de 20 mil metros quadrados em parte do terreno da favela Jardim Edith. As obras do minianel viário na avenida Bandeirantes, o complexo Maria Maluf e a avenida Água Espraiada seguiam em obras (CORADIN, 2014, p. 157). Em 2003, o primeiro projeto da ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira (Figura 8) foi avaliado na gestão da prefeita Martha Suplicy (2001–2004), porém, o alto investimento fez com que o projeto fosse revisto, retornando em 2005, na gestão de José Serra HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 34 (2005-2006). A atualização do projeto deu origem à ponte executada, bem diferente da proposta inicial. A conclusão das obras aconteceu em 2008, sendo inaugurada na gestão do prefeito Gilberto Kassab (2009-2012). Figura 8 – Maquete virtual do projeto da Ponte Estaiada (projeto não executado) - gestão da Marta Suplicy (2001- 2004) - Fonte: FIX (2007, p. 111). Com a inauguração da ponte estaiada, a favela Jardim Edith passou a ter maior visibilidade, por estar no endereço mais caro e cobiçado da região de São Paulo, exatamente no cruzamento das avenidas Berrini e Jornalista Roberto Marinho. No próximo capítulo será abordado o processo que a população da favela enfrentou para conquistar a permanência no local de origem. O diálogo será realizado com base no Estatuto da Cidade, Plano Diretor Estratégico e Operação Urbana Consorciada, documentos legais que promulgam o direito adquirido pela comunidade do Jardim Edith. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 35 [ 02 ] HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 36 CAPÍTULO2 | EDITH: A TRAJETÓRIA Neste capítulo, pretende-se abordar os principais acontecimentos que determinaram a permanência da comunidade do Jardim Edith no local de origem até a sua urbanização. Esse processo teve início em 1993 e findou em 2008, com a determinação do juiz para o cumprimento da legislação com a construção de novas moradias destinadas à população remanescente, processo que durou, então, de 2008 a 2013. Na gestão de Paulo Maluf (1993-1996), teve início o projeto de construção da avenida que ligaria a Marginal Pinheiros à Av. Washington Luís. O início das obras de canalização e construção da Av. Água Espraiada removeu, grande parte dos moradores da favela. De acordo com Rodrigo Gomes, em reportagem da Rede Brasil Atual17, na época “foram removidas para os extremos da cidade cerca de 30 mil moradores que viviam a pelo menos duas décadas no local”. Ao que parece, o então, prefeito Paulo Maluf não levou em consideração as palavras de Ulisses Guimarães, proferidas em seu histórico discurso na Assembleia Nacional Constituinte ao promulgar a Constituição Federal, em 1988, quando destacou a importância da participação popular: “O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o super legislador habilitado a rejeitar pelo referendo os projetos aprovados pelo Parlamento”. Ele também afirmou que a Constituição não era perfeita, mas que abriria novos caminhos: “É caminhando que se abrem caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.”18 Naquele episódio, as famílias da favela Jardim Edith tiveram participação na decisão municipal, embora o direito à moradia fosse assegurado pelo Artigo 6º, Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que define que: 17 Fonte: www.redeatualbrasil.com.br – Acesso em: 25 nov. 2015. 18 Discurso de Ulysses Guimarães. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/camara-e-historia/339277-integra-do- discurso-presidente-da-assembleia-nacional-constituinte,--dr.-ulysses-guimaraes-(10-23).html>. Acesso em: 17 ago. 2016. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277-INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULYSSES-GUIMARAES-(10-23).html http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277-INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULYSSES-GUIMARAES-(10-23).html HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 37 São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988, grifo nosso) Considerada uma das constituições mais democráticas do mundo, a ‘Constituição Cidadã’ viabiliza novos instrumentos urbanísticos de controle do uso do solo, possibilita o acesso à terra e a democratização do solo urbano (FONTES, 2011, p. 29). Os Artigos 182 e 183, que versam sobre políticas urbanas, pré-definem parâmetros importantes sobre o Plano Diretor e a função social da cidade: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes (BRASIL, 1988, grifo nosso). Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, 1988, grifo nosso). Tais diretrizes constitucionais anteciparam, por exemplo, o conceito de urbanização de favelas que só se consolidou após a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), realizada em Istambul, Turquia, em 1996. Nesse encontro foram tratados assuntos que definiram um plano internacional de ações sobre o desenvolvimento social e a erradicação da pobreza (PMSP, 2008, p. 18). O objetivo seria o de enfrentar o problema dos assentamentos precários existentes na maioria das periferias das cidades, o programa urbanização de favelas traz propósitos que influenciam diretamente na vida da população de baixa renda. De acordo com a Prefeitura Municipal de São Paulo (2008): A urbanização de favelas tem como propósito central a superação de um conjunto de déficits relacionados à infraestrutura, acessibilidade, disponibilidade de equipamentos sociais e serviços públicos, como também a construção de novas e dignas moradias. [...] O conceito central desse tipo de intervenção é o da permanência da maioria dos moradores e da garantia de continuidade dos investimentos realizados na construção da moradia (PMSP, 2008, p. 19). HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 38 Na década de 1980, em São Paulo, as primeiras experiências aconteciam de forma isolada; mas fizeram com que o assunto fosse incorporado à agenda da política habitacional e, posteriormente, fosse também transformado num dos componentes da política habitacional, pois o programa ajudava a melhorar o estoque de soluções habitacionais (PMSP, 2008, p. 18). O primeiro projeto de urbanização de favelas em larga escala foi o Programa Guarapiranga, em 1990, com resultado positivo sobre o bem-estar e a qualidade de vida das famílias moradoras das áreas especificadas (PMSP, 2008, p. 18). Segundo Elisabete França, naquela época “... Eram poucas e isoladas as experiências similares que pudessem servir como exemplo”. Centenas de áreas foram trabalhadas, com erros e acertos, que permitiram concluir e considerar o programa de mananciais um precursor da urbanização de favelas e como componente importante da política habitacional nas cidades brasileiras (FRANÇA, 2009, p. 194). França participou de vários projetos habitacionais (HIS), convidando alguns escritórios de arquitetura para desenvolver estudos e propostas de empreendimentos, como o Jardim Edith, que veremos adiante. Os direitos da comunidade Jardim Edith só começaram a ser, efetivamente, observado, quando o Sr. Gerôncio Henrique Neto se tornou líder comunitário, a partir de 1995. A luta para garantir o direito dos moradores em permanecer na área remanescente que não havia sido desocupada pela gestão Paulo Maluf, motivou o líder a compreender e estudar a legislação e a Constituição; participou da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e das Jornadas pela Moradia Digna e formalizou a comunidade na Associação de Moradores do Jardim Edith. Em 1996, com a inauguração da Av. Água Espraiada19, a favela não sofreu mais intervenções e a região passou por uma grande transformação e valorização fundiária. A situação dos moradores do Jardim Edith se manteve inalterada até 2002, quando uma nova perspectiva se abriu em função do Estatuto da Cidade. Em 2001, o Estatuto da Cidade foi promulgado pela Lei 10.257, de 10 de julho, que regulamenta os artigos 182 e 183 da ‘Constituição Cidadã’ e trata diretamente sobre a política urbana. Denominada “Estatuto da Cidade” a Lei estabelece normas que definem o “interesse social” e que regula o uso da propriedade urbana “em prol do 19 Atual Avenida Jornalista Roberto Marinho. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 39 bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2001). O Estatuto da Cidade implementou inovações nas práticas tradicionais da gestão urbana no Brasil, ou seja,a partir dele, os Planos Diretores deveriam ser elaborados exclusivamente pelos poderes municipais, devendo ser aprovados pela Câmara Municipal. Dessa forma, o Plano Diretor seria o instrumento garantidor do desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem- estar de seus cidadãos (FONTES, 2011, p. 31). Em 2005, a SEHAB criou o Programa de Urbanização de Favelas (PUF), cujo foco seria a urbanização e regularização fundiária de áreas degradadas, ocupadas desordenadamente e sem infraestrutura. Dessa forma, para estimular a produção de habitacional, a SEHAB melhorou a dinâmica e a sua administração, agilizando a aprovação de projetos e estimulando a produção de habitações pelo mercado imobiliário (PMSP, 2008). O PUF também previa a qualificação do espaço público, tendo como objetivo principal a integração e inserção na malha urbana. Dessa forma, projetos destinados a este fim deveriam apresentar soluções para os problemas de saneamento, drenagem, acessibilidade, estabilidade e eliminação de riscos, além de enfrentar o desafio central, articular os espaços e equipamentos públicos para criar área de convivência social (PMSP, 2008, p. 19). Além disso, os projetos deveriam considerar a morfologia urbana, a arquitetura existente e o terreno. Esses condicionantes permitem criar soluções que proporcionam ao morador o acesso: aos serviços básicos de infraestrutura, a novos equipamentos públicos e a espaços coletivos, o que torna possível a socialização e a cidadania. O Estatuto da Cidade, o Plano Diretor Estratégico e o Programa de Urbanização de Favelas, em conjunto, representam uma mudança significativa das políticas públicas em relação aos assentamentos precários e às comunidades carentes. A partir dessa nova ‘visão de mundo’ a comunidade de Jardim Edith começa a ser beneficiada. Em 2001, foi aprovada a primeira Operação Urbana Consorciada para a região do córrego Água Espraiada. Isto só foi possível devido ao Estatuto da Cidade e ao Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) promulgado mediante à Lei 13.430, de 13 de setembro de 2002 e normas complementares mediante à Lei 13.885, de 25 de agosto de 2004, que garantiram a participação da população nas decisões. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 40 As Operações Urbanas Consorciadas, como a do Jardim Edith – mediante Art.32 do Estatuto da Cidade e Art.225 do Plano Diretor Estratégico - são intervenções pontuais de melhorias urbanas, sociais e ambientais em regiões específicas, que devem ser coordenadas pelo Poder Público. Contudo, a escolha das melhores soluções e a decisão a ser tomada deve ser mediante consulta pública. Dessa forma, com o Plano Diretor Estratégico de 2002, o Jardim Edith foi consultado e conquistou o direito de ter a área que ocupava, há mais de quarenta anos definida como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), destinada à promoção de Habitação de Interesse Social (HIS). A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (OUCAE) foi promulgada pela Lei 13.260/2001, aprovada logo após o Estatuto da Cidade, e teve como diretriz principal a revitalização da região de sua abrangência, com intervenções que incluem sistema viário, transporte coletivo, habitação social e criação de espaços públicos de lazer e esportes (PMSP, 2016b). A área ocupada pela comunidade do Jardim Edith pertence ao Setor 2-Berrini, compondo um total de seis setores o perímetro total da OUCAE (1- Marginal Pinheiros, 3-Chucri Zaidan, 4-Brooklin, 5-Jabaquara e 6-Americanópolis) (Figura 9). Figura 9 - Perímetro e Setorização da OUCAE – Fonte: EMURB - Acesso: 27 ago. 2016. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 41 Portanto, a conquista da permanência da comunidade do Jardim Edith só foi possível devido à mudança de ‘visão de mundo’ do poder público associado à persistência do líder comunitário Sr. Gerôncio. Ele, junto com a Defensoria Pública, lutou pela garantia dos direitos desses moradores, previamente estabelecidos pela ‘Constituição Cidadã’. A definição da área da favela como ZEIS1 determinou os futuros embates promovidos pelo interesse nessa área, principalmente pelo pool de empresários que se organizaram para que a favela do Jardim Edith saísse do lugar que estava. As pressões também aconteciam por parte do mercado imobiliário e políticos (informação verbal), e, segundo relato do Sr. Gerôncio à Rede Brasil Atual: “A nossa Zeis foi demarcada três vezes. Sempre na surdina. Mas a gente acompanhava tudo de perto, teve muita gente que ajudou, dava toques. E a gente brigava, ia na Defensoria, no Ministério Público. Até demarcar a zona de novo”. Outro depoimento do líder comunitário à RBA foi sobre o incêndio que aconteceu no dia 4 de setembro de 2007: “Fizeram uma audiência pública sobre a Operação Urbana na subprefeitura de Pinheiros, em setembro, e não queriam que a gente participasse. Nós lotamos o lugar e teimamos que íamos participar. Eles não conseguiram fazer a reunião, então remarcaram para um clube, para caber todo mundo”20. Concluindo o relato: “A reunião foi dia 3 de setembro, no dia 4 pegou fogo na favela. A coisa foi tão estranha que, no dia seguinte, cedinho, estavam todos aqui: secretários de assistência social e habitação, e o prefeito Kassab, com muitas alternativas para que as pessoas deixassem a favela”. Naquela época, a favela era composta por 842 famílias21 e, provavelmente, a estratégia para desarticular a comunidade e enfraquecer a liderança funcionou parcialmente, pois parte dessa população acabou aceitando uma opção das propostas ofertadas, por conta da incerteza sobre o futuro, por não acreditarem mais que conseguiriam a moradia no mesmo lugar ou mesmo para não correr mais riscos de acidentes. Depois, em outubro de 2007, o Sr. Gerôncio entrou com uma ação na Justiça para reivindicar que a Lei fosse cumprida e que a comunidade tivesse o direito de permanecer no local original. Segundo informações disponíveis na Prefeitura 20 Fonte: www.redebrasilatual.com.br – Acessado em: 15 ago. 2016. 21 Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br - Acessado em: 21 jun. 2016. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 42 Municipal de São Paulo22, as famílias remanescentes da comunidade teriam que escolher entre três opções: 1) compra de um imóvel em área pública escolhida pelo proprietário no valor de R$ 8 mil; 2) recebimento do valor de R$ 5 mil que poderia servir para retornar à cidade natal ou 3) receber Carta de Crédito a fim de viabilizar o financiamento pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU). No entanto, devido à ação judicial empreendida por Sr. Gerôncio, uma ordem judicial suspendeu as remoções e promoveu a conciliação entre as partes envolvidas. Ainda em 2007, um acordo foi estabelecido prevendo que fossem construídas unidades habitacionais pela OUCAE - o residencial Jardim Edith -, o que fez aumentar as opções para que as famílias pudessem agora escolher entre seis possibilidades: 1) Programa de Arrendamento Residencial (PAR) Raposo Tavares; 2) escolha entre dois empreendimentos da CDHU no Campo limpo ou em José Bonifácio; 3) a opção pela Carta de Crédito; 4) escolha entre outros dois empreendimentos da OUCAE Estevão Baião e Jardim Edith. Dessa forma, algumas famílias da comunidade Jardim Edith aceitaram as propostas da Prefeitura Municipal de São Paulo e seguiram destinos diferentes, pois muitos deles não acreditavam que conseguiriam continuar a viver no mesmo local da favela e que teriam o direito à habitação digna, conforme Tabela 1: Destino dos moradores do Jardim Edith23: Famílias Propostas 244 Ajuda de custo de R$ 5.000,00 130 Auxílio para compra de outro imóvel no valor de até R$ 8.000,00 54 Optaram por apartamentosno Residencial Estevão Baião - OUCAE 04 Optaram pelo empreendimento da CDHU em José Bonifácio 114 Optaram pelo empreendimento da CDHU em Campo Limpo 01 Optou pela carta de crédito para viabilizar o financiamento de um imóvel pela CDHU. 240 Optaram por apartamentos no Residencial Jardim Edith. Tabela 1 - adaptada pelo autor com informações disponíveis na página virtual da PMSP – 2009. 22 Ibidem. 23 Ibidem. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 43 Ao final do processo, foi fixado o número de 252 famílias destinadas a receber as unidades habitacionais do futuro Conjunto Residencial Jardim Edith. Portanto, 252 famílias acreditaram na “teimosia” do líder comunitário Sr. Gerôncio. Depois de um longo processo, o Jardim Edith seria efetivamente uma ZEIS 1, ou seja, uma área urbana dotada de infraestrutura, equipamentos sociais, áreas verdes e comércio, serviços e oportunidades de emprego, conforme define Fontes: “As ZEIS dentro de uma operação urbana devem ter definido seus padrões específicos de parcelamentos, edificação, uso e ocupação do solo, e afixar preço e forma de financiamento, de transferência ou de aquisição das unidades habitacionais a serem produzidas, além de definir os critérios para a construção de áreas superior ao coeficiente de aproveitamento, viabilizando, assim, a oferta de Habitação de Interesse Social” (FONTES, 2011, p. 47) Sem a ação da comunidade perante a justiça, provavelmente o mercado imobiliário seria implacável na ocupação desta área, e as famílias do Jardim Edith seriam expulsas para as periferias, repetindo a história de segregação na habitação popular. “A utilização das ZEIS, como um zoneamento especial, tem significado de mudança profunda na forma de utilização deste instrumento como instrumentos de planejamento urbano, na medida em que passa a reconhecer a ilegitimidade urbana como parte da cidade, bem como estabelece uma forma de utilização do zoneamento com objetivo inverso da segregação urbana” (ROMEIRO, 2010, p. 49). A favela do Jardim Edith, originalmente, ocupava terrenos pertencentes tanto ao Estado de São Paulo quanto ao Município de São Paulo (Figura 10). Apenas em 2007, a Prefeitura Municipal iniciou o processo de remoção da população para destinar a área a produção de habitações de interesse social (HIS). HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 44 Figura 10 - Indicação dos lotes do Estado e Município. Fonte: Associação de Moradores do Jardim Edith – Disponível em: <http://jardimedith.blogspot.com.br/> - Acessado em: 17 jul. 2016. Dessa forma, pela primeira vez na história da cidade de São Paulo, uma HIS seria construída com verba das Operações Urbanas Consorciadas24: Água Espraiada. Na época, a Prefeitura Municipal descreveu a intervenção da seguinte maneira: “No Jardim Edith, no Brooklin, serão construídas 252 unidades habitacionais divididas em dois tipos. Um com cinco pavimentos, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, distribuídos em 50 m² de área útil, e outro composto por três torres com 15 andares e apartamentos de 52 m². Esse último possui a inovação da utilização de elevadores. [...] O projeto envolve ainda a construção de uma Assistência Médica Ambulatorial (AMA), uma Unidade Básica de Saúde (UBS), uma creche e um restaurante-escola (onde se ministraram aulas de gastronomia). [...] Todos os condomínios são fechados com gradis, muros e portões. Possuem áreas de lazer coberta e descoberta, jardins, playground, quiosque, quadras de esporte e paisagismo”. (Portal da Prefeitura de São Paulo)25 No programa de necessidade acima descrito, destaca-se a verticalidade da proposta e a presença de equipamentos públicos - AMA, UBS e Creche, estes só incluídos no projeto mediante solicitação da comunidade, segundo Sr. Gerôncio26 (informação verbal). 24 Operações urbanas são projetos de melhoria ambiental e de infraestrutura em áreas determinadas da cidade, financiados pela venda de potencial construtivo. 25 Ibidem. 26 Em visita ao conjunto residencial Jardim Edith, em 22 ago. 2015. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 45 No período de 2008 a 2013, foram desenvolvidas quatro propostas diferentes para o Condomínio Residencial Jardim Edith, as quais foram objeto da dissertação de mestrado de Monika Olczyk27. Segundo Olczyk, foram inúmeras as mudanças, desde o número de famílias a serem contempladas até o perímetro do terreno, que na primeira proposta era muito maior do que a área disponibilizada para a proposta final. Esse fato se deve as propostas ofertadas pela Prefeitura às famílias do Jardim Edith, os incrédulos optaram por outras moradias ou voltar para a cidade natal. Essa questão faz refletir sobre o “lugar do pobre”, o destino será sempre a periferia, longe das relações já consolidadas de emprego e escola, por exemplo, o Jardim Edith promove a requalificação na vida da comunidade e a integração com a cidade, a sustentabilidade social deve agregar valores aos projetos de habitação. Segundo entrevista com a arquiteta Marta Moreira, do escritório MMBB, responsável pelo desenvolvimento do projeto juntamente com o escritório H+F, “após diversos estudos e propostas conforme a demanda solicitada pela SEHAB”, o projeto foi totalmente concluído e entregue aos moradores em 2013. Elisabete França, então superintendente da SEHAB entre os anos de 2005 e 2012, comenta o resultado: “Trata-se de um momento importantíssimo para a cidade de São Paulo, principalmente para as famílias de baixa renda que há tanto tempo lutam para ter moradia digna nessas regiões valorizadas da cidade, onde residem há anos, mas das quais acabavam sendo removidas por causa das obras viárias”. (Portal da Prefeitura de São Paulo)28 O terceiro capítulo irá apresentar a análise do projeto arquitetônico do Conjunto Residencial Jardim Edith, que pertence ao metro quadrado mais valorizado da cidade de São Paulo, onde podemos verificamos a transformação e inserção da população de baixa renda nos centros urbanos, sendo uma conquista particular dessa comunidade que se uniu, lutou e acreditou que a Lei pudesse ser respeitada e cumprida. 27 Dissertação: Problemática e metodologia projetual para habitação de interesse social: análise do conjunto residencial Jardim Edith – Ano: 2015. 28 Disponível em: < http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/noticias/?p=23970> - Acessado em: 02 set.2015. HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 46 [ 03 ] HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: JARDIM EDITH DA FAVELA AO CONJUNTO RESIDENCIAL | 47 CAPÍTULO 3 | EDITH: CONJUNTO RESIDENCIAL Antes de iniciar a análise do projeto Jardim Edith, se fez necessário apresentar algumas referências da arquitetura social que antecedem a proposta deste Conjunto Residencial. O tema da habitação era um assunto constante nos Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAMs), as discursões e propostas para a “casa mínima”, foram praticadas na arquitetura moderna nos projetos de habitação coletiva. O 2º Congresso CIAM, realizado em 1929, Frankfurt, Alemanha, tinha como tema “A Habitação para o Mínimo de Vida”, destaca a presença dos alemães, em sua maioria socialistas ou trabalhando para administrações progressistas (BRUNA, 2010, p.46). O 3º Congresso CIAM, realizado em 1930 em Bruxelas, apresentou o tema “Métodos Construtivos Racionais”, as discussões foram sobre a verticalização das propostas habitacionais, Le Corbusier tinha uma posição favorável aos edifícios de grande altura, altas
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