Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós Graduação em Urbanismo-PROURB WILIAM FERNANDO GOMEZ VOLTA REDONDA A CIDADE PRIVATIZADA CONFLITOS E CONTRADIÇÕES URBANAS RIO DE JANEIRO 2010 WILIAM FERNANDO GOMEZ VOLTA REDONDA A CIDADE PRIVATIZADA CONFLITOS E CONTRADIÇÕES URBANAS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo – PROURB – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como requisito parcial a obtenção do titulo de Mestre em Urbanismo Orientadora: Prof.Dra. Sônia Azevedo Le Cocq d´Oliveira RIO DE JANEIRO 2010 Wiliam Fernando Gómez Volta Redonda a Cidade Privatizada Conflitos e Contradições Urbanas Programa de Pós-Graduação em Urbanismo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Brigadeiro Trompowski, s/n Edifício da FAU – 5º andar Cidade Universitária – Ilha do Fundão 21491-590 Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel. 55 21 2598 1991/2598-1975 Rio de Janeiro – RJ 2010 http:// www.fau.ufrj.br/prourb wiliamgomez@yahoo.com.br G633 Gomez, Wiliam Fernando, Volta Redonda a cidade privatizada, conflitos e contradições urbanas/ Wiliam Fernando Gomez. – Rio de Janeiro: UFRJ/FAU, 2010. 182f. Il.; 30 cm. Orientador: Sônia Azevedo Le Cocq d’Oliveira. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/PROURB/Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2010. Referências bibliográficas: p.166-182. 1. Planejamento urbano. 2.Volta Redonda (RJ). 3. Cidade industrial. I. Oliveira, Sônia Azevedo Le Cocq d’. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título. CDD 711.4 WILIAM FERNANDO GOMEZ “Volta Redonda a Cidade Privatizada Conflitos e Contradições Urbanas” Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo – PROURB – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como requisito parcial a obtenção do titulo de Mestre em Urbanismo Aprovado em: 30 de Setembro de 2010. Profa.Doutora Sônia Azevedo Le cocq D´Oliveira/PROURB/FAU-UFRJ (Orientadora) Prof. Doutor Cristóvão Fernandes Duarte /PROURB/FAU-UFRJ Prof. Doutor Cláudio Antonio Santos Lima Carlos/DAU/IT/UFRRJ Rio de Janeiro 2010 Agradecimentos Ao pensar fazer Mestrado em Urbanismo, pouco tempo após a minha graduação em Arquitetura e Urbanismo no ano de 2005, busquei orientação junto ao meu ex-professor da graduação Prof.Dr. Cláudio Antonio Santos Lima Carlos, para ingresso no programa de mestrado do PROURB, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, ao qual faço o agradecimento principal pelas orientações quanto à literatura e auxilio na elaboração do meu projeto de pesquisa. Na busca do objeto do tema desta dissertação o Arquiteto Urbanista da Secretaria de Planejamento de Volta Redonda, José Roberto Gomes, foi fundamental na proposta do tema, indicando a relevância e ineditismo do mesmo, e colaborando com informações e entrevista. No Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano – IPPU Volta Redonda, agradeço o apoio em materiais disponibilizados e entrevista pela Arquiteta Urbanista Claudia Chaves Cabral; ao Secretário de Planejamento Lincoln Botelho da Cunha, pela atenção e informações passadas, quanto a informações históricas do desenvolvimento urbano da cidade e outros dados importantes; ao ex-professor da Faculdade de arquitetura e Urbanismo - UGB o Arquiteto e Urbanista Sergio Fernandez, pela visão crítica dos problemas urbanos objetos de estudo desta dissertação passados em entrevista. Agradeço especialmente a José Maria da Silva, membro do Movimento Ética na Política – MEP, que disponibilizou todo o seu acervo pessoal contendo reportagens sobre a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, assim como a entrevista concedida, baseada na sua vivência pessoal, que serviu de base para a elaboração de quase todo o capítulo IV. Na parte revisional do texto agradeço a Margarida de Assis e Irene Cristina Dias pelas correções. Para finalizar agradeço a minha orientadora Profa. Doutora Sônia Azevedo Le Cocq d´Oliveira, as orientações fornecidas para a delimitação do tema e o acompanhamento do desenvolvimento. A todos os professores do PROURB, que me forneceram as bases para o mestrado, a secretária Keila sempre disposta a resolver os problemas apresentados por nós alunos. A FAPERJ pela bolsa fornecida, que sem ela aumentaria em muito a minha dificuldade para a conclusão deste mestrado. E às demais pessoas e colegas de turma que de forma indireta me auxiliaram neste trabalho com a compreensão e paciência. As Contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo pratico e social e, especificamente, do conteúdo capitalista. Com efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende ser racional quando, na pratica, é comercializado despedaçado, vendido em parcelas. Assim, ele é simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é absurdamente recortado. Estas contradições explodem no plano institucional. (Henri Lefevbre, Espaço e política, pág.57) Resumo Gomez, Wiliam Fernando, Volta Redonda a Cidade Privatizada, Conflitos e Contradições Urbanas, Rio de Janeiro 2010, Dissertação, (Mestrado em Urbanismo) – PROURB- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, 2010. O tema desta dissertação são as contradições e conflitos urbanos decorrentes da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, realizada pelo governo federal em 1993, sem a avaliação dos impactos sociais e urbanos na cidade de Volta Redonda. A Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, construída na década de 40 pelo governo federal em conjunto com sua cidade operária de Volta Redonda, possui grandes extensões de terras, imóveis e propriedades de interesses de uso coletivos (hospital, escola, cinema e outros), na malha urbana da cidade. A forma de gestão e usos destes bens buscou contemplar a população operária pela CSN ao longo dos anos, fazendo parte do projeto de desenvolvimento industrial pensado por Getulio Vargas. A partir de 1993 com a privatização da companhia, todo o patrimônio imóvel é privatizado em conjunto com a planta industrial da siderúrgica. Volta Redonda como cidade “mono-industrial” sempre teve atrelado o desenvolvimento urbano ao desenvolvimento industrial de sua siderúrgica “mãe”, que após a privatização se rompe provocando choques de interesses entre o capital industrial e os interesses coletivos urbanos da cidade. Para a compreensão completa deste estudo, torna-se necessário conhecer a história da formação das vilas e cidades operárias, bem como a historia da industrialização de Volta Redonda e o desenvolvimento urbano em conjunto com o entendimento do panorama político econômico, dos anos 90. E a partir deste entendimento poder compreender completamente os novos rumos adotados pelo planejamento urbano, na cidade. Palavras Chave: Volta Redonda. História da Cidade. Forma Urbana. Cidade Mono Industrial. Cidade Planejada. Planejamento Urbano. Abstract Gomez, Wiliam Fernando, Volta Redonda a Cidade Privatizada, Conflitos eContradições Urbanas, Rio de Janeiro 2010, Dissertação, (Mestrado em Urbanismo) – PROURB- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, 2010. The subject of this dissertação is the contradictions and decurrent urban conflicts of the privatization of National Siderurgical Company - CSN, carried through for the federal government in 1993, without the evaluation of the social and urban impacts in the Volta Redonda City. The National Siderurgical Company - CSN, constructed in the decade of 40 for the federal government in set with its Company Town Volta Redonda, possesss great extensions of lands, and properties of collective interests of use (hospital, school, cinema and others), in the urban mesh of the city. The form of management and uses of these goods searched to contemplate the laboring population for the CSN to long of the years, being been the part of the project of industrial development thought by Getulio Vargas. From 1993 with the privatization of the company, all the immovable patrimony is privatized in set with the industrial plant of the siderurgical one. The Volta Redonda as city “mono-industrial” always had in conjunt the urban development to the industrial development of its siderurgical “mother”, that after the privatization if breaches provoking shocks of interests between the industrial capital and the urban collective interests of the city. For the complete understanding of this study, one becomes necessary to know the history of the formation of the companys towns, as well as the history of Volta Redonda industrialization and the urban development in set with the agreement of the panorama economic politician, of years 90. E from this agreement to be able to completely understand the new routes adopted for the urban planning, in the city Keywords Labray: Volta Redonda. História of City. Urban Form. Mono Industrial City. Planned City.Urban Planning LISTA DE FOTOS Foto 01 – Trabalhadores de Volta Redonda ......................................................Pag.17 Foto 02 – Vista da fabrica e da Vila Operária de Saltaire-Bradford....................Pag.25 Foto 03 - Maria Fumaça – Santo Antonio de Volta Redonda – 1941................Pag.37 Foto- 04 - Estação Ferroviária – 1940...............................................................Pag.40 Foto 05 - Fazenda Santa Cecília, inicio das obras 1941...................................Pag.42 . Foto 06 – CSN e a Cidade Operária - década de 50.......................................Pag.45 Foto 07 - Em primeiro Plano a Igreja o bairro de Santa Cecília, e o bairro Sessenta............................................................................................................Pag.50 Foto 08 – Bairro Rústico com a construção da CSN ao fundo..........................Pag.51 Foto 09 - Bairro Conforto em 1943 com a CSN ao fundo.................................Pag.52 Foto 10 - Vista aérea da área destinada ao Recreio dos Trabalhadores, Parque da Cachoeira (atual jardim dos Inocentes) e o Bairro Vila Santa Cecília................................................................................................................Pag.53 Foto 11 - Av. Paulo de Frontin - "Cidade Velha" – 1951...................................Pag.55 Foto 12 - Trabalhadores de Volta Redonda sem data.....................................Pag.58 Foto 13 – Av. do Retiro – inicio do bairro do Retiro-1950................................Pag.60 Foto 14- Edifício sede da CSN construída no local que seria localizado a Prefeitura Municipal...........................................................................................................Pag.65 Foto 15 Prédios de quatro pavimentos situado no bairro Laranjal....................Pag.66 Foto 16- Maquete do Bairro Jardim Paraíba sem data.....................................Pag.67 Foto: 17 - Cortejo fúnebre dos operários mortos durante a greve da CSN de 1988 em Volta Redonda............................................................................................Pag.83 Foto 18 - Invasão do Exército na CSN, durante a greve dos operários em 1988..................................................................................................................Pag.89 Foto 19 - 1º de maio de 1989, inauguração do Memorial 9 de Novembro projeto do arquiteto Oscar Niemayer.................................................................................Pag.91 Foto 20 - 2º de maio de 1989, imagem do memorial 9 de Novembro após o atentado ocorrido na madrugada após a sua inauguração...............................................Pag.91 Foto 21-Privatização da CSN, Bolsa de Valores, Rio de Janeiro, 1993............Pag.91 Foto: 22-Manifestação contra a privatização da CSN, Bolsa de Valores, Rio de Janeiro, 1993......................................................................................................Pag.95 Foto: 23- Acesso proibido à Fazenda Santa Cecília e Floresta da Cicuta. – CSN.................................................................................................................Pag.102 Foto: 24- Imagem aérea da região do Aero Clube com a Radial Leste..........Pag.106 Foto: 25- Complexo Esportivo Jornalista Oscar Cardoso Bairro Aero Club...Pag..107 Foto: 26– Uma das principais trilhas da Floresta da Cicuta–em desuso.......Pag.112 Foto: 27– Área da Fazenda Santa Cecília......................................................Pag.113 Foto: 28– Protesto dos Aposentados da Horta em 26.09.2003......................Pag.116 Foto: 29– Foto aérea do campo de futebol do América e redondezas...........Pag.117 Foto: 30– Foto do campo de futebol do América............................................Pag.118 Foto: 31– Clube Umuarama – Vila Santa Cecília...........................................Pag.119 Foto: 32– Clube Laranjal , popularmente conhecido como “Clubinho” – Bairro do Laranjal............................................................................................................Pag.120 Foto: 33– Clube Náutico e Recreativo – Bairro Nossa Senhora das Graças.............................................................................................................Pag.121 Foto: 34– Clube Versátil – Bairro Siderópolis..................................................Pag.121 Foto: 35– Sede do Clube Foto Filatélico na Vila Santa Cecília – Volta Redonda..........................................................................................................Pag.122 Foto: 36– Antiga sede do Tiro de Guerra 01/004 – Bairro Sessenta..............Pag.123 Foto: 37– Campo de Tiro – Tiro de Guerra 01/004 – Bairro Sessenta............Pag.124 Foto:38– Mapa mostrando as áreas de Volta Grande IV, e deposito de escoria...............................................................................................................Pag.127 Foto: 39– Foto do pátio de escória e logo à frente, o Bairro São Luiz..............Pag.127 Foto: 40– Foto aérea do Edifício Escritório Central..........................................Pag.128 Foto: 41– Políticos, Sindicalistas e comunidade em reunião sobre as terras da CSN...................................................................................................................Pag.134 Foto:42 – Hospital Vita, antigo Hospital Siderúrgica Nacional HSN.................Pag.136 Foto:43 – Posto de Puericultura – HSN............................................................Pag.138 Foto:44 – Vista do Recreio dos Trabalhadores.................................................Pag.139 Foto:45 – Cinema Nove de Abril.......................................................................Pag.140 Foto:46 – Hotel Bela Vista................................................................................Pag.141 Foto:47– Radio SiderúrgicaNacional – ZYP-26...............................................Pag.142 Foto:48– Escola Técnica Pandiá Calógeras – ETPC.......................................Pag.143 Foto: 49 – Foto aérea da curva do Rio Paraíba do Sul....................................Pag.151 Foto: 50– Memorial de Volta Redonda, localizado na entrada da cidade........Pag.151 Foto:51 – Monumento com o novo símbolo , localizado na Praça em frente a rodoviária..........................................................................................................Pag.152 Foto:52 – Mercado Popular na Vila Santa Cecília............................................Pag.153 Foto:53 – Estádio Municipal Sylvio Raolindo de Oliveira (Estádio da Cidadania)........................................................................................................Pag.154 Foto:54 – Operários da CSN, no desfile de 07 de setembro de 1944, Av.Rio Branco, Rio de Janeiro...................................................................................................Pag.157 LISTA DE IMAGENS Imagem 01 – Implantação geral com indicação da fábrica, da Vila Operária de Saltaire-Bradford................................................................................................Pag.24 Imagem 02 – Implantação da Vila operária Maria Zélia – São Paulo................Pag.27 Imagem 03 - "Cité Industrielle" - Tony Garnier..................................................Pag.44 Imagem 04 - Primeiro anteprojeto de Attilio em 1941........................................Pag.47 Imagem 05 - Projeto final aprovado em 1941....................................................Pag.48 Imagem 06 – Oficio da Prefeitura de Volta Redonda à CSN...........................Pag.108 Imagem 07 – Documento do Movimento Ética na Política – MEP..................Pag.111 Imagem 08– Documento da Cúria Diocesana de Barra do Piraí - Volta Redonda..........................................................................................................Pag.125 Imagem 09– Reportagem do Jornal Diário do Vale em 03 de Setembro de 2004.................................................................................................................Pag.131 Imagem 10– Oficio da CSN à prefeitura de Volta Redonda em 04.05.2004.......................................................................................................Pag.132 LISTA DE MAPAS Mapa 01-Mapa esquemático Santo Antonio de Volta Redonda – 1940............Pag.39 Mapa 02–Expansões desordenadas na “Cidade Velha”–Dec. de 50................Pag.61 Mapa 03 - Mapa da Evolução Fundiária de Volta Redonda.............................Pag.77 Mapa 04 – Localização das áreas dos clubes e entidades que a CSN pediu a reintegração.....................................................................................................Pag.109 Mapa 05– Localização das áreas do entorno da Floresta da Cicuta e a área de preservação.....................................................................................................Pag.114 Mapa 06– Localização das áreas da CSN em Volta Redonda........................Pag.135 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 - Redução do numero de trabalhadores diretos..............................Pag.98 Gráfico 02 – Evolução do lucro liquido da CSN................................................Pag.99 Gráfico 03 – Índice de roubos e furtos em Volta Redonda................................Pag.99 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Relação Volta Redonda 2002-2006 Desempregados e Admitidos na industria.............................................................................................................Pag.101 Quadro 2 - Saldo Migratórios Líquidos de Volta Redonda e Região Sul Fluminense........................................................................................................Pag.147 Quadro 3 - População Residente em Volta Redonda por Município que trabalha ou estuda, principais deslocamentos.................................................................... Pág.148 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................Pag.14 CAPITULO 1- Siderurgia, Vilas Operárias e Cidades Monos industriais...Pag.17 1.1-O Desenvolvimento da Siderurgia no Brasil..................................Pag.18 1.2- Vilas Operárias ou “Company Towns”..........................................Pag.22 1.3- As Vilas Operárias no Brasil.........................................................Pag.26 1.4- A Cidade Mono-Industrial.............................................................Pag.28 1.5- Ipatinga e João Monlevade...........................................................Pag.31 1.6- A Privatização das Siderúrgicas...................................................Pag.35 CAPITULO 2 – O Inicio de Volta Redonda....................................................Pag.37 2.1- Santo Antonio de Volta Redonda.................................................Pag.38 2.2- A construção da “Cidade Operária “ de Volta Redonda...............Pag.40 2.3- O Planejamento Urbano no Brasil................................................Pag.42 2.4- A Utopia da “Cité Industrielle” de Tony Garnier...........................Pag.43 2.5- O Plano Urbanístico de Attílio Correia Lima................................Pag.45 2.6- A “Cidade Velha” de Volta Redonda...........................................Pag.54 2.7- Espaço de Segregação...............................................................Pag.56 2.8- A Emancipação do Distrito Volta Redonda.................................Pag.58 2.9- O Fim da Utopia Urbana.............................................................Pag.60 2.10- O Plano de Helio Modesto Para Volta Redonda......................Pag.63 2.11- O Direito a Cidade e a Espoliação Urbana...............................Pag.69 2.12- 1964- Ano de transformações Políticas....................................Pag.71 2.13- O Desenvolvimento do Planejamento Urbano..........................Pag.78 CAPITULO 3- Globalização e a “Nova Ordem Mundial”..............................Pag.83 3.1- A Crise do Capital e a Reestruturação da Siderurgia Mundial................................................................................................Pag.84 3.2- Neoliberalismo e Privatizações no Brasil.....................................Pag.87 3.3- A Greve de 88 – O Começo do Fim de um Ciclo.........................Pag.89 3.4- O Processo de Privatização da Companhia Siderúrgica Nacional .............................................................................................................Pag.91 3.5- Os Reflexos da Privatização.........................................................Pag.97 CAPITULO 4- Volta Redonda a Cidade Privatizada....................................Pag.102 4.1- Contradições e Conflitos Urbanos..............................................Pag.103 4.2- Aero Clube..................................................................................Pag.109 4.3- Floresta da Cicuta e Fazenda Santa Cecília..............................Pag.112 4.4- Horta dos Aposentados..............................................................Pag.115 4.5- O Campo de Futebol do América – Bairro Rústico....................Pag.116 4.6- Clubes Recreativos e Sociais....................................................Pag.118 4.7- Tiro de Guerra – 01/004.............................................................Pag.122 4.8- O Conjunto Habitacional Volta Grande IV.................................Pag.126 4.9- O Edifício do Escritório Central..................................................Pag.128 4.10- A CSN Reinvidica Logradouros Públicos.................................Pag.130 4.11- A Cidade se mobiliza................................................................Pag.1334.12 – Patrimônio Público ou Patrimônio Privado?............................Pag.136 4.13 – Volta Redonda e a sua realidade atual...................................Pag.146 4.14 – O Resgate da cidade...............................................................Pag.149 CAPITULO 5- Conclusões Finais..................................................................Pag.157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................Pag.166 14 INTRODUÇÂO Aprender com a cidade existente é, para o arquiteto, uma maneira de ser revolucionário. Não do modo óbvio, que é derrubar Paris e começar tudo de novo, como Le Corbusier sugeriu, mas de outro, mais tolerante, isto é, questionar o modo como vemos as coisas (Venturi, 2003: 25) Em 25 de maio de 2004 durante a semana acadêmica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Geraldo di Biasi, em Volta Redonda no meu último ano de graduação, o Arquiteto Urbanista Alberto Lopes apresentou seu livro A Aventura da Forma, Urbanismo e Utopia em Volta Redonda, que abordava a história urbana da cidade dos anos 40 até 1993. Durante a apresentação percebi a importância do tema devido aos poucos trabalhos de pesquisa sobre Volta Redonda desenvolvidos abordando as questões urbanas da cidade, Motivando o desenvolvimento desta dissertação de mestrado. Para o aprofundamento e compreensão do tema pelo leitor, inicio o Capítulo I abordando a origem da formação das vilas e cidades operárias pelas indústrias, a relação entre o capital industrial e o desenvolvimento urbano, com o desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil, o projeto de desenvolvimento industrial de Getúlio Vargas, a identificação de cidades operárias em condições de formação urbanas semelhantes, bem como o processo de privatização implementado servindo de base para estabelecer correlações com o ocorrido em Volta Redonda. No inicio dos anos 40 Volta Redonda era apresentado nos mapas como um pequeno povoado rural distrito do município de Barra Mansa. Que no ano de 1941 passaria a abrigar a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, sendo que depois de construída se transformaria na maior usina siderúrgica da América latina alterando brutalmente o pequeno povoado local, e a paisagem dominante com a construção da cidade operária ao lado do antigo núcleo urbano. Para a materialização do empreendimento o governo federal arregimentou trabalhadores no interior dos estados de São Paulo e principalmente Minas Gerais provocando intenso fluxo migratório para a região. A grandiosidade da construção da Companhia Siderúrgica Nacional, logo se destacou transformando a cidade operária de Volta Redonda em 15 um exemplo de desenvolvimento a partir de sua infra-estrutura urbana. Mas a contradição urbana se torna evidente a partir do espaço urbano original da cidade antes da construção da CSN, chamado de“cidade velha” deixado sem qualquer benesse de infra-estrutura urbana de água, luz, esgoto e calçamento das ruas e entregue a própria sorte da especulação imobiliária. O processo de formação da cidade com os seus dois núcleos urbanos, bem como a história urbana da construção da cidade operária. Em conjunto com o plano urbanístico elaborado por Attílio Correia Lima baseado na utopia da Citté Industrielle de Tony Garnier. A identificação do antigo núcleo urbano como espaço de segregação social e espoliação urbana, com a posterior emancipação da cidade em 1954, e o desenvolvimento do planejamento urbano, estão detalhados no Capítulo II. A evolução urbana de Volta Redonda e o desenvolvimento industrial da Companhia Siderúrgica Nacional sempre foram vinculados com as políticas econômicas empregadas pelo governo federal, refletindo as transformações nacionais instantaneamente no metabolismo da cidade. Primeiro pelo populismo exacerbado nos governos de Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek, segundo pelo golpe militar de 31 de março de 1964, assinalando o retorno pelas forças militares dos ideais do liberalismo no governo federal, e por fim o impacto da transformação político econômico iniciado com o neoliberalismo em 1985, já com a transição democrática ocorrido em anos anteriores. No capitulo III estão abordados estes assuntos, e também, a crise do capital, com a reestruturação da siderurgia no mundo, avançando com o neoliberalismo no Brasil e as privatizações das estatais em inicio dos anos 90, mostrando os efeitos posteriores da privatização da CSN na crise instalada na cidade de Volta Redonda. As contradições e conflitos urbanos em uma cidade privatizada se encontram identificados no capitulo IV, relacionados os problemas urbanos entre a prefeitura e CSN, em relação as questões fundiárias e com diversas entidade e agremiações na continuação da concessão dos comodatos quando da siderúrgica ainda estatal. A lógica do pensamento capitalista em busca de resultados na produção e no lucro se instala na administração da Companhia Siderúrgica Nacional a partir de um processo de demissão em massa que afetou o profundamente o desenvolvimento econômico e social. 16 Se por um lado Volta Redonda estava imersa em uma profunda crise por outro a cidade se abria a novos horizontes em seu desenvolvimento urbano, mas enfrentando novos desafios a partir de uma privatização onde constavam além da planta industrial todos os imóveis da CSN incluindo Hospital, Escola Técnica Pandiá Calógeras, Hotel Bela Vista, Cinema, imóveis em comodato com entidades e agremiações sociais sem fins lucrativos, de uso coletivo da sociedade local e grandes glebas de terras nos arredores da cidade; criando dificuldades no desenvolvimento urbano devido a expressiva representação destes imóveis na malha urbana da cidade. O choque violento entre a realidade do desenvolvimento urbano e a realidade do desenvolvimento industrial, se agravam, acirrando a prática puramente capitalista por parte da CSN, ignorando a relação social com a cidade e o seu passado histórico, com a tentativa de reintegração de todos os imóveis em comodato, ao patrimônio imobiliário da empresa. Mesmo com os conflitos e contradições urbanas a cidade encontra alternativa na sua reestruturação pelo planejamento urbano com o resgate de elementos em seu passado de pré-industrialização como imagem dominante em substituição do modelo de cidade operária. Integrando a cidadania na busca de valorizar a cidade e torná-la um centro urbano regional do Sul Fluminense. Por fim no capitulo V, as conclusões finais aprofundando a identificação da transformação urbana relacionando a história de sua formação dos capítulos anteriores a este processo que se iniciou em finais da década 90 que se encontra em transformação contínua. 17 CAPITULO I SIDERURGIA, VILAS OPERÁRIAS E CIDADES MONOS-INDUSTRIAIS (Foto 01) – Trabalhadores de Volta Redonda – sem data Fonte: Arquivo Pessoal Waldyr Bedê. “(...)Tu estás aqui no bloco rijo de aço crescendo na grandeza do compasso do nosso coração primaveril (...) um grito de heroicidade um sonho feito verdade O lema do trabalho aqui se inflama dentro dos fornos de matéria bruta donde a riqueza em rios se derrama para a grandeza de uma Pátria adulta Brasil, Brasil, Brasil (...)” (Hino de Volta Redonda, Letra: Sylvio Fernandes Música: Adauto de Oliveira) 18 1.1 – O Desenvolvimento da Siderurgia no Brasil O inicio da industrialização no Brasil aconteceu sob a bandeira do "nacionalismo e da defesa nacional". O Estado, ao assumir como prioridade a criação de indústrias de base, encaminhava soluções econômicas e favorecia as condições de acumulação capitalista de base industrial no Brasil, paralelamente o Estado assumia a função de investidor e empresário. Baer (1970 p. 81) "observa que os esforços no Brasil para a produção de ferro e seus derivadosremontam aos tempos coloniais". No Século XVIII Portugal proibira a construção de fornos de fundição, mas com a autorização do Príncipe Regente D.João, no final do século surgiram os primeiros fornos e fundições no Brasil. No século XIX, as fundições mais famosas em funcionamento no Brasil eram: a Ipanema em Sorocaba, São Paulo fundado em 1818 e Morro do Pilar em Minas Gerais fundada em 1815. A mão de obra utilizada era basicamente escrava com poucos homens livres trabalhando. As dificuldades para continuidade da produção eram imensas, provinham dos custos elevados de operação e a dificuldade de competição com os produtos ingleses, que tinham livre acesso ao mercado brasileiro. Já no século XX nos primeiros anos, a produção brasileira provinha de pequenas oficinas e fundições que forneciam peças para as ferrovias, o exército e reparos de máquinas e utensílios agrícolas. Neste inicio de século a produção brasileira estava estimada de cerca de 2.000 toneladas de ferro gusa fabricada por cerca de 70 pequenos estabelecimentos. O consumo do aço era satisfeito com a importação (no período de 1900 a 1912 a média anual era de 272.500 toneladas de laminados de aço consumidos). A Preocupação do Estado neste período com a industrialização era primordialmente criar condições favoráveis a expansão do café através de instrumentos agrícolas e estradas de ferro. Em 1909 por iniciativa de Nilo Peçanha o Congresso aprova a adoção de incentivos a empresários nacionais ou estrangeiros que se dispusessem a investir na construção de uma usina de grande porte. A primeira proposta partiu do grupo inglês “Brazilian Hematite Syndicate” que adquirira 76.800 km2 na região de Itabira em Minas Gerais fundando a Itabira Iron Ore em 1911. O interesse do governo brasileiro em criar uma usina siderúrgica nacional vem desde a Primeira Grande Guerra, de acordo com Poso(2007, p.53) logo após o término da guerra. A idéia ressurge com o empresário americano 19 Percival Farquar que por volta dos anos 20, quando este apresenta ao presidente Epitácio Pessoa, um plano que combinava a construção de uma grande siderúrgica integrada a exportação de minério de ferro. Este projeto foi denominado de Contrato Itabira, que não veio a realizar-se devido a pressões políticas nacionalistas. Mesmo com o projeto fracassado, Farquar e seus sócios fundam a ACESITA ( Aços Especiais Itabira). A fundação da "Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira", em 1917 na cidade de Sabará em Minas Gerais, empresa de capital belga, luxemburguês e de brasileiros, foi um marco na industrialização brasileira e se tornaria a principal produtora de aço no Brasil. Durante a década de 30 houve a expansão da usina Belgo-Mineira criando a cidade de João Monlevade, outras antigas fábricas, e a implantação de novas usinas siderúrgicas relacionadas abaixo: -Companhia de Ferro Brasileira em Caeté, Minas Gerais, com capital francês, sendo a primeira a produzir tubos de ferro por meio de centrifugação; -Eletroaço Altoma S.A. em Blumenau, Santa Catarina, utilizando fornos elétricos para a produção de aço fundido e produtos laminados; -Siderúrgica Barra Mansa, em Barra Mansa, Rio de Janeiro, com fornos de carvão para produção de barras leves, media laminada e arames. -Metalúrgica Barbará, em Barra Mansa, na produção de tubos de ferro centrifugados e ferro fundido. -Aços Villares em São Paulo, para fornecer peças fundidas a sua companhia matriz (Elevadores Atlas S.A.) Mesmo com o crescimento da produção siderúrgica no Brasil nesta década, 70% do consumo de produtos laminados eram importados. Surgem nesta época debates em torno da chamada “Grande Siderurgia” para suprir principalmente a demanda de produtos pesados em aço de que dependiam as ferrovias, a construção naval e mesmo a construção civil. O governo de Vargas percebeu que o capital privado não possuía condições para a implantação da grande siderurgia no Brasil, e a usinas existentes não reuniam condições para as expansões necessárias. Somente um empreendimento operado pelo Estado e com o financiamento estrangeiro solucionaria o problema, com a consequentemente substituição das importações por produtos fabricados em nossas terras, Poso(2007, p.55). 20 Em relação a implantação da usina siderúrgica dois grupos divergentes se formaram. O primeiro, formado por nacionalistas e algumas organizações militares, buscava a exportação de minério de ferro para a Alemanha, em troca de equipamentos para construção da usina com a expansão do sistema ferroviário necessário para atender a fábrica. O segundo era formado pelas organizações diplomáticas brasileiras que temiam a situação política mundial da época e a penetração da Alemanha no Brasil, desejavam que o capital Americano financiasse tal empreendimento. Liderados pelo embaixador do Brasil em Washington D.C., Oswaldo Aranha (1934 – 1937). Em 1939 o Tenente-Coronel Edmundo Macedo Soares, especialista em siderurgia é enviado por Vargas a Europa com a finalidade de realizar estudos referentes à siderurgia com um grupo de empresas alemãs, e logo depois foi enviado aos Estados Unidos na busca de conversações com a U.S.Steel. Corporation, na época a maior produtora de aços mundial. Pouco antes Oswaldo Aranha, partidário da colaboração americana vai aos Estados Unidos na busca de créditos governamentais para a construção da usina. O que fica acentuado nestes contatos com os americanos é que caso não conseguisse o financiamento pretendido, o Brasil teria que se voltar para a Alemanha afim de que esta financiasse tal projeto; este argumento de acordo com Poso (2007, p.55) obteve o efeito pretendido. Assim Vargas estabelece uma aliança estratégica com o Governo Norte Americano através de um acordo assinado em 26 de Setembro de 1940; onde o Eximbank disponibilizaria 20 milhões de dólares em empréstimos para a aquisição de máquinas e equipamentos e o fornecimento de um corpo técnico especializado para a orientação na aquisição dos materiais e auxílio na construção da usina. Em contrapartida o governo Brasileiro disponibilizaria bases aéreas localizadas no litoral brasileiro para as forças armadas Norte-Americanas. O primeiro governo de Getulio Vargas (1930-1945) é marcado por um esforço de construção de um projeto de nacionalidade sob a promoção do Estado. A busca por uma nova sociedade, um novo homem, uma nova ordem produtiva e nova ordem territorial urbana surgem de ideais por vezes contraditórios, mas convergentes. A partir do movimento revolucionário de 1930 e depois através de um regime autoritário auto-intitulado de democracia social em 1937. Este projeto de nacionalidade se desenvolve e faz de Vargas o responsável pela implantação da indústria de base no Brasil e estabeleceu um padrão de empresa estatal se 21 contrapondo como reação ao liberalismo econômico, Souza(1992, p.23). Em 30 de janeiro de 1941 através do Decreto-Lei 3002, Vargas cria a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, ( embora a data de sua fundação seja considerada o dia nove de abril de 1941, data de aprovação de seu estatuto). Para a elaboração do projeto siderúrgico a Comissão Executiva contratou a empresa norte americana Arthur G. McKee and Co. e o projeto inicial da usina previa uma produção inicial de 230.000 toneladas de aço podendo em pouco tempo chegar à marca de 400.000 toneladas, enquanto a produção total de aço no Brasil em 1939 estava em 114.000 toneladas. Ao compararmos estes valores podemos ter uma idéia da dimensão do empreendimento e o que a CSN viria a representar para Brasil nos anos subseqüentes. A grande siderurgia ainda era um obstáculo a ser superado, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional surge exatamente para romper este obstáculo e difundir o industrialismo no cenário econômico e cultural do país, Lopes (2003, p.35). A centralidade do projeto siderúrgico no contexto nacionaldo final dos anos 30 fez que ao empreendimento CSN se associasse "naturalmente", ao projeto político-ideológico de construção da classe operária brasileira.Para tanto era necessário um sitio isolado, pois a construção de uma cidade era parte fundamental do projeto disciplinador, se constituía em seu eixo ao propiciar a "imobilização de mão de obra pela moradia". Atraídos de outras cidades, os trabalhadores passariam a habitar um espaço concebido como extensão do espaço fabril, submetendo-se ao duplo controle permitido pela imbricação das esferas da moradia e trabalho (SOUZA,op.cit.p.12). A busca pela centralidade na implantação do projeto siderúrgico não se prendeu apenas a critérios técnicos e econômicos, componentes políticos também tiveram forte influencia na escolha desta centralidade segundo Baer (1970 p.30). A escolha pelo Estado do Rio de Janeiro teve fortes razões, primeiro o estimulo à produção industrial fluminense que estava em declínio e o fato do interventor federal no Estado do Rio de Janeiro Amaral Peixoto ser genro de Vargas, também lembrado como um fato que justificou a escolha. O Governo Federal nomeou em março de 1940 a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, constituída pelo industrial Guilherme Guinle, o diretor da Estrada de Ferro Paulista Heitor Freire de Carvalho, o Tenente-Coronel Edmundo Macedo Soares, um representante da Marinha e outro da burocracia civil. Esta Comissão se reuniu de março de 1940 a Maio de 1941 e elaborou o projeto 22 para a criação de uma Companhia Nacional. A escolha de Santo António de Volta Redonda como sede da futura Companhia Siderúrgica Nacional segundo Souza (1992 p.09), se deu pelos seguintes critérios técnicos estabelecidos pela Comissão Executiva: a localização centralizada em relação às matérias primas (ferro de Minas Gerais e Carvão de Santa Catarina) e aos grandes centros consumidores Rio de Janeiro e São Paulo; possibilidades de transporte dos insumos pela Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB); abundância de água doce; baixo preço da mão de obra; e a segurança proporcionada pela Serra do Mar que protegeria a Usina de um possível ataque da artilharia naval. Este conjunto de condições resultaria, segundo a comissão executiva, em uma economia de despesas adicionais às de Construção. Minas Gerais liderava a produção do aço no Brasil, seguido de São Paulo e depois do Rio de Janeiro. O desempenho de Minas era devido a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, com as suas laminações nas cidades de Sabará e João Monlevade, tendo um total de 2.461 trabalhadores produzia 40.767 toneladas de aço em 1939 sendo a maior do país; seguida pela Companhia de Mineração e Metalurgia, em São Caetano, São Paulo com 805 trabalhadores produzia 20.907 toneladas; e em terceiro lugar a Companhia Brasileira de Usina Metalúrgica em Neves no Rio de Janeiro, com 957 trabalhadores e 19.487 toneladas no mesmo ano; Baer (1970 p.90). É criada neste período do governo de Getulio Vargas, além da Companhia Siderúrgica Nacional-CSN, a Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, a Fábrica Nacional dos Motores-FNM, e a Companhia Nacional de Álcalis, todas com sede no Estado do Rio de Janeiro. 1.2 – As Vilas Operárias ou “Company Towns” As chamadas “Colônias Industriais”, surgidas na Inglaterra no inicio da Revolução Industrial geralmente se localizavam em áreas rurais devido á proximidade da energia hidráulica, e foram por um bom tempo a forma típica de organização da Indústria têxtil inglesa, sendo as mais famosas: Grec, Ashton, Ashworth, Strutt e New Lanark de Robert Owen. No século XIX, as cidades industriais inglesas promoveram a transformação de uma população indisciplinada e indolente em trabalhadores industriais, na segunda metade do século o desenvolvimento da metalurgia propiciou o surgimento de “Company Towns”, que 23 são desde vilas a pequenas cidades controladas por apenas uma única empresa, que na época muita vezes eram propriedade de uma única família, passando de pai para filho o controle tanto da empresa quanto de sua Vila Operária ou Company Town, é o caso, por exemplo, das usinas de Creysot, pertencente aos Schneider, Hayange da família Wendel, e de Essen de propriedade dos Krupp, (Morel, 1989 p.53). As Vilas Operárias passaram a estender para a vida cotidiana do operário o controle já exercido na fábrica. Segundo Moraes (2007, p.03) um principio moralizador integrava as vilas operárias com intuito de controlar os instintos e introduzir novos costumes e padrões morais, da ética no trabalho, disciplina e do respeito à propriedade e aos patrões. Com o decorrer dos anos por questões sanitárias estas vilas foram adquirindo um perfil mais próximo de “vila jardim”, com construções isoladas no lote e cercadas de verde, as idéias da família burguesa impunham-se ao operariado. As vilas eram dotadas de toda uma infra-estrutura que propiciava ao operário e a sua família o lazer, a educação com escolas, espaços culturais, igrejas e parques, mas com controle das atividades exercido pelos patrões. Um exemplo de “Company Town” inglesa nesta época é Saltaire-Bradford, que fora construída no período de 1851 a 1872, distante três milhas da cidade de Bradford, possuía 2,59Km2, com 820 casas, contando também com igreja, hospital, banhos públicos, clube e um parque. A sua concepção de acordo com Viana (2004, p.13) foi influenciada pelas idéias dos novos conservadores ingleses e dos reformadores socialistas utópicos do começo do século XIX, como Robert Owen. Enquanto a cidade de Bradford convivia com seus conflitos políticos, poluição industrial, bebedeiras, epidemia e sujeira, em Saltaire acontecia o oposto com escolas de ensino regular, hospital, igrejas e parques. Todas as atividades consideradas nocivas eram proibidas em Saltaire desde o fumo em lugares fechados, jogos de azar, crianças andando desacompanhadas e eventos coletivos só aconteciam com a permissão prévia da direção da fábrica. Também era proibida a permanência nas ruas de pobres sem ocupação e imigrantes com a suas imagens associadas a todo tipo de desordem e corrupção, (Ibid.p.14). Em 1892 a fábrica e a vila foram colocadas a venda e no ano seguinte, compradas por um consórcio de empresários de Bradford. Na crise da década de 30 a vila fora vendida para compra de novas maquinarias. Em 1987 após ser mais uma vez vendida, tornou-se um dos melhores exemplos de readequação de uso de um complexo industrial histórico sem 24 comprometer a integridade arquitetural, com várias das antigas seções da fábrica passando a ter uso comercial com atividades culturais e artísticas. (Imagem 01) - implantação geral com indicação da fábrica, da vila operária de Saltaire– Bradford Fonte: Viana(2004, p.14) 25 (Foto 02) - Vista da fábrica e da vila operária de Saltaire – Bradford Fonte: Viana(2004, p.14) 26 1.3 – As Vilas Operárias no Brasil A construção de Vilas operárias no Brasil tem suas origens no final do século XIX e se acentua na República Velha, onde se encontram registros de tentativas isoladas no empreendimento de empresas no Brasil. As cidades brasileiras neste período não estavam preparadas para receberem as fábricas e os operários, a construção de vilas operárias a exemplo do que acontecia nos paises Europeus, tornou-se uma solução para a resolução deste problema. A construção foi empreendida pela indústria de capital privado e por vezes pelo próprio poder público, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e também em localidades mais isoladas, Motta(2007, p.34). O conceito de rígido controle das atividades e das formas de lazer, na procura de afastar todas as influências negativas da sociedade também se repetia nas Vilas Operárias brasileiras. Desta época podemos ressaltar como exemplo a Vila Operária Maria Zélia em São Paulo, construída em 1916 pelo empresário JorgeStreet (1863-1938), proprietário da Companhia Nacional de Tecidos de Juta sendo um dos pioneiros na implantação da indústria no Brasil, e ao transferir a sua fábrica para a cidade de São Paulo, o empresário adquire uma extensa área no bairro de Belenzinho para a construção da Vila Operária. Com projeto do arquiteto francês Pedarrieux, que segundo Viana (2004, p.18) seguiu um padrão arquitetônico e urbanístico Inglês com uma clara inspiração em Saltaire, foram construídas perto de 200 casas uni familiares destinadas a habitação de seus funcionários e em conjunto equipamentos urbanos de uso coletivo como creche, jardim de infância, dois grupos escolares, escolas profissionalizantes, farmácia, médico, dentista, açougue, armazém, campo de jogos e associação recreativa, seguindo toda a proposta na busca de conforto e controle da vida social de seus operários e suas famílias objetivando melhorias na produção da fábrica. Street buscava o retorno financeiro de seu investimento na forma de produção, porém com o agravamento da situação financeira da fábrica, Street perde a Vila Operária para Nicolau Scarpa em 1923 em troca de pagamento de dividas, que também ocorre em 1929, com a Vila passando para a família Guinle e posteriormente para o IAPI e INPS devido a dividas fiscais. 27 (Imagem 02) - implantação geral da Vila Operária Maria Zélia – São Paulo Fonte: Viana(2004, p.18). Na época em que realizou sua pesquisa, a autora constatou que na Maria Zélia, havia ainda 178 residências distribuídas por 9 ruas, o Grupo Escolar Maria Zélia e o Colégio Manuel da Nóbrega, em cujo frontispício se lê “Escola de Meninos”, e que fica em frente ao grupo escolar, “Escola de Meninas”.Havia ainda a igreja católica, um armazém, um depósito material, um bar, uma pequena oficina de calçados desativada, e um escritório de administração da vila. E descreve também o contraste muito grande que presenciou entre o silêncio e a grande quantidade de automóveis estacionados em suas ruas estreitas. O nível de formalização das relações fora mantido com a criação de uma espécie de escritório administrativo, dentro da vila, que cuida da limpeza interna, do estacionamento e de problemas com o INPS. Os moradores mais antigos da vila, em vários relatos, demonstraram muita consciência do sentido histórico do lugar onde moram. (VIANA, 2004 p19). Na década de 30 há uma inovação na concepção das Vilas Operárias com a presença da figura do arquiteto urbanista mais presente na concepção dos projetos, passando a revelar uma nítida inspiração no modelo de cidade-jardim como no caso 28 das Vilas Operárias Harmonia e Lagoa construídos pela Klabin e outros com forte influência do urbanismo dos primeiros CIAM(01) segundo Correia (1999, p.1), como na proposta elaborado por Lucio Costa para a cidade de João Monlevade em Minas Gerais. 1.4 – A Cidade Mono-industrial e a Vila Operária O desenvolvimento da produção de bens intermediários e a extração de minério no Brasil na década de 30 fizeram surgir no país as primeiras cidades monos industriais, devido à necessidade característica destes tipos de indústrias se localizarem próximo as fontes de matérias-primas, que geralmente se encontravam em regiões afastadas dos centros metropolitanos e em localidades com urbanização incipiente. A facilidade da logística do escoamento da produção por transporte ferroviário ou rodoviário também foi outro fator importante para a localização destas indústrias. A cidade mono-industrial de acordo com Costa (1979, p.07), além das características já descritas possui ainda outro elemento importante em sua definição, que é a exportação de toda a produção para os grandes centros urbanos para a manufatura de bens de consumo, tornando a empresa como um “elemento estranho” na cultura da comunidade, devido a pouca influência direta dos seus produtos na economia local de fraca atividade no setor secundário. Devido ao grande porte das indústrias que iniciaram as suas instalações, a necessidade de um projeto urbano elaborado por um arquiteto urbanista para as Cidades Operárias tornou-se necessário devido ao expressivo aumento das dimensões geográficas e populacionais necessários aos novos empreendimentos. Embora se tenha neste período projetos urbanísticos mais elaborados, o principio da criação das Vila operária continuou valendo para as Cidades Monos Industriais, permanecendo a relação do projeto urbano com os interesses econômicos da empresa, e de sua produção capiltalista, deixando (01)-CIAM-Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna, fundado em 1928, constituíram uma organização e uma série de eventos organizados pelos principais nomes da arquitetura moderna européia a fim de discutir os rumos da arquitetura, do urbanismo e do design. Um dos seus principais idealizadores foi o franco-suíço Le Corbusier. Os CIAM consideravam a arquitetura e urbanismo como um potencial instrumento político e econômico, o qual deveria ser usado pelo poder público como forma de promover o progresso social.(CORREIA, op.cit. p.03) http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquitetura_moderna http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquitectura http://pt.wikipedia.org/wiki/Urbanismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Design http://pt.wikipedia.org/wiki/Le_Corbusier 29 a grande maioria dos problemas gerados com a implantação de uma grande indústria a serem solucionados pelo poder público local, como o aumento populacional com déficit habitacional gerado em conjunto com o desemprego devido a falta de especialização na mão de obra que migra para a cidade em busca de emprego e consequentemente passa a fixar residência nos arredores, fora dos limites da cidade operária, desenvolvendo núcleos urbanos precários sem qualidade habitacional e de infra-estrutura urbana. O distanciamento de núcleos urbanos desenvolvidos, precariedade dos pré-existentes próximos facilitou a implantação da política urbana pela indústria, subordinando o assentamento humano aos interesses do capital produtivo, exercendo o controle político e uma disciplina rígida em suas cidades operárias, a exemplo do já exercido nas antigas Vilas operárias do século XIX. Piquet (1986, p.78) afirma que há predomínio dos interesses capitalistas na construção da infra-estrutura e nos espaços tornando-os de exclusão e desigualdades, distinguindo empregados de não empregados pela fábrica. A constituição de bairros, o acesso a moradia, o controle social, a disciplina e todos os investimentos em equipamentos e ações urbanas refletem a soberania do capital e a relação de dependência econômica da cidade em relação à empresa e as atividades econômicas adjacentes. Este fenômeno se agrava ainda mais, quando a grande indústria na sua instalação adquire determinados direitos na região, tornando- se um poder paralelo por vezes superior à administração pública local. Com isso faz prevalecer os seus interesses particulares sobre aqueles da população como um todo. Fica desta forma caracterizado um problema de gestão, observando choques de interesses, onde a maior prejudicada é a população de baixa renda e não ligada diretamente ou indiretamente à empresa COSTA(1979, p.10). As cidades monos industriais quando bem sucedidas se tornam municípios, tendo como prefeitos frequentemente membros da própria empresa ( ou pessoas controladas por ela), o que segundo Piquet (1986, p.18), constitui um elemento de controle da administração municipal. E termina por afirmar que: “essa massa proletária funcionava como clientela política dos patrões, em um mecanismo análogo ao do coronelismo”. A produção industrial e a gestão urbana concentrados em um único poder, geralmente uma indústria estranha a comunidade e a cultura local, são determinantes na apropriação e organização do espaço urbano, de forma concentrada. Um dos efeitos observados está na formação de “duas cidades” 30 dentrodo mesmo território municipal. A primeira geralmente planejada pela indústria, com os seus empregados residindo e usufruindo de todos os equipamentos urbanos necessários ao seu conforto. A outra cidade se desenvolve de maneira espontânea a medida que os fluxos migratórios se direcionam para a região, atraídos pelas oportunidades de emprego, na maioria dos casos sem quase nenhuma infra-estrutura urbana. O processo de segregação torna-se mais visível na cidade mono-industrial segundo Costa (1979, p.13) do que em outro tipo de cidade. Em outros tipos de cidades o centro é o lugar onde estão concentrados os melhores equipamentos urbanos, nas cidades monos-industriais esta concentração se verifica associada a parte da cidade desenvolvida pela grande empresa. Cabe aqui fazer uma distinção entre as cidades monos industriais, neste período de industrialização brasileira. Há o tipo caracterizado pelas cidades construídas por empresas do ramo elétrico para a construção de hidrelétricas. As cidades monos-industriais construídas para este tipo de usina possuem características diferenciadas em relação às cidades construídas por demanda da produção siderúrgica e de mineração. Parte da cidade operária de construções de caráter provisório sendo desmontadas logo após o termino das obras( exemplo Vila Operária Primavera em Rosana –SP construída pela CESP –Centrais Elétricas São Paulo). Com a sua população de operários da construção civil migrando para outras regiões em busca de novas obras. Permanecendo na cidade somente a parte de funcionários contratados para o funcionamento da usina hidrelétrica, Moraes (2007, p.03). Na cidade operária de origem siderúrgica esta situação era inversa, devido as característica de cunho capitalista dos investimentos e a busca do contínuo aumento de produção, gerando nestas cidades um contingente de trabalhadores em busca de empregos de forma direta ou indireta na indústria. De fato, quando se considera que o elemento produção é a base para organização deste espaço urbano e que os interesses deste elemento predominam no processo de gestão da cidade, compreende-se facilmente que a lógica de organização deste espaço não é aquela baseada na preferência das pessoas, mas sim aquela que garanta os maiores benefícios para o sistema econômico (COSTA, op.cit. p.12) 31 1.5 – IPatinga e João Monlevade Neste capítulo abordamos o desenvolvimento da siderurgia no Brasil com a formação das Company Towns, (com exemplos de Saltaire em Bradford , Inglaterra e da Vila Maria Zélia em São Paulo), e o entendimento que as cidades operárias foram conseqüência da evolução das antigas vilas operárias. Antes de aprofundar os estudos na cidade de Volta Redonda nos próximos capitulos, há a necessidade de identificar Cidades Operárias em condições de formação urbana semelhantes com o objeto desta dissertação, com a finalidade de estabelecer correlações. A escolha das cidades de João Monlevade e Ipatinga ambas no estado de Minas Gerais corresponde a critérios estabelecidos. Para a análise, critérios foram determinantes na escolha das duas cidades como exemplos. Apesar de que vários centros urbanos podem ser identificados como monos industriais, cada qual possui características próprias decorrentes da sua implantação industrial. Inicialmente, ramo e porte das indústrias instaladas em comparação a Companhia Siderúrgica Nacional, devem ser considerados. Para esclarecer melhor, Costa (1979, p.41), afirma que as indústrias de cimento e de extração de minerais se caracterizam por não gerarem um volume alto de empregos e de fluxos migratórios, em comparação com a grande siderurgia implantada em Volta Redonda, não servindo como elemento de estudo. O mesmo acontece com as médias siderúrgicas. A posição geográfica é um outro fator que deve ser considerando, a proximidade com grandes centros urbanos causa diferenciações no impacto verificado com a industrialização, por fim a identificação de centros urbanos já consolidados antes da implantação da indústria vem a excluir várias cidades. Em 1934, a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira realiza um concurso para construção da cidade operária de João Monlevade(2) a ser construída a partir da expansão de sua fábrica, no município de Sabará. O edital do concurso continha em seu escopo projetos para além das moradias operárias, todos os equipamentos de uso urbano, serviço médico, clubes esportivos e recreativos, escolas, igrejas, comércio e cinemas. (2) João Monlevade, nome dado a comunidade criada pela Companhia Belgo Mineira (atualmente Arcelor Mittal Monlevade) em homenagem ao engenheiro francês Jean-Antoine Félix Dissandes de Monlevade a partir do estabelecimento de sua usina, no então município de Rio Piracicaba, em 30 de dezembro de 1962 foi elevado a categoria de municipio.(LIMA, 1999, p.04) http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Antoine_F%C3%A9lix_Dissandes_de_Monlevade http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Antoine_F%C3%A9lix_Dissandes_de_Monlevade 32 Neste concurso, de acordo com Lima (1999, p.02) havia o interesse da empresa de que os projetos apresentados fossem “rigorosamente dentro dos preceitos do urbanismo moderno”, ( destacando o grau de importância do concurso no confronto de idéias). Dentre os participantes constam dois que devem ser mencionados, Lucio Costa e Lincoln Continentino(3), que ousaram anunciar novos conceitos para o partido urbanístico da cidade operária. Lucio Costa apresentou um projeto dentro dos princípios do CIAM, influenciado por Le Corbusier , e Continentino uma proposta mais próxima da Cidade Jardim de Ebenezer Howard, terminando por se classificar em primeiro lugar, tendo o seu plano implementado. A relação da Companhia Belgo Mineira com o espaço urbano não foi diferente das antigas Vilas Operárias. Conforme o processo de urbanização evoluiu com a emancipação da cidade; na década de 70 a empresa transfere para a prefeitura a administração do espaço urbano criado, tornando-o cada vez mais segmentado e diferenciado, devido ao crescimento natural da cidade sem o planejamento anteriormente elaborado. A companhia volta-se quase que exclusivamente para a produção industrial não se envolvendo diretamente com a reprodução de sua força de trabalho no ambiente urbano de João Monlevade, Pereira (2008, p.118). No final da década de 70, João Monlevade a partir do desenvolvimento de uma industrialização complementar, com pequenas indústrias e o setor terciário; a cidade até então chamada popularmente de “comunidade da Belgo Mineira “ vai desfazendo de antigos laços de dependência com a Companhia Siderúrgica, (PEREIRA, 2008 p.118.Apud.FAZZI, 1990, p.128). A concentração original dos trabalhadores em torno da fábrica foi se rompendo a registrou-se a dispersão deles pelos bairros da cidade. Do mesmo modo, o assistencialismo e a prestação de serviços, que chegaram a envolver o fornecimento de leite pasteurizado e a manutenção da rede elétrica doméstica (até com a troca de lâmpadas, por empregado da empresa, em cada residência), foram se rompendo, gradativamente, nos anos 1970. Em 1988, quando um ex-presidente do sindicato dos metalúrgicos elegeu-se prefeito, os movimentos sociais locais haviam se fortalecido e expressavam rupturas com a forma tradicional de dominação social da empresa sobre a comunidade de trabalhadores. Nessa época, também, a cidade já demonstrava maior grau de abertura para outras iniciativas econômicas e independência relativa da empresa. (Ibid, p.118). (3) Autor do Plano Urbanístico para a cidade de Belo Horizonte em 1935.Fonte :http://www.ferias.tur.br/informacoes/3304/joao-monlevade-mg.html, em 02.02.2010. 33 Em 1958 na época do inicio da construção de Brasília, a Usiminas (Usinas Siderúrgicas Minas Gerais S/A), foi implantada em uma posição geográfica estratégica, no caminho da estrada de ferro Vitória-Minasque levava o minério de ferro do interior do estado mineiro até o porto em Vitória no Espírito Santo. A paisagem da localidade era composta pelos rios Doce e Piracicaba em conjunto com uma hidrelétrica já nas proximidades de onde se implantaria a nova usina siderúrgica. Este espaço era limitado pelas rodovias BR-381 e BR-458, traçando as fronteiras para a cidade operária que iria ser construída seguindo os projetos do plano urbanístico do arquiteto Rafael Hardy Filho contando com a colaboração de Marcelo Bhering. Este plano continha todas as necessidades exigidas e entendidas pela empresa no que se referia a vida social e o conforto dos seus funcionários, Dias (2008, p.01). Antes da implantação da Usiminas, o distrito de Ipatinga era composto de cerca de 300 casas de carvoeiros e de trabalhadores em carvoarias que serviam as demandas solicitadas pelas Siderúrgicas Acesita e Belgo Mineira aos fazendeiros locais, não havia qualquer traço de urbanização, Pereira (2008, p.192) cita um depoimento do ex-presidente da Usiminas quanto a realidade local de implantação da companhia e conformação urbana da cidade. Nós tivemos de fazer a cidade. Encarregamos o Hardy de fazer o projeto. Ele arrumou um grupo de arquitetos e todos estavam de acordo que se devia dar um caráter de vida ao ar livre, o “country- life” inglês, ou seja, quanto mais separada da Usina melhor, a fim de não se ver nada da Usina, nem fumaça. A cidade foi feita mais ou menos dentro dessa filosofia. Ele fez uma coisa bonita. Depois que começou a funcionar foi que vimos o erro. [...] começaram a acontecer em Ipatinga casos de loucura. No mês de outubro, não me lembro de que ano, tivemos sete exemplos. Então, fomos descobrir a razão. A empresa resolveu que se fizesse nesses bairros um clube; o pessoal fundava o clube e a Usiminas dava a piscina. Então, criaram-se quatro ou cinco clubes e a vida começou a melhorar. [...] Em cada momento fizemos uma pesquisa para saber o que o pessoal achava e constatamos que todo mundo queria ficar naquele bairro amontoado. Ninguém queria saber de country-life. Aquilo era negócio de inglês. Então, chegamos à conclusão de que tínhamos de concentrar a população para poder ter um supermercado, uma sorveteria etc. (PEREIRA, 2008, p.193, apud.FRIZZERA; MATA MACHADO, 1987, Amaro Lanari Jr., p.15). Dias, (op.cit,p.1) relata que no inicio da cidade operária de Ipatinga, nas residências de propriedade da Usiminas os funcionários não possuíam despesas de água, luz e aluguel, e as casas não tinham muros. Com a expansão da usina a companhia não teve condições de arcar com novas moradias, e vendeu as casas 34 nos planos habitacionais da época aos funcionários. Com isso provocaram-se intensos fluxos migratórios para a cidade nos anos 70, com crescimento espontâneo de sua malha urbana fazendo surgir uma cidade precária e secundária, toda improvisada e sem infra-estrutura, com a sua população formada basicamente por subproletarios ligados diretamente as empreiteiras e serviços não diretamente ligados a Usiminas. A segregação espacial(4) encontrada na cidade operária planejada, com bairros para cada categoria de funcionários se ampliava mais a medida que a cidade espontânea crescia. Com a expansão da siderúrgica a cidade se transforma em um enorme canteiro de obras com as condições de vida de forma mais precária possível. Grande parte dos trabalhadores da usina, jovens e solteiros, sem família na cidade, habitava os alojamentos da empresa, ou neles se amontoava. Eram mantidos sob rigorosa disciplina ditada pela empresa. Outra grande parte, cerca de 60% dos operários, vivia espremida em barracos de madeira, nos morros da cidade vizinha e podiam gastar mais de uma hora para chegar ao trabalho, em caminhões ou ônibus. A precariedade dessa situação se aprofundava com a inexistência de ação sindical efetiva e, ainda, com a repressão explícita por parte da empresa. A direção da usina defendia a tranqüilidade e a ordem, com a Cavalaria Montada da Polícia Militar, que, segundo a referida reportagem do Jornal EM TEMPO (20/31 mar. 1978), era remunerada pela usina e, portanto, submetida a dois comandos: o comando militar e o comando político-administrativo da empresa. (PEREIRA, 2008, p.198). A repressão exercida pela Policia Militar e o Corpo de Vigilantes da Usiminas que atuava com poder de policia (portando armas e realizando prisões) na cidade atingiu níveis intoleráveis no enfrentamento com os operários no dia 07 de outubro de 1963.No enfrentamento que ficou conhecido como “ Massacre de Ipatinga”, assistiu-se a vários operários e cidadãos desarmados sendo violentamente assassinados pela policia militar na portaria da Companhia, a partir da decretação de greve dos trabalhadores, que dentre outras reivindicações, pediam o desarmamento do Corpo de Vigilantes. Outros tantos foram presos, humilhados e torturados com violência física. (4)As definições de desigualdades e das diferenças sociais podem ser visualizadas através da hierarquia do plano original da Vila Operária e da população que migrou para Ipatinga e tendo condição de trabalho diferente dos primeiros habitantes. A cidade ficou estratificada, então, em categorias profissionais que delimitam a renda, as condições de moradia, das edificações e infra- estrutura urbanas e, logo, a posição geográfica na malha urbana, conferindo diferentes padrões da acessibilidade. (Ibid, P.197). 35 A partir deste incidente, a Usiminas, na tentativa de recuperar a sua imagem na sociedade local, executa ações no favorecimento da comunidade, ampliando a construção de casas para operários e equipamentos urbanos (grupos escolares, ambulatórios médicos em bairros operários, hospital, restaurantes, cinema e uma cooperativa de consumo para os empregados da Companhia) Pereira (2008, p.201). O território do município de Ipatinga era composto originalmente, antes da implantação da Usiminas, por fazendas e terras da Companhia, restando poucas áreas disponíveis para o desenvolvimento urbano, provocando forte “especulação imobiliária” que se desenvolvia em conjunto com o poder político exercido pelos primeiros prefeitos “fazendeiros” da região. A partir disso a cidade dual se instala, cidade empresa com todas as benfeitorias e equipamentos urbanos disponíveis para o conforto dos operários; A cidade espontânea contava com moradores imigrantes de outras regiões do estado, que vieram na busca de melhores condições de vida, residindo em condições subnormais de habitação sem qualquer infra-estrutura urbana. Já na década de 70, o governo municipal apesar de todas as crises políticas internas municipais busca se organizar e consequentemente passa ocorrer o enfrentamento com a Usiminas devido ao pouco espaço destinado ao desenvolvimento urbano da cidade. Os anos 80 foram marcados pelo desenvolvimento de movimentos sociais na cidade, provocando novas relações entre Prefeitura e Usiminas, na busca de melhores condições de vida para a cidade, Dias, (2008 p.3) 1.6 – A Privatização das Siderúrgicas Nos anos 90 durante o governo do Presidente da Republica Fernando Collor de Mello, se intensificaram os ideais neoliberais no país com a implantação do Plano Nacional de Desestatização – PND, para a privatização das empresas públicas, dentre delas as empresas de siderurgias(5). A Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, na cidade de João Monlevade, de capital privado, não passou pelo processo de privatização como a Usiminas de capital estatal, embora o desenvolvimento urbano de (5) Ver Capitulo 3. 36 João Monlevade não seja muito diferente de Ipatinga ou Volta Redonda, com siderúrgicas de capital estatal. O predomínio dos interesses capitalistas no controle da vida da cidade e do operário fora da fabrica são idênticos e a evolução urbana semelhante com Volta Redonda podendo ser comparada a partir dos próximos capítulosdesta dissertação. A Usiminas – Usinas Siderúrgicas Minas Gerais foi uma das primeiras das grandes estatais do setor siderúrgico a ser privatizada em 24 de outubro de 1991. Empresa lucrativa que não dependia de reestruturação financeira previa, atualizada tecnologicamente de grande porte no mercado siderúrgico nacional e internacional atendia ao interesse do governo federal na época como modelo a ser seguido nos demais processos de privatização de siderúrgicas. O edital de privatização continha clausulas que previam o estudo dos impactos sociais na cidade de Ipatinga e o compromisso do futuro controlador acionário em minimizá-los. Embora a empresa tenha realizado um forte corte no quadro funcional gerando desemprego (cerca de 40% do efetivo de trabalhadores foram demitidos). Em contrapartida, fazia parte desta política uma série de investimentos na cidade como: incentivo ao crescimento do setor de comércio e serviços em geral e de serviços especializados na área de saúde. A Usiminas segundo Pereira (2008, p.178), se apresenta como empresa com investimentos sociais na busca de minimizar os impactos sociais da privatização. Estes investimentos sociais permanecem até os dias atuais com a Usiminas patrocinando o Ipatinga Futebol Clube, que junto de outras agremiações esportivas mantém suas sedes em terrenos da empresa, a Cooperativa de Consumo dos Empregados atende a toda a população com oferta de produtos alimentícios a preços mais baixos e a gestão do principal hospital da região que atende 600 mil pessoas por ano, Tiezzi (2005, p. 121). 37 CAPITULO II O INICIO DE VOLTA REDONDA (Foto 03) - Maria Fumaça – Santo Antonio de Volta Redonda – 1941 Fonte: Arquivo Pessoal Waldyr Bedê. “ODE AOS CICLOPES “ (Aos Pioneiros de Volta Redonda) PRÓLOGO Na curva que o rio faz, dobrado pelo raio, Nas terras dos Coroados, os Ciclopes chegaram... Pés descalços, carcomidos, tresnoitados e abatidos, Em busca de um Eldorado, os Ciclopes chegaram... Na volta de Volta Redonda. CANTO I – DO ÊXODO Maria-fumaça, apito estridente Cortando o silencio da noite fria, Lembrando saudades,lembrando o dia Da sinhazinha, do coroné, da fazendinha E do café, de Severina, de Joana ou de Maria, Que ficaram lá atrás.Ficaram pra trás... Waldyr Bedê, 09 de Setembro de 1980 38 2.1- Santo Antonio de Volta Redonda A ocupação do Vale do Paraíba iniciou-se em fins do século XVIII, com o declínio da produção do ouro em Minas Gerais. No século seguinte o povoamento expandiu-se, devido à lavoura cafeeira. A partir de 1820, começaram a se desenvolver as fazendas de café, cuja produção era escoada pelo Rio Paraíba do Sul até Barra do Piraí, de onde prosseguia para a corte pela estrada de Ferro D. Pedro II (posteriormente Central do Brasil). Em 1882 a região atingiu o seu apogeu da produção cafeeira com 2,6 milhões de sacas ano, fazendo surgir então na região várias fazendas cafeeiras (Fazenda de Santo Antonio de Volta Redonda, Santa Teresa, Inferno, Cachoeira, Santa Cecília, Ponte Alta e outras). O Núcleo Original de Santo Antonio de Volta Redonda(1) (atualmente onde se localiza o bairro de Niterói) foi a primeira frente de urbanização situada na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, reunia a capela de mesmo nome, edificações destinadas ao pouso de tropas, armazéns, comércio e algumas residências. O recurso da navegação fez da localidade um entreposto regional de mercadorias, que se fortaleceu com a construção de ponte de madeira sobre o Rio Paraíba do Sul em 1864, permitindo que o porto, à margem esquerda, atendesse, também, as fazendas da outra margem. O trânsito por esta ponte era franqueada ao público mediante o pagamento de pedágio arrecadado pelo Comendador José Vieira Ferraz que a construiu (Athayde, 1965 p.15). Esta ponte se conectava a uma rua (atualmente Avenida Paulo de Frontin) até a estação ferroviária, interligando o Núcleo original do povoado na margem esquerda do rio Paraíba do Sul a Estação ferroviária facilitando o escoamento da produção cafeeira da época além do porto já existente. Em 1871 a linha férrea foi estendida até Barra Mansa, inaugurando a estação de Volta Redonda o que se repercutiu rapidamente no comercio local, (Ibid, p.22) havendo registros de que em 1875 "quase duas dezenas de importantes estabelecimentos comerciais, entre lojas, armazéns, farmácias, tavernas, padarias, sapatarias, barbearias, e hospedarias" se desenvolveram a partir da linha férrea; Data desta época a intervenção da Câmara Municipal de Barra Mansa contra "construções desordenadas" no lugar em despeito ao Código de Posturas. (1)O nome Volta Redonda é devido ao acidente geográfico no Rio Paraíba do Sul reconhecido em 1744. O povoado pertencia ao município de Barra Mansa. 39 (Mapa 01) - Mapa esquemático Santo Antonio de Volta Redonda – 1940 Fonte: Souza (1992 p.15) Desenvolvendo assim a segunda frente de urbanização do lugar (Núcleo da Estação). Em 1880 o Distrito de Paz de Santo Antonio de Volta Redonda contava com dois núcleos urbanos definidos, distribuídos ás margens do Rio Paraíba do Sul com uma ponte de madeira ligando-os, Morel (1989 p.50). No inicio dos anos 80 no século XIX, a produção cafeeira do Vale do Paraíba entra em declínio. Segundo Athayde (1965 p.25), a partir de 1888 a decadência se acentua, alguns fazendeiros, estimulados pelo Governo Estadual, procuraram substituir a mão de obra escrava pelo trabalhador livre. Em 1893 tentaram atrair imigrantes para a região porém a peste do gado em 1895 e 1914, e uma praga de gafanhotos em 1907 provocaram a degradação da propriedade agrícola. Assim, em apenas duas décadas o preço médio do alqueire de terras baixou de 700$000, em 1900 40 para 46$300, em 1920. Neste período inúmeros trabalhadores e fazendeiros provenientes de diversas localidades de Minas Gerais, estimulados pela inauguração de um trecho ferroviário da antiga Estrada de Ferro do Oeste de Minas Gerais que ligava a Estação de Volta Redonda passaram a adquirir as antigas fazendas de café decadentes e abandonadas, para o desenvolvimento da pecuária, atividade que permaneceu até o final da década de 30. Cabe registrar que no inicio dos anos 40 antes da implantação da Companhia Siderúrgica Nacional, Volta Redonda, 8º Distrito de Barra Mansa, contava com uma população de aproximadamente de 2.800 habitantes se dedicando a atividades agro-pastoris. (Foto- 04) - Estação Ferroviária - 1940 Fonte: Prefeitura Municipal de Volta Redonda - http:www.portalvr.com./cultural/museu /slideshow/ inicio/index.php, em 10.02.09 2.2 – A construção da "Cidade Operária " de Volta Redonda No dia 25 de março de 1941, através do Decreto-Lei nº237 Amaral Peixoto o interventor federal no Estado do Rio de Janeiro desapropria em caráter de urgência a Fazenda Santa Cecília destinada à instalação da usina siderúrgica, a Vila Operária, logradouros e edifícios públicos e futuras expansões. A propriedade totalizava 2.300 hectares e pertenciam a Nelson Godoy, parente de Adhemar de 41 Barros, então interventor federal no Estado de São Paulo(2), Lima (2004 p.02). A futura implantação da maior usina siderúrgica da América Latina em um espaço de produção agrícola decadente, como Volta Redonda viria modificar profundamente a então paisagem bucólica local. No mesmo ano a Companhia monta dois escritórios técnicos, no Rio de Janeiro e em Volta Redonda, sob a chefia do Engenheiro Ary Torres, destinados a realizar os estudos preliminares de implantação e acompanhar as obras. O Planejamento da chamada "Cidade Operária" teve o seu inicio em dezembro de 1941, a cargo da Seção de Urbanismo chefiada pelo Arquiteto Attilio Correia Lima que desenvolveu o plano urbanístico da Cidade. Attilio Corrêa Lima, filho de escultor brasileiro nasceu em Roma em 1901, formou-se Engenheiro-Arquiteto,
Compartilhar