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Arqueologia como ação sociopolítica: O caso do cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX

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Arqueologia como ação sociopolítica: O caso do cais do Valongo, 
Rio de Janeiro, século XIX. 
(Tânia Andrade Lima) 
 
Tânia Andrade Lima possui graduação em Arqueologia pela UNESA (1979), 
especializada em Arqueologia pelo Museu Nacional Universidade Federal do Rio de 
Janeiro (1980), doutora em Ciências (Arqueologia) pela USP (1991) e tem pós-doutorado 
em História Social também pela Universidade de São Paulo (1993 - 1995). 
Em seu trabalho “Arqueologia como ação sociopolítica: O caso do cais do Valongo, 
Rio de Janeiro, século XIX” ela vai apresentar a história que envolve a escravidão no 
Brasil, especificamente o cais do Valongo, onde aconteceu o desembarque de centenas 
de africanos. 
Esse trabalho tem como objetivo principal localizar os remanescentes 
arqueológicos do Cais do Valongo e do Cais da Imperatriz. O primeiro, construído em 
1811 pela Intendência Geral de Polícia, por ordem do Príncipe Regente D. João VI. Posto 
ao lado do mercado de cativos, e por onde passaram centenas de milhares de africanos 
escravizados para serem negociados, durante seu período ativo, o cais do Valongo foi a 
principal porta de entrada para as Américas, dizem os autores. O segundo, Cais da 
Imperatriz, foi construído posteriormente, em 1843, por cima do Cais do Valongo, com a 
finalidade do desembarque emblemático da princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina 
Maria de Bourbon, por ocasião do seu casamento com o imperador D. Pedro II. 
As pesquisas desenvolvidas neste local se deram durante o monitoramento de 
algumas regiões preservação histórica, sendo realizado pelo IPHAN em contexto das 
obras no Rio de Janeiro para as olimpíadas de 2016. Dentre eles a praça Jornal do 
Commercio, que com seu espaço exposto e nome já remetem à imperatriz, sendo feito 
pelos arqueólogos um projeto fora a parte desse monitoramento afim de encontrar as 
evidencias materiais que rementem ao período de escravidão. 
No texto a autora lembra que “suas evidências materiais foram soterradas, de 
modo que nada restasse ou lembrasse esse vergonhoso capítulo da história” (p.181). 
Apontando que a preservação do cais, que fica no subsolo, não se dá pela preservação 
de um momento histórico que foi lembrado, mas para trazer à nossa sociedade um fato 
histórico esquecido da existência de africanos que ali desembarcaram e escravizados. 
Nesse sentido, o Cais do Valongo é um memorial a algo esquecido, um dos muitos 
fatos apagados que aconteceram nesse período, onde alguns grupos eram excluídos da 
história por serem desfavorecidos. Por não terem condições de escrever sua própria 
 
 
 
 
história, a arqueologia possui o poder através das escavações arqueológicas de entender 
suas angústias através de uma herança de objetos abandonados por esses escravos. 
Nesse ponto a arqueologia histórica é utilizada como um "antídoto" para a amnésia 
social. O cais foi desativado após uma lei de 1831 que promulgada que todos os africanos 
que entrassem no território estariam livres, assim incentivando a redução do tráfego. 
Em 2011, foi iniciada as escavações arqueológicas e com 2,40m de profundidade 
“foi encontrado um fragmento de cachimbo cerâmico tradicionalmente atribuído aos 
escravos” (p.185). Haviam camadas do cais do Valongo que se conservaram, como por 
exemplo a camada mais baixa. Ali, encontraram diversos vestígios materiais desse 
período que levam a crer que as classes mais altas estiveram ali, objetos como brincos e 
cobres, anéis, pulseiras, cachimbos de cerâmica, que como foi dito, eram atribuídos aos 
escravos, miniaturas de cerâmicas de uso ritual, objetos impregnados com o pó branco 
que simboliza os mortos. 
Lima observa no seu texto que a noção de que a arqueologia trabalha "contra a 
corrente” e a favor da libertação marginal é um conceito relativamente recente (p. 186). 
Essa afirmação revela que a arqueologia está longe de ser uma disciplina desassociado 
a política e que hoje, se aplica a diferentes segmentos da sociedade, como sexualidade, 
raça, religião, gênero (p. 187). 
Nesse sentido, ao procurar as fontes da desigualdade, nos referimos ao passado, 
e é aqui que intervém a arqueologia, que, como diz Lima citando Pinsky (1989: 95), torna-
se “um local de ação política” e “sem dúvida ideologia” (p. 187), lidando com grupos 
marginalizados, dando-lhes voz. É neste sentido que surge a importância da arqueologia 
para o Cais do Valongo. 
Além de movimentos sociais locais e nacionais, as escavações geraram sensação 
na mídia internacional e foram visitadas por líderes do Banco Interamericano de 
Desenvolvimento, a UNESCO e professores de várias universidades do mundo. De 
acordo com a autora essa ampla disseminação levanta questões de racismo e escravidão 
em todo o mundo, despertando uma consciência reflexiva e crítica sobre o enorme 
sofrimento que os seres humanos podem infligir uns aos outros, impulsionados pelo 
preconceito racial”. 
A autora continua o seu trabalho desvendando as várias cerimónias e rituais que 
ali se realizaram em apoio a este achado arqueológico. Ela diz que muitas figuras 
religiosas também ocuparam o local. 
Tânia Andrade Lima conclui apontando que o lugar é ocupado por dois tipos de 
grupos, religiosos, ancestrais e estudiosos. Há algum tempo, a Fundação Palmares 
 
 
 
 
tentou transformar Valongo em um monumento à escravidão. Qual é a forma como as 
pessoas lidam com memórias dolorosas de um passado brutal. Muitos discordaram de 
transformar o local em um memorial da escravidão, incluindo uma equipe de arqueólogos, 
dizendo que deveria ser um lugar que todos possam ocupar e usar, um espaço repleto 
de memórias do passado, mas sem o peso das memórias da escravidão tão evidentes. 
Os estudos da diáspora africana ela chega na arqueologia histórica como um 
desafio, sendo necessário entender os processos histórico, político, social e econômico. 
Essa convicção surgiu com vigor a partir da progressiva penetração e incorporação das 
teorias críticas ao pensamento arqueológico. 
A autora nos mostra claramente como a atividade arqueológica afeta esses 
lugares e levanta a questão do esquecimento, muitas vezes como no caso de Valongo, 
que se refere ao presente. A política está intimamente relacionada com as questões ali 
encontradas, religião, raça, etc. O potencial das descobertas arqueológicas para afetar 
diferentes segmentos da sociedade é mais evidente do que nunca.

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