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2017 - 03 - 03 Revista de Processo 2015 REPRO VOL. 247 (SETEMBRO 2015) TEORIA GERAL DO PROCESSO E PROCESSO DE CONHECIMENTO Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento 1. O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil vigente The new Brazilian Civil Procedure Code and the current Brazilian procedural law (Autor) CANDIDO RANGEL DINAMARCO Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor titular do curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Sumário: 1. Esclarecimento ao leitor 2. Em busca do modelo processual civil brasileiro: o papel do novo Código de Processo Civil 3. Antecedentes: entre o Código de Processo Civil de 1939 e o de 1973: permanência do mesmo modelo processual 4. Alterações ulteriores no modelo processual civil brasileiro: as reformas e a Lei do Cumprimento de Sentença 5. As ondas renovatórias e a legislação extravagante: pequenas causas, meio ambiente e consumidor – o processo coletivo 6. As origens do novo Código – a Comissão de Juristas e o anteprojeto 7. Os propósitos explícitos da Comissão indicados na Exposição de Motivos e as linhas fundamentais das inovações propostas 8. A obcecada busca da celeridade 9. Eliminação de incidentes e casos de suspensão do processo 10. Flexibilização do procedimento 11. Cooperação, diálogo, arbitragem, autocomposição – o novo modelo processual 12. A estrutura do novo Código 13. Impropriedades sistemáticas na estrutura do novo Código 14. Institutos suprimidos, institutos acrescentados, institutos reformados e dúvidas resolvidas 15. Supressões 16. Institutos e técnicas acrescidos 17. Novas conceituações e nova disciplina de certos institutos 18. Esclarecimento de dúvidas e questões controvertidas 19. Linguagem: redação aprimorada 20. Linguagem: dificuldades, imperfeições e opções do legislador 21. Legem habemus Área do Direito: Civil Resumo: Este artigo trata dos aspectos gerais do novo Código de Processo Civil brasileiro, muitas vezes à luz das regras ainda em vigor, do Código de Processo Civil de 1973. As principais novidades do Código são integralmente abordadas. Abstract: This article deals with general aspects of the new Brazilian procedure Code sometimes in the light of the rules of the CPC which is currently in effect. The mainly aspects of the new code are practically fully covered. Palavra Chave: Código de Processo Civil brasileiro - Direito processual civil brasileiro - Novo Código de Processo Civil - CPC brasileiro de 2015. Keywords: Brazilian Civil Procedural Law - New Civil Procedure Code - Brazilian Civil Procedure Code of 2015. Recebido em: 21.07.2015 Aprovado em: 28.08.2015 1. Esclarecimento ao leitor A elaboração do presente estudo foi motivada pelo duplo objetivo de servir aos neófitos como um guia para o entendimento global e sistemático do atual processo civil brasileiro e, aos profissionais e estudiosos experientes, como uma ponte de passagem destinada a bem compreender as alterações trazidas à ordem processual brasileira pelo novo Código de Processo Civil. Dada essa finalidade, nenhum dos temas aqui versados vem desenvolvido com a profundidade ou possível inteireza própria a um compêndio, porque o que se visa nada mais é que proporcionar aos leitores o entendimento sistemático da vigente ordem processual brasileira, presumivelmente útil para a orientação de cada um com vista ao exercício profissional com a consciência do espírito da nova legislação, dos pontos em que novos regramentos foram implantados em lugar dos antigos, das novidades acrescentadas ao sistema, dos institutos que desapareceram. Este estudo foi elaborado com o objetivo de constituir um capítulo inicial da oitava edição do livro Instituições de direito processual civil, em via de publicação, mas entendo que sua publicação em revista poderá também ter alguma utilidade para os estudiosos do processo. “Tenho o prazer de lembrar que uma empreitada como esta foi por mim enfrentada quando da passagem do Código de Processo Civil de 1939 ao de 1973, ocasião em que produzi um pequeno livro formado por capítulos referentes às mais importantes inovações então aportadas ao processo civil deste País (cf. Direito processual civil, São Paulo: Bushatsky, 1975). Agora a história se repete, quando pela segunda vez me atrevo a construir uma ponte de passagem entre uma e outra ordem processual, com os mesmos objetivos que me motivaram há quarenta anos.” 2. Em busca do modelo processual civil brasileiro: o papel do novo Código de Processo Civil Para a correta compreensão sistemática da ordem processual civil brasileira a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015 é indispensável bem definir os fundamentos institucionais e estruturais dele próprio e do universo de normas processuais em que se insere, incluindo o disposto na Constituição Federal e em certas leis extravagantes de direta relevância para o processo civil. O processo civil de um país não é regido exclusivamente por seu Código mas também por superiores normas constitucionais inerentes ao direito processual constitucional, por leis extravagantes de direito processual e por outras que, conquanto centradas em realidades e institutos não processuais, em alguma medida contêm normas relativas ao exercício da jurisdição, da ação, da defesa e do processo. São pois dois conceitos e duas realidades distintas, a do modelo contido no novo Código e a do modelo vigente no processo civil brasileiro como um todo. É também necessária a consciência de que o conhecimento verdadeiramente científico de uma ordem jurídica jamais poderá prescindir da identificação de seus elementos centrais e nucleares e do modo como se interrelacionam em um verdadeiro sistema, sem o que esse conhecimento correria o risco de um empirismo incompatível com a seriedade de uma ciência. O conhecimento do sistema e dessas interrelações é fator imprescindível da coerência e harmonia na interpretação de cada uma das normas que o compõem e, consequentemente, da segurança jurídica indispensável à ordem processual. 3. Antecedentes: entre o Código de Processo Civil de 1939 e o de 1973: permanência do mesmo modelo processual O segundo Código de Processo Civil nacional, promulgado no ano de 1973 e vigente desde janeiro de 1974, foi uma réplica do anterior (o de 1939), com expressivos aperfeiçoamentos formais e algumas relevantes inovações substanciais, mas muito pouco para que nele se pudesse identificar um novo estilo de processo civil. O modelo processual que tínhamos continuou praticamente intacto no Código de 1973 e intacta a estrutura dos institutos do processo civil brasileiro. Trouxe sim algumas novidades dignas de nota, como a instituição do efeito da revelia e do julgamento antecipado do mérito (arts. 319 e 330), a sistematização das medidas cautelares em um Livro específico (L. III, arts. 796 e ss.), a implantação do poder geral de cautela (art. 798), a extensão da admissibilidade do agravo de instrumento a todas as decisões interlocutórias (art. 522), uma nova disciplina da execução por título extrajudicial com eliminação da antiga e superada ação executiva (CPC/1939, art. 298), um linguajar mais correto, uma severa tônica no dever de lealdade etc. – mas isso não bastou para que então se considerasse implantado neste País um novo estilo processual, ou um novo modelo processual. O processo civil vigente a partir do ano de 1974 foi na prática o mesmo processo civil do Código de 1939, com alguns aperfeiçoamentos técnicos mas sem diferenças substanciais quanto ao modo como o processo civil atua sobre a vida dos direitos. A morosidade na oferta e efetivação da tutela jurisdicional, sem uma corajosa ênfase aos institutos relacionados com a tutela jurisdicional diferenciadae sem a oferta de instrumentos eficazes para a luta contra o tempo-inimigo, prosseguiu como dantes e a prática mostrou como o processo civil brasileiro ainda continuava refém de formas inúteis e de uma insustentável proliferação de recursos, que atenta contra a promessa constitucional de um processo realizado em tempo razoável (Const., art. 5.º, LXVIII). Essa realidade foi àquele tempo favorecida pelo estado então vigente dos estudos sobre as projeções processuais das garantias constitucionais, ou seja, pela ausência de maior interesse dos processualistas brasileiros daquele tempo pelo método que hoje denominamos direito processual constitucional. Foi só na década dos anos setenta, quando o então novo Código já estava em vigor, que começaram a se avolumar as investigações mais profundas acerca da tutela constitucional do processo, representada pelos princípios e garantias estabelecidos na Constituição Federal. O próprio autor do Anteprojeto, que era um processualista tradicional e claramente voltado ao aprimoramento das técnicas processuais, não ostentava o empenho, que então passou a envolver as subsequentes gerações, em buscar no patamar constitucional os fundamentos mais profundos das boas técnicas do processo e o guia mais legítimo e mais consistente para a concepção e interpretação dos preceitos infraconstitucionais. Não havia, como hoje, a clara percepção do imenso valor da garantia constitucional do contraditório, não se tinha familiaridade alguma com a garantia e com o próprio conceito do devido processo legal, não se falava em direito ao processo, não era moda discorrer sobre a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e sequer havia ingressado em nosso vocabulário jurídico de todo dia a locução acesso à Justiça. Não se tinha consciência da instrumentalidade do processo, como abertura para o reconhecimento dos escopos metajurídicos da jurisdição (especialmente seus escopos sociais) e dos compromissos do juiz com a Justiça e com as realidades sociais e políticas subjacentes aos conflitos. “Não é que o interesse do processualista daqueles tempos pelos fundamentos constitucionais e sócio-políticos da ordem processual fosse nenhum. O clássico João Mendes Jr., escrevendo nos albores do século XX, já àquele tempo preocupara-se com as raízes constitucionais do direito processual, lançando bases para a compreensão do due process of law, que hoje nos é familiar. Disse, entre outras afirmações de perene atualidade, que o processo ‘é meio, não só para chegar ao fim próximo, que é o julgamento, como a um fim remoto, que é a segurança constitucional dos direitos e da execução das leis’. Também José Frederico Marques, jurista de fecundíssima versatilidade, mais de uma vez dedicou-se a escritos de fundo processual-constitucional, como os ensaios ‘Ação penal popular’ e ‘Os princípios constitucionais da Justiça penal’ – no qual disse incisivamente que ‘a Lei Maior contém em si os fundamentos institucionais e políticos de toda a legislação ordinária’ e que ‘nesse conjunto de normas e preceitos agasalhados no Texto Constitucional é que a ciência processual vai haurir a seiva de que se alimentam seus postulados e regras fundamentais’. Mas foi só no ano de 1974 que, em tese para concurso à livre-docência de processo civil na Faculdade do Largo de São Francisco, Ada Pellegrini Grinover deu um audacioso e definitivo passo no sentido da absorção das grandes balizas constitucionais pela ciência dos processualistas. Pode-se dizer, sem exagero, que sua tese As garantias constitucionais do direito de ação constitui o marco de uma mudança de rumo da ciência processual brasileira. Já nos anos oitenta Kazuo Watanabe discorreu, também em tese acadêmica, sobre a garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (Controle jurisdicional e mandado de segurança contra atos judiciais). Só a partir daí vieram a proliferar na doutrina brasileira os estudos e obras com o foco no direito processual constitucional”. Ora, naquele quadro metodológico de então era natural que, à míngua de grandes inovações no plano processual-constitucional e sobretudo na cultura e no pensamento dos estudiosos brasileiros do processo, também a ordem legal infraconstitucional se acomodasse nos conceitos e nas estruturas já praticadas antes, sem o estímulo de uma mola propulsora que impelisse o legislador e os operadores do processo à busca de soluções diferentes. O tipo de processo de antes prosseguiu vivo e vigente apesar da chegada do Código de Processo Civil de 1973. Não passamos portanto de um modelo a outro. 4. Alterações ulteriores no modelo processual civil brasileiro: as reformas e a Lei do Cumprimento de Sentença Relevantes e profundas alterações substanciais no sistema jurídico-positivo do Código de Processo Civil de 1973 principiaram com as duas reformas do Código de Processo Civil, operadas a partir do ano de 1994 por iniciativa de dois destacados integrantes do STJ – o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e o Min. Athos Gusmão Carneiro – os quais propuseram à nação mais de uma dezena de anteprojetos destinados a promover, como diziam eles próprios, pontuais minirreformas do processo civil brasileiro (ou uma guerra de guerrilhas, como também disseram eles). O mais visível fio condutor dessas reformas foi o empenho em acelerar a tutela jurisdicional a partir de uma série de diagnósticos nos quais se evidenciava que o principal dos males da ordem processual então vigente consistia na morosidade do sistema. Partiram de uma nova leitura do dispositivo constitucional antes qualificado como mera garantia do direito de ação (Const., art. 5.º, XXXV), no qual já era possível entrever a promessa de uma tutela jurisdicional capaz de conduzir à efetividade do processo – tema então em moda na doutrina internacional e na pauta de grandiosos congressos internacionais sob a liderança do idealista Mauro Cappelletti. Chegava-se à consciência de que do sistema processual é lícito exigir que seja capaz de oferecer uma tutela jurisdicional não só efetiva em seus resultados, como também adequada, fazendo justiça, e tempestiva, chegando em tempo para realmente solucionar os conflitos com utilidade. Ao trinômio efetividade-adequação- tempestividade deu especial relevância o pensador Kazuo Watanabe, já diante da conclamação, contida no Pacto de San José da Costa Rica, à oferta de tutelas jurisdicionais em tempo razoável (promessa hoje explicitada no art. 5.º, LXXVIII, da CF). Foi sob essa influência e aquela liderança que sobrevieram principalmente dois grupos de leis reformadoras do Código de Processo Civil, nos anos de 1994-1995 e 2002, nos quais se evidenciava a enorme preocupação em instituir mecanismos destinados a propiciar a consecução desses objetivos constitucionalmente desejados. Quatro ordens de dispositivos de primeira grandeza sistemática ingressaram no Código de Processo Civil de 1973 por obra dessas reformas, com vista a acelerar a tutela jurisdicional, a saber: (a) aquele que alargou portas à antecipação da tutela jurisdicional ao instituir um verdadeiro poder geral de antecipação à disposição do juiz (art. 273, caput e parágrafos, red. Lei 8.952, de 13.12.1994); (b) aqueles que instituíram a chamada execução direta das obrigações de fazer ou não fazer (art. 461, red. Lei 8.952, de 13.12.1994) e também das obrigações de entregar coisa certa (art. 461-A, red. Lei 10.444, de 07.05.2002); (c) aquele que deu nova regência à interposição do agravo de instrumento, o qual passou a ser apresentado diretamente ao tribunal competente e não mais ao Juízo a quo, como sempre fora (art. 524, red. Lei 9.139, de 30.11.1995); e (d) aquele queeliminou a liquidação por cálculo do contador, mandando que, quando a determinação do quantum debeatur depender exclusivamente de contas aritméticas, o próprio credor os faça e deduza a petição inicial executiva acompanhada de uma memória atualizada (arts. 604 e 614, red. Leis 8.898, de 29.06.1994 e 8.953, de 13.12.1994). “Tais inovações foram prontamente assimiladas na cultura dos operadores do direito processual (juízes, tribunais, advogados) e depois vieram a ser acatadas no Código de Processo Civil de 2015. Talvez a de maior impacto na vida concreta dos processos em juízo tenha sido aquela referente à antecipação da tutela jurisdicional (CPC/1973, art. 273 – CPC/2015, art. 294, par. etc.), que vem sendo manipulada com grande intensidade e muita frequência – e talvez até com certo exagero da parte de advogados, promotores de justiça, juízes e tribunais”. O que houve de comum em todas essas e outras inovações trazidas pelas reformas foi o empenho em acelerar a oferta de resultados úteis do processo em menor tempo, como culto ao objetivo de propiciar tutelas jurisdicionais tempestivas mediante um combate aos riscos e possíveis males causados pelo tempo-inimigo (Francesco Carnelutti). A busca da aceleração processual mediante repúdio ao formalismo e à exigência de providências inúteis ou desnecessárias tomou ainda mais força e vigor com a edição da chamada Lei do Cumprimento de Sentença, do ano de 2005 (Lei 11.232, de 12.12.2005). Aí, sim, ficou significativamente alterado o modelo processual até então vigente no direito brasileiro. Sempre com vista à aceleração, o legislador optou por suprimir o dualismo de processos tradicionalmente vigente no Brasil e na generalidade dos ordenamentos jurídicos mais avançados do mundo latino, para instituir um processo sincrético no qual a decisão da causa e a efetivação do julgado se processem em duas fases do mesmo processo, sem a separação entre um processo de conhecimento e um de execução, como sempre fora. A supressão do dualismo cognição-execução, com a implantação de um processo sincrético, constituiu um severo golpe no modelo até então vigente. 5. As ondas renovatórias e a legislação extravagante: pequenas causas, meio ambiente e consumidor –– o processo coletivo Naquele momento histórico e notadamente na passagem dos anos setenta aos oitenta efervescia a doutrina internacional em torno da efetividade do processo, que foi tema de congressos sob a liderança inconteste de Mauro Cappelletti e participação de processualistas de diversos países, entre os quais Vittorio Denti, Vincenzo Vigoriti, Luigi Paolo Comoglio, Michele Taruffo, Augusto Mario Morello, Roberto Omar Berizonce, Enrique Vescovi, Adolfo Gelsi Bidart, José Carlos Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover etc. É conhecidíssimo o estudo de largo espectro conduzido pelo primeiro e refletido em sua monumental obra Access to justice – a worldwide movement to make rights effective – a general report (em cooperação com Bryant Garth), que correu o mundo e exerceu influência sobre estudiosos de todos os lugares, inclusive brasileiros. Detectou-se aí uma profunda e generalizada tendência em prol da universalização da tutela jurisdicional mediante a eliminação de bolsões de conflitos não jurisdicionalizáveis e busca de maior aderência da ordem processual às realidades e aos anseios da sociedade moderna, assim como aos seus problemas e seus valores, com reflexo nas próprias instituições políticas. As novas tendências do direito processual positivo constituem projeção das novas tendências culturais e estruturais das nações e das exigências políticas, econômicas e psicossociais que daí emergem. “No plano do processo civil essas tendências cristalizaram-se nas três conhecidas ondas renovatórias assim identificadas por Cappelletti: (a) movimento em prol da assistência judiciária, com vista a superar os obstáculos que a pobreza opõe ao ingresso em juízo e acesso à justiça; (b) reformas necessárias à tutela dos interesses transindividuais, especialmente dos respeitantes às comunidades de consumidores e à higidez do ambiente; e (c) implantação de múltiplas inovações no interior do processo, visando a uma espécie de Justiça coexistencial mais acessível e participativa, com forte tendência à absorção dos valores inerentes aos princípios da igualdade, do contraditório, do devido processo legal e, numa palavra, a um processo mais justo.” Essas tendências, ou ondas, foram bem captadas pela doutrina brasileira e corporificadas na legislação processual extravagante editada àquele tempo, a principiar com a Lei das Pequenas Causas (Lei 7.244, de 07.11.1984), 1 passando pelas disposições processuais contidas na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24.07.1985) e chegando ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990). “A Lei da Ação Civil Pública, nesse ponto seguida pelo Código de Defesa do Consumidor, foi um gigantesco passo no sentido da coletivização da tutela jurisdicional, mediante a outorga de legitimidade a diversas entidades (Ministério Público, associações etc.) para a propositura de demandas no interesse de toda uma classe, categoria ou grupo de indivíduos. Essas Leis foram responsáveis pela implantação de uma visão macroprocessual do exercício da jurisdição. Suas preocupações principais não se voltam mais ao processo, tomado como ente isolado, mas à totalidade de que ele é parte e ao sistema público de distribuição de tutela jurisdicional, composto de enorme massa de processos e de recursos de interesse geral” (André de Albuquerque Cavalcanti Abbud). 6. As origens do novo Código –– a Comissão de Juristas e o anteprojeto Estando assim as coisas, no ano de 2009 o então Presidente do Senado Federal, Sen. José Sarney, tomou a iniciativa de promover uma renovação no processo civil brasileiro, constituindo uma comissão encarregada de, em cento e oitenta dias, redigir um anteprojeto de Código de Processo Civil (Ato 379, de setembro de 2009, publicado em outubro do mesmo ano). Essa Comissão de Juristas foi integrada por onze membros, dos quais sete processualistas bastante conhecidos, mais quatro profissionais do direito. Ela foi constituída já pelo mesmo ato que deu início ao iter de criação de um novo Código e, apesar da exiguidade do tempo, logrou apresentar seu anteprojeto no prazo estipulado. “Os processualistas integrantes dessa Comissão foram os Professores Luiz Fux, Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e àquele tempo Ministro do STJ (presidente da Comissão); Teresa Arruda Alvim Wambier, livre-docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (coordenadora); Adroaldo Furtado Fabrício, Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Humberto Theodoro Júnior, Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais; José Miguel Garcia Medina, Professor da Universidade Estadual de Maringá; José Roberto dos Santos Bedaque, Professor titular da Universidade de São Paulo; e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os demais, entre os quais alguns são pós-graduados, foram os Drs. Bruno Dantas, Elpídio Donizete Nunes, Jansen Fialho de Almeida e Marcus Vinicius Furtado Coelho.” 7. Os propósitos explícitos da Comissão indicados na Exposição de Motivos e as linhas fundamentais das inovações propostas Na justificativa do anteprojeto apresentado à Presidência do Senado Federal, o presidente da Comissão de Juristas que o elaborou, Min. Luiz Fux, tratou desde logo de enunciar as linhas fundamentais do Código proposto, nas quais se consubstanciamos propósitos da reforma então desenhada. Como ali está ressaltado e exposto de modo sistemático, “os trabalhos da Comissão orientaram-se precipuamente por cinco objetivos”: (a) o da harmonia com a Constituição Federal; (b) o da fidelidade ao contexto social mediante a maior aderência possível às realidades subjacentes ao processo; (c) o da simplificação dos procedimentos, eliminando formalidades ou atos desnecessários ou inúteis; (d) o do maior rendimento possível, para otimização dos resultados de “cada processo em si mesmo considerado”; e (e) o de “imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe assim maior coesão”. A esses objetivos centrais, que constituem o núcleo essencial anunciado pelos reformadores, é lícito acrescentar duas outras linhas de largo espectro e muita relevância sistemática, que são (f) a adoção de um modelo colaboracionista, com a explícita e ampla imposição às partes do dever de cooperação de cada uma delas com o juiz (art. 6.º) e, ao próprio juiz, do dever de dialogar com as partes (arts. 9.º, 10 etc.); 2 e (g) a nova estrutura do próprio Código de Processo Civil. “O projeto de lei assim composto foi aprovado no Senado Federal com algumas alterações e, na Câmara dos Deputados, as muitas alterações ali propostas deram corpo a um substitutivo da lavra do lúcido e aplicadíssimo relator, Dep. Paulo Teixeira, que para tanto contou com o apoio de um grupo alentado de colaboradores. Depois, aprovado o substitutivo na Câmara dos Deputados, o texto foi ao Senado Federal, que o aprovou com bastante celeridade, sobrevindo a sanção pela Presidência da República aos 16.03.2015, com alguns vetos, convertendo-se na Lei 13.105, daquela data – que é o novo Código de Processo Civil. Seu art. 1.045 estabelece uma vacatio legis de um ano, para que esse Código entre em vigor no dia 16.03.2016”. 8. A obcecada busca da celeridade Tendo em vista esse quadro é imperioso entrever no novo Código de Processo Civil uma linha de primeira grandeza, consistente no empenho pela aceleração. Esse afã já se manifesta de modo explícito em um daqueles propósitos anunciados pela Comissão (o da “simplificação dos procedimentos, eliminando formalidades ou atos desnecessários ou inúteis”) e está presente ao longo de todo o Código, na disciplina de muitos de seus institutos – como a nova disciplina das medidas provisórias (incluindo a tutela de urgência e a da evidência), a estabilização das tutelas antecipadas (art. 304), a eliminação das exceções rituais (arts. 336-337), confinamento da admissibilidade do agravo de instrumento a certas hipóteses tipificadas em um numerus clausus (art. 1.015) etc. Essa é a mesma luz que norteara os reformadores de 1994, 1995 e 2002 (a Reforma do Código de Processo Civil e a Reforma da Reforma) e também a edição da Lei do Cumprimento de Sentença, a qual muito fizera com o intuito de remover barreiras tradicionalmente antepostas à boa fluência do processo e do procedimento. O novo Código não só manteve as inovações trazidas por essa lei como também concebeu outras de equivalente valia sistemática – seja pelo aspecto macroscópico da implantação de um processo sincrético, seja em algumas disposições pontuais como (a) a que comina uma multa de dez por cento do valor da obrigação ao devedor que, intimado da sentença condenatória, não paga esse valor no prazo de quinze dias; (b) as que incentivam a opção pela arbitragem e estimulam a solução consensual de conflitos (mediação e conciliação – art. 3.º, § 3.º etc.); (c) a que dá prioridade à adjudicação ao exequente do bem penhorado (sem a necessidade da hasta pública – arts. 876 e ss.); e (d) a que favorece o parcelamento do pagamento do valor da execução mediante o depósito de trinta por cento desse valor (art. 916) etc. “Em entrevista concedida à imprensa logo que aprovado pelo Senado Federal o texto definitivo do Projeto, um dos integrantes da Comissão de Redação afirmou que com o novo Código o tempo de duração do processo civil ficará reduzido à metade. Otimismos à parte, esperemos que realmente haja uma aceleração significativa, para cumprimento da promessa constitucional de realização do processo em tempo razoável (Const., art. 5.º, LXXVIII) e, consequentemente, do exercício verdadeiramente útil da jurisdição, com a efetiva consecução de seus escopos.” 9. Eliminação de incidentes e casos de suspensão do processo Sempre em busca da aceleração da oferta de tutela jurisdicional, o legislador de 2015 entendeu conveniente suprimir uma série mais ou menos significativa de incidentes processuais presentes no estatuto anterior, como o das exceções rituais, o da ação declaratória incidental, o da falsidade documental, o da impugnação ao valor da causa etc. (arts. 293, 336, 337, 430). Dispôs que a matéria antes tratada nesses e outros incidentes será deduzida pelo réu em contestação (art. 336) ou em petição avulsa por qualquer das partes, como sucede com a recusa do juiz mediante a alegação de sua suspeição ou impedimento (art. 146, caput). Foi também explícito ao negar a suspensão do processo em várias outras situações, como a do pedido de gratuidade da Justiça (art. 99, § 1.º) ou de intervenção de terceiro como assistente (art. 120, par.), o dos embargos à execução (art. 919) etc. Na mente do legislador esteve presente a ideia de que esses e outros incidentes e a suspensão do processo inerente a vários deles constituiriam fatores determinantes do retardamento da tutela jurisdicional, a dano do princípio constitucional da tutela em tempo razoável (Const., art. 5.º, LXXVIII). Reduzidos os incidentes, o sistema ganharia em celeridade. Idem, quando se nega a suspensão processual. Nem sempre, todavia, logrou simplificar e acelerar o procedimento tanto quanto pretendia e anunciou na Exposição de Motivos, inclusive porque a alegação de algumas das matérias antes tratadas pela via dos incidentes ainda pode, em alguns casos e em certas circunstâncias, produzir a suspensão do processo – como se dá, v.g., no tocante à alegação de suspeição ou impedimento do juiz (art. 146, § 2.º, II). “E o novo Código instituiu também alguns incidentes que antes inexistiam, como o de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133) e o de assunção da competência (art. 947). Além disso, admitiu expressamente a suspensão processual em outros casos, como o da oposição deduzida depois de iniciada a audiência de instrução (art. 685, par.), o da habilitação de herdeiros no processo (art. 689), o da incapacidade processual da parte ou irregularidade de sua representação (art. 76), o da suspensão dos processos envolvendo ações de família ‘enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar’ etc. – sem falar em seu art. 133, que define de modo bastante amplo as hipóteses de suspensão do processo.” 10. Flexibilização do procedimento Vínhamos de um regime em que se impunha com extremo rigor a estrita legalidade na definição dos procedimentos, os quais não podiam ser livremente escolhidos pelas partes nem alterados por atos de vontade destas, ainda quando de acordo. Sempre em prol da prometida aderência do processo às realidades subjacentes, o novo Código optou todavia pela outorga às partes de uma relativa liberdade para alterarem, segundo as conveniências de ambas, as regras do procedimento estabelecidas em lei. Assim dispõe seu art. 190: “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Obviamente, modificações dessa ordem não serão admissíveisquando forem insuportavelmente prejudiciais a uma das partes e favoráveis à outra, cabendo ao juiz fiscalizar a admissibilidade do que por elas vier a ser pactuado (art. 190, par.). Essa nova disposição é um culto à liberdade das partes e à adaptabilidade do procedimento, que foi uma postulação de antiga e muito nobre fonte doutrinária (Piero Calamandrei) – e o princípio da adaptabilidade é também valorizado pelo art. 139, VI, do NCPC, ao conceder ao juiz o poder-dever de “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. “Dispõe também o novo Código, na mesma linha, que ‘de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso’ (art. 191) – sendo esse calendário vinculativo a todos, inclusive ao juízo (art. 191, § 1.º). Na prática, porém, prepondera uma boa dose de ceticismo quanto à efetiva utilização dessa faculdade pelas partes, antevendo-se que o art. 191 do CPC será uma letra-morta. Esperemos que não seja assim, a bem do aprimoramento da busca de bons resultados pela via do processo”. 11. Cooperação, diálogo, arbitragem, autocomposição –– o novo modelo processual São de duas ordens as inovações de maior profundidade trazidas no Código de 2015, aquelas que podem ser consideradas como soluções capazes de alterar em alguma medida o estilo processual até então vigente. Trata- se da ênfase atribuída ao dever de cooperação entre as partes e o juiz e das veementes aberturas para atuação dos chamados meios alternativos de solução de litígios. Um processo realizado com a exigência de uma intensa cooperação entre seus sujeitos e mediante valorização desses meios alternativos é um processo diferente do tradicional que sempre vivenciamos, constituindo por isso um modelo diferente. A cooperação desejada pelo legislador e desenhada no Código consiste em severas exigências endereçadas tanto às partes quanto ao juiz e não somente àquelas. Ao estabelecer que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, seu art. 6.º tem em mente não apenas o dever de cooperação das partes com o juiz, mas também deste em face daquelas. Esse dever do juiz revela-se de modo muito claro no art. 10.º do novo Código, segundo o qual “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Esse é o dever de diálogo, que integra o ideário da garantia constitucional do contraditório e que chegou ao direito positivo brasileiro por sadia e notória influência do art. 16 do CPC francês. O juiz que dialoga com as partes e as ouve é um juiz consciente dessa garantia. As partes que dialogam com o juiz estão não só a cumprir seu dever de cooperação mas exercendo com maior eficiência seu próprio direito de defesa. A cooperação de cada uma das partes com o juiz constitui também um enérgico ditame do princípio da lealdade processual, que veda a prática de atos tendentes a dificultar a instrução da causa ou a retardar a efetivação de medidas constritivas na execução forçada. Como está no art. 774, V, do novo Código, “considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que (...) intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores” etc. A partir daqueles propósitos anunciados na Exposição de Motivos, o novo Código de Processo Civil incluiu no modelo processual civil brasileiro as seguintes características fundamentais: “a) Garantias constitucionais reproduzidas e enfatizadas ao longo do Código, dispondo este, logo em seu art. 1.º, que nesse sistema figura como autêntico pilar sistemático e assim está redigido: ‘o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado 3 conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. O propósito de harmonia com a Constituição Federal, anunciado na Exposição de Motivos, está manifesto não somente naquele art. 1.º mas em todo o capítulo I do título único da parte geral (arts. 1.º a 12), no qual se vê uma fortíssima ênfase na valorização dos princípios constitucionais do processo; b) Uma tônica muito forte na garantia do contraditório, a qual foi especificada no Código em relevantes disposições específicas. Uma dessas disposições pontuais, de grande valor em face da garantia do contraditório, é a que institui o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 ss.), imposto como requisito para a extensão da responsabilidade executiva para além do patrimônio do obrigado; c) A valorização dos meios alternativos de solução de conflitos. O novo Código contém dez artigos alusivos à conciliação e à mediação e integrantes de toda uma seção (arts. 165 e ss.). Seu art. 165 chega a estabelecer que ‘os tribunais criarão centros Judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição’. Também estão explicitadas normas bastante minuciosas, relacionadas com a conciliação e mediação, inclusive uma mandando que nos tribunais estaduais e federais sejam instituídos cadastros de conciliadores e mediadores (art. 167). Sobre a arbitragem, estabelece que ela é ‘permitida na forma da lei’ (art. 3.º, par.) e também está disposto que ‘as causas cíveis serão processadas e decididas pelos órgãos jurisdicionais nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei (art. 42); d) O dever de cooperação das partes com o juiz, ditado de forma genérica no art. 6.º. O art. 357, § 3.º também dispõe que ‘se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações’ (saneamento compartilhado). O dever de cooperar também está explicitado em normas específicas, como acima referido; e) O sincretismo processual, consistente na reunião das atividades de cognição e de execução em um só processo dividido em fases. Esse é um sistema já vigente no País desde a edição da Lei do Cumprimento de Sentença, que o novo Código veio a adotar; f) A redução da incidência de preclusões, que agora são menos intensas ou numerosas que no Código anterior, inclusive porque só em casos tipificados na lei as decisões interlocutórias comportam irresignação pela via do agravo de instrumento (art. 1.015) – de modo que as interlocutórias não suscetíveis desse recurso não serão atingidas pela preclusão. Essa linha de orientação do Projeto foi sensivelmente comprometida em sua tramitação pelas Casas do Congresso, que ampliaram em muito o rol das decisões suscetíveis de agravo de instrumento (onze hipóteses e mais ‘outros casos expressamente referidos em lei’ – art. 1.015, XIII); e g) A valorização dos precedentes Judiciários, associada aos crescentes poderes do relator nos tribunais (art. 927 etc.)”. 12. A estrutura do novo Código O novo Código traz uma estrutura substancialmente diferente da estrutura de seu antecessor e, em alguma medida, melhor. Ele principia com uma parte geral, contida em seu Livro I, que o de 1973 não tinha. Todas as normas gerais de processo residiam nolivro do processo de conhecimento e eram simplesmente cedidas em empréstimo às outras espécies de processo, inclusive ao de execução (CPC/1973, art. 598). A parte geral contida no novo Código, como é natural, é responsável pela coordenação e regência sistemática das disposições contidas nos demais Livros – o que não existia no Código de 1973 e era motivo para as justas críticas da doutrina. “Todo o Cap. I do Livro único dessa parte geral é composto da positivação infraconstitucional dos princípios e garantias constitucionais do processo (arts. 1.º a 12), aos quais quis o legislador de 2015 emprestar uma extraordinária ênfase, em busca da harmonia do Código com a Constituição Federal que constitui um dos propósitos nucleares arrolados na Exposição de Motivos”. No novo Código o Livro I de sua parte especial, denominado “do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença” (arts. 318 ss.), inclui todo um Título que tem por conteúdo os procedimentos especiais – porque, obviamente, todos os procedimentos especiais são procedimentos relativos ao processo de conhecimento, sendo pois adequada sua inclusão naquele Livro. Vem depois o Livro II, denominado do processo de execução, que é voltado diretamente apenas à execução por título extrajudicial porque a execução por título judicial, como herança perversa da Lei do Cumprimento de Sentença, não é tratada como execução mas como se fora um mero conjunto de providências inerentes à atividade cognitiva. Não há um Livro do processo cautelar, como era o Livro III do Código revogado – sendo agora as medidas urgentes disciplinadas no Livro V da parte especial, sob o título mais amplo “da tutela provisória” (tutela de urgência e tutela da evidência – arts. 294 e ss.). O Livro III do novo Código cuida “dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais” (arts. 926 e ss.) e o “Livro complementar”, das disposições finais e transitórias (arts. 1.045 e ss.). O Projeto havia desenhado um Código com apenas 970 artigos e portanto bem mais breve que o anterior, que chegava até ao art. 1.218 e ainda contava com muitos artigos multiplicados mediante a designação por letras (285-A, 461-A, 475-A a 475-R etc.). Em sua redação final o Código de 2015 veio com 1.072 artigos e também contém artigos incluindo números elevados de incisos ou de parágrafos, o que no final das contas alonga o próprio Código. 13. Impropriedades sistemáticas na estrutura do novo Código O Código de Processo Civil de 2015 comete algumas impropriedades sistemáticas no tocante à distribuição de seus dispositivos entre os livros, títulos e capítulos que o compõem. Além daquela consistente na inclusão do cumprimento de sentença ao lado do processo de conhecimento, como se cumprimento de sentença tivesse uma suposta natureza cognitiva e não fosse autêntica execução (parte especial, Livro I, arts. 318 e ss.), identificam-se algumas impropriedades de menor tomo ao longo de seus livros, títulos e capítulos. Competência. Disposições gerais e competência territorial. No cap. I do tít. I de sua parte especial o novo Código contém uma seção que, sob a rubrica disposições gerais, inclui não somente verdadeiras disposições gerais sobre a competência (arts. 42-45) mas também toda a disciplina da competência territorial – que obviamente não é composta de disposições gerais. Melhor estava o Código revogado, no qual a disciplina da competência territorial residia em uma seção autônoma (arts. 94 e ss.), em seguida a duas outras seções sobre a “competência em razão do valor e da matéria” e sobre “competência funcional” (arts. 91-93). Mas o Código de 2015 tem o mérito de desenvolver agrupadamente aquelas disposições gerais, o que o estatuto de 1973 não fazia. Conciliador, mediador, conciliação e mediação. Também constitui uma impropriedade estrutural do novo Código o trato das atividades referentes à conciliação e à mediação em uma rubrica nominalmente destinada aos auxiliares da justiça (arts. 139 e ss.), incluída em um título que cuida do juiz e dos auxiliares da justiça (arts. 139 e ss.). Uma coisa é o regramento dos sujeitos processuais e outra, o das atividades que exerce. Seria pois mais correto impor naquela seção VI (arts. 165 e ss.) somente as normas referentes a esses sujeitos como tais (conciliador e mediador), modo de escolha, deveres, responsabilidades etc., sem misturar tal disciplina com a da conciliação e da mediação em si mesmas, deixando para outro lugar preceitos como aquele segundo o qual “a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada” (art. 166) e aquela onde se dispõe que “as disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica”. 14. Institutos suprimidos, institutos acrescentados, institutos reformados e dúvidas resolvidas É muito natural que uma nova lei, e particularmente quando essa nova lei é um Código, ponha em crítica o acervo dos institutos regidos pela lei anterior, seja para lhes conferir uma nova configuração, seja para eliminar alguns, seja para acrescentar outros, para esclarecer dúvidas existentes na jurisprudência ou na doutrina ou ainda para distribuí-los de modo diferente em sua estrutura. Movimentações dessa ordem estiveram presentes na passagem do Código de Processo Civil de 1973 ao de 2015, com significativas modificações em alguns institutos antes regidos por aquele, com a supressão de vários deles, com inovações consistentes na inclusão de institutos novos etc. Esse Código contém ainda diversas disposições destinadas a positivar em lei certos entendimentos da doutrina ou da jurisprudência, ou a impor soluções diversas das que vinham sendo acatadas e praticadas. O rol dessas inovações de diferentes conteúdos e finalidades, que adiante se lê, constitui somente um panorama geral do confronto entre os dois Códigos, sem a menor pretensão à exaustão e sendo inevitavelmente composto por critérios em alguma medida subjetivos. Também não se busca uma profundidade no exame dessas alterações, incompatível com esta mera apresentação do novo Código de Processo Civil brasileiro. 15. Supressões Alguns institutos ou tradicionais disposições contidas no Código de Processo Civil de 1973 estão deliberadamente ausentes de seu sucessor, como (a) um Livro do processo cautelar, (b) um Livro dos procedimentos especiais e (c) alguns específicos institutos processuais. Foram substituídos por outras técnicas, com nova estruturação do próprio Código, ou simplesmente banidos por opção política do legislador. Procedimento sumário. Na sistemática do novo Código de Processo Civil os procedimentos na fase cognitiva serão somente de duas ordens, a saber: o comum e os especiais (arts. 318 e ss. e 539 e ss.). Não há mais a subdivisão do procedimento comum em ordinário e sumário, como no Código anterior. Foi suprimido o procedimento sumário. Uma disposição transitória estabelece porém que as “ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código” prosseguirão pelo procedimento adotado desde o início (art. 1.046), indo até ao fim por esse rito até quando proferida a sentença em primeiro grau de jurisdição. Ações não sentenciadas, na redação do art. 1.046, são aquelas ainda pendentes em primeiro grau de jurisdição quando da entrada em vigor do novo Código. É óbvio que, estando elas já sentenciadas e portanto exaurido o procedimento de primeira instância, não se pensa mais em procedimentosumário, comum ou especial – porque daí por diante impor-se-á o procedimento recursal adequado segundo a lei. Ação declaratória incidental. O novo Código suprimiu o incidente processual da ação declaratória incidental, disciplinado nos arts. 5.º e 325 do anterior, e o substituiu por uma técnica diferente em relação às questões prejudiciais levantadas no processo. Dispõe que a decisão de tais questões poderá obter a autoridade da coisa julgada desde que (a) a seu propósito tenha havido um pronunciamento explícito do juiz, (b) dessa decisão dependa o julgamento do mérito, (c) a seu respeito tenha havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia e (d) o juízo prolator da sentença tenha competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal (art. 503, § 1.º, I-III). “Ao réu, contudo, continua sendo facultada a possibilidade de propor, pela via da reconvenção, uma verdadeira ação declaratória incidental com o pedido de declaração principaliter sobre eventual causa prejudicial, desde que conexa com a demanda principal ou com os fundamentos da defesa (art. 343) – e, como é natural, a sentença que julgar essa demanda reconvencional, juntamente com a principal, será uma decisão principaliter e portanto suscetível de obter aquela autoridade em ambos os seus capítulos (inclusive o reconvencional)”. Exceções rituais (incompetência territorial ou suspeição ou impedimento do juiz). O novo Código, procurando concentrar na contestação toda a matéria da defesa a ser arguida pelo réu (art. 336), ali inclui a alegação de ambas as espécies de incompetência, ou seja, a absoluta e também a relativa – e não só a absoluta, como no estatuto anterior (CPC/2015, art. 337, II). Não inclui entre as peças defensivas do réu a exceção de incompetência relativa, como fazia o anterior (CPC/1973, art. 297 etc.). Também os fundamentos de eventual recusa do juiz pela parte (suspeição e impedimento) serão apresentados sem o formalismo de uma exceção ritual, devendo a parte deduzi-los “em petição específica dirigida ao juiz do processo” no prazo de quinze dias a contar do conhecimento fato causador do impedimento ou suspeição (art. 146, caput) e sem a necessária suspensão do processo (art. 146, § 2.º). Não há mais as exceções rituais. Medidas cautelares nominadas ou típicas. O novo Código inclui a tutela cautelar em um gênero próximo, intitulado da tutela de urgência. Põe também esse gênero no âmbito de um outro mais amplo, que é o das tutelas provisórias – o qual inclui ainda a tutela da evidência (arts. 294 e ss.). Procurou com isso dar um trato sistemático a todas as medidas relacionadas com a mitigação dos males da espera pelas delongas do processo até que sobrevenha a decisão final da causa – ao contrário do Código de Processo Civil de 1973, que trazia uma longa e pormenorizada disciplina das cautelares (todo o Livro III, com dezenas de artigos – arts. 796 e ss.) e somente dois dispositivos sobre a antecipação da tutela jurisdicional (CPC/1973, arts. 273 e 461, § 3.º). Em boa medida a disciplina das medidas antecipatórias viviam de empréstimos tomados ao Livro III, portador da disciplina das cautelares. Além disso, aquele Código disciplinava também em pormenor a admissibilidade e o procedimento para cada uma das espécies de medidas cautelares imaginadas pelo legislador, como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, a produção antecipada de provas etc. (CPC/1973, arts. 813 e ss.) – construindo com isso um arsenal de medidas nominadas ou típicas, cada uma com sua disciplina específica. O Código de Processo Civil de 2015 renunciou a tipificar as medidas de urgência. Seguiu o bom exemplo do art. 700 do Codice di Procedura Civile italiano, ao falar genericamente em medidas urgentes e em medidas cautelares e não explicitar suas espécies. Seu art. 301 limita-se a exemplificar com o arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem, concluindo com uma verdadeira norma de encerramento abrangente de “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”. Nisso reside uma decidida outorga de grande poder geral de cautela aos juízes, aos quais será lícito conceder a medida urgente adequada ao caso, sem se apegar a especificidades ou a uma nomenclatura tão particularizada como no Código anterior. Juízo de admissibilidade da apelação e dos recursos aos tribunais de superposição. O Código de Processo Civil de 2015 eliminou o primeiro dos juízos de admissibilidade da apelação, do recurso especial e do extraordinário, que tradicionalmente era feito pelo órgão prolator do ato recorrido (juiz de primeiro grau ou tribunal local ou regional, conforme o caso). Segundo está na disciplina dada à apelação, diz o Código no § 3.º de seu art. 1.010 que “após as formalidades previstas nos §§ 1.º e 2.º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade”. Depois, no trato dos recursos extraordinário e especial, seu art. 1.030 estabelece que, depois das contrarrazões ou não sendo elas deduzidas no prazo, “os autos serão remetidos ao respectivo Tribunal Superior”, acrescentando logo a seguir: “a remessa de que trata o caput dar-se- á independentemente de juízo de admissibilidade” (art. 1.030, par.). “Visivelmente a supressão do juízo de admissibilidade a ser feito pelo Órgão a quo veio com a finalidade de acelerar o fluxo dos recursos. Percebe-se ainda que, no que diz respeito ao recurso extraordinário e ao especial, essa supressão mira também à uniformidade dos critérios para aferir a admissibilidade desses recursos – sabendo-se que esses critérios variam de tribunal a tribunal e nem sempre o STF e o STJ têm a oportunidade de impor de modo uniforme e geral os seus próprios critérios (em virtude de nem sempre ser interposto agravo contra decisão de denegatória). Teme-se porém que essa inovação venha a produzir um impacto perverso na tramitação dos recursos nos Tribunais Superiores, dado o enorme volume de recursos que ali virão ter, sem uma prévia triagem feita no tribunal de origem. Certamente por isso foi apresentado ao Senado Federal um projeto de lei (Sen. Blairo Maggi) restaurando o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e do especial, com a possibilidade de um agravo de admissão contra eventuais juízos negativos (indeferimento do recurso)”. Agravo retido. O agravo retido, criação do Código de Processo Civil de 1973 (art. 522), foi excluído pela ordem processual vigente, em associação à intenção de limitar a admissibilidade do agravo de instrumento a quatro hipóteses bem especificadas (Projeto, art. 929, I-IV). Isso significava que, por não serem recorríveis, todas as demais decisões interlocutórias, não contidas nesse rol, ficavam a salvo de eventuais preclusões, inevitáveis quando todas elas eram agraváveis. A intenção da Comissão de Juristas foi no entanto contrariada em boa medida quando o rol das decisões suscetíveis de agravo de instrumento veio a ser consideravelmente ampliado pelas Casas do Congresso (art. 1.015) – com a consequência de que todas essas decisões ali tipificadas, e que são muitas, ficarão preclusas se não forem tempestivamente impugnadas por esse recurso. Embargos infringentes. Já nos preparativos do Código de 1973 cogitou-se da eliminação desse recurso, que no entanto veio a ser incluído naquele estatuto, como estava no anterior (CPC/1939). Muitos anos depois da vigência do Código de 1973 a repulsa de parte da doutrina e dos tribunais aos embargos infringentes, tidos como indesejável causa de retardamento da tutela jurisdicional, levou o legislador a impor novos requisitos à sua admissibilidade, alémda mera divergência entre os julgadores das apelações ou ações rescisórias (CPC/1973, art. 530, red. Lei 10.352, de 26.12.2001). E o novo Código de Processo Civil, levando mais adiante essa repulsa, não incluiu os embargos infringentes no rol dos recursos admissíveis no processo civil brasileiro, substituindo-os por uma técnica muito mais simples. Agora, sempre que haja divergência de votos entre os integrantes de uma câmara ou turma no julgamento de apelações, ações rescisórias ou certos agravos de instrumento, a sessão de julgamento prosseguirá para a tomada de votos de outros julgadores, em número suficiente para possivelmente reverter o julgamento (art. 942, caput e §§ 1.º e ss.). Tudo será muito mais simples que dantes, sem a necessidade de lavrar e publicar acórdãos referentes ao primeiro julgamento, sem prazo para recorrer e para responder, sem tramitação dos embargos infringentes, sem nova inclusão em pauta. “Mas será lícito incluir os embargos infringentes entre os verdadeiros vilões da lentidão processual neste país? Em que medida sua eliminação produzirá o efeito de acelerar a tutela jurisdicional? Eles acarretam sim uma demora adicional do processo mas, afinal, não são tão frequentes assim na experiência do foro. Mais frequentes serão os casos em que, somente com a existência de um voto divergente e sem requerimento algum da parte vencida, a técnica estabelecida no art. 942 do novo Código será automaticamente desencadeada. Isso acontecerá ainda quando o meritum causæ não houver sido julgado e mesmo que a parte vencida no tribunal haja sido vencida também na sentença recorrida ou sujeita a ação rescisória (casos em que o art. 530 do Código anterior excluía a admissibilidade dos embargos infringentes).” 16. Institutos e técnicas acrescidos Incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 e ss.). Esse é um valioso culto à garantia do contraditório mediante a eliminação da extrema insegurança decorrente de desordenados redirecionamentos de execuções (na maior parte, execuções fiscais ou trabalhistas) e arbitrárias extensões da responsabilidade executiva a sujeitos diferentes do obrigado. Pelo que dispõe o Código de Processo Civil de 2015, extensões dessa ordem só serão admissíveis quando houver um prévio pronunciamento judicial a respeito. “O eventual temor por uma dilapidação patrimonial durante o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é facilmente superável pelo amplo poder cautelar do juiz, o qual poderá, em caso de perigo, determinar medidas urgentes capazes de assegurar a integridade do patrimônio do eventual obrigado (inalienabilidade de bens, bloqueio de depósitos ou aplicações bancárias etc. – art. 300)”. Amicus curiæ. A figura do amicus curiæ ingressou no direito positivo brasileiro através do art. 7.º, § 2.º, da Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Lei 9.868, de 10.11.1999). Pelo que ali se dispõe, tratando-se de matéria relevante o relator poderá admitir, no processo de ações dessa ordem, a manifestação de entidade ou órgão representativo que se proponha a atuar como amicus curiæ. Depois veio o art. 138 do novo Código de Processo Civil, autorizando o juiz de primeiro grau ou o relator, em qualquer tribunal, a convocar por iniciativa própria tais entes representativos a se manifestarem no processo ou deferir eventual pedido de ingresso no feito – sempre “considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia”. Claramente teve o legislador a sadia intenção de ampliar e enriquecer as discussões das causas mediante a participação de entes especializados e representativos, capazes de auxiliar os juízes na boa compreensão das questões e das pretensões sobre as quais deverá pronunciar-se. Ou, em outras palavras, ele pretendeu dar maior efetividade à garantia constitucional do contraditório mediante a participação de entes presumivelmente qualificados a debater, possivelmente com mais eficiência que as próprias partes, as questões mais profundas de interesse de uma classe, categoria ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas. Mas o modo como está redigido tal dispositivo acaba por permitir que, como vem acontecendo nas ações diretas perante o STF, venham esses órgãos ou entidades ao processo com o manifesto propósito de trazer apoio a uma das partes (geralmente filiados a elas) e não de realmente auxiliar o Poder Judiciário a bem decidir. Em sua pureza inicial a figura do amicus curiæ do direito norte-americano é realmente a de um colaborador da corte, chamado por esta a dar suporte consistente às suas decisões e não a de uma entidade que se apresenta como verdadeiro assistente da parte, empenhado em coadjuvá-la, como tem sido na experiência das ações diretas e como também, segundo tudo indica, será em todas as áreas do processo civil. Verdadeiro amicus curiæ seria somente aquele que o juiz ou tribunal convocasse por iniciativa própria e não esses verdadeiros assistentes. Meios eletrônicos. O legislador de 2015 pretendeu alinhar-se desenganadamente às modernidades técnicas representadas pelo chamado processo digital, ou processo eletrônico, chegando o novo Código a dedicar toda uma seção a esse modo de documentação, registro e publicidade dos atos processuais (arts. 193-199). Começa essa seção com uma abertura geral para tais técnicas, ao estabelecer que “os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei” (art. 193). Para segurança, regularidade e confiabilidade do sistema, dispõe também que “o registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei”. A realidade vem mostrando, todavia, que essa opção do legislador foi indesejavelmente prematura por diversas razões técnicas e principalmente pela diversidade entre os sistemas adotados pelos diferentes tribunais do País, inclusive o STF e o STJ, os quais não se comunicam com apoio em uma só técnica praticada por todos. Daí a frequente necessidade de imprimir folhas digitalizadas do processo, ou mesmo todos os seus autos, quando da remessa de um tribunal ao outro – o qual, ao a receber esses impressos, volta a digitalizar as folhas e autos recebidos. Enquanto não vier uma unificação do sistema de documentação eletrônica do Poder Judiciário como um todo, será deficiente e incômoda a utilização desses meios. Mas os dispositivos do Código de Processo Civil a esse respeito estão aí, vigentes e postos em prática na medida do possível, esperando-se que chegue o dia dessa desejada unificação técnica e operacional, superada a presente fase de transição técnica. Audiência prévia de conciliação ou de medição conduzida pelo terceiro facilitador. O empenho pela prática e valorização dos meios alternativos de solução de conflitos levou o legislador também a instituir uma audiência de conciliação ou de mediação logo ao início do processo, a qual será designada pelo juiz ao despachar a petição inicial – sempre que esta esteja regular e que não seja o caso de improcedência liminar da demanda (art. 334, caput). Também está disposto que “o conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária” (art. 334, § 1.º) – donde se infere que onde não houver um conciliador ou mediador, o próprio juiz conduzirá essa audiência.Esta só não será realizada quando a matéria em litígio não comportar autocomposição (direitos indisponíveis) ou quando ambas as partes manifestarem expressamente seu desinteresse em realizá-la (art. 334, § 4.º). Se somente uma delas assim se manifestar e a outra declarar que pretende realizar a audiência ou simplesmente silenciar a respeito, a audiência será designada e o não comparecimento de uma ou de outra será considerado como ato atentatório à dignidade da Justiça, com imposição de multa ao ausente (art. 334, § 8.º). Se a audiência for realizada e ali se obtiver a autocomposição das partes, esta será reduzida a termo e homologada pelo juiz (art. 334, § 11). Em caso contrário, o prazo para a contestação correrá da data da realização da audiência de conciliação ou mediação (art. 335, I). A inclusão desta como providência inicial indispensável no procedimento constitui positivação daquele intuito do legislador, de fidelidade do sistema processual ao contexto social mediante a maior aderência possível às realidades subjacentes – o que é buscado ardorosamente nesse culto à solução consensual de conflitos. Constitui também cumprimento do que recomenda o Conselho Nacional de Justiça em sua Res. 125, de 25.11.2010, associando-se ainda aos dispositivos da Lei da Mediação, promulgada no ano de 2015 (Lei 13.140 de 26.06.2015). “Mas é justo o temor de que a necessidade dessa audiência prévia venha a retardar a fluência do processo mediante a postergação do início do prazo para oferecer contestação – o que sucedeu com o procedimento sumário, no qual a audiência era designada a uma distância de meses, com todos esperando por ela para só então chegar o momento de contestar”. Estabilização dos efeitos da tutela antecipada. O afã do legislador pela aceleração da oferta de resultados úteis mediante o exercício da jurisdição está presente também no instituto da estabilização dos efeitos da tutela antecipada, admissível quando “da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso” (CPC, art. 304, caput). Dispõe também o § 6.º desse mesmo art. 334 que, ainda quando estabilizada, “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2.º deste artigo” – e “a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2.º” (art. 304, § 3.º). Esse regime de estabilização de efeitos inclui somente as antecipações de tutela concedidas em caráter antecedente, porque aquelas incidentes ao processo em que se discute a própria causa recebe da lei uma disciplina diferente, podendo a qualquer tempo, como toda tutela provisória, ser revogada ou modificada mediante decisão motivada do juiz da causa (art. 296). Apenas as tutelas antecipadas recebem esse tratamento, e não as cautelares, porque estas não projetam efeitos fora do processo e sobre a vida comum dos litigantes, não havendo pois o que estabilizar. “As disposições contidas no art. 304 e seus parágrafos vêm dando origem a muitas dúvidas, questionamentos e críticas ao Código, especialmente em razão das incertezas que ficaram no ar”. Distribuição dinâmica do ônus da prova. O novo Código mantém em princípio os mesmos critérios de distribuição do ônus da prova, contidos no anterior (CPC/1973, art. 333, I-II), pelos quais esse ônus incumbe àquela das partes à qual interessar o reconhecimento de um fato relevante ao julgamento. A prova dos fatos constitutivos do alegado direito do autor fica a cargo deste e a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito incumbe ao réu (CPC/2015, art. 373, I-II). O próprio Código, porém, em sua busca pela aderência do sistema processual às realidades sociais subjacentes, prometida na Exposição de Motivos, abre portas à flexibilização de tais regras mediante a chamada distribuição dinâmica do ônus da prova, a prevalecer “nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído” (art. 373, § 1.º). Ao falar nos casos previstos em lei, provavelmente teve o legislador em mente, acima de tudo, o art. 6.º, VIII, do CDC, de caráter desenganadamente protecionista ao hipossuficiente. As “peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput” constituem conceitos juridicamente indeterminados e serão apreciadas pelo juiz em cada caso segundo sua sensibilidade às realidades do processo. Serão fatores subjetivos, como a própria hipossuficiência econômico-financeira de uma das partes, seu despreparo ou inexperiência etc., ou fatores objetivos relacionados com a própria causa, dificuldades para a obtenção de certos documentos etc. Em qualquer hipótese essas alterações das regras legais sobre a distribuição do ônus da prova “não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”, tanto quanto não o pode a inversão consensual do ônus da prova, pactuada pelas próprias partes (art. 373, § 3.º). Ordem cronológica de recebimento ou de conclusão. Com o objetivo de cultuar o valor da isonomia no processo, evitando indesejáveis favorecimentos (Const., art. 5.º, caput – CPC, arts. 7.º e 139, I), duas ordens de dispositivos do novo Código de Processo Civil impõem a observância da ordem cronológica para os juízes ou tribunais proferirem sentenças ou acórdãos (art. 12, caput e §§ 1.º a 6.º) e para o escrivão ou chefe de secretaria realizar atos de publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais (art. 153, caput e §§ 1.º a 5.º). Para juízes ou tribunais prevalecerá a ordem cronológica de conclusão. Para os escrivães ou chefes de secretaria, a de recebimento dos autos em cartório. O Código especifica também normas de pormenor a propósito dos modos como se afere a prioridade entre os processos, dispondo ainda, a bem da transparência e confiabilidade do Poder Judiciário, que “a lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores” (art. 12, § 1.º – v. também art. 153, § 1.º). São admitidas certas exceções a essas regras, como em caso de “sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido”, causas urgentes, sentenças terminativas, as preferências legais etc. (arts. 12, § 2.º e 153, § 2.º). Entre as preferências legais incluem-se as causas em que figure como parte um idoso (60 anos ou mais) ou pessoa portadora de doença grave (CPC, art. 1.048, I). “Ainda é muito cedo para se sentir se essa nova regra será realmente observada pelos juízes, tribunais e auxiliares, e se produzirá o sadio efeito desejado, de impedir o favorecimento de alguns em desfavor de outros, ou será um fator de obstrução do fluxo regular dos julgamentos ou dos atos da escrivania. Teme-se que sua rigorosa observância poderá produzir o efeito perverso de impor longas esperas de uma grande massa de feitos ou recursos de mais fácil solução, por conta da solução de casos mais complexos, que ocupam maior tempo dos juízes ou tribunais.” Julgamento antecipado parcial do mérito. O art. 356 do novo CPC brasileiro institui na ordem processualcivil brasileira a admissibilidade de julgar antecipadamente uma parte do pedido inicial sempre que um dos capítulos deste reunir condições para esse julgamento e o outro, ou outros, não. No tocante aos capítulos não decididos prosseguirá o processo, mediante a instrução probatória e tudo mais quanto for necessário para o julgamento final. A antecipação do julgamento de um dos pedidos, sem julgar os demais, significa a separação entre dois ou mais capítulos da decisão do mérito, sendo um deles externado desde logo e o outro devendo esperar. Esse julgamento parcial aproxima-se ao que se denomina julgamento antecipado do mérito (art. 355) mas com ele não se confunde porque é, conforme o próprio nome indica, um julgamento parcial e este último, integral. Esse julgamento parcial, que é um autêntico julgamento de mérito, será suscetível à autoridade da coisa julgada material, como qualquer julgamento de mérito. Mas o Código o trata como decisão e não como sentença, pondo-o sob o crivo do recurso de agravo de instrumento e não da apelação (art. 356, § 2.º). “Na redação do art. 356, seriam duas as hipóteses de admissibilidade desse julgamento antecipado – a saber, a de um dos pedidos mostrar-se incontroverso (inc. I) e a de estar ele em condições de imediato julgamento (inc. II). Na realidade, o inc. I seria desnecessário porque um pedido incontroverso estará sempre, em princípio, em condições de ser julgado pelo mérito”. Honorários da sucumbência em segunda instância. Segundo disposição contida no art. 85, § 11 do novo Código de Processo Civil, “o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” etc. Disposições como essa já existem na lei processual de outros países, notadamente da Itália, e correspondem com fidelidade a dois dos critérios estabelecidos em lei para o concreto arbitramento dos honorários da sucumbência, que, a teor do que dispõe o art. 85, § 2.º, IV, do novo Código, são “o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. Ao mandar que se leve em conta o trabalho adicional desenvolvido com as atividades recursais está aquele § 11 rigorosamente alinhado a essa ideia de remunerar na proporção do trabalho efetuado e do tempo despendido. Essa inovação é também claramente motivada pelo intuito de inibir a interposição de recursos de pouca probabilidade de conhecimento e provimento, aliviando a carga recursal que atormenta os tribunais. Ao falar somente em tribunal e em recurso, sem especificar qual tribunal e qual recurso, esse parágrafo aplica-se tanto aos recursos endereçados aos tribunais da Justiça comum (apelação e agravo de instrumento – Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), como àqueles a serem julgados pelo STF ou STJ (recurso extraordinário, recurso especial, recurso ordinário) e também aos recursos internos processados e julgados no seio do próprio tribunal. “Mas é óbvio que esse agravamento da honorária só ocorre quando o recurso interposto não for conhecido ou vier a ser improvido – porque, sendo provido, na maioria dos casos o tribunal inverte simplesmente os encargos da sucumbência ou os dimensiona segundo as regras gerais.” Medidas relacionadas com a união estável. Entre as modernidades contidas no novo Código residem certamente aquelas consistentes em disposições relacionadas com a união estável de casais. Essa realidade contemporânea já havia sido captada pelo Código Civil, que a disciplina sistematicamente (arts. 1.723 e ss.) e a ela se refere em uma série significativa de dispositivos (arts. 1.562, 1.595, § 2.º, 1.622, 1.631, l.632 etc.), transparecendo agora no novo Código de Processo Civil, que a inclui na disciplina de processos e medidas atinentes a certas relações de família, como se vê, acima de tudo, na rubrica em que trata “do divórcio e da separação consensuais, da extinção consensual de união estável e da alteração do regime de bens do matrimônio” (arts. 731 e ss.). Também ao disciplinar a competência territorial, os requisitos da petição inicial, os casos de segredo de Justiça etc., o Código de 2015 dá atenção a essa realidade consistente na união estável (arts. 23, III; 53, I; 73, III; 189, II; 319, II; 600, par. etc.). 17. Novas conceituações e nova disciplina de certos institutos Intimações feitas pelo advogado. O novo Código de Processo Civil inovou na ordem jurídica brasileira ao estabelecer que “é facultado aos advogados promover a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento” (art. 269, § 1.º). Dispensam-se com isso as providências cartorárias destinadas à publicação dos atos judiciais para conhecimento dos advogados, as quais, por conta da endêmica lentidão dos serviços Judiciários, às vezes demoram mais do que deviam. Mas, como está nesse dispositivo, somente as intimações a advogados podem ser feitas como ali está. Prazos contados em dias úteis. O art. 219 do novo CPC inovou significativamente no sistema dos prazos, ao estabelecer que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Ao assim dispor contrariou uma longa tradição do direito brasileiro, onde sempre se contavam os prazos em dias corridos (fossem eles dias úteis ou não), só não tendo início e não podendo terminar em dias sem expediente forense. Os prazos eram contínuos, dizia o art. 178 do Código revogado, “não se interrompendo nos feriados”. Conceito de citação. Ao definir a citação como “o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”, o art. 238 do novo CPC corrigiu o equívoco cometido no art. 213 do velho Código, que a definia como “o ato pelo qual se chama juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”. Só no processo de conhecimento o demandado (réu) é chamado a se defender. No executivo, para satisfazer a obrigação (CPC, arts. 806, 815, 829 etc.). A convocação a se defender ou a satisfazer a obrigação (conforme o caso) é realizada mediante uma intimação, feita simultaneamente com a citação mas que com ela não se confunde. Essa era uma crítica lançada pela doutrina contra a redação do art. 213 do CPC/1973, que o novo Código acatou por inteiro. “Ainda sob a influência do velho Código, o art. 238 do atual incluiu o interessado entre os destinatários da citação ou da intimação que a acompanha, o que não tem razão de ser. Em dois dispositivos o Código de 1973 manipulava esse vocábulo para indicar os sujeitos parciais do processos de jurisdição voluntária, que não seriam partes (arts. 2.º e 213), a partir de um superado preconceito pelo qual nessa espécie de processo não haveria partes, mas simplesmente interessados. Superado amplamente esse preconceito na doutrina moderna, é inconveniente a menção que o novo art. 238 faz a interessados.” Citação por via postal a qualquer comarca ou subseção do País. O art. 247 do CPC consagra uma prática que já vinha dos tempos do estatuto revogado, ao dispor que, em princípio, “a citação será feita pelo correio para qualquer comarca do País” – entendendo-se que o vocábulo comarca, ali empregado, está por foro, abrangendo pois as comarcas das Justiças estaduais e as subseções da Federal. “Apesar do que pode parecer pelo modo como o caput do art. 347 poderia sugerir, as exceções contidas em seus cinco incisos não são casos em que a citação postal não possa ir além dos limites territoriais da comarca ou subseção, mas casos em que a própria citação por via postal não se realiza.” Honorários da sucumbência tarifados em uma tabela decrescente (Fazenda Pública). Em alguma
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