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1 SUMÁRIO 1 VIOLÊNCIA, CRIME E CONTROLE SOCIAL ............................................. 2 1.1 Violências e dilemas do controle social nas sociedades da "modernidade tardia" ............................................................................................... 2 1.2 A violência difusa na modernidade tardia ............................................. 6 1.3 As conflitualidades sociais no processo de mundialização ................ 10 1.4 A produção do Estado de controle social penal ................................. 12 1.5 Possibilidades de um controle social democrático ............................. 15 2 GESTÃO DE CONFLITOS E SEGURANÇA PÚBLICA ............................ 18 3 COMUNICAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS EM SEGURANÇA PÚBLICA 21 3.1 Especial: tecnologia a favor da segurança ......................................... 21 3.2 Sociabilidade, tecnologia da internet e comunicação ......................... 25 3.3 A importância da inovação para a segurança pública ........................ 29 3.4 Inovações tecnológicas a favor da segurança pública ....................... 30 3.5 A importância da inovação para a segurança pública ........................ 32 4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS POLICIAIS E DE SEGURANÇA PÚBLICA 33 4.1 Técnicas e tecnologias não-letais na atuação das forças de segurança 33 4.2 A atividade do agente prisional e o uso da força não-letal ................. 37 4.3 Polícia e cidadania ............................................................................. 42 4.4 Polícia comunitária ............................................................................. 44 5 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 48 2 1 VIOLÊNCIA, CRIME E CONTROLE SOCIAL 1.1 Violências e dilemas do controle social nas sociedades da "modernidade tardia" O fenômeno da violência difusa consiste em um processo social diverso do crime, anterior ao crime ou ainda não codificado como crime no Código Penal. Durkheim considera o crime um fenômeno social normal, pois, em toda sociedade, um certo número de crimes é cometido e, por consequência, se nos referimos ao que se passa regularmente, o crime não é um fenômeno patológico. Igualmente, uma certa taxa de suicídios pode ser considerada normal (Aron, 1967:340). Ainda assim, o crime é considerado por Durhkeim uma ruptura com a consciência coletiva, razão pela qual sofre punição pela lei penal. Ao contrário, afigura-se que a violência difusa nas sociedades do século XXI é, em larga medida, legitimada pela consciência coletiva, instituindo-se como norma social, ainda que controversa e polêmica. Fonte: blogdoenem.com.br Entre os conflitos sociais atuais, crescem os fenômenos da violência difusa e as dificuldades das sociedades e dos Estados contemporâneos em enfrentá-los (Giddens, 1966). Tal dificuldade expressa os novos limites da formação política da "modernidade tardia", pois os laços de interação social são orientados por modos 3 violentos de sociabilidade, invertendo as expectativas do processo civilizatório (Harvey, 1993:17). Afirma Sousa Santos (1994:271): "(...) o Estado perde o monopólio da violência legítima que durante dois séculos foi considerada a sua característica mais distintiva. (...) Em geral os Estados periféricos nunca atingiram na prática o monopólio da violência, mas parecem estar hoje mais longe de o conseguirem do que nunca". As raízes sociais desses atos de violência difusa parecem localizar-se nos processos de fragmentação social, os quais refletem "a desagregação dos princípios organizadores da solidariedade e a crise da concepção tradicional dos direitos sociais em oferecer um quadro para pensar os excluídos". (Rosanvallon, 1995:9). Em outras palavras, estamos diante de processos de massificação paralelos a processos de individualização — "Somos células em uma sociedade de massas. A globalização é celular", pois a "multidão solitária" vive em uma pluralidade de códigos de conduta (Díaz, 1989:89-91). A cultura pós-moderna privilegia o acontecimento: "A realidade pós-moderna assume a existência de conflitos irresolúveis" (Díaz, 1989:37). Desenvolve-se a vivência de uma incerteza: "O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível" (Bauman, 1998:32). Esta é uma das facetas da lógica cultural do capitalismo avançado: a pluralidade, a descontinuidade, a dispersão (Jameson,1996). Como evoca Díaz (1989:17): "Nossa época, desencantada, se desembaraça das utopias, reafirma o presente, resgata fragmentos do passado e não possui demasiadas ilusões a respeito do futuro". As relações de sociabilidade passam por uma nova mutação, mediante processos simultâneos de integração comunitária e de fragmentação social, de massificação e de individualização, de ocidentalização e de desterritorialização (Ianni, 1996). Repõe-se o problema de qual é o lugar da alteridade cultural na sociedade em processo de mundialização: "Nas sociedades do capitalismo tardio, o culto da liberdade individual e o desdobramento da personalidade se reformam e se localizam no centro mesmo das preocupações" (Díaz, 1989:17). Retoma-se uma inquietação que estava presente nos primeiros sociólogos, pois: "O projeto sociológico nasceu de uma inquietude sobre a capacidade de integração nas sociedades modernas: como estabelecer ou restaurar os laços sociais em sociedades fundadas na soberania do indivíduo?" (Schnapper, 1998: 15). Rompe-se a consciência coletiva da integração 4 social, um "declínio dos valores coletivos e com o crescimento de uma sociedade extremamente individualista" (Hobsbawm, 2000:136). As questões sociais, desde o século XIX centradas em torno do trabalho (Castel, 1998), tornam-se questões complexas e mundiais, pois várias são as dimensões do social que passam a ser questionadas, entre elas a questão dos vínculos sociais. Trata-se de uma ruptura do contrato social e dos laços sociais, provocando fenômenos de "desfiliação" e de ruptura nas relações de alteridade, dilacerando o vínculo entre o eu e o outro. No limiar do século XXI, o panorama mundial é marcado por questões sociais mundiais que se manifestam, de forma articulada e com distintas especificidades, nas diferentes sociedades. Paradoxalmente, o internacionalismo está fundado em problemas sociais globais, tais como a violência, a exclusão, as discriminações por gênero, os vários racismos, a pobreza, os problemas do meio ambiente e a questão da fome. As transformações do mundo do trabalho, mediante as mudanças tecnológicas, com novas possibilidades de emprego em determinados setores as quais vêm acompanhadas pela precarização do trabalho, pelo desemprego e pelo processo de seleção/exclusão social (Laranjeira, 1999). Instaura-se um modo de organização da produção pós-fordista, caracterizado pela desregulamentação, pela crise do salariado: a precarização do assalariamento como princípio da conflitualidade social, redução do mercado de emprego formal, provocando a "desfiliação" dos trabalhadores em relação às estruturas coletivas do mundo do trabalho (Castel, 1998; Taylor, 1999:224; Garland, 2001:81-82). Conforme situa Hespanha (1999): "E não só as velhas desigualdades baseadas nas diferenças de classes e de estatuto social em termos de rendimento, capital educacional ou prestígio não desapareceram como emergiram (ou tornaram-se mais visíveis) novas desigualdades baseadas em outros fatores de distinção como o sexo, a etnia, a religião ou os modos de vida" (Hespanha, 1999:70). Neste contexto, emergem diferentes formas de desigualdade e de subordinação, seja em trabalhos temporários, seja pelo surgimento dos "novos pobres" ou pela vivência da "miséria do mundo" (Taylor, 1999:12; Bourdieu, 1993). Também são relevantes as mudanças no mundo rural, desdea questão global da fome até as inovações tecnológicas, e as novas formas de organização produtiva, como a agricultura familiar e as atuais lutas sociais pela terra em diferentes países. A 5 importância para o futuro da relação do homem com a natureza, indicando a questão ecológica, a discussão sobre as tecnologias intermediárias e a noção de desenvolvimento com sustentabilidade (Sachs, 1993). Desencadeiam-se processo de exclusão social: os "sem classe", "sem terra", aqueles que vivem a exclusão digital, os "sem teto", aqueles que passam fome ou os "sem trabalho". Um novo espaço social mundial de conflitualidades está se desenhando nos espaços e nos tempos da globalização (Ianni, 1996; Sousa Santos, 1994; Harvey, 1993; Giddens, 1991), com a predominância da mercantilização do social e a destruição das sociabilidades coletivas, ou seja, "o mercado é agora a fundamental força motor das práticas e discursos sociais e políticos contemporâneos", com o "desenvolvimento de novas formas de desigualdade social (Taylor, 1999:54). As instituições socializadoras vivem um processo de crise e desinstitucionalização, a família, escola, processos de socialização, fábricas, religiões, e o sistema de justiça criminal (polícias, tribunais, manicômios judiciários, prisões). A crise da família avoluma-se, seja pela desnaturação da ordem patriarcal realizada pelo movimento feminista, a crítica da dominação masculina (Bourdieu, 1998), seja pelo registro da violência doméstica (Saffioti; Almeida, 1995; Gregori, 1992). Analisa Garland (2001:82-83): "A estrutura da família foi substancialmente transformada. Houve um acentuado declínio (e concentração no tempo) da fertilidade, com as mulheres se casando mais tarde, tendo poucos filhos e reentrando no trabalho remunerado imediatamente após dar à luz. Houve também um súbito e notável aumento dos divórcios". Também as dificuldades da identidade de gênero (Taylor, 1999:37-41) e as transformações da posição das mulheres na sociedade contemporânea. A crise da família cristaliza tais mudanças nos laços sociais, pois as funções sociais desta unidade social marcada por relações de parentesco — assegurar a reprodução da espécie, realizar a socialização dos filhos, garantir a reprodução do capital econômico e da propriedade do grupo, assegurar a transmissão e reprodução do capital cultural — estão atualmente ameaçadas. Por um lado, em decorrência da própria diversidade de tipos de família no Brasil atual — família nuclear, família extensa em algumas áreas rurais, famílias monoparentais, famílias por agregação. Por outro, os tipos de relações de 6 sociabilidade que nela se realizam são variadas, marcadas originalmente pela afetividade e pela solidariedade, agora reaparecem como largamente conflitivas, como o demonstram os fenômenos da violência doméstica. Finalmente, as funções de socialização são compartilhadas pela escola e pelos meios de comunicação. Dessa forma, identifica-se uma desorganização do grupo familiar, com as funções de reprodução econômica ameaçadas pela crise do emprego assim como pelos efeitos da crise do Estado-Providência. 1.2 A violência difusa na modernidade tardia Os fenômenos da violência difusa adquirem novos contornos, passando a disseminar-se por toda a sociedade. Essa multiplicidade das formas de violência presentes nas sociedades contemporâneas — violência ecológica, exclusão social, violência entre os gêneros, racismos, violência na escola — configuram-se como um processo de dilaceramento da cidadania. A compreensão da fenomenologia da violência pode ser realizada a partir da noção de uma microfísica do poder, de Foucault, ou seja, de uma rede de poderes que permeia todas as relações sociais, marcando as interações entre os grupos e as classes (Foucault, 1994:38-39). Deparamo-nos com as dimensões subjetivas e objetivas das variadas formas de violências: violência na escola, violência social, ecológica, exclusão, gênero, racismos. Configura-se uma "microfísica da violência" na vida cotidiana da sociedade contemporânea (Tavares dos Santos, 2002b). Efetiva-se uma pluralidade de diferentes tipos de normas sociais, algo mais do que o próprio pluralismo jurídico, levando-nos a ver a simultaneidade de padrões de orientação da conduta muitas vezes divergentes e incompatíveis, como, por exemplo, a violência configurando-se como linguagem e como norma social para algumas categorias sociais, em contraponto àquelas denominadas de normas civilizadas, marcadas pelo autocontrole e pelo controle social institucionalizado (Elias, 1990; 1993). Fortalece-se a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, um traço de uma cultura orientada pelo hiperindividualismo (Díaz, 1898, 107). Nas palavras de Bauman (1998:26): "A busca da pureza moderna expressou-se diariamente com a ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós-moderna expressa-se diariamente com a ação punitiva contra os moradores das ruas pobres e das áreas 7 urbanas proibidas, os vagabundos e os indolentes". Adquirindo a cultura uma centralidade na "modernidade tardia", a disseminação de uma cultura de "ganhadores ou perdedores" (Taylor, 1999: 34-37) acentua os valores do individualismo competitivo e a criação de uma cultura popular unidimensional, hedonista e imediatista (Young, 1999:10; Taylor, 1999:90), induz as populações a viverem em novos grupos sociais eletivos e auto referidos (Garland, 2001:89). O período atual pode ser denominado de Processo de Mundialização, marcado pela pós-modernidade como forma cultural, pela expansão da produção industrial em nova distribuição do trabalho planetária, com o avanço do capital especulativo e pelas conflitualidades sociais mundiais. A herança do Estado de Bem-Estar Social e do Modernismo Penal (1946-1978) começou a ser abalada durante a crise global do final do século XX (1978-1991), como comprova Hobsbawm (1994; 2000): assistimos ao final do "Estado de Bem-Estar" (1946-1973), no qual as instituições sociais tinham um funcionamento regular, ao menos nos países desenvolvidos. O controle social formal (as polícias, o judiciário, o sistema da justiça criminal, as prisões) era orientado para a reabilitação dos delinquentes, com uma intenção "correcional" e ressocializadora. Porém, também nessa época as instituições de controle social informal funcionavam regularmente: a família, a escola, os grupos sociais, as associações, os movimentos sociais definiam normas de conduta, reproduziam valores e disseminavam orientações para a ação social. Estávamos vivendo o modelo de controle social "correcional", pois todos os controles sociais, informais e formais, estavam em funcionamento, conforme a interpretação de Garland (2001:44): "O bem-estar penal retirava suporte de uma particular forma de Estado e de uma particular estrutura de relações de classes. Funcionava em um ambiente específico de políticas sociais e econômicas e interagia com uma série de instituições contíguas, as mais importantes das quais eram o mercado de trabalho e as instituições do Estado de Bem-estar Social". Por outro lado, o controle social distribuía-se pelas instituições societárias: "Os controles sociais informais exercidos pelas famílias, vizinhanças e comunidades, junto com as disciplinas impostas pelas escolas, locais de trabalho e outras instituições criavam um cotidiano de normas e sanções que embasavam as demandas legais e garantiam suporte às intervenções do bem-estar penal" (Garland, 2001:44). Uma das novas questões sociais mundiais tem sido a violência no espaço escolar, marcada pela 8 violência simbólica e pela territorialização do crime organizado (Tavares dos Santos, 1999), também um sintoma da crise da juventude masculina (Taylor, 1999:65-85; Zaluar, 1994). O crime seria um epifenômeno da sociedade capitalista, diziam em 1973 os autoresda New Criminology, denominados, ao longo dos anos 90, de "realistas de esquerda" na Inglaterra (Taylor; Walton; Young; 1990). Entretanto, acompanhando as mudanças sociais no final do século XX, três décadas depois os "realistas de esquerda" chegariam a perceber os dilemas da "modernidade tardia": as crescentes taxas de criminalidade; a revelação das invisíveis vítimas; a problematização do fenômeno criminal; a universalidade do crime; e a seletividade da justiça; os problemas da punição e da culpabilidade (Young, 1999: 35-43). As características da "modernidade tardia" seriam a repetição da exclusão social, a disseminação das violências, a ruptura de laços sociais e a "desfiliação" de algumas categorias sociais, como a juventude, uma das grandes vítimas da civilização, analisa Pais: "Nas décadas imediatas ao pós-guerra, as transições dos jovens assemelhavam-se a viagens de comboios nas quais os jovens, dependendo da sua classe social, gênero e qualificações acadêmicas, embarcavam em diferentes comboios com destinos pré-determinados". Atualmente, "o terreno onde as transições têm lugar é de natureza cada vez mais labiríntica. No labirinto da vida, como num labirinto rodoviário, surgem frequentemente sentidos obrigatórios e proibidos, alterações de trânsito, caminhos que parecem já ter sido cruzados, várias vezes passados: essa retomada de caminhos que parecem que provoca uma sensação de perda, de confusão" (Pais, 2001:10). Houve profundas alterações no espaço urbano, modificando a visão da ecologia urbana da Escola de Chicago, pois a hegemonia "da sociedade de mercado" envolve um crítico processo de retirada da autoridade pública da supervisão e manutenção dos espaços públicos na cidade" (Taylor, 1999:61). Completa Garland: "Os projetos de renovação urbana dos anos de 1960 continuaram o processo demolindo muitas vizinhanças das áreas urbanas centrais, o que resultou em novos sistemas de tráfico e autoestradas, com a realocação dos moradores em projetos habitacionais concentrados. O efeito frequentemente, foi concentrar as famílias pobres e de minorias em áreas muito afastadas da cidade nas quais faltavam os 9 serviços básicos tais como lojas, empregos e bom transporte público" (Garland, 2001:84-85). Produziu-se uma urbanização sociopática, com espaços urbanos fragmentados e segmentados, seguindo um mesmo padrão geral: centros deteriorados e bairros periféricos carentes, habitados por populações vulneráveis; bairros de populações de altas rendas, com forte presença de segurança privada assim como a implementação de condomínios fechados (Caldeira, 2000); territórios controlados pelo "crime organizado"; espaços privados de comércio, com controle social por segurança privada; desigualdade social e espacial; violência cotidiana nas ruas; e violência no espaço escolar (Taylor, 1999:110). Em suma, a falência do poder público regulatório. Vivemos em um contexto societário no qual as concepções do crime passam por grandes metamorfoses (Young, 1999:46-47): a definição do crime passa a ser problemática, seja pelas novas modalidades de crime — criminalidade violenta; crime organizado, tráfico de armas e de drogas; crimes de "colarinho branco", crimes informacionais, seja por fenômenos sociais de violência contra a pessoa ainda não consideradas, por exemplo, as violências contra as crianças, sob a ideologia da educação pelo castigo físico; os infratores da lei não são mais uma minoria mas podem ser extensos continentes sociais; a probabilidade de alguém ser vítima, de excepcional, passa a ser prevalecente e contingente; as causas do crime são difusas, eminentes ou por "escolha racional", nos casos de delitos contra o patrimônio ou de extorsão por sequestro; há uma continuidade entre o fato social normal e o crime, transformado em fenômenos societários; o assaltante deixa de ser profissionalizado para tornar-se um ofensor sem especialização, realizando a ação delituosa quase ao acaso (Pegoraro, 1999); a relação entre agressores e vítimas passa a ser uma relação complexa, pois o agressor não é mais somente o estranho, mas alguém conhecido ou do próprio grupo da vítima, estranhos e íntimos, habitantes locais e de outras regiões; as causas do crime passam a ser multidimensionais; o crime passa a ser societal, em um contínuo na vida social, sendo o lugar da ocorrência ser tanto privado quanto público; e o controle social formal não mais é monopólio do sistema de justiça criminal mas passa a ser compartilhado por outras agências sociais. Por conseguinte, os "impactos da modernidade tardia sobre as taxas de crime foram multidimensionais: aumento das oportunidades para o crime; redução dos 10 controles situacionais; aumento da população em risco; redução da eficácia dos autocontroles sociais, como consequência das mudanças na ecologia social e nas normas culturais" (Garland, 2001:90). Estaríamos diante de uma crise da modernidade tardia, na qual a privação relativa combina-se com o individualismo, transformando-se em "uma comparação no interior da divisão do trabalho e entre aqueles que estão no mercado e os excluídos, conformando uma grande vulnerabilidade social, pobreza e miséria. Assiste-se, nesse quadro, a uma ruptura dos controles sociais tradicionais (Young, 1999:46-48), substituídos por uma invasão dos meios de comunicação na esfera da socialização. Cabe falar, então, de um tempo histórico não linear, pontual, repetitivo, de uma sociedade de risco (Young, 1999:68-72), na qual a falência do controle social formal se expressa na crise mundial das polícias (Reiner, 2000; Bayley, 1996; Soares, 2000). 1.3 As conflitualidades sociais no processo de mundialização No início do século XXI, a questão das conflitualidades — das formas de violência, das metamorfoses do crime, da crise das instituições de controle social e dos conflitos sociais — configura-se pela emergência de novas modalidades de ação coletiva, com lutas sociais protagonizadas por outros agentes sociais e diferentes pautas de reivindicações. As questões substantivas — emergentes de pesquisas tanto no espaço urbano quanto no espaço rural — para o futuro da transformação social das sociedades latino- americanas, podem ser assim formuladas (Tavares dos Santos, 2002c): "Quais as formas de violências que predominam na América Latina no início do século XXI? Quais as origens sociais, econômicas e políticas das violências? Qual a relação entre juventude e violência? Como se conforma a crise do sistema de Justiça Penal? Quais as experiências inovadoras e as lutas sociais pela cidadania que se configuram atualmente na América Latina?" A observação de um fato social — as violências disseminadas pelo espaço social — possibilita a construção de um objeto sociológico, mediante a ótica espaço- temporal da conflitualidade, tecendo uma explicação sociológica da violência, a partir da experiência latino-americana, mas com alcance teórico para várias sociedades 11 contemporâneas, pois nos encontramos diante da mundialização da violência e da injustiça (Tavares dos Santos, 2002a). Na sociedade brasileira, a Constituição de 1988, denominada de Constituição Cidadã, representou a instauração do Estado Democrático de Direito, com inúmeras possibilidades de aumento no acesso à Justiça, abrindo um processo de informalização da Justiça (Azevedo, 2000). Entretanto, foi escassa a discussão sobre o direito à segurança, prevalecendo o ponto de vista dos comandos das Polícias Militares estaduais, o qual garantiu a definição constitucional dessas polícias como força auxiliar das forças armadas (Constituição Federal de 1988, art. 144) (Caldeira, 2000). As forças sociais democráticas vinham fazendo a denúncia de graves violações de direitos humanos desde os anos de "chumbo" da ditadura militar. Por um lado, os liberais consideravam que o Estado de Direito superariatanto a violência do Estado quanto a criminalidade. Por outro, as forças de esquerda falavam em violência estrutural do modo de produção capitalista, considerando o crime um epifenômeno das relações de exploração. Poucos percebiam as relações entre cultura e violência como estratégia de sobrevivência para algumas camadas populares (Oliven, 1982). Somente nos anos 90, a violência veio a tornar-se um problema social e uma questão sociológica. Os estudos sobre o crime já estavam presentes na historiografia brasileira (Bretas, 1991), os processos da violência política rural já vinham sendo analisados, com larga tradição nos estudos sociológicos (Tavares dos Santos, 1991), e a denúncia da violência contra os trabalhadores rurais e camponeses passou a ser sistemática (CPT, 1989a-2002). A noção de "criminalidade violenta" passou a ser um instrumento chave para explicar a junção do crime com a violência, inaugurando uma larga série de pesquisas e estudos de caso (Adorno, 1993; Zaluar, 1999; Kant de Lima et al., 2002). Em outras palavras, a publicação de uma série de resenhas sobre o estado da arte dos estudos sociológicos sobre crime e violência, incluindo os estudos sobre as polícias, a segurança pública, o poder judiciário penal, as prisões e os fenômenos de violência na escola (Sposito, 2001). A diversidade regional dos estudos já possibilita também uma visão comparativa entre cidades e Estados, acrescendo a visibilidade social e a compreensão sociológica das conflitualidades na sociedade brasileira. 12 No início do século XXI, a questão das conflitualidades — das formas de violência, das metamorfoses do crime, da crise das instituições de controle social e dos conflitos sociais — configura-se pela emergência de novas modalidades de conflitos sociais: "Estamos em presença de um social heterogêneo, no qual nem indivíduos nem grupos parecem reconhecer valores coletivos. Esse contexto dá origem a múltiplos arranjos societários, a múltiplas lógicas de condutas. Predominando tal situação é válido falar em sociedade fragmentada, plural, diferenciada, heterogênea" (Grossi Porto, 1994). Conformam-se novas questões sociais mundiais, seja porque "os processos de transformação pelas quais vem passando o trabalho afetam sua característica de integração social, com uma configuração fundamentalmente marcada pela fragmentação" (Grossi Porto, 1994), seja pela expansão dos fenômenos da violência difusa, para cuja explicação poderia ser útil uma microfísica da violência (Tavares dos Santos, 2002). Retomamos esta definição de violência difusa: as diferentes formas de violência presentes em cada um dos conjuntos relacionais que estruturam o social podem ser explicadas se compreendermos a violência como um ato de excesso, qualitativamente distinto, que se verifica no exercício de cada relação de poder presente nas relações sociais de produção do social. A ideia de força, ou de coerção, supõe um dano que se produz em outro indivíduo ou grupo social, seja pertencente a uma classe ou categoria social, a um gênero ou a uma etnia, a um grupo etário ou cultural. Força, coerção e dano, em relação ao outro, enquanto um ato de excesso presente nas relações de poder. Pode- se verificar empiricamente na sociedade brasileira a seletividade social das vítimas: trabalhadores urbanos, moradores de bairros populares, pais, crianças, mulheres, jovens, negros, índios. Do sexo masculino: acidentes de trânsito, homicídios, armas de fogo; jovens e adolescentes: abuso sexual; violência doméstica (contra crianças, idosos, mulheres): contra crianças, castigos corporais e maus-tratos; violência sexual contra as mulheres e o aumento do registro da violência doméstica. 1.4 A produção do Estado de controle social penal A violência como nova questão social global está provocando mudanças nos diferentes Estados, com a configuração de Estado de Controle Social repressivo: em outras palavras, estamos diante de formas contemporâneas de controle social, com 13 as características de um Estado repressivo acompanhando a crise do Estado- Providência. Alguns elementos possibilitam caracterizar este estado penal: - O discricionarismo e a violência policial aparecem como umas das novas questões sociais globais, em grande parte ainda impensada pela sociologia, na perspectiva da conflitualidade. Na última década, a questão policial tornou-se mais complexa, seja pela suposta ineficácia e ineficiência frente ao crescimento e diferenciação das ações sociais socialmente criminalizadas, seja pelos novos fenômenos criminalizados na "modernidade tardia" nos países centrais do mundo capitalista (Young, 1999). Expande-se, pelo planeta, a opção pelo crescimento das funções de controle social repressivo da polícia, com o apelo sistemático ao uso da violência ilegal e ilegítima. - A produção social do sentimento de insegurança: "Os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais" (Bauman, 1998:10). Tal incerteza tem sido produzida pelo enfraquecimento dos laços sociais, desde a insegurança no emprego à crise das relações sociais entre as pessoas (Hobsbawm, 2000:138-194; Bauman, 1998:32-35; Garland, 2001:92). A reação do público seria marcada pelo "medo do crime" e pelo "pânico moral", a "sensação de insegurança" (Young, 1999), o "medo de falhar" similar ao "medo do outro", uma crise da civilidade na vida cotidiana (Taylor, 1999:17-19). - O programa de "tolerância zero", da polícia de Nova York, somente em seu aspecto de reforço do policiamento ostensivo, mas desprezando toda a rede de serviços de associações que, naquela cidade, faz parte do programa (Young, 1999:121-148). - O controle social do crime não é mais apenas das agências estatais, mas também das polícias privadas, formais ou precárias, configurando um "complexo de serviços privados de segurança". 14 - O encarceramento dos "consumidores falhos", pois "a busca da pureza pós- moderna expressa-se diariamente com a ação punitiva contra os moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos e os indolentes" (Bauman, 1998:26). Consolidou-se a indústria carcerária: "Durante os últimos vinte e cinco anos, a população de encarcerados e de todos os que obtêm a sua subsistência da indústria carcerária — a polícia, os advogados, os fornecedores de equipamento carcerário — tem crescido constantemente. O mesmo aconteceu com a população de ociosos — exonerados, abandonados, excluídos da vida econômica e social. Consequentemente, como seria previsível, aumentou o sentimento popular de insegurança" (Bauman, 1998:49; Wacquant, 2000). Finalmente, a barbárie das prisões enquanto depósito de "hombres infames", nas quais passa a predominar uma orientação repressiva, aumenta a duração das penas privativas de liberdade, restringindo-se a vida dos apenados nos presídios de segurança máxima, com o abandono dos ideais "correcionais" da época anterior. Em síntese, o Estado do controle social penal apresenta as seguintes características: a polícia repressiva, o Judiciário penalizante, a privatização do controle social, fazendo com que o crescimento das polícias privadas e das prisões privadas seja acompanhado pelo "complexo industrial-policial", ou todos os ramos industriais envolvidos com equipamentos e instalações de prevenção e repressão ao crime, tais como seguros, segurança privada, viaturas, equipamentos de comunicação, sistemas de informação, etc. (Taylor, 1999:213-222). As dificuldades políticas advindas dos processos de transiçãodemocrática na América Latina, nos últimos 20 anos, pois não só permanece o desconhecimento e a surpresa, em face da expansão dos fenômenos de violência, como nos esforços de reconstrução institucional visando a plenitude do Estado de Direito não foi colocada em questão várias dimensões do controle social institucional, em particular, a situação das prisões e os modos de funcionamento das polícias. Cabe salientar as dificuldades de acesso à justiça, a seletividade social da justiça penal e a perda de legitimidade das instituições de controle social. As lutas sociais contra a violência expressam as possibilidades de uma governamentalidade, fundada na sociedade civil e na construção social da cidadania, 15 buscando-se a reconstrução das relações de sociabilidade mediante outras bases da solidariedade social. Entre os agentes da transformação, podemos identificar as instituições da sociedade civil que promoveram tais lutas: a campanha de Hélio Bicudo contra os "grupos de extermínio" em São Paulo, nos anos 70; a campanha pela Anistia, de 1975 a 1979; o grupo ecumênico, católico, luterano e judeu, do movimento "Tortura Nunca Mais", no início dos anos 80; a Campanha Nacional contra a Violência, levada adiante pela OAB; e a Campanha sobre a Violência contra a Criança, organizada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB, Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil — IECLB e Comissão Pastoral da Terra — CPT. Nos anos 90, assistimos a sucessivas campanhas contra a violência no campo, protagonizadas pela Comissão Pastoral da Terra, da CNBB, Confederação dos Trabalhadores na Agricultura — Contag e Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas — Ibase, desde 1985; as Comissões de Direitos Humanos; as ONG, como o Movimento Viva Rio; as campanhas contra a violência à mulher; os movimentos de homossexuais denunciando a violência contra gays, lésbicas e travestis; as lutas do movimento negro, e tantas outras. Também as campanhas contra a violência nos presídios, levadas adiante pela Comissão de Justiça e Paz Teotônio Vilela, da Arquidiocese de São Paulo; a mobilização pela desmilitarização das polícias militares estaduais, capitaneada por Hélio Bicudo e pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, dirigido por Paulo Sérgio Pinheiro; a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, as Comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Relatório Azul, 1994-2002); e a Campanha pela Paz nas Escolas, capitaneada pela Unesco. 1.5 Possibilidades de um controle social democrático Neste nascente século XXI, multiplicam-se os projetos para prevenir as violências e reduzir a criminalidade violenta, na perspectiva de novas alternativas de políticas públicas de segurança que possam garantir o direito de segurança dos cidadãos e cidadãs nas sociedades do século XXI. São efeitos múltiplos da 16 mundialização da questão dos direitos humanos, desde a II Conferência Internacional de Direitos Humanos, reunida em Viena, em 1995. Estamos, desde 2001, em um período de proposições para "um outro mundo possível", como aconteceu durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, nos anos de 2001, 2002 e 2003. Entretanto, se muito se discutiu sobre a violência, em particular a violência doméstica e a violência contra os jovens, o debate sobre a questão da segurança foi escasso, e sobre a questão da reforma das polícias foi nulo. Assistimos a uma virtual impossibilidade do ofício de policial, seja pelas dificuldades em garantir a ordem pública, por ela estar internacionalizada e privatizada, seja pelas limitações em contribuir à construção do consenso, pois as bases da comunidade não mais existem em sociedades complexas e com o mundo do trabalho desestruturado. A análise de várias situações reais pode levar a perceber a vigência, na sociedade brasileira, de uma representação social baseada em tecnologias de poder repressivas, mas também cabe salientar a emergência de ações coletivas e de trabalhos institucionais enquanto expressões de um movimento contra a violência. Tal movimento de reforma do trabalho policial tem sido, por um lado, marcado por uma colaboração entre universidades e escolas de Polícia, em vários estados brasileiros, nos últimos anos, que tem sido franca e profícua, indicando um movimento de transformação de currículos, de conteúdos e de concepção do ofício de policial (em Minas Gerais, a UFMG e a Fundação João Pinheiro; no Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 1992; no Rio de Janeiro, a UERJ e a Universidade Federal Fluminense; em São Paulo, a USP; na Bahia, a UFBA; em Pernambuco, a UFPE; no Pará, a Universidade Federal do Pará, no Ceará, a Universidade Federal do Ceará). Na mesma perspectiva, estão as experiências e as discussões acerca do modelo da polícia comunitária, ou da polícia de proximidade, mediante a análise das experiências no Canadá, na França, na Espanha, nos Estados Unidos e na Inglaterra, assim como em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia, no Amapá, no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul (Mesquita Neto, 1998; Muniz, 1997). Também está em curso, no Brasil, uma discussão sobre a reforma das polícias estaduais, tendo sido lançado, em dezembro de 1999, um projeto de emenda constitucional que propõe um "novo modelo de polícia no Brasil", com os seguintes itens: unificação das polícias civis e 17 militares em cada estado; extinção dos tribunais militares estaduais; eliminação do inquérito policial; e controle externo das polícias por ouvidorias. Desta forma, para responder a tais processos sociais planetários, impõe-se propor uma diversificação nas alternativas de desenvolvimento para as sociedades contemporâneas, tanto no centro como na periferia do sistema global. Contra essa sociedade normalizadora e programada, efeito de uma tecnologia de poder centrada na vida, e de um Estado orientado para o controle social penal emergem, aparecem, no jovem século XXI, forças sociais de resistência, novos movimentos sociais, a crítica aos processos sociais de construção da violência simbólica e das "representações sociais da insegurança" e as concepções de uma polícia cidadã orientada para a mediação de conflitos. Seria, então, possível, pensar a construção de uma cidadania transnacional ou mundial, marcada pela criação institucional e pela difusão e comunicação de práticas sociais, jurídicas e simbólicas, inovadoras e globais, no âmbito da sociedade civil: "É no âmbito da sociedade civil mundial, vista como o novo palco da história, que os indivíduos e as coletividades, as classes e os grupos, os gêneros e as etnias, as línguas e as religiões adquirem outros e novos significados, envolvendo movimentos de integração e fragmentação, acomodação e contradição, reforma e revolução" (Ianni, 2003:129). Por um lado, a reinvenção das formas de solidariedade; por outro, a redefinição do trabalho, em múltiplas relações sociais, tanto no espaço rural como no espaço urbano; enfim, a prevenção e erradicação das formas de violência social; e a construção de um outro tipo de trabalho policial. Estamos no limiar de um processo político no qual a questão da segurança retoma as origens da polis e da politeia, como conjunto das instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade, incluindo-se o direito coletivo da segurança dos cidadãos e cidadãs. Em outras palavras, a emergência de uma noção de segurança cidadã, na perspectiva da mundialização, supõe a construção social de controle social democrático, mediante o qual tanto as instituições de socialização — a família, a escola, as associações locais, os meios de comunicação — quanto as organizações do controle social formal — as polícias, o sistema judiciário, as instituições prisionais — reconstruam o objetivo de uma governamentalidade preocupada comas práticas 18 de si, emancipatórias, dos conjuntos de cidadãos e cidadãs em suas vidas cotidianas, em suas trajetórias sociais e em seus sonhos de sociedade. Tais possibilidades estão presentes nas lutas sociais mundiais pela construção de uma sociedade democrática, com novas modalidades de controle social orientadas pelo respeito à dignidade humana.1 2 GESTÃO DE CONFLITOS E SEGURANÇA PÚBLICA Há algum tempo, uma grande expectativa foi construída em torno da atuação de policiais estaduais de todo o Brasil. Nada tão inimaginável para eles, que em suas bases nos estados passaram a se mobilizar de forma tão incisiva que hoje todos voltam seus olhares para manifestações em busca da realização desse sonho de servir à expectativa da população e construir uma força policial forte e prestativa. Fonte: www.informeblumenau.com Tudo começou em 2008, quando o Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo, criou um projeto de emenda constitucional que visava criar tratamento isonômico no quesito salarial para policiais de todos os estados da federação que exercem a mesma função, possuem a mesma patente, passam por 1 Extraído do link: www.scielo.br 19 situações similares no enfrentamento do crime e, no entanto, recebem salários diferenciados. A PEC 300, como ficou conhecido o projeto do deputado, apresenta um texto muito simples, porém impactante que estabelece que “a remuneração dos Policiais Militares dos estados não poderá ser inferior à da Polícia Militar do Distrito Federal, aplicando-se também aos integrantes do Corpo de Bombeiros Militar e aos inativos. Altera a Constituição Federal de 1988. ” A legalidade da proposta se fundamenta na CF/88, que em seu artigo 47 diz que “a Lei disporá sobre a isonomia entre as carreiras de policiais civis e militares, fixando os vencimentos de forma escalonada entre os níveis e classes, para os civis, e correspondentes postos e graduações, para os militares”. Com esse fundamento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados declarou a PEC como constitucional. No seio das polícias militares de todo o país, além da expectativa por melhorias salariais também cresceu uma grande insatisfação pela postergação da aprovação desse projeto. No bojo deste processo, vemos uma mobilização que merece destaque: a atual movimentação realizada pelos policiais militares da Bahia desde o dia 30 de janeiro último que conta com a Associação dos Policiais, Bombeiros e de seus Familiares do Estado (ASPRA), cuja força pode ser medida pela liderança e atuação seu presidente Marco Preço, que foi expulso da PM em 2002 (por conta da greve dos policiais em 2001), e ainda pelo número de filiados e outras entidades representativas que apoiam esta greve. Após a greve ter sido declarada ilegal por uma decisão judicial, a vontade de reprimi-la surgiu com força total, encabeçada pelo governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), que após retornar de viagem a Cuba e ao Haiti com a presidente Dilma Rousseff, declarou: “Não admitirei que a segurança da população baiana seja colocada em risco por um pequeno grupo de pessoas...” referindo-se à ASPRA. Com a paralisação, houve tumulto na capital da Bahia. Eventos foram cancelados, falou-se em aumento do número de assassinatos e roubos, embora nenhum boletim oficial confirmasse esses fatos. O ponto alto da comoção nacional, no entanto, aconteceu no momento em que o Exército e a Força Nacional foram convocados para dar um fim ao movimento. A convocação do Exército já era esperada 20 pelos manifestantes, mas a convocação da Força Nacional carrega uma carga simbólica digna de nota ao movimento. Para os manifestantes, a Força Nacional pode ser entendida como um grupamento formado por policiais militares de todos os estados da federação que passaram por treinamento especial e são convocados em ocasiões especiais, mas, ainda assim, são policiais militares, tal qual os grevistas que se encontram do outro lado deste pêndulo. Uma das principais diferenças em relação à Força Nacional é o fato de que os policiais militares que servem neste grupamento vivem destacados para outras regiões e complementam, portanto, seus salários com as diárias recebidas por estes deslocamentos. O montante empreendido no custeio de longos deslocamentos a este grupamento especial por diferentes regiões do país pode ser ponto passível de discussão junto ao poder estadual, uma vez que onera os cofres públicos e, assim, contribui para alguns dos principais argumentos que barram as propostas de elevação/equiparação de salários policiais. Para evitar a propagação nacional da greve, ações no âmbito federal foram também tomadas e a Polícia Federal foi acionada, através do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal – COTE, para cumprir os 12 mandados de prisão expedidos pela Justiça para os comandantes da paralisação no estado. A greve na Bahia já acabou, mas não restam dúvidas que outras surgirão. A insatisfação geral das polícias militares não vai acabar. O uso da Força Nacional foi um duro golpe, pois colocou policiais da mesma força uns contra os outros. A prisão dos líderes pode dar ainda mais força ao movimento, pois esses homens passam a ser considerados heróis da causa. A habilidade de negociação das diversas instâncias do governo falhou. Acordos que poderiam ter sido feitos não foram nem sequer discutidos. A gestão de segurança pública foi levada ao limite de uma ação drástica que não abrevia uma solução. Homens e mulheres das forças policiais de todo Brasil arriscam diuturnamente suas vidas pelo dever de “proteger e servir”. Levam seu dever de ofício às últimas instâncias e todos os dias vemos relatados casos de algum deles que tombaram em serviço, no cumprimento de suas obrigações. Para além da isonomia dos salários e da aprovação da PEC 300, é preciso discutir a falta de efetivo, a carência de equipamentos de proteção individual, o provimento de boas condições de trabalho, entre outros. 21 Novas políticas para gestão dos profissionais de segurança pública precisam ser adotadas, um estudo íntimo da situação de cada estado faz-se necessário e deve ser encabeçado pela instância federal, como forma de superar a inabilidade manifesta das instâncias estaduais em lidar com esses profissionais. Enquanto o atual cenário de gestão das políticas de segurança pública e de suas forças perdurar, não veremos solução próxima para as demandas das polícias estaduais e teremos que aprender a gerir seus conflitos.2 3 COMUNICAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS EM SEGURANÇA PÚBLICA 3.1 Especial: tecnologia a favor da segurança Os versos “A cidade não para, a cidade só cresce/ O de cima sobe e o debaixo desce” eternizados por Chico Science & Nação Zumbi, representam bem a sociedade em que vivemos, onde somente nos últimos anos a diferença entre ricos e pobres vem diminuindo. Fonte:www.mtitecnologia.com.br Mesmo assim, a falta de perspectiva de uma vida digna de muitos cidadãos acaba gerando sérios problemas de segurança pública. Para combater estes e 2 Extraído do link: www.cartacapital.com.br 22 diversos outros problemas de segurança, diversas tecnologias têm sido desenvolvidas e empregadas, principalmente em grandes metrópoles do Brasil e do Mundo. Enxergar através das paredes Enxergar do outro lado da parede já não é mais um privilégio somente do Super Homem desde que a empresa francesa Cambridge Consultants desenvolveu o equipamento Prism 200. Ele é um radar que utiliza emissões de raio-x para monitorar eventos ocorrendo do outro lado da parede, algo ideal para casos negociação da polícia com sequestradores. Seu funcionamento se dá através de um radar, encostado na parede (seja ela de madeira, tijolos ou concreto), que consegueidentificar a posição de pessoas, animais e móveis com alcance de até 20 metros. Assim seria possível planejar o melhor local para a invasão, tendo certeza do posicionamento das vítimas e também de objetos que podem ajudar ou atrapalhar a ação da polícia. Observador de tiros Infelizmente em grandes cidades tem se tornado cada vez mais troca de tiros entre policiais e bandidos. A sociedade toda acaba se tornando refém de sua própria ineficiência na hora de atuar na direção de corrigir os problemas sociais e votar em governantes comprometidos com este tema, e nessa guerra não tão silenciosa, muitos inocentes perdem a vida. Está chegando ao Brasil um sistema desenvolvido nos Estados Unidos e que promete reduzir em até 40% a taxa de homicídios e em mais de 70% a troca de tiros em áreas públicas, possibilitando assim revisão e reordenação das políticas públicas para a área de segurança. Este é o Sistema de Detecção de Disparos de Armas de Fogo (SDD) que através de um sistema acústico com sensores de áudio camuflados instalados em diversas regiões de áreas urbanas, captará as ondas e identificará de onde tiros são disparados. O sistema é inteligente e possui mecanismos de assinaturas acústicas para distinguir disparos de armas de fogo de outros barulhos “semelhantes”, como fogos de artifício. 23 O sistema é simples: em caso de disparo dentro do perímetro coberto pelo captador de áudio, o barulho do tiro é captado e então é a central telefônica da polícia ou de qualquer outro órgão de segurança pré-programado é acionada. A utilidade deste equipamento está justamente no fato de permitir uma ação rápida da polícia, pois o local do disparo é conhecido no momento em que ele acontece. Deste modo encurta-se o caminho entre a central de polícia e o local de onde partiu o projétil, pois um simples contato com uma viatura próxima pode surpreender e evitar uma série de contratempos. Choques contra bandidos Uma arma “não-letal” para combater bandidos em fuga, cujo conteúdo do projétil é gás nitrogênio comprimido. Essa é a Taser, equipamento desenvolvido pela Taser International e que deve chegar ao Brasil em breve. Ela é chamada de uma arma “não-letal”, mesmo sob afirmações da Anistia Internacional de que desde 2001 já morreram 330 pessoas morreram pelos efeitos desta arma. De qualquer modo, a Taser age da seguinte forma: quando seu gatilho é pressionado ela dispara um cartucho que ao se colidir com outra superfície (no caso o corpo de alguém) libera o gás nitrogênio, que se expande e gera pressão, permitindo que eletrodos sejam lançados através de fios condutores ligados à arma. Por estes fios uma descarga elétrica de 50.000 volts, durante 5 segundos, são transmitidos para o atingido, afetando seu sistema nervoso central e deixando-o completamente paralisado por alguns instantes. Em cada disparo, após este período, caso o atirador continue com o gatilho pressionado os impulsos duram 1,5 segundo. A arma é alimentada por 8 pilhas AA de 1,2 volts e é por meio destas pilhas e também de condensadores e transformadores presentes na pistola que ela gera os 50.000 volts de cada disparo. Além disso, as pilhas servem também para fazer funcionar a memória interna das pistolas que, segundo a fabricante Taser International, armazenam data e hora dos últimos 585 disparos. Além disso, outro controle de disparos são confetes (semelhantes aos confetes de carnaval) liberados pelo cartucho no momento em que ele colide com algo. Como as munições são numeradas, cada uma delas possui seu próprio “número de identidade” impresso também nos confetes. Desta maneira, bastaria um deles 24 recolhidos em torno de onde houve o disparo para comprovar qual autoridade foi o seu autor. Sorria, o Grande Irmão zela por ti dentro do ônibus A insegurança existente nas ruas acaba fazendo com as pessoas aceitem pacificamente a troca de sua privacidade por uma suposta segurança oferecida por câmeras de vídeos em locais públicos. Se você já estava acostumado a encontrar aparelhos filmando a todos em praças e esquinas mais movimentadas de grandes cidades, saiba que os ônibus públicos estão trilhando o mesmo caminho. Em cidades como Curitiba (PR), Campina Grande (PB) e Rio de Janeiro (RJ) já é possível encontrar ônibus de grande circulação equipados com câmeras de segurança. No caso curitibano, a imagem é transmitida diretamente para dentro do próprio ônibus com o intuito de coibir a ação de bandidos em momentos de lotação. Estações de metrô, terminais e pontos de ônibus de várias cidades já contam com equipamentos semelhantes e devem, até certo ponto, inibir pequenos assaltos nestes locais. Se isso acontece já é um grande ganho para a população. Quem sabe ainda estejamos um pouco longes do futuro preconizado pelo escritor britânico George Orwell em 1984, onde as teletelas (televisões gigantes presentes em todas as casas, que não tinham como ser desligadas) filmavam os cidadãos em tempo integral, mas cada vez mais equipamentos assim fazem parte de nossa rotina. INFOSEG e a rede integrada de informação Em um país de dimensões continentais como o Brasil, uma rede nacional de segurança pública cujo conteúdo esteja disponível para os vários órgãos de segurança atuantes no país seria ideal, não é mesmo? Pois é isso mesmo o que propõe a INFOSEG, um sistema nacional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Lançada no final de 2004, a rede utiliza a tecnologia da informação e a comunicação para integrar informações como inquéritos policiais, dados de armas de fogo e processos judiciais, mandatos de prisão, informações sobre condutores de veículos e sobre veículos, etc. as últimas reformulações da INFOSEG permitiu que 25 seu conteúdo seja acessado por membros da segurança pública não somente através do computador, mas também de celulares, palms e viaturas.3 3.2 Sociabilidade, tecnologia da internet e comunicação No processo histórico contemporâneo, a comunicação é o agente construtor da realidade, nossa percepção do mundo é uma construção cultural, sendo a comunicação quem produz e interfere nas percepções. A partir da inserção das tecnologias informacionais no cotidiano, os indivíduos interagem entre si, independentemente das distâncias geográficas. Com o surgimento da internet, que é o mais completo meio de comunicação já concebido pela tecnologia humana, temos assistido uma reconfiguração das culturas e o nascimento de uma nova estrutura da sociabilidade contemporânea. Organizando a informação que conhecemos sobre este tema, e tentando tirar conclusões destes conhecimentos para propor algumas hipóteses acerca dos esquemas de sociabilidade que estão a surgir nas nossas sociedades, irei dialogar com os estudos realizados por Manuel Castells e Pierre Lévy, no sentindo de sintetizar e interpretar os dados disponíveis acerca da relação entre Internet e a sociedade. O surgimento da internet como novo meio de comunicação gerou um conflito acerca do aparecimento de novos padrões de interação social. A partir dessa origem, o filósofo Pierre Lévy diz que a revolução contemporânea é apenas uma das dimensões de uma transformação antropológica ampla. Lévy afirma que ainda estamos na “infância da cibercultura”, e que, para ele, as principais transformações sociais provocadas pela tecnologia ainda estão por vir. Lévy coloca que a cibercultura é um movimento que oferece novas formas de comunicação. Como tal, reflete a “universalidade sem totalidade”, algo novo se comparado aos tempos da oralidade primária e da escrita. É universal porque promove a interconexão generalizada, mas comporta a diversidade de sentidos, dissolvendo a totalidade. Em outras palavras: a interconexão mundial de computadores forma a grande rede, mas cada nó dela é fonte de diversidade de assuntos.3 Extraído do link: www.tecmundo.com.br 26 Escolhas e estratégias A criação e desenvolvimento da internet é uma extraordinária aventura humana. Mostra a capacidade das pessoas para transcender as regras institucionais, superar as barreiras burocráticas e subverter os valores estabelecidos no processo de criação de um novo mundo. Delas resulta o mundo “virtual” e o que hoje chamamos de cibercultura. O sociólogo Manuel Castells em seus estudos, diz que a formação de comunidades virtuais, baseadas principalmente na comunicação online, foi compreendida com o culminar de conexões transversais e interativas, sendo individuais ou comunitárias. Ainda para Castells (2006, p.255), “a internet é – e será ainda mais – o meio de comunicação e de relação essencial sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos”. As redes interativas de comunicação estruturam uma nova geografia de conexões e sistemas. Castells centraliza seu estudo na chamada Era da Informação, ou Era Digital, em algumas questões específicas correspondentes à sociedade conectada de forma global. O impacto que a internet causou, e ainda causa, sobre os demais meios de comunicação é significativo. Porque ao menos até o presente, não há centros diretivos nem comandos decisórios na web. A rede universal da internet possibilita a circulação instantânea de informações e elimina a centralização e o controle pelo poder político. Apesar das nossas sociedades terem muitas coisas em comum, são também produto de diferentes escolhas e identidades históricas. A realidade parece indicar que muitos, a maioria dos utilizadores sociais da internet, criam suas próprias identidades online coerentes com as suas identidades off-line. De fato, a crescente diversidade de modelos de sociabilidade é o que determina a especificidade da evolução social nas nossas sociedades. As redes constroem-se de acordo com as escolhas e estratégias de pessoas, grupos ou entidades que se movem na web de acordo com seus valores e conveniências, consignados em escolhas individuais ou comunitárias. Neste contexto, a comunicação de valores constrói-se em torno de sistemas de comunicação porque esta é a principal via que estes encontram para chegar àquelas pessoas que podem partilhar os seus valores, e partir daí, atuar na consciência da sociedade. Interação entre os participantes 27 A internet não é apenas uma tecnologia: é um meio de comunicação e constitui a infraestrutura material de uma forma organizativa concreta: a rede. Logo, mais que o surgimento de uma sociedade online, presenciamos uma apropriação da internet por redes sociais. Com isso, uma nova forma de organização comunitária está surgindo utilizando-se das novas tecnologias: as comunidades virtuais, que são redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social. A internet tem, hoje, profunda relação com os movimentos sociais e políticos do mundo e converteu-se no componente indispensável do tipo de movimentos sociais que estão a surgir na sociedade em rede. A tecnologia da internet permite expressões de protestos, mobilização em torno de valores culturais e age para mudar os códigos de significados nas instituições e na atividade social. Por outro lado, Lévy destaca que a conexão da humanidade não acarreta igualdade no sentido mais favorável aos princípios de liberdade e de fraternidade, mas que também é um poder nascido da capacidade de aprender e de trabalhar de maneira cooperativa num contexto social. Os movimentos sociais são confrontados com a necessidade de contrariar o alcance local com o impacto global. A tecnologia da internet permite a estes movimentos mobilizarem-se na construção da nova sociedade. Com efeito, a Internet proporciona, em princípio, um canal de comunicação sem centro de comando e, assim, a interatividade permite aos cidadãos solicitar informação e expressar sua opinião. Pierre Lévy diz que em vez de existir um centro emissor todo-poderoso como também afirma Castells, a comunicação na internet emerge da interação entre os participantes. O processo de transformação O papel mais importante da internet na reestruturação das relações sociais é a sua contribuição para o novo modelo de sociabilidade, baseado no individualismo – que, a princípio, conduz ao aperfeiçoamento do ser enquanto agente individual desse processo de comunicação. Pierre Lévy diz que a melhor forma de manter e desenvolver uma coletividade não é mais construir, manter ou ampliar fronteiras, mas alimentar e melhorar a qualidade das relações em seu próprio seio bem como com outras coletividades. 28 O uso da internet potencializava a sociabilidade, tanto à distância como no ambiente da comunidade local. As pessoas ligam-se e desligam-se da rede, mudam de interesses, e, além disso, mudam de companheiros on-line quando querem. De acordo com os estudos de Castells, o conjunto de dados disponíveis não sustenta a ideia de que a utilização da Internet conduz a uma menor interação e a um maior isolamento social, mas existem indícios de que, em determinadas circunstâncias, o seu uso pode agir como substituto de atividades sociais. Lévy diz que essa reconexão da humanidade é acompanhada de um certo número de “revoluções” de um único fenômeno de transformação. A chegada da internet e dos novos meios de comunicação, que são também novas formas do pensamento coletivo e de acesso ao conhecimento, vão acelerar o processo de transformação da sociedade. Mas não devemos achar que as coisas vão acontecer de forma mágica e imediata. Não pela proeza técnica em si, mas porque há uma relação profunda entre o progresso das formas de comunicação, o progresso da democracia e de transformação do ser humano. Ações coletivas São incontáveis as observações a serem feitas sobre a internet como fator modificador da sociabilidade. Neste artigo, procuro explanar os principais elementos da sociedade que têm sofrido considerável mudança a partir da influência da rede. As novas tecnologias de comunicação têm, como é natural, agido de modo a reconfigurar os espaços como os conhecemos, bem como a estrutura da sociedade. Os modos de comunicação alteram-se bruscamente, propagando um volume incalculável de conteúdo. A própria vida social se encontra imersa numa rotação incessante. O surgimento da sociedade em rede não pode ser entendido sem a interação entre essas duas tendências relativamente autônomas: o desenvolvimento de novas tecnologias da informação e a tentativa da antiga sociedade de readaptar-se com o uso dessa ferramenta tecnológica. Cabe enfatizar que as relações online estão baseadas em interesses compartilhados do homem, onde ele se agrupa com seus semelhantes e vai estabelecendo relações. Esses relacionamentos são também diferenciados: alguns constroem vínculos mais fortes; outros, relações mais superficiais. O ser humano, portanto, aspiraria à união e ao mesmo tempo, seria contra 29 ela, oscilaria entre a conexão e a separação, o coletivo e o individual. As redes de relações pessoais não são nenhuma novidade, pois o formato de rede é extremamente atrativo para relacionamentos, pois tudo se torna descentralizado, transparente e autônomo, ao mesmo tempo em que é otimizado em conjunto. A rede funciona muito bem na manutenção das relações e na intermediação de laços entre pessoas que não podem se ver pessoalmente com frequência. Além disso, permite o exercício da solidariedade em várias situações, ameaças, riscos, problemas coletivos ou individuais. Na contramão, o surgimento das tecnologias informacionais, principalmente a internet, aumentou a dificuldade de discutir o tópico de privacidade. Com a internet, os indivíduos que na época da TV eram apenas receptores de informação passaram a ser produtores de informação,disseminando-se por meio das tecnologias, que possibilitam que as informações – dentre elas as que se referem a algo particular dos indivíduos – ganham amplitude global rapidamente. Tal acesso poderia, também, constituir um clima de hostilidade entre grupos que possuem interesses distintos, interesses esses que estariam disponíveis para conhecimento. As atividades humanas estão ficando, a cada dia, mais dependentes da tecnologia e, portanto, susceptíveis às suas vulnerabilidades e seus efeitos. É certo que estamos na “infância da cibercultura” como afirma Lévy, e que as principais transformações sociais provocadas pela tecnologia ainda estão por vir. Entretanto, há muito ainda o que pensar no que se refere a todas as questões polêmicas e importantes que surgiram com o advento da internet. Talvez sejam essas polêmicas o motivo de conflitos como pontua Manuel Castells: o aparecimento de novos padrões de interação social que, cada vez mais densa entre os indivíduos realmente contribui para ações coletivas, transformadoras e democráticas.4 3.3 A importância da inovação para a segurança pública Ultimamente o assunto violência tem sido frequente nos noticiários, mostrando que são frequentes os assaltos a mão armada, crimes contra a mulher, ao patrimônio 4 Extraído do link: observatoriodaimprensa.com.br 30 público e privado e em muitas cidades o homicídio é frequente; incluindo os de agentes da segurança pública. Devido a este fato, o poder público e a sociedade civil organizada procuram encontrar soluções inovadoras para a segurança pública, que sejam eficientes para combater ou evitar a criminalidade. Para amenizar o problema de segurança pública, é essencial usar a tecnologia como uma ferramenta. Uma das tecnologias mais usadas frequentemente são as de informação e comunicação. Essas ferramentas auxiliam o público a ter uma abordagem direta e dinâmica com as instituições públicas, dando voz aos cidadãos e ajudando o Governo a aprimorar a segurança pública. Uma ferramenta tecnológica que vem apresentando bons resultados, é o uso de redes sociais como forma alertar seus participantes sobre eventos ocorridos naquela localidade. Embora ainda restrito em pequenas cidades, grupos organizados procuram manter a informação em tempo real e com isso auxiliando cada vez mais autoridades locais que acompanham o grupo com viés de monitoramento. Os resultados são práticos e eficientes. 3.4 Inovações tecnológicas a favor da segurança pública O uso de dispositivos móveis, tal como câmera de vídeo, feita pelos cidadãos, são fundamentais para aumentar ainda mais a relação da população com os órgãos públicos, devido ao acesso à internet e contribui para o empoderamento da sociedade. Um dos modelos de inovações para a segurança pública, são os aplicativos de smartphones que são desenvolvidos com o objetivo de melhorar a comunicação entre o cidadão e os órgãos governamentais para gerar um melhor atendimento à população. Já a algum tempo a polícia europeia e norte-americana, repensou as suas atribuições como a formação e o planejamento de suas estratégias de acordo com o relacionamento com as comunidades. Essa mudança aconteceu não apenas pelo fracasso dos modelos que eram adotados anteriormente e considerados reativos, mas também pelas descobertas científicas e muitas evidências sobre o assunto, como o sistema chamado de polícia comunitária, com a finalidade de mapear o crime e a violência. 31 Isso é possível aliando os recursos tecnológicos que permitem uma boa evolução para a segurança pública com novas técnicas de controle, investigação e perícia contra o crime, como por exemplo o uso de câmeras em espaços públicos, softwares de reconhecimento visual e voz, satélites para rastreamento e utilizando o DNA como produção de provas, entre outros. No Brasil alguns dos recursos e técnicas falados acima, estão sendo empregados pela polícia, ainda que de forma parcial e/ou como projeto-piloto. O nosso país está reconhecendo que inovações tecnológicas na segurança pública são importantes e a implementação desta inovação está acontecendo pela comprovação dos seus benefícios, e também pelo entendimento de que a mudança na segurança pública é necessária. Atualmente existe uma série de inovações práticas para a segurança pública na prevenção e redução de violência na América Latina, que são implementadas pelo governo e cidadãos, com o objetivo de diminuir ou acabar com a violência ligada ao crime organizado e a gangues envolvidas com narcóticos. Essas inovações são feitas através de estudos na América Latina e em outras regiões da África (África do Sul e Quênia), da Ásia (Singapura e Tailândia) e do Oriente Médio, que comprovam que as novas tecnologias de informação e comunicação, através dos dispositivos móveis, as câmaras de vídeo e o fácil acesso à internet, são utilizadas para dar voz a cidadãos e aprimorar a segurança pública. O uso da tecnologia como aliada da segurança da população no Brasil ainda precisa crescer, mas existe um grande avanço no desenvolvimento do combate à violência e na parceria entre sociedade e os órgãos públicos para atender a necessidade da população, e lutar por uma sociedade organizada e segura. Podemos concluir que as inovações tecnológicas auxiliam a promover a segurança pública, pois há um grande desenvolvimento da parceria entre a sociedade e órgãos públicos em diversos países devido aos estudos que comprovam este fato.5 5 Extraído do link: tecnocopa.com.br 32 3.5 A importância da inovação para a segurança pública Nos últimos tempos, infelizmente, o assunto violência não tem saído dos noticiários. Dia após dia, as estatísticas mostram que são crescentes os casos de assaltos a mão armada, crimes contra a mulher e contra os patrimônios públicos e privados e, em grande parte das cidades, é crescente o número de homicídios. Neste contexto, não faltam discussões entre os poderes públicos e a sociedade civil organizada para encontrar soluções que se mostrem eficientes para combater a criminalidade. Entre elas, está a importância do uso da tecnologia como uma das ferramentas essenciais para amenizar este problema. De acordo com o sócio fundador da Mooh Tech, Everton Cruz, cada vez mais, os três níveis de governos no Brasil e a sociedade civil vêm buscando maneiras de aproveitar a revolução digital a fim de desenvolver abordagens inovadoras e dinâmicas para resolver esta questão. “E as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) têm sido utilizadas para dar voz aos cidadãos e aprimorar as práticas das instituições”, complementa. Segundo Cruz, entre as novas TICs estão os dispositivos móveis, como, por exemplo, as câmeras de vídeo e os tão conhecidos smartphones. E, sem deixar de considerar, claro, o devido acesso à internet. “As TICs têm sido fundamentais para estreitar ainda mais a relação entre a população e os órgãos governamentais. Elas também têm contribuído para o empoderamento da sociedade civil em locais onde o poder público está distante dos cidadãos”, diz. INOVAÇÕES Entre as iniciativas que contam com a participação efetiva dessas tecnologias estão o uso de aplicativos como o Sempre Alerta, criado pela empresa pernambucana Mooh Tech. “Ele foi desenvolvido como um instrumento cujo objetivo é, ao utilizar a tecnologia, melhorar a comunicação, gerando um melhor atendimento à população. Assim, quando alguém faz alguma denúncia por meio dele, estará ajudando a reduzir a violência”, explica Cruz, também idealizador da ferramenta. Para ele, a participação da população é decisiva na captura e na disseminação das informações. “Inovações como o Sempre Alerta promovem o envolvimento dos 33 usuários na revolução digital e auxilia o poder público em diversasfrentes como a filtragem, a análise e a interpretação dos dados. A partir disso, se tornará possível distribuir os recursos destinados à segurança de forma mais assertiva e planejada, além de mensurar os resultados mais eficazmente”, afirma. “Como podemos perceber, os avanços tecnológicos estão mudando a arquitetura das relações entre os poderes públicos e a sociedade como um todo. Contudo, ainda é preciso que grande parte da população esteja envolvida com as evoluções do mundo digital, incentivando, assim, a cultura da denúncia. Dessa forma, os cidadãos, igualmente afetados pelo aumento da violência em todo o mundo, poderão se sentir um pouco mais conscientes do seu papel na sociedade”, finaliza Everton Cruz.6 4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS POLICIAIS E DE SEGURANÇA PÚBLICA 4.1 Técnicas e tecnologias não-letais na atuação das forças de segurança Observando a atuação policial, nota-se que durante o passar dos tempos a violação aos mais diversos tipos de direitos fundamentais é nítida, tendo surgido, como um meio de atenuar as tecnologias não letais, objeto deste estudo. Toda vez que se inicia uma rebelião em presídio, lembra-se do lamentável fato ocorrido no ano de 1992, no antigo complexo penitenciário do Carandiru, onde uma briga de presos no Pavilhão 9 que inicialmente parecia ser apenas mais um tumulto no local, tomou caminhos desastrosos e após uma intervenção policial o saldo foi de mais de 100 mortes, episódio que ficou conhecido como “O Massacre do Carandiru”. Diante deste fato, e de tantos outros, onde a obrigatoriedade do uso da força pelo Estado, para conter algum tipo de distúrbio em unidade prisional, acabou em morte de detentos, a sociedade civil e os organismos de proteção aos direitos humanos, cobraram uma resposta quanto à verdadeira necessidade da utilização de armamentos letais para o combate a este tipo de intempérie, começando a surgir então, constantemente à utilização das tecnologias não letais, que vem se aperfeiçoando cada vez ao longo dos últimos anos. 6 Extraído do link: www.techdicas.net.br 34 Cabe destacar aqui que cada vez mais tem se atido a questão de como estabelecer parâmetros acerca da utilização de armas pelas policias, e sabiamente a Organização das Nações Unidas – ONU elaborou um documento denominado Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F.) elaborado no Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990, vejamos: Fonte:fbsp.memoriaseguranca.org.br “[...] os policiais, no exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado. Paralelamente instrumentos de controle das polícias são instituídos, a exemplo de ouvidorias, julgamentos de policiais militares em tribunais civis, cursos de direitos humanos, empregos de armas não letais e reformas curriculares”. Disponível em www.forumseguranca.org.br/artigos/uso-nao- letal-da-forca-na-acao-policial, acessado em 30/06/2010. Destaquemos que mesmo não se tratando de um tratado, o documento elaborado no oitavo congresso da ONU em Havana tem como escopo principal fornecer normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e 35 promover o papel adequado dos encarregados da aplicação da lei, reconhecendo a importância e a complexidade do trabalho destes, frisando seu papel importante na preservação da vida. Observemos assim, que antes de usar a arma de fogo, o policial ou o agente do presídio, conforme o caso deverá dispor de todos os outros meios que estiverem ao seu alcance, inclusive utilizando as tecnologias não-letais e somente se estes se mostrarem ineficazes é que poderá fazer uso da arma de fogo. Podemos dizer então que o principal fator da substituição das armas letais por equipamentos de técnicas e tecnologias não-letais é o fato de se buscar uma conscientização entre os profissionais da Segurança Pública em geral, especificamente aqui o agente de presídio, de que a utilização de outros mecanismos para conter as intempéries do dia a dia desta profissão é tão eficaz quanto à utilização das armas letais, mas possui uma diferença essencial, prioriza a preservação do bem maior, a vida! No decurso do tempo, as civilizações procuraram criar meios para a proteção e defesa de seus direitos, sendo criadas então diversas instituições, são as forças de segurança pública, tendo como objetivo a proteção e garantia dos direitos individuais e coletivos. De plano, para refletirmos um pouco sobre a função das forças de segurança estatal, mister se faz mencionar aqui alguns autores citados por Wilquerson Felizardo Sandes, em seu artigo Uso não-letal da força na ação policial: formação, tecnologia e intervenção governamental, vejamos: Segundo Elias (1994), a necessidade de uma sociedade constituir instrumentos de controle para sua proteção conduz à construção de um monopólio de força, centrado na figura do Estado. Este, através de seus agentes, regula a conduta social de maneira uniforme e estável em espaços pacificados, que normalmente estão livres de atos de violência. Ao mesmo tempo em que o Estado protege o indivíduo, força-o a reprimir em si qualquer impulso emocional para cometer violência contra outras pessoas. Na perspectiva de Foucault (1991), a sociedade recorre a uma série de instrumentos de controle social para adestrar o indivíduo, tornando-o submisso e controlável – “corpos dóceis”. Para evitar atitudes inconvenientes no sistema, cada corpo é classificado e controlado em locais heterogêneos, como colégios e 36 organizações, recebendo uma localização funcional, um cadastro, e tarefas específicas. O controle da atividade do indivíduo é realizado através de horários, ritmos, programas, atitudes e gestos. Em qualquer sociedade o corpo está preso ao interior de poderes que lhe impõem limitações, proibições e obrigações, por uma série de recursos disciplinadores, como vigilância, coerção e controle. Observando os dizeres de Foucault, percebemos que a área prisional é exatamente isso, ou seja, temos o controle do indivíduo realizado através de horários, ritmos, programas, atitudes e gestos, ocorrendo alguns casos em que certos seres tendem a desrespeitar estas normas, momento então que a força policial do Estado, nesse caso os agentes de presídios, terão que atuar para manter a ordem e disciplina do local. Na atuação destes agentes, por diversas vezes a força terá que ser utilizada, sendo que em tempos remotos, em casos extremos, as tropas de choque eram acionadas para intervir de posse de armas letais, sujeitando à ação a ocorrência de muitas baixas de vidas humanas. Notemos que estamos regidos por um Estado Democrático de Direito, garantido por nossa Constituição Federal de 1988, tendo a atuação das forças policiais sido regulada pelo artigo 144 da mesma, onde temos que a Segurança Pública é direito de todos e dever do Estado, vejamos: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - policias civis; V - policias militares e corpos de bombeiros militares. 37 Temos então elencados aí os integrantes das Forças de Segurança Pública, e mesmo não estando elencado expressamente, o agente de presídio tão é um colaborador desta, exercendo de fato uma atividade policial no desenvolver de suas atribuições diárias,
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