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Apostila-Completa-Politica-Social

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
POLÍTICA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS - SP 
 
 
SUMÁRIO 
Sumário ....................................................................................................................... 2 
1 Maquiavel e os fundamentos da teoria política ..................................................... 3 
1.1 Biografia ....................................................................................................... 13 
1.2 O príncipe ..................................................................................................... 14 
2 Contratualismo/ Jusnaturalismo .......................................................................... 28 
2.1 Contratualismo ............................................................................................. 37 
2.2 Rousseau e Hegel: O embate político .......................................................... 42 
2.3 Rousseau e o Contrato ................................................................................ 45 
2.4 Hegel e o Contrato ....................................................................................... 51 
3 Jusnaturalismo .................................................................................................... 60 
3.1 Individualismo e Liberalismo: Consequência do Jusnaturalismo ................. 62 
4 As teorias políticas de constituição do Estado .................................................... 65 
5 O Estado ............................................................................................................. 76 
6 Instituição............................................................................................................ 81 
6.1 Os três novos institucionalismos .................................................................. 83 
7 O que é movimento social e por que seu estudo é importante ........................... 87 
7.1 Movimentos sociais no Brasil ....................................................................... 90 
8 Classes Socias ................................................................................................... 93 
9 a concepção marxista ......................................................................................... 95 
9.1 A concepção de Estado e Politica ................................................................ 99 
9.2 Karl Marx e o Estado .................................................................................. 102 
9.3 Principais Teóricos no Conceito Marxista .................................................. 103 
10 O Liberalismo e a Democracia ...................................................................... 107 
10.1 O conceito no Brasil ................................................................................... 108 
11 A concepção marxista de Estado e seus principais teóricos ......................... 113 
 
 
11.1 O debate marxista sobre o Estado ............................................................. 114 
12 Democracia/Representação/Participação ..................................................... 121 
12.1 Democracia ................................................................................................ 121 
12.2 Tipos de democracia .................................................................................. 123 
12.3 Representação ........................................................................................... 134 
12.4 Modos de representação............................................................................ 144 
12.5 Participação ............................................................................................... 146 
13 Temas Políticos contemporâneos ................................................................. 158 
13.1 As conversações e as discussões políticas no sistema deliberativo .......... 160 
13.2 Surgimento e crise da razão moderna ....................................................... 165 
13.3 Marx, Engels e toda a tradição marxista. ................................................... 166 
13.4 O advento do pós-modernismo: dimensões teóricas, políticas e culturais . 169 
14 O papel do Estado na Educação Brasileira ................................................... 177 
14.1 Educação para TODOS ............................................................................. 183 
14.2 Público- privado na educação .................................................................... 183 
14.3 Gestão democrática ................................................................................... 185 
14.4 Os desafios atuais da educação brasileira e o PNE: para onde caminham as 
políticas de Estado? ............................................................................................. 186 
15 Bibliografia ..................................................................................................... 191 
 
 
3 
1 MAQUIAVEL E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA POLÍTICA 
 
Fonte: g1.globo.com 
 
Maquiavel foi um dos grandes responsáveis pela noção moderna de poder. A 
ele também se deve a renovação do sentido e da relação entre ética e política. Por 
isso, a teoria política de Maquiavel tem suscitado, ao longo do tempo, uma série de 
discussões e questionamentos, principalmente pela interpretação precipitada que 
inúmeras vezes se fez de seu pensamento. 
Maquiavel foi sempre - e ainda é - compreendido como alguém imoral e 
desprovido de quaisquer valores. Por essa razão a perspectiva do termo maquiavélico 
é sempre pejorativa. Maquiavel, fugindo da tradição, que considera a tendência do 
homem para a vida em sociedade e o bem viver como naturais, sublinha que, ao 
contrário, os homens tendem sempre à divisão e à desunião. 
Deriva daí uma tensão social, marcada pelo conflito de desejos entre dois 
grupos sociais distintos, o povo, que deseja não ser oprimido pelos grandes, e os 
grandes que, inversamente, desejam oprimir e dominar o povo. “O principado provém 
do povo ou dos grandes, segundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas 
partes. ” (MAQUIAVEL, 2004, p. 43). 
A política, para Maquiavel, é marcada, então, não pelo ideal cristão de unidade 
entre os homens, mas por algo que é próprio do homem, a constante luta pelo poder. 
Assim, 
http://g1.globo.com/
 
4 
“... a história é mestra de nossos atos e máximas dos príncipes; e o mundo 
sempre foi, de certa forma, habitado por homens que sempre têm paixões 
iguais; e sempre houve quem serve e quem ordena, e quem serve de má 
vontade e quem serve de boa vontade, e quem se rebela e se rende.” 
(MAQUIAVEL, 2000, p.165) 
É por este motivo que os homens mentem, matam e se julgam acima dos 
princípios morais. A obra “O Príncipe” é, nesse sentido, uma reflexão sobre o poder 
político que permeia o Estado. Todo Estado é, fundamentalmente, constituído por uma 
correlação de forças, fundada na dicotomia que se estabelece entre o desejo de 
domínio e opressão, por parte dos grandes ou poderosos, e do desejo de liberdade, 
por parte do povo, que, em síntese, compõe as relações sociais. 
A virtù, diz Maquiavel, consiste na compreensão desta realidade e determina a 
ação política do príncipe. “... O homem de Estado maquiaveliano depende 
exclusivamente de sua própria capacidade para determinar a resposta, impostergável, 
que a situação presente permanentemente lhe formula: ‘o que fazer? ” (AMES, 2002, 
p.16). 
O poder exercido pelo príncipe está diretamente relacionado à nova maneira - 
cética - com que Maquiavel encara o ser humano. Sua concepção de poder inaugura 
uma nova ética: laica, prática, em que o poder político é dissociado 119 A concepção 
de Estado e de poder político em Maquiavel Tempo da Ciência (13) 25 : 117-128, 1º 
semestre 2006 ARTIGO da ética cristã, pois tudo é válido contanto que o objetivo seja 
de se conquistar e de se manter o poder, apoiado no povo. 
Assim, por esta nova compreensãoda realidade, Maquiavel separa a moral 
individual da moral política. Ao chefe de Estado cabe agir de acordo com as 
circunstâncias e não a partir de preceitos morais individuais. Por esta razão, o que 
distingue a bondade da maldade na ação política é sempre o bem coletivo e jamais 
os interesses particulares. 
O que determina se uma atitude é ética é a sua finalidade política. Neste 
sentido, os valores morais só podem ser compreendidos a partir da vida social. Assim, 
sublinha Maquiavel, existem virtudes que podem arruinar o Estado e vícios que, 
inversamente, podem salvá-lo. O que do ponto de vista da moral tradicional é 
plenamente condenável, na ética política maquiaveliana é perfeitamente aceitável. No 
entanto, para se compreender a teoria política de Maquiavel, é preciso antes 
compreender o próprio indivíduo Maquiavel como sujeito histórico e fruto de um 
contexto específico. 
 
5 
O universo mental de Nicolau Maquiavel é completamente diverso. 
Deliberadamente distancia-se dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e, à 
semelhança dos renascentistas preocupados em fundar uma nova ciência física, 
rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método da investigação 
empírica. 
Maquiavel vive o período do Renascimento e, como tal, é leitor contumaz dos 
autores clássicos. A leitura destes lhe dá a chave para compreender o contexto em 
que vive, além do que o instrumentaliza com a fundamentação teórica necessária para 
escrever, entre outras, a sua mais famosa obra, “O Príncipe”. É por isso que nesta 
obra se encontra uma intensa reflexão filosófica e, não como querem alguns, apenas 
um receituário, um manual para políticos de plantão. Nela escreve: 
.... Porém, sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler, parece-me 
mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas do que o que se 
imaginou sobre elas. Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais 
foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade (...). (MAQUIAVEL, 
2004, p. 73) 
Ao compor “O Príncipe” Maquiavel expressa nitidamente os seus sentimentos 
de desejo de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressa também a necessidade 
(não só dele, mas de todo o povo Italiano) de um monarca com pulso firme, 
determinado, que fosse um legítimo rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e 
nem medir esforços. 
Neste sentido, MAQUIAVEL (2004) faz uma referência elogiosa a César Bórgia, 
que após ter encontrado na recém conquistada Romanha, um lugar assolado por 
pilhagens, furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramiro de Orco. Este, 
por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim à anarquia e se faz detestado 
por toda parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a Bórgia suprimir seu 
ministro. 
E certa manhã, em plena praça pública, no meio de Cesena, mandou que o 
partissem ao meio. O povo por sua vez ficou, ao mesmo tempo, satisfeito e chocado. 
Para Maquiavel, um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo que diante 
da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for o bem do seu povo. Por isso, 
declara: 
... todas as ações do duque, eu não saberia em que censurá-lo. Pelo 
contrário, parecem – como aliás o fiz – dever propô-lo como exemplo a todos 
aqueles que, com a fortuna e as armas de outrem, ascendem ao poder. Tendo 
 
6 
ele ânimo forte e intenção elevada, não poderia ter agido de outra maneira. 
(MAQUIAVEL, 2004, p. 34) 
Assim, no entender de LEFORT (1972), é na crítica da experiência, no mundo 
real, no aqui e agora, que Maquiavel descobre que há em cada situação uma política 
adequada. A política adequada é aquela que se concilia com o ser da sociedade, que 
acolhe os contrários, se enraíza no tempo, se dispõe a costear o abismo sobre o qual 
repousa a sociedade, de enfrentar o limite constituído pela impossibilidade de compor 
os desejos humanos. 
É na verdade efetiva das coisas que o príncipe deve pautar a sua ação política. 
A ação do príncipe deve ser sempre movida pela realidade dos fatos e não pelo “como 
deveria ser”. É a necessidade que deve reger a ação política do príncipe. Assim, diz 
Maquiavel, é preciso que, para manter-se no poder, um príncipe aprenda a ser mal, e 
que da maldade se sirva ou não de acordo com a necessidade. 
Esta é a verdade efetiva – veritá effetuale -, e sempre imperiosa, que deve 
determinar as ações do príncipe. Eis aí a novidade do pensamento maquiaveliano e, 
justamente, a que causou maior escândalo e críticas. É uma reavaliação das relações 
entre ética e política. 
Maquiavel estabelece, de um lado, uma moral laica, de base naturalista, 
separada da moral cristã e, de outro, apresenta a autonomia da política, 
desvencilhando-a de toda e qualquer questão moral. Esta nova ética analisa as ações 
do príncipe não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas sim 
em vista das consequências, dos resultados da ação política. 
Não se trata de amoralismo, mas de uma nova moral centrada nos critérios da 
avaliação do que é útil à comunidade. Assim, o critério para definir o que é moral é o 
bem da comunidade e, nesse sentido, às vezes, é legítimo o recurso ao mal: o 
emprego da força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego 
da violência. (ARANHA&MARTINS, 1993, p. 205) 
Astucioso é, portanto, o príncipe que sabe simular e dissimular e lançar mão 
desses recursos no momento em que a necessidade se impõe. Por esta forma 
Maquiavel introduz o conceito de virtù. Os homens de virtù são aqueles que sabem 
agir diante da situação que se lhes oferece e imprimir sua vontade no curso das coisas 
(fortuna). 
Agir com virtù, assim, é agir ora com humanidade ou bondade, ora com 
crueldade ou maldade, de acordo com a necessidade da ocasião. Por detrás da noção 
 
7 
de virtù está o princípio moral da ação como justificativa para o bem coletivo. Desse 
modo, em certas circunstâncias, é LAIRTON MOACIR WINTER 122 ARTIGO Tempo 
da Ciência (13) 25: 117-128, 1º semestre 2006 legítimo o uso de algumas crueldades, 
que por si sendo más, são ações virtuosas quando beneficiam a coletividade. Por esta 
razão, há violências que politicamente se justificam quando o fim último for o bem 
comum. 
Evidentemente que Maquiavel não se refere ao uso da força como mero ato de 
sadismo do Príncipe, que se compraz com o sofrimento alheio. Para ele, nenhuma 
conquista se faz sem o uso da violência. E o Estado não representa exceção à regra. 
Entretanto, a violência da qual fala Maquiavel é a violência política, justificada tão 
somente em função do bem comum. Toda e qualquer outra forma de violência que 
não tenha a finalidade de preservar o Estado e o bem da coletividade, mas praticada 
apenas por satisfação pessoal, deve ser sempre evitada, sublinha Maquiavel. 
A primeira forma legitima a autoridade do príncipe, a segunda, o condena 
perante seus súditos que não hesitarão em demovê-lo do poder na primeira 
oportunidade que tiverem. Compreende-se, assim, que a força e a política são 
paralelas, em que esta não subsiste sem aquela. A força, assevera o autor, está em 
saber usar a astúcia. É por esta via que deve ser entendida a lógica da força em 
Maquiavel. O pensamento político de Maquiavel nos leva à seguinte reflexão sobre o 
homem de ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege 
sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos sucessivos, tornando-
se um político incompetente. 
Isto significa que a avaliação moral não deve ser feita antes da ação política, 
segundo normas gerais e abstratas, mas a partir de uma situação específica avaliada 
em função do resultado dela, já que toda ação política visa a sobrevivência do grupo 
e não apenas de indivíduos isolados. Maquiavel enfatiza que os critérios da ética 
política precisam ser revistos conforme as circunstâncias e sempre tendo em vista os 
fins coletivos. 
No capítulo VI d“O Príncipe”,que se refere à conquista dos principados novos, 
Maquiavel destaca a importância da virtù e da fortuna para a manutenção do 
principado. 
“Digo, portanto, que nos principados completamente novos, onde há um novo 
príncipe, existe maior ou menor dificuldade para mantê-lo conforme seja 
maior ou menor a virtù de quem o conquistou. E, como a passagem de 
simples cidadão a príncipe supõe virtù ou fortuna, parece que uma ou outra 
 
8 
dessas duas coisas ameniza, em parte, muitas das dificuldades. Contudo, 
aquele que depende menos da fortuna consegue melhores resultados. ” 
(MAQUIAVEL, 2004, p. 23) 
Para Maquiavel, uma das facetas da virtù é a força, da qual devem lançar mão 
os príncipes quando a necessidade se impuser. “É necessário, portanto, (...), examinar 
se estes inovadores dispõem de meios próprios ou dependem de outros, isto é, se 
para realizar a sua obra precisam pedir ou podem forçar. ” (MAQUIAVEL, 2004, p. 25). 
Para o autor, apenas o segundo caso garante o êxito do príncipe. Se, num 
primeiro momento o príncipe deve utilizar-se da força bruta – armas, violência, coerção 
- para impor a sua autoridade, deve também saber reconhecer o momento adequado 
em substituí-la pela força da persuasão. Maquiavel distingue, assim, entre o bom 
governo, que é forçado pela necessidade a usar da violência visando o bem coletivo, 
e o tirano, que age por capricho ou interesse próprio. 
Por esta razão, mesmo sem a força, ainda que está sempre deva permanecer 
como recurso de última instância, um poder se estabelece como legítimo quando os 
súditos, por meio da persuasão do príncipe, são levados a reconhecer e a aceitar a 
sua autoridade como legítima. Essa legitimidade, no entanto, não se funda mais sobre 
a natureza – já que natural é apenas e sempre a mudança - e nem sobre princípios 
morais – valores -, mas sobre o reconhecimento dos seus súditos. 
Neste sentido, uma autoridade é legítima quando seus súditos a reconhecem 
como tal. A durabilidade do Estado, portanto, depende da maneira como a relação 
entre o príncipe e os súditos se resolve e quando ambos se percebem pertencentes à 
mesma sorte, ao mesmo destino. Partindo do princípio de que natural é somente a 
mudança e não a permanência das coisas e que, portanto, a ação política é sempre 
movida pela transitoriedade, pela mutabilidade, Maquiavel retém as formas legítimas 
e ilegítimas de poder da tradição, mas elimina o princípio de poder natural dos poderes 
hereditários. 
Não é por acaso que Maquiavel começa “O Príncipe” descrevendo as espécies 
e os modos pelos quais se conquistam os Principados. Este é o ponto para o qual 
chama a atenção. Quando fala, no capítulo II, dos principados heredi-LAIRTON 
MOACIR WINTER 124 ARTIGO Tempo da Ciência (13) 25: 117-128, 1º semestre 
2006 tários, ele procura persuadir o leitor para, depois, falar sobre o Estado novo. 
Para o autor, a semelhança entre os Estados hereditários e os Estados novos é que 
ambos nascem do uso da força, da violência. 
 
9 
A diferença, no entanto, é o tempo em que os fatos ocorreram. O Estado 
hereditário, por ser mais antigo do que o Estado novo, leva os súditos a esquecerem 
do uso da força empreendida pelo príncipe para conquistá-lo. Desse modo, o Estado 
hereditário é legítimo pelo hábito dos súditos de estarem submetidos ao poder de um 
monarca. 
Eis porque, segundo Maquiavel, é mais fácil administrar e preservar um Estado 
hereditário do que um Estado novo. “(...) digo, pois, que, nos Estados hereditários e 
acostumados à linhagem de seus príncipes, são bem menores as dificuldades para 
conservá-los do que nos novos...” (MAQUIAVEL, 2004, p. 5). 
Além disso, Maquiavel sublinha que nenhum Estado sobrevive sem a religião. 
Não porque se sustente pela fé ou pela crença em Deus. A sua razão está na 
finalidade que lhe é externa, qual seja, um devotamento dos súditos à pátria e às 
causas cívicas. Desta maneira, o temor a Deus pode ser um importante meio do qual 
o monarca pode se utilizar para tornar o povo mais aderido ao Estado, o que, em 
última análise, facilita a sua administração. 
As formas de governo, afirma Maquiavel, são sempre o resultado de um conflito 
interno, de uma força interna que move o poder político de todo e qualquer Estado. 
Maquiavel define este conflito como o resultado de desejos antagônicos de dois 
grupos sociais distintos, os grandes e o povo. Neste conflito o príncipe é o mediador, 
e a solução dada por ele define o tipo de governo que rege o Estado. 
No capítulo IX d”O Príncipe”, Maquiavel fala do Principado Civil. Nele descreve 
a necessidade do príncipe em enfrentar o conflito de desejos entre o povo e os 
grandes, ou poderosos, se quiser manter o poder do Estado. 
O conflito entre esses dois grupos sociais é a essência da ação política em 
Maquiavel. A política resulta, então, da ação social a partir das divisões sociais. De 
todo modo encontra-se aí um paradoxo, o de que o povo deseja não ser oprimido. No 
entanto, na prática não há possibilidade dele se livrar da opressão, nem 125 A 
concepção de Estado e de poder político em Maquiavel Tempo da Ciência ( 13 ) 25 : 
117-128, 1º semestre 2006 ARTIGO do príncipe e nem dos grandes. 
Mas, entre ambos, é preferível o mal menor, qual seja, o de se submeter ao 
poder do príncipe. O desejo do povo, em virtude disso, é encontrar no príncipe um 
protetor de sua liberdade frente aos impulsos de dominação dos grandes. Por esta 
razão, o príncipe é o único capaz de manter a liberdade do povo. Mas, no que difere 
o príncipe dos grandes e faz o povo optar pelo primeiro? Maquiavel diz que enquanto 
 
10 
o desejo dos grandes é tomar o poder e oprimir o povo, o príncipe deseja apenas o 
poder. É por isso que o príncipe deve apoiar-se no povo. Enquanto este deseja apenas 
não ser oprimido, não representando, portanto, nenhuma ameaça ao poder do 
príncipe, aqueles rivalizam com este na medida em que, além de oprimir, desejam 
também tomar o poder. 
Assim, MAQUIAVEL (2004) afirma que: 
(...). Quem chega ao principado com a ajuda dos grandes mantém-se com 
mais dificuldade do que o que se torna príncipe com a ajuda do povo, porque 
o primeiro se vê cercado de muitos que parecem ser seus iguais, não 
podendo, por isso, comandá-los nem os manejar a seu modo. Mas quem 
chega ao principado com o favor popular encontra-se sozinho e não tem em 
torno de si ninguém, ou quase ninguém, que não esteja pronto a obedecê-lo. 
(...). Além disso, um príncipe não pode jamais proteger-se contra a inimizade 
do povo, porque são muitos; no entanto, pode-se garantir contra os grandes 
porque são poucos (...) (p. 44). 
Todavia, mesmo o povo sendo mais honesto e em maior número do que os 
grandes, o príncipe não deve esperar apoio e nem segurança dele no momento da 
prova de forças, afirma Maquiavel. 
(...) Contra esta minha opinião, não me venham com aquele velho provérbio 
‘quem se apoia no povo, se apoia no lodo’, porque isso só é verdade quando 
um cidadão particular se alicerça no povo e espera que este o liberte quando 
for atacado por seus inimigos ou pelos magistrados. (...) (MAQUIAVEL, 2004, 
p. 45) 
Mas, se é assim, o que então confere segurança ao príncipe? Maquiavel 
responde que é a necessidade que o povo tem do príncipe em protegê-lo e livrá-lo da 
opressão dos grandes. O príncipe deve persuadi-lo constantemente disso. A 
segurança do príncipe, portanto, depende do povo em se sentir seguro. 
Assim, não haverá motivo para o povo se voltar contra o príncipe. O desafio do 
príncipe é manter o equilíbrio do Estado diante dos desejos dos diferentes atores que 
encenam a realidade social e política. Quando o príncipe reconhece esta verdade 
(veritá effetuale) e enxerga o óbvio, então é capaz LAIRTON MOACIR WINTER 126 
ARTIGO Tempo da Ciência (13): 117-128, 1º semestre 2006 de manter o Estado. 
A obviedade está na não existência de uma verdade política estabelecida. A 
estabilidade do Estado é a instabilidadepolítica gerada pelo conflito social. É por isso 
que, às vezes, o bem - ou o mal - é o bom caminho. 
Segundo CHAUÍ (2000): 
 
11 
(...) O verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar o poder e 
que, para isso, jamais deve aliar-se aos grandes, pois estes são seus rivais e 
querem o poder para si, mas deve aliar-se ao povo, que espera do governante 
a imposição de limites ao desejo de opressão e mando dos grandes. A política 
não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força 
transformada em lógica do poder e da lei. (p. 203). 
Mas, como manter a estabilidade política de um Estado numa sociedade 
contraditória, como o conflito entre os grandes e o povo? Evidentemente, a existência 
da política pressupõe unidade, concórdia. 
Entretanto, esta unidade política, necessária para a existência do Estado, 
nunca pressupõe aniquilação do conflito social. O Estado só se mantém quando 
consegue dar vazão ao conflito de desejos. Reduzi-lo à unidade, à concórdia, o 
enfraquece e o torna inseguro, sublinha Maquiavel. 
Desse modo, a segurança do Estado é assegurada se o príncipe, além de sua 
reputação, não aniquilar o conflito social e nem o estimular entre facções opositoras, 
quando chamar os inimigos para uni-los à sua causa e quando perceber que 
conquistar a confiança do povo o protege mais do que uma fortaleza. 
Mas, qual então a concepção de Estado defendida por Maquiavel? Numa 
interpretação apressada poder-se-ia chegar à conclusão de que Maquiavel talvez 
defendesse a Monarquia absolutista. Entretanto, o absolutismo moderno que se 
conhece é posterior à época em que viveu Maquiavel e julgá-lo absolutista seria uma 
inverdade histórica. Contudo, Maquiavel defende, sim, a Monarquia, mas apenas nas 
situações de crise, de desigualdade social e de decadência das instituições, a fim de 
restaurar a organização do Estado. 
Uma vez superadas as crises institucional e social, Maquiavel acena para a 
instauração da República como forma de Estado adequado. No entanto, não se deve 
cometer o erro de tentar enquadrar Maquiavel como defensor intransigente deste ou 
daquele regime de governo ou sistema de poder, mesmo porque, de acordo com 
CHAUÍ (2000), Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos 
(monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, 
oligarquia, demagogia), como também não aceita que o regime legítimo seja o 
hereditário e, o ilegítimo, o usurpado, tomado por conquista. Qualquer regime político 
- tenha a forma que tiver e tenha 127 A concepção de Estado e de poder político em 
Maquiavel Tempo da Ciência (13) 25: 117-128, 1º semestre 2006 ARTIGO a origem 
que tiver - poderá ser legítimo ou ilegítimo. 
 
12 
O critério de avaliação, ou o valor que mede a legitimidade e a ilegitimidade, é 
a liberdade, arremata Maquiavel. A obra de Maquiavel se constitui, de fato, numa 
inovação para o pensamento político moderno. Esta novidade se fundamenta na 
distinção entre a moral individual, herdada da tradição cristã, e a ética política, laica, 
determinada pelas circunstâncias do real. 
Elucidar isso constituiu o propósito de Maquiavel ao compor “O Príncipe”. Para 
Maquiavel, o sucesso ou o fracasso do príncipe não depende da sorte e nem suas 
ações de receitas prontas, como um manual a seguir. O que determina se o príncipe 
terá ou não sucesso, são as suas ações nas circunstâncias. A virtù é a capacidade 
humana de controlar e de antecipar os efeitos da fortuna. 
Assim, o príncipe virtuoso é aquele que sabe aproveitar a ocasião para agir 
corretamente e impor sua vontade nos rumos da história. Não existem, contudo, 
métodos prontos e caminhos seguros para trilhar. 
A interpretação do real e do concreto, do aqui e do agora, do momento 
presente, é o único instrumento do qual o príncipe dispõe para agir. “É este o novo 
que Maquiavel traz com tanta intensidade e que envolve este confronto com a sorte. 
É o humano que se manifesta e se sobrepõe ao determinismo. É uma redefinição do 
poder e da força que o fundamenta...” (FERREIRA, 2006, p.185). Para WEFFORT 
(1989), não basta ao príncipe ser forte para governar. 
A força pode ajudá-lo a conquistar o poder, mas não é capaz de fazer com que 
ele o mantenha. Para manter o domínio e o respeito dos governados é preciso possuir 
virtù. O sucesso do príncipe está atrelado à posse da virtù, o que implica numa medida 
política: a manutenção da conquista. 
Resistindo aos inimigos e aos golpes da sorte, o homem de virtù deve atrair, 
para si, a fama, a honra e a glória e, ao povo, a segurança. Pois ao povo importa a 
estabilidade política, que só pode ser dada pelo príncipe virtuoso, independentemente 
dos meios que ele utilize. 
Por essa razão, mantendo a estabilidade política, que em última instância 
depende da estabilidade social, ou seja, de como se resolve o conflito de interesses 
entre os grandes e o povo, o príncipe mantém também a estabilidade do Estado. 
 
13 
1.1 Biografia 
 
Fonte: pt.slideshare.net 
 
Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469 e 
morreu também em Florença, aos 58 anos, no dia 21 de junho de 1527. Maquiavel 
estava inserido no contexto do Renascimento italiano e viveu durante o governo de 
Lourenço de Médici. Seus pais, Bernardo Maquiavel e Bartolomea Nelli, eram de 
origem Toscana. 
Seu pai era jurista e tesoureiro de uma província italiana e sua mãe próxima a 
uma família nobre de Florença. Maquiavel era o terceiro dos quatro filhos do casal. 
Embora seus poucos recursos, Maquiavel sempre se interessou pelos estudos. 
Estudou o latim, ábaco e fundamentos da língua grega antiga. 
Os conceitos da Antiguidade Clássica influenciaram o seu pensamento, 
principalmente o conceito de virtù e fortuna. Maquiavel tornou-se um importante 
historiador, diplomata, músico, filósofo e político italiano. Aos 29 anos de idade, 
Maquiavel entrou para a política com o cargo de Secretário da Segunda Chancelaria 
(um dos órgãos auxiliares da Senhoria, encarregado das guerras e política interna). 
Exercendo esse cargo, durante pouco mais de 14 anos, observou o comportamento 
de grandes nomes da época e retirou alguns postulados para sua obra. 
No ano de 1501, casou-se com Marietta di Luigi Corsim. Dessa relação teve 
seis filhos. Em 1512, com o fim da república, perdeu o seu cargo. No ano seguinte foi 
https://pt.slideshare.net/
 
14 
preso e torturado por conspirar contra a eliminação do cardeal Giovanni de Médici. 
Posteriormente foi exilado, período no qual se dedicou a escrever suas principais 
obras. 
Após esse período o papa Leão X concedeu-lhe anistia e Maquiavel retornou a 
Florença. Em Florença exerceu alguns cargos importantes, mas abaixo de seu cargo 
na Segunda Chancelaria. Por fim, sua morte em Florença, no ano de 1527, se deu 
devido a uma apendicite. Maquiavel morreu na pobreza e afastado do poder. 
1.2 O príncipe 
 
Fonte: bertrand.pt 
 
O tirano aterroriza os súditos. Com malevolência, espreita o mundo através de 
seu palácio solidamente resistente; domina toda a vida à sua volta, tão sensível à 
presa ou aos predadores que se avizinham quanto a aranha delicadamente 
equilibrada no centro da teia. 
Se apodera do crédito das realizações de homens mais grandiosos, que 
gastam a própria subsistência em projetos cívicos, como grandes igrejas e outras 
bonitas edificações. Entretém embaixadores de potências estrangeiras à sua mesa e 
 
15 
toma decisões que afetam o bem-estar de todos os súditos, consultando apenas seus 
favoritos. Modifica o Estado numa máquina em proveito próprio e no de seus amigos. 
E não vacila em arrebatar as posses dos homens endinheirado ou a virtude das 
donzelas puras. Resiste com ferocidade absoluta a qualquer ameaça à sua autoridade 
única. Essa apresentação do príncipe — solitário, vicioso, implacavelmente cruel com 
os que se interpõem em seu caminho — pareceà primeira vista uma página perdida 
de O príncipe de Maquiavel, livro que ensina táticas eficazes ao governante absoluto 
e que muitos leitores encaram como uma pregação da impiedade e até uma 
glorificação da matança. Mas ela procede de fonte bem diferente: o Tratado sobre o 
governo da cidade de Florença do frade dominicano Girolamo Savonarola, cujos anos 
de domínio na política florentina, de 1494 a 1498, coincidiram com o início da vida 
adulta de Maquiavel. 
Os paralelos entre dois homens tão diferentes chamam a atenção. Tal como 
Maquiavel, Savonarola teve uma vida cívica ativa, procurando preservar a forma 
republicana de governo, que julgava ideal para Florença, e escreveu tratados 
intensos, poderosamente imaginados, sobre política. 
Tal como Maquiavel, Savonarola cultivou ideais clássicos: acreditava que os 
romanos haviam criado uma república, se não perfeita, ao menos exemplar — uma 
república cujas instituições formavam cidadãos virtuosos, fazendo com que eles 
participassem regularmente da vida cívica. Tal como Maquiavel, Savonarola 
experimentou as realidades políticas em seu estado mais brutal. 
Conhecia as táticas e as psicologias dos tiranos da Itália, assim como as 
tradições locais da república florentina, como mostra seu retrato do tirano. Pior ainda, 
sabia o que era perder o apoio daqueles que mais significavam para ele. Quando, ao 
questionar a autoridade dos papas romanos, levou o interdito aos seus companheiros 
florentinos, ameaçando-lhes a propriedade e os empreendimentos comerciais, muitos 
se voltaram contra ele. 
Um cidadão proeminente notou, numa reunião de emergência, que Savonarola 
merecia apoio, mas não podia recebê-lo, já que “nós, na Itália, somos o que somos”. 
A propriedade importava mais que a lealdade — proposição que Maquiavel retomou 
em O príncipe ao notar que os homens esqueciam a perda do pai mais rápido que a 
da propriedade. 
Tal como Maquiavel, enfim, Savonarola viu sua carreira política chegar a um 
fim desastroso. O autor de O príncipe sofreu o ostracismo político; o pregador 
 
16 
dominicano foi executado publicamente na Piazza della Signoria e passou a ser, para 
Maquiavel, o protótipo do profeta desarmado cuja carreira, no mundo real, estava 
condenada a terminar em desastre. 
O príncipe de Maquiavel parece, para quem o lê sem conhecer seu contexto, 
um manual abstrato cujos princípios se aplicam quase tão bem a um conglomerado 
moderno quanto a um Estado renascentista. Mas, como sugere o caso de Savonarola, 
Maquiavel era em vários aspectos um produto característico de Florença, a cidade 
em que chegou à maturidade, a cujo governo serviu de 1498 a 1512 e para o qual 
escreveu a série de livros admiravelmente originais pelos quais é lembrado — 
sobretudo 
O príncipe, Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, História de 
Florença e A mandrágora. O interesse obsessivo de Maquiavel pelo funcionamento 
da política, seu amor pelos mexericos em torno a homens importantes e altos 
negócios, seu desesperado esforço para enunciar regras capazes de prever a reação 
dos homens aos desafios e crises políticas — todos esses e muitos outros traços de 
caráter e intelecto, ele os compartilhava com um número grande de concidadãos. 
Assim como as experiências políticas que o levaram a se afastar das 
convicções florentinas mais comuns acerca de alguns pontos vitais. Tanto na forma 
quanto no conteúdo, O príncipe deve muitíssimo à sociedade e cultura peculiares em 
que seu autor cresceu, trabalhou, pensou e viveu sua própria crise política. 
A Florença que Maquiavel serviu e conheceu era uma das duas grandes 
repúblicas que, nos últimos anos do século XV, ainda floresciam entre os grandes 
Estados, principalmente Milão, os Estados papais e Nápoles, que avançavam no 
domínio da península Itálica. Sendo uma das maiores cidades da Europa, sofrera 
muito durante os anos da peste no século XIV, e a indústria têxtil florentina — espinha 
dorsal da expansão medieval da cidade — encolheu juntamente com a população 
europeia que comprava seus produtos. 
Entretanto, durante o século XV, a prosperidade voltou a Florença, tanto no 
âmbito privado como no público, ainda que ela já não rivalizasse com o poder 
independente da outra grande república, Veneza. Os banqueiros e mercadores 
florentinos continuaram a aglomerar grandes fortunas; a nova indústria da seda veio 
cubrir parte da renda perdida em virtude do declínio do negócio da lã. Florença tornou-
se o centro de um estado territorial que englobasse cidades anteriormente 
independentes, como Pisa e Livorno. 
 
17 
Desenvolveu uma vasta gama de instituições novas para enfrentar os 
problemas práticos que surgiam, desde um novo sistema tributário baseado na 
propriedade, o catasto, até uma frota de galeras fundeada em Pisa. A cidade passou 
a ser um dos centros da nova cultura clássica criada pelos humanistas do 
Renascimento: professores e intelectuais que estimulavam escolas e bibliotecas para 
o estudo dos clássicos gregos e latinos. 
Em outras cidades, como Milão, tais estudos dependiam da patronagem dos 
príncipes. Em Florença, ao contrário, estavam intimamente ligados à elite urbana e ao 
governo municipal. Florença teve a primeira grande biblioteca pública secular dos 
tempos modernos, a de San Marco, fundada pelo bibliófilo e nobre especialista Niccolò 
Niccoli. Desde os últimos anos do século XIV, os chanceleres da cidade — altos 
funcionários incumbidos de escrever a correspondência e a propaganda oficiais —, 
de Coluccio Salutati em diante, financiaram o estudo dos clássicos. 
Eles e os jovens intelectuais com os quais trabalhavam, como Leonardo Bruni, 
recorreram à evidência da história romana para garantir que Florença era uma 
descendente direta e digna da Roma republicana, e lançaram mão do pensamento 
político de Cícero e Aristóteles para declarar a qualidade superior da vida ativa dos 
cidadãos florentinos. 
Em outras palavras, bem antes do nascimento de Maquiavel, a cidade já era o 
centro do novo estilo clássico de educação e erudição. Na metade do século XV, os 
patrícios, assim como os funcionários, mencionavam regularmente exemplos 
clássicos nos debates públicos para justificar as opções da política moderna. Até 
mesmo o cenário da discussão política era mais clássico. A revolução artística do 
século XV, iniciada em Florença, alterou radicalmente a fisionomia da cidade à medida 
que as famílias particulares começavam a firmar grandes propriedades urbanas, nas 
quais construíam austeros e enormes palácios de fachada rústica e pátios com 
colunata. 
No lugar das antigas casas de mercadores, com o térreo ocupado por lojas 
abertas para a rua, se ergueram gigantescas estruturas clássicas, fechadas e 
monumentais. Mas essas discussões políticas florentinas, rodeadas do máximo rigor 
clássico no estilo, tratavam de questões sumamente práticas. Durante o século XV, a 
cidade sobreviveu a uma série de guerras prolongadas e debilitantes: com 
Giangaleazzo Visconti de Milão, com Ladislau de Nápoles e outros. Por sua vez, as 
tensões por elas impostas se tornaram, pouco a pouco, grandes demais para que a 
 
18 
forma republicana de governo da cidade pudesse suportá-las. Em 1433-34, Cosimo 
de Médici, exilado pelos adversários, voltou a Florença. 
Não chegou a abalar a república, mas a transformou mediante manipulações 
sutis, tomando o controle dos procedimentos empregados na seleção por sorteio dos 
membros das comissões de governo. 
Cosimo fazia questão de se dizer um mero cidadão florentino, e mesmo seus 
panegiristas o chamavam apenas de pater pátria e, a despeito da extensão de seu 
poder e da ampla escala de programas de construção que realizou, tornando óbvio 
seu status na cidade. 
Nas duas gerações seguintes, os Médici se alçaram a incontestáveis 
governantes de Florença, embora as antigas instituições da república ainda 
sobrevivessem. 
O netode Cosimo, Lourenço, o Magnífico, não dava margem a dúvidas quanto 
à grandiosidade de seu poder. Os embaixadores residentes de outras potências 
moravam com ele no palácio Médici, e Lourenço negociava pessoalmente para sair 
das gravíssimas crises públicas que o acometiam, como a guerra de 1478, travada 
contra Florença pelo papa Sisto IV e o rei Ferrante de Nápoles, depois que os 
membros de outra grande família, os Pazzi, fracassaram na tentativa de assassinar 
Lourenço. 
No século XVI, quando potências estrangeiras abalaram a Itália e se perdeu 
permanentemente a independência do século XV, os homens passaram a recordar a 
era de Lourenço como uma idade de ouro, na qual sua capacidade diplomática 
mantinha o equilíbrio entre as potências em luta da Itália, ao mesmo tempo que sua 
patronagem e seu apoio aguçavam artistas brilhantes como Botticelli e escritores 
como Poliziano. 
O próprio Lourenço escreveu sonetos e músicas de carnaval, inclusive a 
famosa e inesquecível “Quant’è bella giovinezza”. Em 1494, o rei francês Carlos VIII 
invadiu a Itália. Lourenço falecera em 1492. Seu filho Pedro, bastante inferior ao pai 
no trato das ameaças externas ou internas, indispusera-se com muitos cidadãos 
influentes antes mesmo do advento da crise. Quando os franceses chegaram, Pedro 
capitulou sem lutar. Ao voltar a Florença, descobriu que boa parte da cidade se agitou 
contra ele. 
Foi nesse momento crítico que Savonarola passou ao primeiro plano. Ele vinha 
acusando os vícios dos italianos e agourando a iminência do desastre havia tempos. 
 
19 
Quando Carlos VIII afirmou as previsões de Savonarola, o dominicano adquiriu 
enorme prestígio, não só por haver antecipado a invasão francesa como por ter 
convencido Carlos, como acreditavam muitos, a poupar a cidade. Valendo-se das 
tradições proféticas florentinas, que circulavam havia séculos, Savonarola começou a 
prenunciar que a cidade teria um papel importante e criativo na futura reforma da 
Igreja. 
Também reiterava que os florentinos, devido à sua energia e paixão políticas, 
só podiam viver numa república, e jogou todo o seu prestígio na criação de uma nova 
forma de governo centrada num Grande Conselho, do qual participaria um 
considerável número de cidadãos. 
Essa instituição foi criada juntamente com uma casa para suas reuniões, a qual 
Leonardo e Michelangelo se atribuir de decorar. Florença entrou numa derradeira e 
prolongada experiência com o republicanismo, que, apesar da crise de 1498 e da 
própria queda de Savonarola, duraria até 1512. 
Piero Soderini, o gonfaloniere, dominou essa república, tentando 
desesperadamente reconciliar os grandes patrícios com os comerciantes, que 
consideravam seus interesses radicalmente opostos. E Maquiavel — que ingressou 
no serviço dos Dez da Guerra em 1498 — passou toda a carreira política servindo o 
governo de Soderini. Tornou-se um funcionário público consumado, especialista em 
procedimentos governamentais e fluente na interpretação e produção de 
correspondência oficial. 
Cumpriu missões tanto no interior do estado florentino quanto na qualidade de 
diplomata no exterior. Trabalhando às vezes em colaboração com Francesco Vettori, 
um amigo íntimo de berço nobre, conheceu os mais poderosos governantes do seu 
tempo, na Itália e no Norte: César Bórgia, Luís XII da França, o sacro imperador 
romano Maximiliano I. Por vezes humilhado pelos representantes das potências 
maiores, ele se deu conta da insignificância de Florença na nova política e na guerra 
do início do século XVI. 
Eternamente curioso, também viu como Florença e outros grandes Estados 
empreendiam o negócio de se fazerem mais poderosos, e se tornou um crítico 
arquitetado e pungente da ação política florentina, cujos memorandos, na tradição da 
chancelaria da cidade, abundavam em exemplos da história romana, cuidadosamente 
escolhidos para deitar luz no presente. Convencido de que só um exército de cidadãos 
lutaria lealmente até o fim, Maquiavel, trabalhando para uma nova comissão, os Nove, 
 
20 
criou uma milícia para defender Florença, apenas para vê-la varrida num só dia pelos 
soldados que destruíram o regime de Soderini e restauraram os Médici no poder em 
1512. 
Suspeito de conspirar contra os Médici, Maquiavel, depois de preso e torturado, 
deixou a cidade e se recolheu em sua pequena propriedade rural, a alguns 
quilômetros, sempre atormentado pelo desejo de voltar à metrópole e à política. Em 
outras palavras, a vida política de Maquiavel começou e terminou em invasão e 
revolução. Não admira que ele considerasse a ordem política tão frágil e asseverasse 
que sua preservação devia se sobrepor aos escrúpulos das delicadas mentes 
tradicionalistas. 
Foi nessas circunstâncias que Maquiavel escreveu cartas e cartas a Vettori, 
discutindo a interpretação política dos fatos recentes e — já que o amigo insistia na 
inescrutabilidade dos príncipes — reiterando que ele dominava a arte de ler os atos e 
intenções principescos. 
Levado ao desespero pela exclusão do mundo da política e se agarrando à 
esperança de que sua capacidade o levasse a recuperar a posição de poder perdida, 
Maquiavel se voltou para a cultura clássica e a experiência política de sua cidade 
natal, confiando que nelas havia de encontrar os recursos intelectuais de que 
precisava. 
Na mais famosa dessas cartas, relatou longamente que se via obrigado a viver 
reduzido a mexericos de aldeia, pescarias e jogos, lendo uma edição de bolso, então 
na moda, de poemas de amor, discutindo com vizinhos pobres e tolos. 
E tentou converter a tragédia em triunfo mostrando que era capaz de 
transcender aqueles percalços exercitando sua aptidão de analista do passado e do 
presente: 
Quando a noite cai, eu volto para casa e me encerro em meu escritório; e, na 
soleira, tiro a roupa de todo dia, sempre coberta de barro e lodo, e ponho 
vestes régias e curiais; e, vestido de maneira mais adequada, adentro as 
antigas cortes de homens antigos e por eles sou amavelmente acolhido, e lá 
saboreio o alimento que é só meu e para o qual nasci; e lá não me 
envergonho de lhes falar, de indagar as razões de seus atos; e eles, em sua 
humanidade, respondem; e, durante quatro horas, não sinto nenhum tédio, 
descarto toda aflição, já não temo a pobreza nem estremeço ante a ideia da 
morte: passo a fazer parte deles cabalmente. E, como Dante diz que não 
existe conhecimento sem a sua retenção na memória, venho anotando o que 
aprendo com sua conversa, e compus um livrinho, De principatibus, em que 
mergulho tão fundo quanto posso em pensamentos sobre esse tema, 
discutindo o que é principado, que tipos existem, como são adquiridos, como 
são mantidos, por que se perdem. 
 
21 
Maquiavel se voltou para o recurso tradicional do erudito — a leitura dos 
clássicos — não só por distração, mas também por desespero. Assim fazendo, 
esperava não apenas chegar a compreender sua situação, como provar sua 
habilidade suprema e, desse modo, obter um cargo no novo governo dos Médici, no 
qual seu talento não enferrujaria no isolamento rural. Consequentemente, dedicou a 
obra a Juliano de Médici, na esperança de que suas ideias fossem bem recebidas por 
“um novo príncipe”. 
Em outras palavras, Maquiavel acreditava nos recursos da tradição 
humanística — o conhecimento dos clássicos e a eloquência na expressão — para 
reconquistar uma posição que permitisse-lhe ter a vida política ativa que anelava mais 
que qualquer outra coisa. 
À primeira vista, o livro que Maquiavel escreveu para demonstrar destreza 
como analista político parece tão tradicional quanto seu método. Antes dele, muitos 
humanistas, desde Petrarca, abordaram o tema do príncipe ideal. 
E, tal qual Maquiavel, discutiram como devia ser a educação do príncipe, de 
que qualidades morais e intelectuais ele mais precisava e de que maneira lidar com 
os súditos. Assim como a de Maquiavel, suas obras vinham lotados de exemplosclássicos de boa e má conduta, extraídos de antigos biógrafos e historiadores. 
O título dos capítulos de O príncipe — que Maquiavel publicou em latim, não 
no italiano em que redigiu o texto, e que propunha para discussão tópicos tradicionais, 
como se convinha ao príncipe desejar ser amado ou temido pelos súditos — oferecia 
indicações a qualquer pessoa culta: Maquiavel e seus leitores trilhavam um caminho 
pelo qual muitos já haviam passado. Mas, desde o início, ele insistia na originalidade 
de sua abordagem, mesmo das questões mais tradicionais a que referia-se. 
Os tratados humanistas anteriores acerca do príncipe ideal começavam com 
princípios éticos gerais: a natureza do homem, o propósito do governo, a vinculação 
de ambos na busca da vida virtuosa. Maquiavel, pelo contrário, teve a audácia de 
alegar que trataria a política tal como ela realmente era. 
Dividiu todos os principados em duas categorias, o novo e o consolidado, e, se 
abstendo de qualquer juízo de valor, explicou do que o príncipe necessitava, em cada 
caso, para manter o controle de seu reino. Os tratados anteriores achavam que o 
príncipe precisava acima de tudo ser bom: buscar a virtude, no sentido tradicional. 
Escritores como Bartolomeo Platina e Francesco Patrizi basicamente ofereciam 
longas lista das virtudes que convinha ao príncipe cultivar e dos vícios que deveria 
 
22 
evitar, todas apoiadas em numerosos casos extraídos de fontes clássicas. Seu 
tratamento refletia realidades contemporâneas: os escritores humanistas 
reconheciam que os reis desejavam a fama neste mundo, assim como a vida eterna 
no outro, lhe elogiavam o apoio generoso à cultura e à erudição em vez da parcimônia, 
e às vezes exibiam considerável sagacidade psicológica. Maquiavel também falava 
em virtude, constantemente. 
Mas empregava o termo “virtude” em muitos sentidos, inclusive no da 
necessária e fundamental capacidade, independentemente de quaisquer questões 
acerca do bem ou do mal, de manter o controle dos súditos e do reino. Em 
consequência, Maquiavel dizia constantemente ao leitor que as qualidades 
tradicionalmente consideradas “virtuosas”, no sentido cristão ou feudal, nada tinham 
de virtuosas no príncipe. 
A liberalidade, por exemplo, era uma das mais bem estabelecidas virtudes 
principescas. No entanto, se praticada seriamente, arriscava levar à prodigalidade, à 
ostentação e à dilapidação da riqueza do príncipe e à opressão de seus súditos, e, no 
fim, ao desprezo e ao ódio destes por ele. 
O príncipe que compreendesse verdadeiramente a “virtude” — no sentido das 
qualidades necessárias à perpetuação de seu Estado e poder — preferiria o “vício” da 
avareza à “virtude” da liberalidade. Várias s vezes, Maquiavel transformava valores 
tradicionalmente realçados e louvados nos escritos formais em teoria política. Ele 
mesmo chamava a atenção do leitor para as diferenças radicais entre sua abordagem 
e a de seus predecessores. 
Outros, escreveu no capítulo XV, discutiam repúblicas que não existiam em 
nenhum lugar da Terra. Ele, pelo contrário, se propunha a discutir “a efetiva realidade 
das coisas”: estados, governantes e súditos como realmente eram. 
Não sugeriria regras de bom comportamento no sentido, por exemplo, cristão. 
Mais de uma vez, relatou que o príncipe verdadeiramente cristão que conservasse a 
fé, enquanto outros príncipes não o faziam, ou que buscasse o amor dos súditos em 
vez de fazer com que o temessem, acabava inevitavelmente perdendo sua posição. 
 Cícero afirmou em De of iciis, obra constantemente citada e aplaudida pelos 
humanistas, que o homem virtuoso devia atingir seus fins mediante a comunicação e 
a persuasão, não pela força ou pela traição, táticas adequadas aos animais: ao leão 
e à raposa, respectivamente. Maquiavel, ao contrário, afirmava que o príncipe às 
vezes devia encarnar o leão poderoso e firme, às vezes a raposa astuta e esquiva. 
 
23 
Desse modo, sublinhava sua convicção de que o príncipe não podia se deixar 
constranger pelas imposições da moralidade normalmente se quisesse fazer 
adequadamente seu trabalho. 
Em suma, desde o começo, Maquiavel apresentava ao leitor a percepção de 
que o esforço direto para dominar e adotar os princípios da moralidade tradicional não 
produziria um governante eficaz. 
A política tinha de ter outras normas. Como mostrou Felix Gilbert, Maquiavel 
colocado essas inovações radicais na teoria política, numa extensão considerável, 
simplesmente transferindo, da esfera privada das discussões governamentais sobre 
a ação política para a esfera pública da escrita política, a experiência política florentina 
acumulada. 
Fazia muito tempo que o governo florentino convocava reuniões dos cidadãos 
mais influentes toda vez que o Estado enfrentava uma crise grave, e os participantes 
dessas reuniões invocavam precedentes clássicos e modernos tão regular e 
realisticamente quanto o próprio Maquiavel. 
Procuravam formular normas que os auxiliassem a entender tanto as mudanças 
na esfera política maior, quando grandes potências disputavam a península Itálica, 
quanto as agitações no seu próprio mundo florentino, já que revoluções contínuas 
afligiam sua querida cidade. E as exprimiam em termos tão corrosivos e mordazes 
quanto as mais rigorosas formulações do próprio Maquiavel. 
Ameaçados por uma potência estrangeira, os florentinos eram capazes de 
dizer: “Cão que ladra não morde”. Mais genericamente, os patrícios florentinos sabiam 
que, para ter sucesso, as ações políticas dependiam não da ação divina, e sim do 
alcance de sua habilidade e dos recursos com os quais eles computavam as 
possibilidades. 
Em 1496, quando Florença corria perigo devido à sua política de lealdade com 
a França, um ilustre cidadão analisou que a cidade podia “resistir ou com a força, ou 
com a inteligência. E não me parece possível que possamos opor resistência a toda 
a Itália pela força. 
Mais vale optar pela alternativa da inteligência”. Bem antes que O príncipe 
chegasse às mãos dos príncipes renascentistas, os quais, à cata dos segredos da 
ação política eficaz, talvez lessem suas páginas com avidez, os patrícios de Florença 
já debatiam política de modo cabalmente realista, entendendo que, muito mais do que 
 
24 
pelas ideias que eles citavam, seus atos eram dirigidos pelos diversos interesses dos 
Estados e dos indivíduos. 
Além disso, a partir da década de 1490, a experiência de lidar com governantes 
vigorosos como César Bórgia e com os grandes exércitos dos franceses levou os 
florentinos a compreenderem cada vez mais que a força governava os negócios 
humanos. Os patrícios de outrora preconizavam a política do adiamento e exortavam 
à negociação. 
Na época em que escreveu O príncipe, Maquiavel era apenas um entre muitos 
“profetas da força” florentinos. Em outras palavras, tanto os conceitos como as 
imagens usados por ele para descrever o governante bem-sucedido provinham, em 
escala considerável, da linguagem política da elite florentina. Nenhum capítulo de O 
príncipe ficou mais famoso, por exemplo, do que aquele em que Maquiavel tentou 
avaliar o alcance da liberdade de ação humana. 
Assim como em outras partes, ele argumentou que a fortuna tinha um poder 
enorme sobre o homem. Às vezes, como o rio Arno, arrastava tudo consigo, 
destruindo — como a invasão francesa — todas as instituições concebidas pelos 
homens para se proteger e manter a ordem. 
Nesse sentido, os preparativos humanos contra o poder imenso da fortuna — 
como a engenharia hidráulica — podiam apenas limitar e canalizar o dano resultante, 
não proteger contra ele. 
Às vezes, como uma deusa caprichosa, a fortuna simplesmente alterava a 
situação no campo de jogo, fazendo do adiamento a tática aconselhável, muito 
embora o indivíduo na época em questão, amaldiçoado por seu caráter, continuasse 
a se arrojar contra todos os oponentes, se destruindos ao fazê-lo. 
Em geral,reiterou Maquiavel, o ousado tinha mais sucesso que o hesitante. A 
fortuna, escreveu, recorrendo a uma imagem amiúde citada em sua época e ainda 
notória hoje em dia, era afinal de contas mulher. 
Consequentemente, favorecia os que tinham a audácia de tratá-la com 
brutalidade. O conselho de Maquiavel no trato com a fortuna era próprio dele. Mas, 
em seu apaixonado interesse pelo poder da condição de transformar os fatos, assim 
como em sua percepção da fragilidade dos líderes humanos e de seus planos, ele 
lançou mão dos recursos intelectuais da classe dominante florentina. 
Os patrícios, cuja proeminência se apoiava não no berço antigo e na destreza 
militar, e sim nas vendas e nos investimentos, sabiam que podiam perder tudo da noite 
 
25 
para o dia. Alguns — como o grande patrono da arquitetura Giovanni Rucellai — 
mostravam uma preocupação quase obsessiva com o tema. Rucellai tomou por 
emblema uma vela inflada, indicando que a fortuna, que também podia ser um vento 
forte, impelia o barco de seu cabedal. 
Em toda parte, brasonava com ela os grandes projetos de edifícios que 
financiava, inclusive a fachada da igreja de Santa Maria Novella, com sua 
incongruente paisagem de velas infladas. E ainda pôs uma imagem da própria fortuna 
— mulher, nua e difícil de controlar — num belo medalhão no pátio de seu palácio 
florentino. 
Escritores como Leon Battista Alberti invocavam regularmente o poder da 
fortuna de destruir, assim como de favorecer, as grandes famílias. Ao tratar o sucesso 
e o fracasso como algo não recebido pelo mérito da boa conduta, mas arrebatado ao 
controle de um cosmo indiferente, Maquiavel usou um consolidado conjunto de 
imagens e metáforas. 
De forma curiosa, para quem tanto proclamava sua capacidade de dar uma 
explicação verdadeira e profunda da política, Maquiavel às vezes escrevia como se 
aceitasse outra corrente, divergente, do pensamento político florentino. 
Tanto Vettori, com quem ele colaborou ativamente no período que levou para 
escrever O príncipe, quanto Francesco Guicciardini, outro amigo íntimo e crítico 
severo de Maquiavel, o acusavam de excessiva presunção. As intenções políticas 
eram normalmente inescrutáveis. Via de regra, as ações políticas tinham efeito 
incalculável. 
E a maioria das situações — como argumentou Guicciardini em seu famoso 
Ricordi — tinha caráter muito diferente para que se pudessem inferir claramente os 
fatores comuns que nelas operavam. Em suma, a política não podia ser prevista nem 
controlada, pelo menos não com a devastadora facilidade prometida pelo autor de O 
príncipe. Apesar de sua autoconfiança como conselheiro, Maquiavel não discordava 
totalmente dessas críticas. Os homens, admitia, tinham caráter fixo: valente ou 
covarde, ousado ou vacilante. 
As circunstâncias às vezes favoreciam um estilo de ação, às vezes outro. Mas 
ninguém podia, sempre ou com frequência, adaptar seu caráter aos tempos 
cambiantes. Nessa medida, todos os políticos estavam fadados a fracassar parte do 
tempo, mesmo que as políticas ousadas geralmente fossem preferíveis. Maquiavel 
 
26 
nunca se mostrou tão florentino como quando perdeu a esperança na possibilidade 
de encontrar governantes capazes de pôr em prática suas observações políticas. 
No entanto, seu livro e seu pensamento político também se distanciavam, em 
aspectos cruciais, das tradições da linguagem política que tanto lhe ensinaram. E esse 
distanciamento continua desafiando todos os intérpretes de sua vida e de seu 
pensamento. Em primeiro lugar, como vimos, Florença era tradicionalmente uma 
república; o próprio Maquiavel prestara fiéis serviços à república e, na carta prefacial 
a O príncipe, chegou a afirmar que havia discutido os governos republicanos em outra 
obra — observação geralmente considerada referente a Discursos sobre a primeira 
década de Tito Lívio, na qual analisou a experiência da Roma antiga a fim de entender 
quais instituições eram capazes de preservar uma república. 
Em O príncipe, ele explicou como um governante absoluto podia assumir e 
manter o controle de um Estado anteriormente republicano. Em Discursos — obra 
que, na sua forma final, reflete palestras ministradas por Maquiavel a um grupo de 
nobres e intelectuais no agradável jardim da família Rucellai, alguns anos depois da 
queda da república —, ele tentou elucidar o sucesso dos romanos na criação e 
conservação de um Estado com fortes elementos populares que existiu durante 
séculos. 
Embora a análise da política republicana fosse tão rigorosa e pragmática 
quanto o manual para príncipes, sua obra tardia mostra uma forte preferência pelo 
governo popular, uma fé na lealdade e virtude gerais do povo aparentemente difícil de 
conciliar com a análise realista da turba volúvel e fácil de enganar que escorava suas 
instruções sobre o comportamento principesco eficaz. 
Muitos estudiosos tentaram, com graus variáveis de sucesso, reconciliar as 
duas obras, explicar as diferenças entre elas pela evolução do pensamento de 
Maquiavel ou provar que somente uma delas refletia sua verdadeira opinião. Mas todo 
esse esforço permanece inconclusivo. A natureza dos ideais pessoais de Maquiavel 
— assim como a maneira como ele teria comparado ou contrastado as duas obras — 
continua incerta. 
Quem quiser se debruçar sobre o pleno desenvolvimento do pensamento de 
Maquiavel precisa, acima de tudo, explicar o que aquele leal servidor da república 
pretendia com seu elogio à tirania. Mesmo no bojo de O príncipe, Maquiavel desafiava 
os leitores com problemas de interpretação. Reiterou, como todos os leitores desse 
 
27 
livro enxergam prontamente, que ao príncipe convinha aplicar quaisquer táticas, até 
as viciosas, que lhe garantissem o controle sobre seu Estado. 
Táticas de terror; o emprego de subordinados truculentos que, por sua vez, 
podiam ser executados com igual truculência quando tivessem levado a cabo sua 
tarefa; até mesmo o extermínio dos adversários: todos esses expedientes figuravam 
nas páginas de O príncipe, em geral descritos com aparente equanimidade. Maquiavel 
chegou a transformar um dos mais temíveis governantes seculares de seu tempo — 
César Bórgia — numa espécie de herói, não por sua conduta virtuosa, mas pela 
brilhante combinação de táticas que quase fez dele o senhor absoluto da Itália central. 
Por vezes, o autor de O príncipe parece se deleitar com a brutalidade que descreve. 
Alguns leitores — notando que, na vida real, quando foi designado emissário 
junto a César Bórgia, Maquiavel o havia criticado duramente — foram tão longe em 
seu desejo de salvá-lo da acusação de imoralidade política que chegaram a alegar 
que ele pretendia oferecer não um sério relato, e sim uma sátira amarga da vida 
política contemporânea, passível de ser decodificada por seus leitores. 
Da época de Maquiavel para cá, a maioria reagiu de modo radicalmente 
diferente, tratando-o como um deliberado mestre da imoralidade cuja obra marca o 
fim de uma forma tradicional de vida e pensamento políticos e o nascimento da 
modernidade, com todos os seus vícios característicos. 
Contudo, o próprio Maquiavel, quando com outra disposição de espírito, 
reconhecia que um governante não tinha o direito de massacrar os concidadãos 
indiscriminadamente, mesmo que isso se mostrasse eficaz. Agátocles, o tirano de 
Siracusa, não podia ser considerado “virtuoso”, escreveu, por mais bem-sucedida que 
tivesse sido sua política. Como mostrou Victoria Kahn, esse foi o modo como 
Maquiavel ressaltou a complexidade e a fluidez da vida política e do juízo político. 
Tentou ensinar a seus leitores que não se devem buscar normas rigorosas, e sim 
aprender a pensar sutilmente seus caminhos e suas exigências em cada situação 
política diferente. 
Ao afirmar que nenhuma qualidade isolada pode ser identificada como “virtude” 
e buscada em toda e qualquer situação, ele passou a ser o mestre político da Europa.Nas cortes e universidades, gerações de leitores aprenderam, com Maquiavel, 
a esquadrinhar a elaboração das decisões políticas com um novo e duro realismo e 
uma percepção clara de que nenhum governante que espere sobreviver pode se 
abster de uma ou outra forma de perfídia. Maquiavel emprestou seu nome ao 
 
28 
“Maquiavel”, o velhaco que manipulava os outros nas tragédias jacobianas, mas 
também forneceu o núcleo das doutrinas da “razão de Estado”, que vieram a ser a 
educação política fundamental da Europa moderna. 
Ele detestava os “profetas desarmados” (profeti disarmati) como Savonarola. 
No entanto, o próprio Maquiavel estava armado apenas de uma pluma quando se 
tornou o profeta de um novo entendimento da política. Deu uma forma literária 
permanente e inesquecível à perspicaz, implacável visão da política por tanto tempo 
cultivada pela elite florentina. 
Ao mesmo tempo, porém, deixou claros os limites dessa visão herdada, assim 
como os da visão mais idealista que antes dominara a literatura política. Não admira 
que seu retrato do príncipe, tal como o de Savonarola, conserve a capacidade de 
fascinar, assustar e instruir. 
2 CONTRATUALISMO/ JUSNATURALISMO 
 
Fonte: files.sabedoriapolitica.com.br 
 
Historicamente, o jusnaturalismo e o contratualismo deixaram de causar 
atração já na época de Hegel. Seu impacto, que fascinou uma gama de pensadores 
em torno de aproximadamente dois séculos, iniciou seu declínio por conta das críticas 
que várias correntes, em essência tão díspares, investiram contra um dos cernes do 
jusnaturalismo: a teoria do contrato. 
 
29 
Todavia, e não custa lembrar, apesar de partilharem da crítica as semelhanças 
entre Hegel e os demais grupos de críticos, alguns sendo seus coetâneos, para por 
aí. Porque malgrado ele refute que uma ordem política, tal como é o Estado, não possa 
surgir, sob qualquer hipótese, a partir de um pacto entre os homens, no fundo sua 
filosofia, em particular a do campo prático, é, citando uma proeminente figura italiana 
da filosofia política, “ao mesmo tempo dissolução e realização” (BOBBIO, 1989, p.24) 
do direito natural. 
Para dissipar quaisquer dúvidas uma pequena olhada no subtítulo de sua obra 
política ratifica o que havíamos dito; ali lemos “Princípios da Filosofia do Direito – ou 
Direito Natural e Ciência Política”. Seu emprego aqui não é casual. Hegel não está 
fazendo um uso indevido da noção porque realmente sua tese crucial do Estado 
fortalece um dos axiomas inerentes aos jusnaturalistas, aceito por Hegel: a do aspecto 
racional do Estado que com o filósofo alemão alcança sua radicalização máxima. 
Deveras o debate e a reformulação do direito natural sempre estiveram 
presentes no discurso hegeliano, até mesmo na fase inicial da construção do sistema. 
Mormente em suas obras de juventude encontramos um texto curto, mas complexo, 
de 1802 cujo título “Sobre as Maneiras Científicas de tratar o Direito Natural” 
concentra-se num confronto encetado por Hegel contra as abordagens metodológicas 
utilizadas pelos jusnaturalistas apresentando logo em seguida o seu próprio método, 
batizado de “especulativo”. 
Sua importância é perfeitamente condensada naquele juízo supra citado de 
Bobbio que sintetizava exemplarmente o significado deste texto na tradição 
jusnaturalista. Por esta obra tratar claramente do tema do direito natural examinemos, 
de momento, algumas teses apresentadas por Hegel. E o faremos por uma razão: ela 
auxilia na apreensão da crítica feita ao modo empírico de lidar com o direito natural, 
permitindo ter um painel daqueles elementos repudiados e reavaliados pelo filósofo 
alemão e que acham-se na sustentação da doutrina da vontade geral em Rousseau. 
Portanto, a ênfase ser dada na primeira e terceira parte da obra. 
Preliminarmente comecemos, antes de tudo, definindo a noção de “natural”. Ela 
possui duas acepções que estão interligadas entre si e, embora não estejam definidas 
em Hegel, subjazem à suas intelecção. O primeiro foi elaborada por Grócio, pai do 
Direito moderno, e se enlaça com o anelo de sua época de querer alçar o campo 
jurídico ao plano da razão, tal como vinha fazendo Descartes no campo da filosofia e 
da pesquisa científica. 
 
30 
Para Grócio, incluindo aí os sucessores de sua doutrina, cabe à razão, e 
apenas à ela, identificar as normas, universais e necessárias, implícitas nas condutas 
humanas e os quais, por sua vez, condizem com a natureza humana, ou seja, que 
compõem indissoluvelmente ela. Então, qualquer direito natural, que se debruce sobre 
o seu objeto – o comportamento intersubjetivo – é cognoscível pelo esforço racional. 
Translademos um parágrafo de Grócio: “O direito natural é um ditame da justa 
razão destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou imoralmente necessário 
segundo seja ou não conforme à própria natureza racional do homem (...)” (GRÓCIO, 
in: BOBBIO, 1989, p.20-21) 
Hegel se afina com esta proposta, efetivamente, pois o aspecto racional 
conserva-se em sua obra, porém a sacraliza mediante uma autêntica semântica cuja 
proposta se esquiva da perspectiva traçada pela tradição filosófica desde Descartes. 
A segunda acepção lemos no prefácio escrito pelos tradutores da edição brasileira 
desta obra. Eles comentam: “Um direito se chama natural porque se encontra já, 
previamente, dado à sua experiência, antes que o indivíduo intervenha em sua 
elaboração” (HEGEL, 2007, p.26). Esta explicação é comum ao termo e dá uma 
conotação forte da dimensão apriorística do direito natural. 
As normas objetivas, congênitas ao homem e essência da nossa natureza, são 
alcançadas pela razão humana e só através desta via é que aflora nossa substância 
e as regras mais básicas de co-existência dentro da realidade ética. Também 
pressupomos esta doutrina nos predecessores de Hegel; mas há um parêntese a ser 
feito. Para os jusnaturalistas se fala em um ‘antes’ e ‘depois’: postula-se uma vida pré-
social realidade em que os direitos naturais vigoram em estado bruto, percebido em 
menor ou maior grau pela consciência humana e que, no instante da mudança para a 
ordem civil ela passaria a ter validade axiomática ao adquirir legalidade face ao poder 
civil. 
Em contrapartida, falar em “anterior” quando contextualizado na filosofia 
hegeliana significa que, por ser uma singularidade o indivíduo está imerso já numa 
comunidade, com sua cultura, sua história própria, seus costumes, sua moral, etc. e 
é dentro dela, convivendo e atuando nela que ele descobre os direitos objetivos, quer 
dizer, naturais, cabendo ao cultivo de sua razão, propiciada somente por sua pertença 
a um povo, o qual dispõe de recursos, tais como a educação, o qual promove e 
aperfeiçoa o particular em sua individualidade instigando-o a reconhecer seus direitos. 
Explicitaremos melhor o último ponto em seguida. 
 
31 
Em suma, seriam estas as duas perspectivas latentes no termo “natural”. 
Depois deste desvio retornemos ao caminho dantes interrompido, dando continuidade 
ao exame de suas premissas. Adotemos em princípio um caminho inverso 
empreendido ao do traçado por Hegel começando pela sua proposta metodológica e, 
depois passemos a um exame detalhado da confutação do método e da estrutura do 
empirismo científico no campo do direito natural. 
Hegel persegue a idéia absoluta da vida ética. Isto demanda retificar o pontapé 
inicial inaugurado por métodos como o formal e o empírico se alinhando à uma visão 
de mundo político articulado a harmonia grega da pólis e à Aristóteles: a singularidade 
do indivíduo, que é parte de um grupo coletivo, é posterior ao social. A proposição, 
coerente a filosofia especulativa, ecoa nestas páginas: 
Ela [i.e., a vida ética] não pode, em primeiro lugar, expressar-se no indivíduo 
singular se ela não é sua alma, e ela não o é na medida em que ela é um 
universal e o espírito puro de um povo; o positivo é, por natureza, anterior ao 
negativo; ou,como o diz Aristóteles, o povo é, por natureza, anterior ao 
[indivíduo] singular(...). (Ibid., 2007, p.108) 
A comunidade, logo, vem antes do indivíduo. Então o que será a vida ética? A 
princípio ela é um todo, uma totalidade (Totalität), que não pode ser mecânica, pois 
seus compostos trabalham e respiram em interconexão umas com as outras, mas sim 
é orgânica: ela é uma totalidade orgânica. Isto ainda não responde à pergunta, mas 
encaminha-nos a uma conclusão provável. O que seria, então, a idéia racional da vida 
ética? Para Hegel a “totalidade ética absoluta não é, senão, que um povo” (Ibid., 2007, 
p.83) 
E o conjunto da comunidade ética nada mais é do que eticidade (Sittlichkeit). 
Eticidade é o âmbito em que acompanhamos a correlação entre os princípios formais 
do direito natural e aqueles deveres e direitos objetivos os quais se transformam em 
concretos a partir da história de um determinado povo. Este, por desdobrar-se 
gradualmente no tempo, representa uma figura da eticidade. 
Portanto, a eticidade é o âmbito em que se entrelaça o direito natural com os 
costumes, instituições, cultura, necessidades (objeto da economia política), 
propriedade, enfim, todos os tipos de relações jurídicas-políticas e, obviamente, 
morais os quais realizam- se no âmago das relações intersubjetivas. Aí vemos a 
posição adjudicada por Hegel ao direito natural: esta não é um princípio do além, 
detectada por uma razão que a torna atemporal, eterna e prévia à vida no plano de 
 
32 
um ordenamento político; o direito natural está na, e acompanha, a sociedade no seu 
devir histórico. 
A Sittlichkeit é o positivo porque é, não a separação entre a multiplicidade e 
identidade, mas unidade de ambos além de outros opostos (conteúdo-forma; finito-
infinito; particular-universal; etc.). Ao lado do ius naturale as leis positivas do Estado 
“são somente a forma das mudanças materiais que se produzem na vida do 
povo”(BAVARESCO, 2007, p.24) e, em si mesmas, nada mais significam senão o lado 
formal, universal e abstrato, de definir a legalidade de uma nação independente do 
contexto histórico. 
Ora, priorizando a totalidade orgânica do povo impede Hegel de aceitar os 
postulados que o método científico fornece na consecução de seu objetivo de 
proporcionar a substância da existência ética. Os acusados aqui englobam todos os 
jusnaturalistas como Grócio, Hobbes, Pufendorf e, obviamente, Rousseau. Vejamos 
então, exposto brevemente a resposta hegeliana às deficiências da visão formal e 
empirista, investigar as ferramentas usada por este último procedimento. 
Valendo-me dum estudo publicado faz já alguns anos, em nossa língua, e por 
sinal bem arguto, o autor secciona o todo do argumento de Hegel, no capítulo sobre 
o método empírico, em duas etapas cruciais: 
a) a que descreve o instrumentário do cientificismo empírico cujo intuito é 
apreender o direito natural; 
b) a que penetra nos meandros da estrutura do pensamento jusnaturalista. 
Ambas discussões avaliam o grau da recusa hegeliana de atinar a verdade ao 
percorrer um caminho que fragmenta a visão ao invés de unificá-la. 
 
Qual é o instrumentário e o objeto com que opera o empirismo para se mover 
em relação à compreensão do real? Transpondo a abertura do capítulo pra cá temos 
desvelado como funciona esta doutrina: 
No que se refere, então, à maneira de tratar o direito natural, que nós 
chamamos maneira empírica, não se pode absolutamente, em primeiro lugar, 
engajar-se, segundo sua matéria, nas determinidades e nos conceitos-de-
relação mesmos, mas é precisamente este pôr de lado e fixar as 
determinidades que se deve negar. (HEGEL, 2007, p.41) 
Por estar circunscrita aos ditames da experiência esta afirmará a multiplicidade 
do mundo preenchido por características detalhadas, que expressam um singular, e 
 
33 
que são as determinidades; doutro lado os conceitos de relação exprimem a conexão 
entre estes mesmos caracteres; apenas elas estão em um liame condicionado uns 
aos outros. Como a explicação demanda uma justificativa, a lei incondicionada que 
funda o real, o empirista escolhe arbitrariamente um conceito e, corolariamente, o põe 
na base de todo o constructo teórico. Ou seja, ele opta por noções isentas de qualquer 
necessidade e universalidade achando poder satisfazer-se cabalmente com um 
princípio contingente derivado do múltiplo. 
Pelo lado da cientificidade, como este almeja a unidade a vocação do empirista 
tende a aprovar uma singularidade atômica qualquer como completando a lacuna do 
princípio vindo a expressar, plenamente, e a partir de então, a totalidade perseguida. 
Até aqui tudo se ordena coerentemente. O problema está na atitude conseqüente e 
contraditória entre a prática empírica e unidade científica. Ao enfatizar uma 
singularidade contingente esta imediatamente se torna o axioma que rege tal 
realidade, daí sendo tudo o mais derivado. Mas pela sua falibilidade ela poderá, 
posteriormente, ser substituída por outro dado explicativo e, assim, ad infinitum. 
Isto reverbera no discurso forjado pelo defensor desta perspectiva. Hegel dá 
até exemplos: 
Para conhecer a relação [constitutiva] do matrimônio, põe-se tanto a 
procriação dos filhos quanto a comunidade dos bens etc., e é a partir de tal 
determinida de que, enquanto o essencial, é erigido em lei, que a relação 
orgânica toda inteira é determinada e manchada; (HEGEL, 2007, p.41) 
O matrimônio é uma totalidade da qual emanam várias determinações 
singulares (filhos, bens, etc.). Cada realidade parcial do mundo ético – e aí citamos, 
além do matrimônio, a pena, a educação, o poder político, etc. – são apreendidos em 
seu conjunto a partir de um conceito fragmentado extraído da experiência do qual 
depreendemos o restante, posto ela tornar mais ordenada e inteligível este real – o 
fato de ter filhos (singular) seria a causa da união entre o homem e a mulher. 
Funcionar como uma análise e determinação das partes do real é o modo de 
operação que o empirismo irá transferir para o discurso científico. Ciência é um saber 
o qual impinge em suas afirmações o status da universalidade (válido para todos) e 
da necessidade (aquilo que não pode ser diferente do que é). Ora, qualquer objeto do 
direito natural tem por objeto a eticidade que, como vimos supra, é uma totalidade. 
Como conciliar, porém, a definição de um princípio unitário se a experiência 
fala de realidades diferentes e oposições que são fixadas pelo entendimento, ou seja, 
 
34 
de partes mutáveis e fragmentada? Sendo o todo o fim da investigação ética há um 
apelo à noção de completude: “a totalidade científica apresenta-se à ciência empírica 
como totalidade do múltiplo ou como completude” (Ibid., 2007, p. 43). 
No fundo não há nenhuma mudança aqui porque completude é a unificação 
das diferenças (determinidades), realizado por soma destas partes, e cuja 
configuração final permite dar um painel do mundo o qual pretendemos compreender 
(Cf. BENJAMIN, 2002, p.354) 
O empirismo não manifesta um rigor com o princípio de completude, que é 
formal, consentindo, arbitrariamente, que um conjunto de dados diferentes e 
antitéticos, condicionados, sirva de incondicional. Ao invés da integralidade do todo 
aparece somente uma parcialidade mutilando a reflexão filosófica que fica míope e 
resguardada na singularidade individual. 
Avaliando agora o seccionamento b, Hegel aprofunda, a partir do exame do 
modelo de explicação do discurso jusnaturalista, ao menos daqueles que empunham 
o viés cientificista, a aplicação e o processo de reconstrução do Estado mediante o 
emprego dos conceitos empíricos e seu tratamento que incide na problemática ético-
política. 
Nesta altura Hegel rechaça o postulado nodal da existência de um estado de 
natureza, pilastra destas doutrinas, que estipulava – seja hipotética ou historicamente 
– a condição pré- social da vida humana, composta geralmente pela presença de 
indivíduos que

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