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162 HISTÓRIA E ENSINO: O TEMA DO SISTEMA DE FÁBRICA VISTO ATRAVÉS DE FILMES Carlos Alberto Vesentini" Vou comentar apenas algumas experiências realizadas', voltadas para a sala de aula, local onde a realização não começa, mas culmina como debate e cotejamento e articulação de idéias'. Em primeiro lugar, pensou-se o conjunto do curso a ser oferecido e em sua temática, procurou-se uma relação de filmes que se relacionam com a mesma3 • Nesse sentido, são experiências em que a fita se localiza dentro de um curso e de uma temática específicos. O tema aqui discutido foi, grosso modo, o do sistema de fábrica. Isso implica uma reaproximação de um tema bastante tradicional do ensino, o da Revolução Industrial. Duas ordens de considerações defini ram essa reaproximação, entendida como revisão. De um lado, como Revolução industrial tão-somente e na esteira de manuais disponíveis, a discussão corre o risco de centrar-se nos processos peculiares à Ingla terra do final do século XVIII e primeira metade do XIX, discussão essa que pode voltar-se para quais foram as máquinas e por que na Inglater ra•. Foi precisamente o que pretendi evitar. Preferi um tema que desse maior liberdade no tratamento de um conjunto temporal maior, tendo * Professor doutor do Departamento de 1-lislória da Universidade de São Paulo, in rnemorian. 163 no seu centro um fenômeno explicador amplo. adaptável às múltiplas situações. A partir da questão da máquina e, derivando dela, do sistema fabril, este tomou-se o eixo das preocupações. Nesse sentido a fábrica, o sistema fabril, sendo este entendido como unidade funcional e geo gráfica da produção, pode ser aproximado do conceito de Revolução Industrial. Penso, nesse caso, não ainda nas questões do disciplinamento do trabalhador ou nas críticas ao papel da tecnologia (essenciais no con junto do curso), mas em uma percepção clássica, saída de Marx, naquilo que foi decisivo dentro de suas considerações. Nas palavras de Dobb: "A essência da transformação estava na mudança do caráter da produ ção que, em geral, se associava à utilização de máquinas movidas por energia não humana e não animal". E continua, "essa transformação crucial, quer a localizemos na passagem da ferramenta da mão humana para um mecanismo, ou na adaptação do implemento a uma nova fonte de energia, transformou radicalmente o processo de produção"5• Transformação que, através da relação homem/máquina, amplia a concentração de trabalhadores em um único local. aperfeiçoa e desen volve outro mecanismo, o trabalhador coletivo. Nesse ponto, outro con junto interpretativo pode ser inserido, menos confiante no papel e lugar da evolução tecnológica. Volta-se ele para questões como a introjeção do tempo útil, do disciplinamento do trabalhador e para a revisão do papel da tecnologia6 • A segunda ordem de considerações deriva desta. Feita a redefinição do tema e com aproximações divergentes na bibliografia, ternos duas características que transparecem na seleção dos filmes. De um lado fil mes antigos, clássicos, com questões claras e perspectivas bem postas (além de oscilarem entre programa político, propaganda e percepção de autor), podem ser trabalhados. Isto porque, dado o centro da discussão deslocar-se de processos específicos e fechados da Inglaterra para con siderações sobre o sistema fabril ou a relação capital/trabalho, essas fitas se encontram à vontade com a temática. Tornam-se, de fato, parte da mesma. E, de outro lado, a temporalidade também se amplia e pode mos utilizar filmes recentes, assim como os mais antigos, na mesma discussão, desde que o sistema de fábrica e o trabalhador coletivo conti nuem a ser o pano de fundo dessas obras. 164 A relação entre filme e História merece algumas observações. Já a vimos como sendo relação entre temática do curso e filmes que se asso ciem à mesma. Essa perspectiva é bastante simples, já que se trata de temas e discussões, não específicas do cinema (das fitas) e sequer dele originadas. É nesse espaço de discussão que certos filmes foram debati dos, como parte dela mesma (discussão e temática). Nesse entendimen to, o trabalho realizado não se configurou como uma História do Cine ma, nem se fechou em considerações sobre o filme como documento. Não porque recusasse estudos dessa ordem, é evidente, mas apenas por que não eram o objetivo da utilização feita das fitas. Entender filmes como parte de um curso supõe, no mínimo, o mes mo trabalho oferecido a outros documentos ou a textos da bibliografia. Nas experiências aqui comentadas, a fita não foi vista como pura i lus tração nem como obra que já mostra um conteúdo (evitando-se análise ou discussão)'. Ela é parte da temática e merece tanta consideração quan to qualquer texto de época. Ampliando esta observação, acrescento uma nuance ao efetivar mos a desmontagem de um filme. É que essa etapa pode orientar a pró pria seleção da bibliografia. Nesse sentido a primeira seleção bibliográ fica liga-se ao tema, podendo ocorrer uma outra seleção, organicamente relacionada a aspectos da fita a serem enfatizados. Denominei desmontagem a um trabalho prévio à projeção em sala, e estou pensando em uma série de operações simples, despidas da exi gência de técnicas e materiais muito especializados. Apenas um apare lho de vídeo e conhecimento sobre o tema geral em foco. Trata-se de subdividir o filme em vários blocos, em pequenas cenas, atendendo a interesses de conteúdo. É difícil sua efetivação em sala de aula, dado o tempo exigido. Mas por ela o professor amplia tanto seu domínio sobre o filme quanto define melhor uma bibliografia de leitura prévia para o trabalho com o filme. Dentro de análises sobre o sistema fabril, trabalhei em sala de aula com alguns filmes, sem esquecer sua contribuição específica às discus sões de suas épocas (muito claro em Fritz Lang): • Fritz Lang. Metrópolis ( 1926). • Renê Clair. A Nós a Liberdade (1931). • Charles Chaplin. Tempos Modernos (1936). • de outra época, Elio Petri. A Classe Operária Vai ao Paraíso. 165 II Vou agora comentar o trabalho realizado com esses filmes. Não apresentarei a etapa que chamei desmontagem, dado seu caráter repetitivo. Mesmo sendo evidente sua utilidade para o professor, evito a para não ampliar o texto com uma longa seqüência de cortes, efetiva das pela minha leitura e que poderiam mudar quando efetuadas por ou tro professor. Deter-me-ei em momento posterior, quando isolei alguns temas e os relacionei com a bibliografia, pensando na análise a ser feita em sala de aula8 • Também reunirei o conjunto de fitas dentro dos aspec tos selecionados pelo motivo já apontado: não repetir uma série de ques tões comuns a todos eles. l. O trabalhador coletivo "O mecanismo específico do período manufatureiro é o próprio trabalhador coletivo - que é a composição de muitos traba.lhadores par ciais". Este "mecanismo" é o definidor maior dos filmes aqui comenta dos�. Sem dúvida ele opera como explicador e como pano de fundo das situações trabalhadas por Chaplin, Lang e Petri. Todavia não aparece como manufatura ou putting-0111. Nessas obras o trabalho nos Tempos Modernos é uma questão em que o foco principal incide no sistema de fábrica. Essa afirmação possui uma implicação quando nos reportamos à bibliografia: a possibilidade de ser negado o sistema fabril, em processo de luta já transcorrido, fica fora do debate sobre esses filmes. Para Marglin, a fábrica não é nem inevitável, nem necessária, sendo produto histórico de uma luta. É precisamente esse entendimento que as fitas sequer sugerem'º. Por outro lado, dada a consideração do trabalhador coletivo em seu desenvolvimento e em seu funcionamento, as observa ções críticas dos autores citados enriquecem a análise. Vejamos agora algumas das características desse sistema mostra das pelas fitas. Ressalta a relação homem/máquina e é visível o conjun to de trabalhadores parciais trabalhando diretamente com aquela (em Chaplin,através da esteira, e em Petri, através de máquinas operadas individualmente). O predomínio da máquina sobre o homem e suas exi gências de movimento uniforme ligam-se claramente à organização es- 166 pacial dentro da fábrica, à distribuição dos operários e à vigilância. Em Chaplin, penso nas cenas em que o personagem trabalha na esteira, com o capataz, e se procura o ritmo e os movimentos adequados. Em Petri, cenas semelhantes no processo de trabalho são também comentadas nas tomadas do almoço, quando a personagem Lulu discute a necessidade de concentração durante o trabalho. A passagem do período da manhã para o da tarde em Tempos Mo dernos, cenas de medição de velocidade e da relação entre esta e o paga mento por quotas em A Classe Operária Vai ao Paraíso, de Freder e do operário que o antecede com os ponteiros da máquina em Metrópolis, nos remetem do movimento regular do maquinismo para as exigências de ritmo e sua constante ampliação. No mesmo sentido, podem ser tra balhadas várias das cenas de relógios, presentes em todos os filmes, aqui o terna do ritmo de trabalho se une com o do tempo útil'', em belas tomadas sobre o relógio de ponto quanto a Chaplin, ou quando Lulu diz que ele apenas vende força de trabalho e portanto, com maior ritmo, maior salário. Tomadas sobre diferenças entre operários mais e menos destros e sua rigorosa distribuição no interior do espaço da fábrica, envia m -nos tanto à organização desse espaço, relacionada não apenas ao processo de produção em si, quanto ao ritmo e ao lucro e ainda nos levam à obser vação da hierarquia que se desenvolve na produção. Cenas de capatazes, controladores, vigilâricia. E que se complementam perfeitamente com as tomadas da "televisão" do mecanismo apresentado em Metrópolis por onde o capita lista/engenheiro vigia e dá ordens. Mecanismo este reproduzido nos filmes seguintes. E hierarquia que, em Lang, transparece como relacionada também à divisão em classes sociais, forma de apre sentação do conflito entre capital e trabalho. 2. A organização espacial Este item caberia perfeitamente no anterior, mas, por ele, desejo apontar dua5 variações. que não se subsumem seja na organização reali zada dentro da fábrica, seja na distribuição de tempo lá efetivada. Uma delas mostra, através das cenas no interior da prisão, em Clair e em Chaplin, a mesma racionalidade presente na esfera da fábrica. Já em Lang, imenso cuidado com a produção da cidade em si mesma, coman- 167 dada pela racionalidade vista pela lógica do capital. Na cidade imagina da em Metr6polis, a organização do espaço entende-se no interior do conflito entre capital e trabalho, separando fisicamente classes sociais. Mais ainda, localizando uma delas na superfície e outra no subsolo'2• Ampliando esta distinção e oposição na percepção de uma área radian te, festiva, sem dramas derivados do trabalho, e uma área escura, infeliz, marcada pelo cansaço e privações. O tempo, pelo comando do relógio, ultrapassa o interior da fábri ca. Lembre-se de Lulu neste caso. Desse ponto de vista, o filme de Walter Ruttmann, de 1927, Berlim - Sinfonia da Metrópole, é esclarecedor. O relógio define o ritmo de toda a cidade: das multidões saindo de metrô para o trabalho, de estudantes a caminho da escola, das lojas abrindo, do horário de almoço no Zoológico. Como, tam bém, relaciona tempo e velocidade nas primeiras cenas do trem avan çando por Berlim. 3. Corpo e trabalho A manufatura, diz Marx, "estropia o trabalhador e faz dele uma espécie de monstro, favorecendo, como numa estufa, o desenvolvimen to de habilidades parciais, suprimindo todo um mundo de instintos e capacidades"'3• Descontando a nuance introduzida pela máquina neste construir um corpo para o processo de produção, ainda leremos muitos anos depois em Simone Weil: 168 A sujeição. Nunca fazer nada, por menos que seja, que se constitua numa iniciativa. Cada gesto é, simplesmente, a execução de uma or dem. Pelo menos para os operadores de máquina. Numa máquina para uma série de peças, cinco ou seis movimentos simples são indicados, e basta repeti-los a toda velocidade. Existe todavia uma faixa de iniciativa bem vista: Tudo o que estava bem feito era colocado como lucro dos patrões, mas todas as 'peças matadas' vinham na conta dos operários que per diam seu salário se sua máquina estivesse desregulada, que tinham de se 'virar' se alguma coisa não se ajustasse, se uma ordem fosse impra ticável, ou se duas ordens fossem contraditórias." Leitura perfeita para Lulu, em Elio Petri. Tanto nas cenas em que ele é medido para indicar os novos critérios de ritmo (aperfeiçoam-se movimentos e velocidade), como nas tomadas onde ele perde o dedo ao tentar "corrigir" falha da máquina, desejando aumentar sua velocidade. O tema refere-se ao desenvolvimento de certos músculos em detri mento de outros, ao embrutecimento físico e mental, à localização da iniciativa necessária, à sujeição no processo de trabalho: "Como não é natural para um homem transformar-se em coisa, e como não há coação visível (chicote, cadeias), é preciso dobrar-se a si próprio em direção a esta passividade"'5. Esse dobrar-se possui um custo e novamente vemos Lulu no almoço conversando sobre doenças e concentração. Trata-se de um corpo que se determina e é determinado para esse tipo de trabalho'6• Em Lang, o ângulo do corpo reforça especialmente a idéia de des gaste, em tomadas em que os operários aparecem exaustos e sob duríssimas condições de trabalho. Em Tempos Modernos são excelentes as cenas em que o corpo alcança uma condição automatizada, com mo vimentos precisos e ritmo regular. Procurando mostrá-lo como mais uma peça da engrenagem, o personagem de Chaplin perde o controle, tor nando-se puro movimento automático das mãos. Em A Classe Operária Vai ao Paraíso, temos um aprofundamento da perfeita montagem realizada por Chaplin. Trata-se das cenas em que o ator principal, como corpo automatizado em movimentos regulares, mostra o processo de canalização da libido para o ritmo. Necessário para maior produtividade no trabalho, aos olhos do capital, essas toma das enfatizam a colaboração consciente do trabalhador Lulu para sua realização. 4. Corpo e cotidiano O impacto das cenas da troca de turnos, com operários cabisbaixos e alquebrados na saída, em Metrópolis, nos envia para o tema da condi ção operária fora da fábrica. O mesmo ocorre com Carlitos, enlouqueci do, puro movimento automático, perseguindo a mulher pela rua, ao con fundir botões de seu vestido com os parafusos que deve apertar. Seqüên cia que precede seu internamento numa clínica, à saída da qual dizem lhe "leve numa boa". Ironia terrível, pois o esperam o desemprego e a angústia na cidade "moderna". Estamos nos referindo ao conceito de 169 opressão 17 . Ao peso das condições de trabalho e da sujeição no conjunto do cotidiano do trabalhador. Liberdade é direito ao trabalho, aprende-se nas cenas de escola em A Nós a Liberdade. Inserido todavia em largo envoltório de humilha ções e sofrimento, vemos no interessante Assim é a Vida, de Carl Junghans, de 1929. Neste, temos seqüências arrasadoras de submissão, privações, embrutecimento e crise nas relações familiares. Essa percep ção, ao lado de crise econômica e desemprego, razões para desespero e suicídio, também é desenvolvida em Kuhle Wampe, de 1932, de Slatan Dudow, com roteiro de Brecht. Cresce a força de A Classe Operária Vai ao Paraíso neste tempo do trahalhador fora do local de trahalho. É o filme mais preocupado com essa questão. São tomadas sobre a família, gostos, interesses. Avança-se pela neurose e angústia, pelos efeitos da relação entre libi do e processo de trabalho'g. Também se debate o tema da opressão, veja-se a seqüência de cenas da assembléia que discute a greve onde a relação ritmo/salário é questionada pelo próprio Lulu quando a opõe ao que ele próprio se tomou - "uma máquina", nos diz, e que "não tem conserto". 5. Ciência,técnica, trabalho manual e trabalho intelectual A seqüência de tomadas com a máquina alimentadora, quando Carlitos torna-se cobaia de uma experiência com uma invenção que deve alimentar trabalhadores com movimentos racionalizados para poupar tempo (ele sequer abandona a esteira), nos introduz no papel das forças intelectuais no processo de produção e no debate sobre a tecnologia. Nos termos de Gorz: "A tecnologia capitalista e a divisão capitalista do trabalho não se desenvolveram, portanto, por causa de sua eficácia pro dut.iva em si, mas em razão da sua eficácia no contexto do trabalho alie nado e forçado". E logo depois: "A História da Tecnologia Capitalista pode ser interpretada, no conjunto, como a História da Desqualificação dos agentes diretos da produção"". Alienado, desqualificado, cobaia, eis Carlitos perplexo sob a violência dessa experiência. A idéia das for ças intelectuais voltadas contra o trabalho manual, no aumento da pro dutividade para o capital, ganha força nessas cenas. Com nenhum saber sobre o processo de trabalho, dominado pela máquina, dotado apenas de 170 1 movimentos simples e repetitivos, por que não o alienar também dos movimentos pessoais por ele definidos na hora do almoço? Na cidade de Metrópolis, a casa do dentista e a catedral nos intro duzem numa variação curiosa. Apenas elas fogem à rigorosa divisão espacial da cidade. A casa não lembra tão-somente passado, nela tam bém aparece uma biblioteca. As tomadas localizam a ciência como e s tudo e a criatividade exatamente no cientista que a habita. Imagem ne fanda, no entanto não opera de modo imediato para o capital. Vitória da tecnologia, relacionada ao superengenheiro e ao trabalho intelectual para a produção, temos aqui ciência e mal aproximados2º . Inovações técnicas para o processo produtivo e o papel da hierar quia na produção são comuns a Lang, Chaplin e Petri. Eis as cenas da tela por onde se vigia e transmite, como as da máquina integradora de dados, feitas por Lang e repetidas em Os Tempos Modernos (com certo anacronismo, as chamaríamos computador e fonevisão). Como as to madas da racionalização em Petri, onde o ver, o medir, o corrigir, au mentando o ritmo, nos projetam o trabalho .intelectual em atividade na própria linha de montagem. A distinção entre trabalho manual e intelectual por todos trabalha da reforça-se ao exagero em Metrópolis. Lembremos a metáfora da tor re de Babel: produto do pensar de uns, como do esforço e sofrimento de outros. Desentendimento que levou à revolta e destruição. Metáfora que se reproduz na cidade, pense-se em Fredersen e na massa de trabalhado res manuais. 6. Alienação no processo de trabalho e proposta política Longo e gradativo processo iniciado anteriormente, a alienação no sistema de fábrica retira do trabalhador o controle do produto, do pro cesso de trabalho e do saber a ele relacionado. Retira também o controle de sua direção e do uso do tempo e da intensidade". Tema comum a Marx e a Marglin, retomemos Chaplin nessa leitura: o que resta na es teira? Relembremos a cena da cunha no estaleiro, quase ao grotesco expõe o trabalhador inábil, despido de qualquer ligação com o processo de trabalho. Questão ampliada por Elio Petri, já que Lulu volta-se para ela, pen sa-a. Militina falando: "Queria saber o que fabricamos na fábrica", "Para 171 que servem aquelas peças", "Um homem tem o direito de saber o que faz". Tristes indagações: seu autor está no hospício e o questionamento das perdas alienantes, mesmo tentar entendê-las, é tido como loucura. Tanto Carlitos, entrevisto como trabalhador parcial na forma mais acabada de sua alienação, quanto Lulu ou Militina, em sua vontade de entender o processo de trabalho do qual fazem parte, como Maria e Freder, em sua cruzada por um.a modificação das condições operárias, transmitem algo mais. Veiculam proposta política ou propaganda, con formando-se esses filmes como parte do universo retratado, na signifi cação precisa de mostrá-lo e de indicar-lhe rumos no que se refere aos seus problemas. Todos os momentos de resistência, choque e ações contra o con junto, na fábrica, na cadeia, na passeata, efetivados por Carlitos, têm duas características: são acidentais e são individuais, não solidários. Como indivíduo ele recusa o trabalhador coletivo, sendo no entanto per sonagem despido de saber, apenas trabalhador parcial, já alienado. Cu rioso indivíduo que se lê na procura da felicidade com a companheira, tendo idealizado lar e família. Recusa da ação coletiva •e solidária, ao lado da esperança na felicidade: "Nós conseguiremos". Em A Classe Operária Vai ao Paraíso as falas dos estudantes na entrada e saída dos turnos, seu conflito com as falas dos dirigentes sin dicais, e o movimento da própria consciência de Lulu rumo aos signifi cados ouvidos, coloca a questão. "Máquina mais atenção é igual a pro dução", irradia o alto-falante. "Menos peça, mais salário, menos traba lho", "a fábrica é uma prisão", gritam os estudantes. Maior salário não lhe recupera as perdas do corpo, percebe Lulu. Temos uma consciência que se desenvolve progressivamente, através das condições de trabalho e do conflito de discursos. Em Metrópolis trata-se da recusa absoluta da revolução e da pro posta explícita da aproximação entre capital e trabalho. A metáfora da torre de Babel já indicara a solução e o mediador entre as duas classes é Freder, filho de Fredersen, representando este, tanto o capital como o trabalho intelectual. Maria/robô também, metaforicamente, nos põe o revolucionário como ligado ao mal (o robô do cientista), ao capital (pois assume a forma e papel que este lhe indica), trazendo tão-somente a destruição. Temos então as cenas da inundação e da ameaça ao futuro, haja vista o perigo para as crianças. Maria/verdadeira e Freder integram 172 os opostos: medeiam entre a massa em cuja frente caminha o capataz e Fredersen. Se os entendermos como trabalho manual e trabalho intelec tual e sua complementaridade como necessária para o bem geral, mais de um grupo político apoiaria a solução, naqueles anos 20. 173 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 81 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 82 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 83 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 84 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 85 O Saber Histórico na Sala de Aula- Circe Bittencourt editado 86
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