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UNAR CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS DR. EDMUNDO ULSON Arquitetura e Urbanismo RESTAURO DA ANTIGA USINA HIDRELÉTRICA DE EMAS, PIRASSUNUNGA/SP LARISSA FARACINI Araras, SP Dezembro de 2021 2 UNAR CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS DR. EDMUNDO ULSON Arquitetura e Urbanismo RESTAURO DA ANTIGA USINA HIDRELÉTRICA DE EMAS, PIRASSUNUNGA/SP LARISSA FARACINI Trabalho de conclusão de curso que será apresentado à banca examinadora do UNAR e fará parte dos requisitos para obtenção do Grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Profa. MSc. Adriana Corsini Menegolli Araras, SP Dezembro de 2021 3 AGRADECIMENTOS No decorrer deste curso algumas pessoas disfarçadas de “anjos da guarda” estiveram ao meu lado, dando forças para continuar buscando a vitória. Primeiramente agradeço a Deus, que me guiou durante este percurso que demandou muita disciplina, resiliência e dedicação da minha parte. Agradeço também aos meus pais e familiares que não só neste momento, mas em toda vida estiveram comigo me apoiando, incentivando a buscar a realização dos meus sonhos. Agradeço a oportunidade que me proporcionaram de realizar este curso que foi de grande valor, ressignificação e amadurecimento pessoal e de enormes conhecimentos profissionais, quanto da vida adulta. Agradeço a todos os professores presentes ou não, que passaram por esses anos, desde o início até este momento, passando seus conhecimentos e experiências de vida. Professores da vida, que buscam nos transformar em ótimos profissionais, mas acima de tudo em ótimas pessoas. Por último, mas não menos importante, agradeço aos colegas de curso, que acompanharam e permaneceram comigo, e que juntos ultrapassamos vários obstáculos, ajudando uns aos outros, aprendendo, evoluindo... e, por fim, chegar ao tão esperado momento que é estar aqui concluindo mais esta etapa. 4 EPÍGRAFE “A melhor forma de preservar um edifício é encontrar um uso para ele” Viollet-Le-Duc 5 RESUMO O objetivo do trabalho é salientar o projeto de restauração para uma possível reativação do edifício que acolhia grande parte do acervo museológico do distrito de Cachoeira de Emas em Pirassununga, SP. Hoje esse prédio se encontra abandonado e restrito ao público, representando uma enorme perda de aproveitamento cultural e local, de uma região que guarda uma história rica e significativa em valores e memórias. A estrutura deste projeto é reacender uma construção que envolva espaço de estar, contemplação e acessibilidade, promovendo o fortalecimento da cultura local, turística e lazer. Palavras-chave: Valor patrimonial, inventário, Restauro Crítico. ABSTRACT The objective of this work is to highlight the restoration project for a possible reactivation of the building that housed much of the museum collection of the District of Cachoeira de Emas in Pirassununga, SP. Today this building is abandoned and restricted to the public, representing a huge loss of cultural and local use of a region that holds a rich and significant history in values and memories. The Project structure is to rekindle a construction that involves the living space, contemplation and accessibility, promoting the strengthening of local culture, tourism and leisure. Keywords: Equity value, inventory, Critical Restoration. 6 LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Localização do Ecomuseu e foto da fachada ................................... 21 Figura 02 – Reformas anteriores .......................................................................22 Figura 03 - Antigo cartão postal da Usina Hidrelétrica nas décadasde 1930/40 ......................................................................................................................... 23 Figura 04 - Turismo .......................................................................................... 24 Figura 05 - Macros e Regiões turísticas do Estado de São Paulo (RTs) .............24 Figura 06 - Festividades religiosas ....................................................................25 Figura 07 - Capela de Nossa Senhora Aparecida e da Imaculada Conceição, que são pontos de religiosidade no Distrito .............................................................. 26 Figura 08 - Artigo 2° do Decreto 77.035/2011 .....................................................37 Figura 09 - Implantação .................................................................................... 48 Figura 10 - Átrio ................................................................................................ 49 Figura 11 - Muro de pedras que representa os canyons .................................. 50 Figura 12 - Parede verde que representa a vegetação ..................................... 50 Figura 13 - Integração do terreno ..................................................................... 51 Figura 14 - Planta de Situação com o entorno .................................................. 52 Figura 15 - Perspectiva isométrica .................................................................... 53 Figura 16 - Planta térreo ................................................................................... 54 Figura 17 - Planta primeiro pavimento .............................................................. 54 Figura 18 - Planta primeiro subsolo .................................................................. 55 Figura 19 - Planta segundo subsolo ..................................................................55 Figura 20 - Planta terceiro subsolo. .................................................................. 56 Figura 21 - Corte leste/oeste, longitudinal..........................................................56 7 Figura 22 - Corte norte/sul, transversal .............................................................. 57 Figura 23 -Climatização ..................................................................................... 57 Figura 24 - Implantação ................................................................................... 59 Figura 25 - Fachada ......................................................................................... 59 Figura 26 - Floresta tropical abriga insetos e anfíbios ........................................ 60 Figura 27 - Aquário que abriga corais e mais de 4.000 peixes ..........................60 Figura 28 - Salão africano ................................................................................ 61 Figura 29 - Vista aérea da Academia de Ciências ............................................... 61 Figura 30 - Cobertura do projeto, apelidada de Telhado Vivo. ............................ 62 Figura 31 - Detalhe clarabóia. .......................................................................... 62 Figura 32 - Telhado verde com manta feita de jeans reciclado .......................... 63 Figura 33 - Planta fachada frontal humanizada ................................................ 66 Figura 34 - Corte longitudinal humanizado....................................................... 66 Figura 35 - Planta cobertura ............................................................................. 67 Figura 36 - Planta térreo .................................................................................. 67 Figura 37 - Estratégia bioclimáticas.................................................................. 68 Figura 38 - Insolação ........................................................................................ 68 Figura 39 - Relação entre circulação e espaço-uso ........................................... 69 Figura 40 - Museu do meio ambiente................................................................ 70 Figura 41 - Implantação ..................................................................................... 71 Figura 42 - Proposta da implantação ............................................................... 72 Figura 43 - Exposição de longa duração (extensão do Museu) ........................... 73 Figura 44 - Planta térreo .................................................................................. 74 Figura 45 - Primeiro pavimento ........................................................................ 74 Figura 46 - Segundo pavimento ....................................................................... 75 8 Figura 47 - Terceiro pavimento ......................................................................... 75 Figura 48 - Quarto pavimento ........................................................................... 76 Figura 49 - Corte .............................................................................................. 76 Figura 50 - Localização ................................................................................... 77 Figura 51 - A moradia na tentativa de ser transformada em palácio, com os dois torreões em estilos diferentes, em 1831(à esquerda, neoclássico, e à direita, neogótico com a cúpula mourisca). ................................................................... 78 Figura 52 - Implantação do museu .................................................................... 80 Figura 53 - Planta primeiro pavimento (térreo) ...................................................80 Figura 54 - Planta segundo pavimento ............................................................. 81 Figura 55 - Planta terceiro pavimento ............................................................... 81 Figura 56 - Fachada neoclássica ...................................................................... 82 Figura 57 - Exposição sobre o Egito antigo ......................................................... 82 Figura 58 - Exposição sobre zoologia ................................................................ 82 Figura 59 - Fachada principal hoje .....................................................................84 Figura 60 - Ainda como Liceu de Artes e Ofícios, figura de apx. 1896 ................. 85 Figura 61 - Implantação Pinacoteca ................................................................. 86 Figura 62 - Planta pavimento térreo .................................................................... 87 Figura 63 - Primeiro pavimento...........................................................................87 Figura 64 - Segundo pavimento ....................................................................... 88 Figura 65 - Setorização .................................................................................... 88 Figura 66 - Passarelas em metal. ..................................................................... 90 Figura 67 - Paredes robustas em tijolo de barro ..................................................91 Figura 68 - Marcas do tempo ............................................................................ 91 Figura 69 - Ruínas arquitetônicas da Usina Monte Alegre ............................... 92 9 Figura 70 - Implantação .................................................................................... 93 Figura 71 - Indicação dos blocos ...................................................................... 94 Figura 72 - Cronologia dos blocos. ................................................................... 94 Figura 73 - Café ............................................................................................... 95 Figura 74 - Restaurante .................................................................................... 95 Figura. 75 - Restaurante Parrilla ....................................................................... 95 Figura 76 - Miniauditório com algumas paredes conservadas.......................... 96 Figura 77 – Galpão da Usina ............................................................................ 96 Figura 78 - Localização de Pirassununga no estado de São Paulo .....................97 Figura 79 - Vias de acesso ................................................................................ 98 Figura 80 - Placa de interesse paisagístico .........................................................99 Figura 81 - Localização do Ecomuseu ............................................................ 100 Figura 82 - Reformas ...................................................................................... 101 Figura 83 - Fachada no ano de 2014 ................................................................ 104 Figura 84 - Mapa de Pirassununga com a ocupação Tupi-Guarani. ................. 106 Figura 85 - Foto da grande enchente de 1929 .................................................. 107 Figura 86 - Ponte de madeira sobre o rio Mogi-Guaçu em Cachoeira de Emas, construída em 1865 ........................................................................................ 107 Figura 87 - Piracema ...................................................................................... 108 Figura 88 - Usina “Velha” .......................................................................................... 109 Figura 89 - Painel de controle da usina ............................................................. 110 Figura 90 - Vista interna da casa de máquinas ................................................. 110 Figura 91 - Gerador Westinghouse 750 KVA .................................................... 111 Figura 92 - Foto de 1929 localizando a Usina “velha”, onde se situará o Ecomuseu ...................................................................................................... 112 10 Figura 93 - Enchente de 1970 .........................................................................113 Figura 94 – Levantamento do terreno e reforço do canal da Usina de Emas. 114 Figura 95 - Vista aérea das usinas: “Velha”, a esquerda e a “Nova” a direita. Foto tirada no ano de 1950 ............................................................................. 115 Figura 96 - Pranchas da exposição de Camila Wichers .................................... 117 Figura 97 - Uso e ocupação do solo do distrito de Cachoeira de Emas .............................................................................................................. 120 Figura 98 - Mapa de planejamento, Plano Diretor ........................................... 121 Figura 99 - Distância .......................................................................................122 Figura 100 - Hierarquia viária ......................................................................... 122 Figura 101 - Carta solar .................................................................................. 123 Figura 102 - Ventilação ................................................................................ 125 Figura 103 - Ventilação cruzada ...................................................................... 125 Figura 104 - Figura 104 – Ponte Atillio Zero (antiga SP- 201) sobre o rio e o Ecomuseu ....................................................................................................... 128 Figura 105 - Ponte com lamparinas ecléticas .................................................. 128 Figura 106 - Fachadas abandonadas ............................................................. 129 Figura 107 - Topografia .................................................................................. 130 Figura 108 - Mapa do gabarito ........................................................................ 131 Figura 109 - Insolação no distrito de Cachoeira de Emas .............................. 132 Figura 110 - Entardecer noinverno na fachada oeste ..................................... 133 Figura 111 - Manhã no inverno nas fachadas oeste e leste ........................... 133 Figura 112 - Loja .............................................................................................135 11 LISTA DE SIGLAS Cepta - IMCBio: Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA); Instituto Chico Mendes de Biologia (ICMBio) CESP: Companhia Energética de São Paulo CNM: Cadastro Nacional de Museus IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM: Instituto Brasileiro de Museus ICOM – BRASIL: Conselho Internacional de Museus, Sessão brasileira ICOM: International Council of Museums – Conselho Internacional de Museus ICOMOS: Conselho Internacional de Monumentos e Sítios ICR: Instituto Central de Restauro INPE: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPHAM: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MN: Museu Nacional IPUF: Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis -SC ONU: Organização das Nações Unidas PIB: Produto Interno Bruto SISEM-SP: Sistema Estadual de Museus do Estado de São Paulo, instância da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado (SCEC) UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 12 GLOSSÁRIO Bioma: De maneira geral, pode-se dizer que os biomas são grandes espaços geográficos que compartilham das mesmas características físicas, biológicas e climáticas, abrigando um grande número de espécies de plantas e animais. No nosso planeta, existem vários tipos diferentes de biomas terrestres, alguns deles são as Florestas Tropicais; Tundras; Taiga; Florestas temperadas; Desertos; Savanas; Campos e Estepes; Montanhas. Fonte: ECYCLE, 2021. Crítico-conservativa: Analisando o contexto da crítica conservativa no campo da preservação do patrimônio cultural, onde há historicamente arraigada uma aproximaçãoentre prática intervencionista e reflexões teóricas, Kuhl (2009, p. 81- 88) identificatrês principais posturas de atuação: a “crítico-conservativa e criativa” que se fundamenta fortemente no restauro crítico e teoria brandiana, a “pura conservação” ou “conservação integral” onde a instância histórica é privilegiada e, finalmente, a “manutenção-repristinação” onde se retomam formas e técnicas do passado para superar o “estado fragmentário do bem”. Fonte: ENANPARQ, 2014. Distinguibilidade: A restauração (que é vinculada às ciências históricas) não propõe o tempo como reversível e não pode induzir o observador ao engano de confundir a intervenção ou eventuais acréscimos com o que existia anteriormente, além de dever documentar a si própria. Fonte: IPHAN por Beatriz Mugayar Kühl, 2006. Estratificação: Ação ou efeito de estratificar, dispor em camadas [Figurado]. Processo que faz com que algo se cicatrize, tornando-se fixo através do tempo. Fonte: DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2021. Enxaimel: O método construtivo enxaimel é a denominação dada à estrutura de madeira, que articulada horizontal, vertical e inclinada formam um conjunto rígido e acabado através do encaixe dos caibros de madeira. É o conceito atual e pode mudar de acordo com o recorte do período histórico, ou mesmo de acordo com o conceito do termo alemão – Fonte: Vitruvius por Angelina Wittimann, 2016. 13 Filológico: Estudo de uma língua através de seus documentos escritos, que visa não só à restauração, fixação e crítica dos textos para o conhecimento do uso linguístico e sua história, mas também à compreensão da globalidade dos fenômenos culturais, especialmente os de ordem literária, a que ela serve de veículo. Fonte: DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2021. Inventário: O inventário na Arquitetura é a primeira forma para o reconhecimento da importância dos bens culturais e ambientais, por meio do registro de suas características principais. A palavra Inventário deriva do latim inventarium que significa uma relação de bens deixados por alguém ou documento ou ainda lista onde se encontram registrados bens, contendo ou não uma enumeração detalhada ou minuciosa dos mesmos. Fonte: SPARK.ADOBE,2021. Purismo: Como um movimento artístico, iniciado por volta do ano de 1918, a proposta era de desenvolver uma arte em que os objetos fossem representados na sua forma mais pura, ou seja, com formas simples, livres de complexidade, e sem a presença de muitos detalhes. A arte produzida pelos puristas é, portanto, sem subjetividade e sem fins decorativos, pois o papel do artista, segundo essa vertente, é o de captar a natureza, naturalmente desordenada, e simplificá-la numa obra de arte simples e objetiva. Fonte: GESTÃO EDUCACIONAL, 2021. Restauro crítico: Um dos expoentes do Restauro – crítico é o italiano Cesare Brandi, que viveu no Século XX. Difundiu o conceito do Restauro Crítico, o qual analisa todas as obras consideradas obras de arte, que segundo ele são todas as coisas que tenham um testemunho da ação do homem. Com isso evita intervenções inadequadas – como um falso histórico e artístico –, sem intervir para que volte no momento da criação e sim que continue carregando as marcas do tempo. Fonte: ENEPE - Encontro Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão, 2018. Teoria brandiana: Entende-se por restauração a intervenção com função de reativar a eficiência de um produto feito pelo homem (BRANDI, 2008), sendo este o seu primeiro corolário, que entende que só se restaura o que é obra de arte e só é vista como tal quando esta é reconhecida como uma. As obras de arte segundo Brandi (2008), são todos os objetos e produtos de testemunho da atuação humana em um certo tempo e lugar, incluindo a historicidade – 14 testemunho histórico –, a estética – seu estilo artístico. Com isso nota a estreita relação entre a obra de arte e a restauração, onde “Chega-se, desse modo, a reconhecer a ligação indissolúvel que existe entre a restauração e a obra de arte, pelo fato de a obra de arte condicionar a restauração e não o contrário” (BRANDI, 2008, p. 29). 15 SUMÁRIO RESUMO EM LÍNGUA VERNÁCULA .............................................................. 05 RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA .......................................................... 05 LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... 06 LISTA DE SIGLAS ............................................................................................ 11 GLOSSÁRIO. ................................................................................................... 12 1.0 Introdução .................................................................................................. 18 2.0 Objetivos .................................................................................................... 20 2.1 Objetivo Geral. ........................................................ 20 2.2 Objetivos Específicos ............................................. 20 3.0 Justificativa ................................................................................................. 20 4.0 Revisão da Literatura ................................................................................. 27 4.1 Revisão da história da Restauro (Objetivo específico 1) ......................... 27 4.2 Brandi e o restauro arquitetônico (Objetivo específico 1) ........................30 4.3 O que é um Museu? (Objetivo específico 3)...............................................35 4.3 Paisagem cultural brasileira (Objetivo específico 5). ................................ 38 4.4 Código de ética para museus (Objetivo específico 3) ............................... 41 4.5 Tombamento, Registros e Chancelas: conceitos (Objetivo específico 5) ......................................................................................................................42 4.6 A preservação do patrimônio como construção cultural (Objetivo específico 4) ..................................................................................................... 44 5.0 Referencial Arquitetônico e Urbanístico ........................................................48 5.1 Museu de História Natural de Xangai: foco na análise - plástica e soluções 16 sustentáveis. .................................................................................................... 48 5.2 Academia de ciências da Califórnia: foco na análise - função e soluções sustentáveis. .................................................................................................... 58 5.3 Museu do Meio Ambiente, RJ: foco na análise - intervenção arquitetônica ..................................................................................................... 70 5.4 Museu Nacional do Rio de Janeiro: foco do estudo in loco - espacialidade ................................................................................................... 77 5.5 Pinacoteca de São Paulo: foco do estudo in loco - finalidade .......................................................................................................... 84 5.6 Usina Monte Alegre em Piracicaba: foco do estudo in loco - Intervenção ...................................................................................................... 92 6.0 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO. ............................... 97 6.1 Apresentação do sítio ............................................................................ 97 6.2 Preexistências ......................................................................................101 6.3 Caracterização cultural do território ...................................................... 105 6.4 Formação do território ......................................................................... 109 6.5 Justificativa da escolha da área ........................................................... 118 6.6 Diretrizes urbanísticas ......................................................................... 120 6.6.1 Uso do solo ............................................................................... 120 6.6.2 Sistema viário ........................................................................... 122 6.7 Análise ambiental. .............................................................................. 123 6.7.1 Classificação bioclimáticas e estratégias indicadas ................... 123 6.7.2 Incidência solar/ interpretação da carta .................................... 123 6.7.3 Regime de ventos e outras informações relevantes ................... 125 6.8 Maquete física em 1 :100 com entorno ................................................ 126 6.9 Estado de conservação hoje ................................................................ 127 17 6.10 Levantamento fotográfico ................................................................ 128 7.0 DIRETRIZES PARA DESENVOLVIMENTO DO PROJETO ARQUITETÔNICO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................ 130 7.1 Topografia e gabarito .......................................................................... 130 7.2 Orientação em relação à incidência solar ........................................... 132 7.3 Fluxos principais. ................................................................................ 134 7.4 Setorização básica ............................................................................. 134 7.5 Considerações sobre sistema construtivo e materiais. ........................ 135 7.6 Considerações finais. ......................................................................... 136 8.0 PROJETO DE ARQUITETURA E URBANISMO. ..................................... 137 8.1 Localização do existente .................................................................... 137 8.2 Implantação do existente .................................................................... 138 8.3 Planta baixa e subsolo existentes. .................................................... 139 8.4 Vista e elevação 1, vista e elevação 2 ............................................... 140 8.5 Vista e elevação 3 ............................................................................. 141 8.6 Vista e elevação 4 ............................................................................. 142 8.7 Vistas 5, 6 e cobertura ........................................................................ 143 8.8 Cortes existentes. ............................................................................... 144 8.9 Projeto museológico – térreo .............................................................. 145 8.10 Projeto museológico – subsolo ......................................................... 146 8.11 Plantas de serviços. ......................................................................... 147 9.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 148 18 1.0 INTRODUÇÃO Este projeto de intervenção no Ecomuseu Público do município de Pirassununga, localizado no distrito de Cachoeira de Emas, é baseado nos estudos das disciplinas de Paisagens Culturais, Patrimônio Cultural e Projeto de Arquitetura VII – Intervenção ao Patrimônio, que deram as diretrizes e incentivo na escolha do tema aqui exposto. Mantido pela Prefeitura Municipal de Pirassununga, o Ecomuseu está instalado num dos antigos prédios onde funcionava a Usina Hidrelétrica de Emas. O prédio conserva todas as características originais, e foi o primeiro museu com referenciação de peixes de água doce do Brasil. A museóloga SuzySantos, em sua dissertação apresentada ao Programa Inter unidades em Museologia da Universidade de São Paulo (USP) denominada Ecomuseus e Museus Comunitários no Brasil: Estudo Exploratório de Possibilidades Museológicas (2017), assim o descreveu: O Ecomuseu Municipal de Cachoeira das Emas, também conhecido como Ecomuseu “Professor Manuel Pereira de Godoy”, foi instalado na década de 1990 em um edifício desativado da antiga Usina Hidroelétrica da Companhia Energética de São Paulo (CESP), conservando as suas características originais. Abrigava diversos aquários com espécimes da região, inclusive o primeiro aquário de peixes de água doce do Brasil, além de amplo acervo sobre a região, suas populações, fauna, lendas etc. Teve como principal objetivo contribuir com a preservaçãodo meio ambiente (SANTOS, 2017). Com o seu abandono, parte do seu acervo foi doado para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), Cepta- IMCBio, com sede no município de Pirassununga, localizado no mesmo distrito de Cachoeira de Emas. Outras partes do acervo foram doados para moradores próximos que queriam guardar parte dessa memória, e o demais foi descartado (SANTOS, 2017). O objetivo principal aqui, é inventariar e analisar características do Ecomuseu, diagnosticando suas necessidades de restauração e melhorias espaciais, definindo diretrizes para uma futura intervenção arquitetônica, no sentido de valorizar e revitalizar o local. Anteriormente, o Ecomuseu foi visto como um símbolo da cidade de Pirassununga, além de sua importância nacional e turístico regional, hoje 19 encontra-se abandonado e desativado, e o local que foi possuidor de uma grande importância em transmitir conhecimentos, principalmente sobre a fauna aquática brasileira e da cultura local, hoje representa uma enorme perda de aproveitamento para o município. O museu foi implantado de forma participativa: foram os membros da comunidade os atores do processo de formulação, execução e manutenção do mesmo. O termo “Ecomuseu” nasceu no ano de 1971, na França (BRULON, 2015) e refere-se a um modelo contemporâneo de Museu onde o prefixo "eco" faz alusão tanto ao entorno natural, a ecologia, como ao entorno social,a ecologia humana. Analisando o contexto atual do distrito, a instalação poderá ser adaptada a um uso mais moderno, o que contribui para um desenvolvimento sustentável para o distrito e para a cidade de Pirassununga, a recuperação de uma área pode sustentar uma economia local. Sendo assim, o trabalho apresentado visa um baixo impacto na área de forma a se preservar a paisagem local, alcançado por meio da manutenção da construção existente, da predominância da população na área e da proposta de abrigar exposições, como em homenagem à memória da Antiga Usina Hidrelétrica de Emas (UHE), sendo utilizada por artistas individuais, escolas, grupos ou pela própria manifestação estatal (Prefeitura–Estado–União), que desenvolvam alguma atividade na área do conhecimento, além dos inúmeros turistas. O trabalho partirá do levantamento histórico e arquitetônico de um inventário para um futuro projeto de restauro e reativação do prédio, com conteúdo de pesquisas relacionadas a preservação do Bem. O local foi escolhido devido ao seu significado histórico e cultural para Cachoeira de Emas e a necessidade de se propor uma reabilitação e recuperação no mesmo abandonado. 20 2.0 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Inventariar e analisar características do Ecomuseu, localizado no distrito de Cachoeira de Emas, Pirassununga - SP, diagnosticando necessidades de restauro no edifício e definindo diretrizes para futura intervenção arquitetônica, no sentido de valorizar e revitalizar o local. 2.2 Objetivos Específicos 1. Entender o processo de evolução do campo de conhecimento do restauro. 2. Estudar a possibilidade de recriação museológica de um espaço de manifestação cultural. 3. Analisar o valor cultural, educacional e social que um Museu agrega na vida das pessoas, cognitivamente de acordo com ética museológica. 4. Compreender a importância da preservação ambiental e sustentável para a vida das futuras gerações e a atuação da educação ambiental. 5. Fazer um inventário levantando e descrevendo as características relevantes, históricas e fotográficas do objeto em estudo. 3.0 JUSTIFICATIVA O Ecomuseu Municipal já foi visto como um símbolo da cidade de Pirassununga, e como uma atração turística regional. Hoje encontra-se abandonado e desativado, e o local que foi possuidor de uma grande importância em transmitir conhecimentos, principalmente sobre a fauna aquática brasileira, do meio ambiente e da cultura local, como descrito abaixo, encontra-se desativado e abandonado: Construído em 1992, o EcoMuseu está instalado em um antigo prédio da usina hidrelétrica e que conserva todas as características originais, possuía um conjunto de 11 aquários com espécies do ecossistema dos rios Mogi-Guaçu, Rio Pardo e Rio Grande, coleção de fotos antigas mostrando a construção do prédio, as enchentes do rio Mogi Guaçu e o hábito dos pescadores, animais taxidermizados, coleção de borboletas e cobras, equipamentos clandestinos de pesca, colmeia viva, painéis de artistas e quadros com lendas dos índios Tupi-Guarani. (POUSADA ROSIM ADAPTADA, 2014). 1 Disponível em: https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga- empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ acesso em 27 de ago. de 2020 as 17hrs. 21 Portanto se faz necessária uma intervenção arquitetônica no prédio que abriga o Ecomuseu Municipal, devido ao seu estado de abando e deterioração arquitetônica, justificada para atingir a acessibilidade e o conforto dos visitantes no local, simultaneamente, construindo um inventário para a valorização e preservação do Bem exposto. O Ecomuseu Municipal O Ecomuseu está localizado no distrito de Cachoeira de Emas, Pirassununga, conforme demonstrado na Figura 1. Apesar de ter sofrido reformas, como ilustrado na Figura 2, o equipamento cultural está desativado e esquecido como espaço público desde 2010 (SANTOS, 2017), hoje se encontra com problemas de rachaduras, vidros quebrados e pisos danificados, sendo o objeto de estudo deste trabalho. Figura 01 - Localização do Ecomuseu e foto da fachada Fontes: Imagem à direita: Analise da autora sobre a imagem em satélite Google Earth, 2021. Imagem à esquerda: foto Empresa Aratu S.A. 2020 1 https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga-empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga-empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ 2 Disponível em: https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga- empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ acesso em 27 de ago. de 2020 as 17hrs. 22 Figura 02 – Reformas anteriores Fonte: Jornal Porto Ferreira Hoje.2 O resgate histórico da cultura local, objetivo do futuro projeto de restauro para a reativação do prédio, com isso o mesmo poderá voltar a ter a possibilidade de transmitir e ser um difusor de conhecimentos. O Ecomuseu tem um potencial latente em passar informações da cultura local, regional e da ecologia, por aproveitar de sua localidade situada às margens de um dos principais rios que cortam o estado de São Paulo, onde informações como o aquecimento global, o efeito estufa e seus agravantes que afetam cada vez mais a qualidade da vida humana e de animais silvestres, poderão se tornar alvos de estudo. Inserido em uma região privilegiada naturalmente, poderá despertar o interesse de mais pessoas sobre os problemas que afligem a humanidade e o meio ambiente, e ser um local que produza o debate pelas questões ambientais e de conservacionismo. A figura três a seguir, apresenta um antigo cartão postal do Ecomuseu ainda com o uso industrial, como Usina Hidrelétrica de Emas, desde essa época já se mostrava como um forte representante da paisagem cultural no distrito. https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga-empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2019/04/03/pirassununga-empresa-aratu-geracao-s-a-comeca-projeto-de-reativacao-da-pch-de-cachoeira-de-emas/ 23 Figura 03 - Antigo cartão postal da Usina Hidrelétrica nas décadas de 1930/1940. Foto: Pousada Rosim.com.br3 Características sociais e de lazer do Distrito de Cachoeira de Emas O distrito de Cachoeira de Emas, situado no Município de Pirassununga, é famoso pelas atividades de lazer e pesca à margem do Rio Mogi-Guaçu. Hoje se encontra com pouquíssimas atrações de lazer e cultura, e mesmo assim recebe cerca de 20 a 50 ônibus todos os finais de semana, segundo o ex- Secretário Municipal de Turismo, Roberto Bragagnolo, devido às festividades religiosas que acontecem em Tambaú, cidade próxima ao distrito e famosa por sua religiosidade. Segundo fontes orais locais, em dias especiais e feriados religiosos chegam a receber mais de 10.000 pessoas impulsionadas pelo turismo religioso que ocorre nesta cidade. O distrito é Reconhecido por banhistas (com a sua tradicional “prainha”), passeios de canoa, pesqueiros particulares e principalmente a culinária típica nativa. O período de maior intensidade de visitação é de novembro a fevereiro, e mais particularmente na data de 8 de dezembro, onde “acontece” a subida dos peixes pela barragem da extinta Usina Hidroelétrica no rio Mogi-Guaçu para desova e reprodução, sendo um feriado municipal desde 1967 e que acabou incluindo o distrito no mapa turístico do Estado de São Paulo, figura 04. 3 Disponível em: http://www.pousadarosim.com.br/turismo/ecomuseu/ acesso em 28 de mar. de 2021. http://www.pousadarosim.com.br/turismo/ecomuseu/ 24 Conforme classificação do Ministério do turismo, Pirassunungaestá como: [...] O Ministério do Turismo divulgou o novo Mapa doTurismo Brasileiro 2019-2021. Categorizada com a letra “C”, Pirassununga pertence a Região Turística Histórias e Vales [...] (JORNAL PORTO FERREIRAHOJE, 2019). Figura 04 – Turismo Figura 05 – Macros e Regiões turísticas do Estado de São Paulo (RTs) O Estado de São Paulo está ordenado em 34 regiões turísticas que se encaixam dentro de 15 macrorregiões, conforme ilustrado na Figura 05. Pirassununga se encontra na Região Turística denominada “Cafés e Flores”. Tal divisão foi feita por dirigentes municipais (conselhos, prefeituras, 25 coordenadorias e secretarias). Levou-se em consideração a proximidade geográfica e a afinidade entre produtos turísticos, como história e atrativos. Esta forma de organizar o Estado, segundo a Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, foi criada para facilitar a aplicação e o desenvolvimento de programase projetos. O turista, ao voltar para seu lugar de origem, leva consigo tudo que viu, ouviu e recebeu das pessoas que lhe prestaram atendimento, além de divulgar para os outros a impressão do lugar visitado. Isso mostra o efeito multiplicador do turismo, que pode ter consequências positivas ou negativas (CENTRO PAULA SOUZA, 2015). A religiosidade caipira vista por turistas Neste dia 8 de dezembro, a religiosidade é um dos motivos do aumento de visitantes no distrito, como a festa em Louvor à Nossa Senhora da Imaculada Conceição, padroeira da Cachoeira de Emas, e em muitos outros municípios, como Campinas, trazendo uma enormidade de turistas para ver a “subida” dos peixes. Período também que acontece Procissões fluviais entre Porto Ferreira, município cortado pelo mesmo rio, e Pirassununga. Na figura abaixo vemos aspectos da Procissão Fluvial com a imagem de Nossa Senhora sendo recebida com festividade na “praia” da Cachoeira de Emas, por fiéis e turistas. Figura 06 - Festividades religiosas Fonte: Descalvadonews.com.br4 4 Disponível em: https://www.descalvadonews.com.br/noticias/2013/dezembro/09cachoeiraemas.htm acesso em 14 de mar. de 2021 as 15hrs. https://www.descalvadonews.com.br/noticias/2013/dezembro/09cachoeiraemas.htm 26 O distrito também é importante ponto de parada dos “romeiros” vindos de Tambaú, cidade vizinha onde ocorrem as peregrinações devido a figura do Padre Donizette Tavares de Lima, que é considerado como um santo popular no interior de São Paulo e Minas Gerais. Figura 07 - Capela de Nossa Senhora Aparecida e da Imaculada Conceição, que são pontos de religiosidade no Distrito. Fonte: Google Maps5 5 Acesso em 10 de mar. 2021 as 15:30hrs. 27 4.0 REVISÃO DE LITERATURA 4.1 Revisão da história do Restauro O restauro em arquitetura se desenvolveu juntamente com o pensamento moderno positivista a partir do século XIX. Antes de se entender como processo de restauro, a abordagem era a manutenção do edifício ou objeto no sentido de fazer perdurar no tempo todos os objetos que fossem úteis às necessidades do homem, reparando aquilo que tivesse alguma função específica, visando mais reconstituir do que propriamente restaurar. O prioritário não era preservar testemunhos históricos, mas sim reparar algo que deixou de exercer as funções para que foi concebido, se necessário alterando-o. Nessa formalidade o edifício não é compreendido como um bem que possui valor histórico ou cultural, mas sim como um bem útil ou que representa algo para a época. Só neste caso fará sentido fazer o edifício perdurar no tempo (LUSO, LOURENÇO, ALMEIDA, 2004). As ações de preservação se limitavam a preservar obras de culto religioso, dado ao seu caráter litúrgico e simbólico. Outro tipo de edifício era reconstruídosem respeitar sequer o estilo original. A partir de meados do século XVIII, o interesse científico pelos monumentos antigos desenvolve-se lentamente. O Renascimento volta o olhar às formas clássicas da antiguidade Greco Romana, impulsionando uma vontade de se restaurar obras que permaneceram na paisagem europeia. Um fato marcante é que no final do século XVIII surge a curiosidade e o interesse pelas descobertas arqueológicas de Pompéia, e iniciam-se as primeiras escavações na Grécia, dando-se importância à escultura e arte antiga, e surgem os primeiros museus como sinal da importância da história. Distingue- se os diferentes estilos utilizados em cada época, com influência de Johann Winckelmann (1717 -1768) que foi um historiador e arqueólogo que estabeleceu a distinção entre arte grega, greco-romana e romana. Também nessa época classificam-se os monumentos dentro de cronologias definidas, e adquire-se consciência de história, dotando-a de valores definidos e concretos, e que é necessário preservar. Segundo Luso, Lourenço, Almeida (2004) um dos primeiros a se preocupar com a preservação do patrimônio histórico foi Eugène 28 Viollet-le-Duc (1814 – 1879), arquiteto francês que elaborou os primeiros conceitos de restauração no século XIX. Mas especificamente em Atenas, somente no Século XX, em 1931, que se realizou uma conferência da Sociedade Internacional de Museus para recomendações europeias sobre o futuro do restauro, elaborando um documento que foi chamado de a “Carta Patrimonial de Atenas”(IPHAN, 2021), expondo princípios fundamentais do restauro para que outras nações também pudessem seguir o exemplo, o que fez surgir, em muitos países europeus, regulamentos e cartas de restauro (LUSO, LOURENÇO, ALMEIDA, 2004). A conferência recomenda respeitar, na construção dos edifícios, o caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança dos monumentos antigos, cuja proximidade deve ser objeto de cuidados especiais. Em certos conjuntos, algumas perspectivas pitorescas devem ser preservadas (IPHAN, 2021). Uma outra fase na história do restauro é marcada pela Segunda Grande Guerra Mundial, que afetou principalmente a arquitetura da Europa durante o período da existência da Guerra. A guerra deixou arrasadas muitas cidades e consequentemente grande parte das construções existentes, algumas completamente arruinadas e outras com marcas de destruição profundas. A necessidade de inovar em relação à conservação (LUSO, LOURENÇO, ALMEIDA, 2004), se justapõe o que tinha como linhas primordiais uma intervenção mínima preconizada pela Carta de Atenas. O restauro na Teoria de Cesare Brandi emprega o modo de se adaptar às novas exigências. As suas ideias acerca do tema, ficaram conhecidas por Restauro Crítico, onde defende que os valores artísticos prevalecem sobre os históricos, não se podendo generalizar com regras e normas, e constituía um ato criativo e crítico. O restauro deverá restabelecer a unidade potencial da obra de arte, sempre que isto seja possível sem cometer uma falsificação artística ou uma falsificação histórica, e sem apagar as marcas do percurso da obra de arte através do tempo (BRANDI, 2002) citado por (SANTOS, UBIDA, BORGES, 2018). Em relação à situação que se vivia na época, era necessário analisar e racionalizar se as partes perdidas/mutiladas teriam valor de obra de arte ou não. Caso não fossem dotadas desse valor poderia ser realizada a sua reconstrução, mas se “os elementos desaparecidos” (CARBONARA, 2006) fossem obras de 29 arte, excluiriam a possibilidade de que se reconstruam como cópias. O ambiente deveria ser reconstituído com base nos dados espaciais (características coexistentes ao espaço-ambiente) do monumento desaparecido, e não nos aspectos formais. Em 1964, no II Congresso de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos realizado em Veneza, resulta um documento ainda hoje reconhecido como base conceitual para o restauro: a “Carta de Veneza” idealizada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS). Esta carta tem como finalidade a conservaçãoe restauração do monumento, a fim de salvaguardar os monumentos históricos e obras de arte (IPHAN, 2021). Sucessivamente esta noção de património vai tendo também modificações ao longo dos anos, alargando-se nos dias de hoje a paisagens naturais com intervenção humana ou não, centros históricos, bairros típicos, bairros sociais de propostas inovadoras e outros. Destaca-se finalmente a “Carta de Cracóvia”, documento de 2000, assinada por diversos países, incluindo os países do leste europeu. A carta sobre restauro sublinha a importância pelo respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais como base para o desenvolvimento da criatividade cultural, e ainda a necessidade de cooperação ao nível da formação técnico científica dirigida sobre um bem patrimonial, cujo objetivo é a conservação da sua autenticidade e a sua apropriação pela comunidade. Levando- se em consideração esses aspectos, conclui- se que a técnica do restauro passou por diversas apropriações ao longo do tempo em diferentes locais, e hoje possui uma definição clara na derivada, mas não inaugural “Carta de Cracóvia” (LUSO, LOURENÇO ALMEIDA, 2004). No entanto, para além dos aspectos teóricos, a conservação e o restauro de um imóvel degradado, destruído ou até mesmo desaparecido, enfrenta também o problema das questões econômicas e burocráticas que podem ser fatores limitantes. Como esses trabalhos são operações que não raras vezes são de elevada complexidade e que requerem técnicas especializadas, as quais transmitem às mãos e dão vida ao monumento, no entanto, com o resultado de bons projetos, o restauro é mais inteligente financeiramente do que a demolição e a reconstrução do monumento em questão. O que depende é o uso planejado 30 e adequado ao meio de trabalho. Contudo, estará sendo preservado sítios urbanos no que eles têm de peculiar e único. Os trabalhos de análise, inspeção, diagnóstico e projeto exigem equipes multidisciplinares, sendo necessário dar uma nova oportunidade ao patrimônio abandonado, com especial enfoque nos centros históricos e no patrimônio rural, que muitas vezes se encontram abandonados em diversas áreas e localidades geográficas. Vale lembrar também que o turismo é responsável por uma enorme parcela do PIB de um país, e a conservação e o restauro do patrimônio construído de inegável valor cultural e arquitetônico se torna uma fonte de recursos com o turismo (LUSO, LOURENÇO, ALMEIDA, 2004). 4.2 Brandi e o restauro arquitetônico Desde a fundação do Instituto Central de Restauração (ICR) em Roma no ano de 1938, Cesare Brandi perseguiu a conformação de uma sistemática teórica do restauro, traduzível numa concreta metodologia como aquela que reconhece a peculiaridade do restauro em relação a obra de arte, com o objetivo de restabelecer sua funcionalidade. Anteriormente na restauração as considerações de ordem funcional - obras de arquitetura em geral ou arte aplicada - eram vistas por um lado secundário e não fundamental, como é explícita na Teoria Brandiana, utilizável até os dias de hoje. Brandi pregava as razões do restauro com maior evidência a exigência da recuperação do edifício como sua funcionalidade, valorização econômica, normas de segurança e acessibilidade, instalações técnicas urbanísticas entre outras, mas antes de tudodeve-se lembrar que a obra de arte deve conceder a restauração e não o contrário, ou seja, da sua consistência material e figurada, sua história, estratificação, estado de conservação, e assim por diante, devem representar um lado primário (CARBONARA, 2006). De acordo com Brandi (CARBONARA, 2006, p. 35-47), podemos destacar três pensamentos fundamentais: ➢ O restauro é um ato crítico, e em sua essência está a obra de arte superando a dialética de duas instâncias, a história e a estética. 31 ➢ Tratando-se de obra de arte, o restauro tende aprivilegiar a instância estética. ➢ A obra de arte é entendida como a imagem e a matéria, entendendo isso o restauro é considerado uma intervenção sobre a matéria no qual é também uma salvaguarda das condições ambientais que asseguram a melhor apreciação do objeto, sendo a própria espacialidade da obra ficando entre o observador e a obra de arte. Num panorama ampliado da teoria, acolhe-se muitos aspectos qualificantes e inovadores como a prevalência dada a instância estética, junto a numerosas objeções contra as consolidadas certezas do “restauro científico” ou “filológico clássico” do início do século XX. Outro ponto a respeito do restauro é a instância histórica que deve ser envolvida e resolvida de modo figurativo para não infringir com o excesso de escrúpulos arqueológicos a própria obra que se visa a reconstruir (CARBONARA, 2006). Ao longo das pesquisas conduzidas por Cesare Brandi, contribuições são derivadas de um pensamento racional, rigoroso e atual, como do filósofo Immanuel Kant (1724 – 1804) que confronta a teoria com a prática. É quando aparecem os defensores da “pura conservação”, movendo-se das mesmas origens, ou seja, da filosofia da história e da historiografia atuais, mas a respeito desses equívocos em relação a teoria brandiana, uma crítica mais genérica manifesta-se como uma falta de intolerância contra qualquer tentativa de inserimento e princípios teóricos na restauração, para qual poderia bastar, apenas um pouco de são empirismo, em suma, considera-se todas as “teorias” como abstratas e incapazes de responder ao objetivo. Objeção bastante grosseira, mas também bastante infundida (CARBONARA, 2006). O autor, ao analisar os muitos anos de proficiência do Instituto Central do Restauro na Itália, afirma que não existe algo tão repetidamente experimentado como a Teoria brandiana (CARBONARA, 2006), onde o atual alargamento do conceito de bem cultural fez emergir na sua nova dimensão quantitativa, a necessidade de tutelas e um empenho específico em defesa da documentação histórico-testemunhais, com especial atenção por aquela declinação crítico-conservativa (não mais limitados como no passado, como sendo a única categoria das obras de arte). 32 A conceitual teoria-metodológica crítica brandiana não exclui o restauro arquitetônico das outras artes, e quando debate sobre isso coloca uma ideia a mais sobre a obra arquitetônica: a inalienabilidade do objeto e de seu sítio, e consequentemente conservações do próprio sítio, visto como espaço- ambiente. Cesare Brandi não cai no equívoco de uma arquitetura ser precisamente e facilmente reintegrável, ou mais facilmente reaplicável porque está exposta a agressão da poluição, vandalismo etc. Segundo ele, um dos princípios fundamentais da restauração consiste ao físico da obra, e caso seja necessário sacrificar uma parte dessa consistência material, deverá concluir-se segundo a sua instância estética, ou seja, privilegiando a qualidade da imagem em relação ao seu suporte. Um exemplo disso podemos considerar uma obra de arte, o seu suporte (sua moldura) por ser coextensivo à obra, e se necessário poderá ser sacrificada, restaurada ou trocada, mas o que importa mesmo é a imagem do quadro. Disso decorrem consequências imediatas para a arquitetura em detrimento do purismo tradicionalista, com métodos inteligentes, no entanto inconscientes, da complexidade do problema no grau crítico, e não se pretende de modo algum desvalorizar o interesse histórico e científico das antigas intervenções estruturais, de fato meritórias de conservação relacionando o tema estrutural com a obra julgada em sua inteireza, e apenas em segundo plano a sua qualidade figurativa e artística (CARBONARA, 2006). Entre os erros teóricos mais frequentes está a confusão entre restaurar e refazer, no convencimento de que a forma pode ser devolvida “só por ter identificado a pedreira onde foi extraído o material de um monumento antigo”, ao contrário, de modo algum a matéria poderá sera mesma, sendo historicizada pela atual obra do homem, e por mais que seja quimicamente a mesma, constituirá um falso histórico e estético. Porém, é errônea a concepção que limita a obra apenas em sua consistência material, esquecendo da espacialidade que circunscreve essa matéria, sendo proibido a retirada de uma obra do seu lugar de origem a não ser pela causa de conservação. Portanto: A integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível, sem que por isso deva infringir a própria unidade a que se visa reconstruir, mesmo que mínima a intervenção, deverá ser de fácil identificação, no 33 entanto, o “momento legítimo que se oferece para o ato da restauração é do próprio presente [...] o presente histórico (CARBONARA, 2006, p. 35-47). Por isso não se deve presumir o tempo como reversível e nem abolir sua história, afinal ao definir o marco da passagem da obra em ruína pode adquirir uma segunda esteticidade, por sua beleza natural, valor ambiental e pitoresco, compreendido como restauração preventiva e como intervenção conservativa, considerado no campo do juízo como assimilação com a obra de arte (CARBONARA, 2006). Para Brandi um tipo especial de acréscimo é a pátina, em suma entendida como testemunho e vestígio do tempo em contradição com o “refazimento”, onde não completa mas altera a obra, funde o velho com o novo, elimina o tempo transcorrido e configura como um admissível falso histórico, apesar de não entrar no campo de restauração, se considera como um legítimo ponto de vista histórico, é a intervenção que visa manter, com adições modernas visando se adequar ao mundo de hoje e não reconduzi-la a um passadoexistente (CARBONARA, 2006). A pátina possui como sinal de envelhecimento, implicando, como já visto na instância histórica, que com frequência constitui um enriquecimento estético que avança silenciosamente no tempo. Por isso, tendo como base também a instância estética, merece ser conservada. Brandi retorna no conceito de pátina muitas vezes em sua teoria, negando a “liquidação apressada do conceito” (CARBONARA, 2006) por quem a considera apenas um conceito romântico em sua ascendência barroca, e critica também as ideias dos defensores da limpeza total que com o nome de pátina se queira assemelhar a sujeira. Não é difícil perceber seu impacto na arquitetura hoje, se tratando das superfícies lapidadas ou rebocadas quase sempre esquecidas em seu valor de pátina e submetidas a limpeza, recorda o tema do reboco e da coloração nos edifícios históricos, reconhecendo como não menos importante que a pátina é dos vernizes na restauração das pinturas, assumindo assim uma postura ainda mais cautelosa e conservativa. Segundo Carbonara (2006), em Brandi, a obra de arte é definida por uma autônoma espacialidade que representa o momento e clausura da própria 34 realidade, que se insere no espaço físico que é o espaço onde vivemos, o espaço existencial. No entanto, a obra de arte representa o ponto de sutura entre essa espacialidade e o espaço físico, no restauro o espaço autônomo em relação ao espaço físico concerne tanto ao ambiente coexistente dos monumentos quanto à disposição das pinturas e suas molduras sobre suas paredes. Deriva disso a particular atenção ao sítio e reafirmando a inalienabilidade do monumento do sítio histórico onde foi realizado, da degradação do monumento, decomposto e reconstruído em outro lugar, a falso de si mesmo [...], quando não for possível assegurar sua salvação de outro modo, mas sempre e somente em relação ao sítio histórico onde foi realizado (CARBONARA, 2006). Se um ambiente é alterado, o monumento de qualquer forma é inalienável, deve-se tentar “reconduzir os dados espaciais do sítio ao estado mais próximo possível daqueles originais”. Se o objeto for destruído, sua reconstrução através de cópia é admissível, porém, não constitui um monumento em si, e se trata apenas como obra de arte. Deriva disso o fato de basear o restauro em uma reprodução do processo técnico originário, sendo por si só um fato positivo, enquanto, um erro grosseiro tanto na pintura como na arquitetura, ao querer separar o lado prático da intervenção de restauro das considerações estéticas e históricas que a obra exige. Durante os anos de 1970 e 1980 alguns novos conceitos ocorreram dentro do Instituto Central de restauração (ICR), e a prevalência por um certo tecnicismo auto referencial, que fez diminuir a relação de precedência da fase brandiana a respeito da sua teoria empregada, conforme apurou Carbonara (2006), e a vontade de aprofundamento metodológico que haviam caracterizado anos passados, foram substituídos por conceitos de “manutenção programada”, especificados por Giovanni Urbani, direcionando a tendência de repristinação e na reflexão mais geral sobre restauro que poderia ser definir reducionista, voltada ao achatamento bidimensional do organismo arquitetônico, restringindo apenas a sua superfície num deplorável fachadismo (CARBONARA, 2006, p. 35-47). 35 4.3 O que é um Museu? Desde a Antiguidade, o homem, e por infinitas razões, coleciona objetos e lhes atribui algum valor, seja afetivo, cultural ou simplesmente material, o que justificaria o desejo de sua preservação ao longo do tempo. Os museus tiveram origem no hábito humano do colecionismo o qual adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e da sociedade, e atua para educação, cultura e qualidade de vida, valorizando o respeito pelas diversas culturas existentes ou que existiram. Dos museus da Antiguidade, o mais famoso foi o criado por Ptolomeu Sóter no século III a.C., que continha estátuas de filósofos, objetos astronômicos, cirúrgicos e um parque zoo botânico, embora a instituição fosse primariamente uma academia de filosofia, e que mais tarde incorporava uma enorme coleção de obras escritas, concebendo a célebre Biblioteca de Alexandria, considerada uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo (encontraGoiâna, 2021). Entretanto, somente entre os séculos XVI e XVII, com as Grandes Navegações proporcionando um novo vasto conhecimento de mundo, se consolidou a estrutura de museu como atualmente o conhecemos, deixando de ser apenas acúmulos de objetos para assumirem um papel importante na interpretação da cultura, na educação, e no fortalecimento da cidadania. Durante o século XX, os museus entraram em uma séria crise conceitual e, como disseram Vera Dodebei e Regina Abreu, passou-se a criticar "o caráter aristocrático, autoritário, acrítico, conservador e inibidor dessas instituições, consideradas como espécie em extinção e, por isso mesmo, apelidadas de 'dinossauros' e de 'elefantes brancos", (DODEBEI, ABREU, 2008). Após alguns retrocessos, a reformulação conceitual ganhou um novo impulso a partir dos anos 1970-80, sendo lícito considerar esta reorientação como uma verdadeira revolução na concepção do Museu Público e como a fundação da museologia moderna. No século XXI é pronunciada de fato o que vem a ser o museu contemporâneo com algumas citações descritas abaixo: O International Council of Museums (ICOM), órgão internacional e que na sua 20.ª Assembleia Geral, realizada em 6 de julho de 2001, em Barcelona, Espanha, caracterizou o Museu como uma: 36 Instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade (ICOM, 2001). Para o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), instância museológica máxima no Brasil: Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes.Os museus são conceitos e práticas em metamorfose (IBRAM, 2013). De acordo com a Política Nacional de Museus (PNM) lançada pelo Ministério da Cultura, os Museus, mais do que instituições estáticas, são "processos a serviço da sociedade", e são instâncias fundamentais para o aprimoramento da inclusão social, da construção da identidade e do conhecimento, e da percepção crítica da realidade. Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) instância superior nacional que tem a seu cargo a guarda do patrimônio histórico e artístico brasileiro, dá a seguinte definição: O museu é uma instituição com personalidade jurídica própria ou vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que apresenta as seguintes características: I - O trabalho permanente com o patrimônio cultural, em suas diversas manifestações; II – A presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o objetivo de propiciar a ampliação do campo de possibilidades de construção identitária, a percepção crítica da realidade, a produção de conhecimentos e oportunidades de lazer; III – A utilização do patrimônio cultural como recurso educacional, turístico e de inclusão social; IV – A vocação para a comunicação, a exposição, a documentação, a investigação, a interpretação e a preservação de bens culturais em suas diversas manifestações; V - A democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para a promoção da dignidade da pessoa humana; VI - A constituição de espaços democráticos e diversificados de relação e mediação cultural, sejam eles físicos ou virtuais (IPHAN, 2021). 37 No âmbito estadual paulista, o Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP), instância da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado (SCEC), congrega e articula os museus paulistas, com o objetivo de promover a qualificação e o fortalecimento institucional em favor da preservação, pesquisa e difusão do acervo museológico do Estado. Sua fundamentação se baseia no Decreto 77.035/2011: Figura 08- Artigo 2° do Decreto 77.035/2011 Fonte: “Decreto 57.035/20116 Para muitos pesquisadores o museu assume hoje dimensões extremamente variadas e abrangentes, outros chegam a duvidar que o museu tenha um lugar em nosso futuro, todavia, surgem dezenas de novos museus todos os meses ao redor do mundo, predominando os de arte contemporânea, antropologia e ciências. Com o avanço da internet e dos processos computadorizados, o Museu pôde inclusive se adaptar para o ciberespaço e a realidade virtual. Decorrente desta cena, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) frisa atualmente o papel dos museus que são: espaços de reflexão e apropriação de memória, e de bens 6 Decreto que normatiza o Sistema Estadual de Museus – SISEM – SP 38 culturais que nos fazem olhar para a realidade e para nós mesmos, com a possibilidade de nos reinventar. Outras formas criativas de comunicação foram encontradas, seja através do engajamento digital e da ampliação de conteúdo online, como também da atuação mais próxima junto à sua comunidade, inclusive com apoio de ações sociais e de preservação da vida humana, como nesta grave emergência sanitária que nos encontramos, do COVID – 19. Ou seja, apesar de seus espaços físicos estarem fechados, os museus estão estreitando ainda mais a comunicação com seus públicos, de formas diversas, mantendo suas atividades e preservando seus laços com a comunidade e colaborando para a discussão desse momento complexo, de enfrentamento de novos desafios e formas de viver. Os museus, assim, continuam vivos e fundamentais para a sociedade. 4.4 Paisagem cultural brasileira A relação entre Homem (e sua atividade antrópica) e o Planeta Terra formam a paisagem cultural. Esse termo sofreu muitas ressignificações, evoluções e propostas do que seria o seu conceito ao longo do tempo, desde seu surgimento no início do século XX. A partir de 2009, na perspectiva de Maria Regina Weissheimer (2012), o patrimônio cultural brasileiro passa a ser visto como algo peculiar e único, que representa a interação entre o homem e o meio natural atribuindo valores próprios a esse meio. Assim, para ser reconhecido e preservado como patrimônio cultural do país, passa pela aplicação de chancelas, como a referenciada pela UNESCO ao definir três categorias de paisagens culturais: • Paisagem claramente definida; • Paisagem organicamente evoluída; • Paisagem cultural associativa. Ao ser definida pela Portaria 127/09 (IPHAN), a Paisagem Cultural Brasileira como uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência 39 humana imprimiram marcas ou atribuíram valores, o que possibilitou uma abordagem onde foi permitida a aplicação de chancela em um maior número de contextos culturais, identificados e caracterizados conforme sua investigação e reconhecimento. Contudo, essa chancela deve passar por uma política nacional como ferramenta de proteção e preservação do patrimônio cultural definidas e gerenciadas pelo IPHAN, e para não perder a devida importância, reconhecimento e valorização do contexto chancelado, utiliza-se o termo “peculiar” como diferenciação relevante A diferenciação e compreensão desse termo são necessárias para que não se caia no generalismo de que tudo é uma paisagem cultural. A rigor, qualquer paisagem que possua interferência humanas pode ser classificada como paisagem cultural, nesse caso cabe a ciência estabelecer a distinção e limites desse entendimento. Caso os fatores preponderantes e de caráter do sítio forem materiais é possível que o tombamento seja o instrumento de proteção indicado (WEISSHEIMER, 2012), e se os imateriais se sobressaírem o registro será mais complexo, e no caso onde as manifestações sejam materiais e imateriais e forem indissociáveis uma da outra, cabe a chancela que poderá estar associada ao tombamento, registro ou ainda ao cadastro do patrimônio arqueológico. Assim, para dar início a uma chancela do que seja considerado uma Paisagem Cultural Brasileira, uma definição do recorte do território e uma abordagem clara a fim de seu reconhecimento se fazem necessárias. Para que seja possível garantir a preservação das Paisagens Culturais chanceladas, é preciso, no entanto, partir de temas tradicionalmente tratados como planejamento urbano. Um exemplo seria o caso do patrimônio naval, onde um ambiente e paisagem tão difusos que envolvem a sobrevivência econômica dos pescadores, as embarcações e técnicas tradicionais de construção naval, pesca e navegação, modos corriqueiros do dia- dia, e que acabam passando despercebidos por olhos de sua comunidade, é necessário aimportância de um envolvimento de variados parceiros de áreas distintas, desdemunicípios, órgãos ambientais, de vigilância sanitária, entre outros. Por isso, a chancela vai muito além de um selo ou uma forma unilateral de reconhecimento, é memória reconhecida da preservação do patrimônio em sua 40 máxima expressão, representando para a atualidade um grande avanço que se pode conceber como ferramenta institucional para uma construção de política integrada e participativa de preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Um outro exemplo a ser citado é o cenário que ocorreu no sul do Brasil, mais especificamente em Santa Catarina, no Vale do Itajaí, marcada por uma enchente em 1983 (WEISSHEIMER, 2012). Nessa época foi feito um inventário com o objetivo de cadastrar as edificações de maior relevância no contexto dos bens que faziam parte do patrimônio construído por imigrantes europeus, além das riquezas das paisagens rurais, caracterizada por casas construídas com a técnica Enxaimel e ranchos de madeira. Neste inventário observou-se ainda enormesmanifestações imateriais como o dialeto, cultos religiosos, artesanato, culinária,a forma de manejo com a própria terra. Contudo, deve haver nesse caso um pacto que resulte na preservação da paisagem cultural: um planejamento urbano compatível e o desenvolvimento de ações e programas que permitam o sustento econômico de áreas urbanas e rurais. Considerando o caso de chancela, a instância municipal é um parceiro fundamental para esse pacto, idealmente e abrangentemente o mais desejável é a pactuação entre um número maior de parceiros, sendo uma tarefa complexa, porém viável para preservação do Patrimônio Cultural. No entanto, entende-se que as diretrizes do IPHAN devem conciliar com os parâmetros urbanos estabelecidos pelo Plano Diretor para assim a chancela ser aprovada. A importância da chancela como forma de preservação e mecanismo da gestão territorial e da Paisagem é inegável, sua aplicação na prática, no entanto, ainda enfrenta desafios, e, quanto maior o recorte territorial proposto e mais complexas as questões envolvidas na preservação dessa paisagem a ser chancelada, há necessidade de um número maior de parceiros envolvidos no caso e, consequentemente, mais complicado sua concretização. Notavelmente o Brasil não possui tradição em planejamento e gestão integradas entre órgãos, e do ponto de vista político as gestões de um governo são marcadas pelo abandono e descaso de projetos iniciados no governo anterior, estendendo-se no planejamento urbano, onde interesse privado sobrepõe-se ao interesse público, promovendo a desqualificação e até o desaparecimento de paisagens tradicionais. 41 Essa porção territorial a ser chancelada precisa fazer parte de uma estratégia global de preservação e objetivos a serem firmemente cumpridos e perseguidos, e em muitos casos, o tombamento pode ser a única alternativa viável, é preciso, finalmente, não perder a objetividade das propostas, considerando com clareza até onde é possível avançar de fato e quais são os limites para aplicação da chancela (WEISSHEIMER, 2012). 4.5 Código de ética para museus O Código de Ética para Museus foi elaborado pelo Conselho Internacional de Museus, que é um órgão não governamental internacional e sem fins lucrativos, que se dedica a elaborar políticas internacionais para os museus, sendo a mais importante entidade museológica internacional. O ICOM (International Council of Museums) foi criado em 4 de novembro 1986, sua sede fica junto à UNESCO em Paris e sua função corresponde à regulamentação mínima de padrões éticos para museus, estabelecidos nos seus Estatutos. No Brasil é representada pelo ICOM-Brasil, com sede na cidade de São Paulo. Existe na estrutura do ICOM um Comitê de Ética, onde seus membros estão sempre buscando compilar estudos de caso que envolvam discussões sobre ética em museus na comunidade museológica global. Geoffrey Lewis, presidente do Comitê de Ética do ICOM, assim define o que seja esse código: O Código de Ética para Museus se constitui em instrumento de auto- regulamentação profissional em uma área chave nos serviços públicos, onde as legislações nacionais são variadas e muitas vezes inconsistentes. Estabelece padrões mínimos de conduta e procedimentos que podem ser utilizados por profissionais de museus em todo o mundo, assim como apresenta, em síntese, o que o público pode esperar desta profissão (ICOM, 2001). O Código de Ética internacional dos Museus visa o compromisso com as práticas éticas em museus, como a luta contra o tráfico de obras ilícito, pelo apoio à restituição de bens culturais às comunidades de origem, preferencialmente através da mediação, e pela adoção de um conceito amplo de Patrimônio Universal, que inclua, em especial, o respeito pela diversidade cultural das comunidades ligadas a este patrimônio, em geral, o Código de Ética pode ser útil e servir como referência para as demais instituições e organizações vinculadas 42 aos museus (ICOM, 2001). O Brasil está caminhando, de forma similar, por uma trilha em que a responsabilidade em preservar o patrimônio em uma cultura nacional altamente diversa está sendo compartilhada por diversos atores, e o trabalho em museus, educativo, inovador e abrangente, se desenvolve rapidamente em virtude deste compartilhamento, citado a seguir: → Os museus preservam, interpretam e promovem o patrimônio natural e cultural da humanidade; → Os museus mantêm acervos em benefício da sociedade e de seu desenvolvimento; → Os museus mantêm referências primárias para construir e aprofundar conhecimentos; → Os museus criam condições para fruição, compreensão e promoção do patrimônio natural e cultural; → Os recursos dos museus possibilitam a prestação de outros serviços de interesse público; → Os museus trabalham em estreita cooperação com as comunidades das quais provêm seus acervos, assim como com aquelas às quais servem; → Os museus funcionam de acordo com a legislação; → Os museus atuam com profissionalismo. 4.6 Tombamento, Registros e Chancelas: conceitos O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) decorre o tombamento como um ato de reconhecimento e proteção de um bem, seja material ou imaterial, imóvel ou não, como paisagens, ruínas, jardins etc. E reconhece-lo, transformando-o em patrimônio oficial público, sendo por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Em âmbito federal o tombamento em patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens 43 móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico foi instituído pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o primeiro instrumento legal de proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro. Segundo a Secretaria da Comunicação Social e da Cultura do Governo do Estado do Paraná, ao falarmos que algo é um "bem", entramos nos delicados domínios da axiologia, da estética, da ética, da linguística, da semiologia e, evidentemente, da história. Fundamentando-nos em referenciais e significados culturais consagrados em cada dimensão interativa das sociedades, sacramentamos publicamente algo como um bem Cultural e/ou Ambiental. Tal fundamentação tem raízes em várias experiências e estudos passados, além de várias correntes teóricas adotadas pelos peritos em Patrimônio Cultural e Ambiental. Um bem cultural é relativo à identidade de uma dimensão das sociedades, e o “registro como Patrimônio Cultural e Imaterial é um instrumento legal que permite preservar, reconhecer e valorizar bens que contribuíram para a formação de uma comunidade” (OLIVEIRA, 2020). Qualquer pessoa física ou jurídica poderá abrir um processo de tombamento e de qualquer bem junto ao IPHAN, bastando, para tanto, encaminhar correspondência à Superintendência do IPHAN em seu Estado (CONDEPHAAT), à Presidência do Iphan, à Secretaria da Cultura ou pelas administrações municipais que dispuserem de leis específicas. O tombamento também pode ocorrer em escala mundial, sendo de reconhecimento como Patrimônio da Humanidade, o que é feito pelo ICOMOS/UNESCO, e que possui entre seus objetivos o de incentivar a preservação de bens culturais e naturais considerados significativos para a humanidade além da defesa de uma educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento humano esocial. O tombamento de um patrimônio não significa a desapropriação de algo, o tombamento não altera a propriedade de um bem; apenas proíbe que ele venha a ser destruído ou descaracterizado a partir do momento de tombamento,sendo assim, portanto uma iniciativa possível de ser tomada para a preservação dos bens
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