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ARTIGO - Semelhanças e Diferenças entre Direitos Pessoais e Reais

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Prévia do material em texto

29/03/2019 Envio | Revista dos Tribunais
https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document# 1/29
Atualidades em torno das semelhanças e diferenças entre direitos pessoais e reais
ATUALIDADES EM TORNO DAS SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS PESSOAIS E REAIS
Revista de Direito Privado | vol. 61/2015 | p. 39 - 83 | Jan - Mar / 2015
DTR\2015\2329
Demétrius Coelho Souza
Mestre em Direito pela UEM. Pós-graduado em Direito Empresarial, Filosofia Política e Jurídica e Direito Civil e Processual Civil pela UEL. Doutorando em
Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da PUC-PR - Campus Londrina. Advogado. demetriuscoelho@uol.com.br
 
Área do Direito: Civil
Resumo: O presente artigo traz as principais características dos direitos obrigacionais e reais, procurando, posteriormente, apresentar suas respectivas
peculiaridades e críticas formuladas pela doutrina nacional e estrangeira. Compara os limites da autonomia da vontade nesses dois ramos do direito,
apontando, por fim, uma única situação limítrofe (obrigações propter rem), em que se conclui não ser possível afirmar que o direito obrigacional
independe do direito real e vice-versa.
 
Palavras-chave: Direito obrigacional - Direito real - Peculiaridades - Críticas - Obrigações propter rem.
Abstract: The present article points out the principal characteristics concerning the law of obligations and the real property law, presenting, in a
sequence, their peculiarities and criticisms formulated by the national and international doctrine. It compares the limits of will autonomy in both
branches of law, presenting, at the end, only one mixed situation, known as propter rem obligation. Through this text, it can be seen that those two
branches of law can not be studied separately.
 
Keywords: Law of obligation - Law of real property - Peculiarities - Criticisms - Propter rem obligation.
Sumário:
 
1. Introdução - 2. O direito das obrigações e o direito das coisas - 3. Distinções e afinidades entre direitos obrigacionais e reais. Críticas. - 4. Tipicidade
e taxatividade dos direitos reais × autonomia privada - 5. Obrigações propter rem: situação limítrofe - 6. Conclusão - 7. Bibliografia
 
1. Introdução
O Código Civil encontra-se dividido em duas partes: a parte geral e a parte especial. A primeira cuida das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos (Livros
I, II e III, respectivamente). A segunda parte, dita especial, cuida do direito das obrigações (Livro I), do direito de empresa (Livro II), do direito das
coisas (Livro III), do direito de família (Livro IV) e do direito das sucessões (Livro V).
O direito das obrigações,1 portanto, constitui o primeiro dos cinco livros da parte especial, no que andou bem o legislador, pois um contrato é,
substancialmente, formado por obrigações e não há como elaborá-lo sem um prévio conhecimento desse importante ramo do direito civil. José Ricardo
Alvarez Vianna,2 aliás, entende que o “direito das obrigações representa a autêntica parte geral dos contratos e da responsabilidade civil, servindo-lhes
de base imediata”.
Para além das relações jurídicas subjetivas estabelecidas entre credor e devedor, é no direito das obrigações que se verifica, também, um amplo campo
para a autonomia de vontade das partes. Sob esse aspecto, e resguardados os limites impostos pela lei, pelos bons costumes e pelos princípios gerais, o
direito das obrigações apresenta-se “como a suprema expressão da liberdade individual, no exercício das atividades privadas de ordem patrimonial, o
campo de eleição da autonomia privada”,3 muito embora seja a expressão em destaque criticada por Pietro Perlingieri.4
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O direito das coisas, por sua vez, encontra-se disciplinado no Livro III da parte especial, tendo sido redigido pelo Prof. Ebert Chamoun.5 Objetiva,
basicamente, regulamentar as relações jurídicas concernentes aos bens materiais ou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem. Para tanto,
estuda as relações entre os homens e as coisas, estando a matéria dividida em três grandes áreas: a posse, a propriedade e os direitos reais sobre
coisas alheias.
Todavia, apesar de estarem inseridos no âmbito das relações jurídicas patrimoniais,6 há diferenças entre os direitos obrigacionais e o direito das coisas,
bem como tendência em aproximar ambas as situações: “É certo que atualmente há uma tendência de aproximação entre as situações reais e
obrigacionais, enfraquecendo-se sensivelmente a dicotomia concebida pelos positivistas, sendo possível visualizar um sistema direcionado às situações
patrimoniais como um todo, disciplinando o universo de relações econômicas envolvendo titularidades. Afinal, o crédito é uma propriedade – mesmo que
incorpórea –, um bem jurídico afetado ao poder do credor, inserido em seu patrimônio, tal e qual a titularidade de bens imóveis e móveis”.7
Diante disso, pretende-se com o presente texto apresentar as principais distinções e peculiaridades entre esses dois importantes ramos do direito civil,
adequando-os, tanto quanto possível, aos anseios preconizados pelo texto constitucional.
2. O direito das obrigações e o direito das coisas
Como afirmado, apesar de o direito das obrigações e o direito das coisas estarem situados no âmbito das relações jurídicas patrimoniais, há distinções
dignas de nota. Antes, porém, transcrevem-se alguns poucos conceitos básicos referentes aos direitos obrigacionais e ao direito das coisas, justamente
para facilitar a explicação em torno de suas principais características, distinções, semelhanças e situações limítrofes.
O instituto das obrigações (como todo o direito civil, de um modo geral), desenvolveu-se com o direito romano, em que a execução obrigacional recaia,
inicialmente, sobre o corpo do devedor8 para, em um segundo momento, alcançar seu patrimônio, o que ocorreu com o advento da Lei Petélia Papíria
(Lex Poetelia Papiria). Após o advento dessa lei, caiu por terra a regra então existente, passando a execução de uma obrigação, em caso de
incumprimento, a recair sobre os bens do devedor, e não mais sobre o seu próprio corpo. Esse período passou a ser conhecido como o período de
humanização da execução forçada.9
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a reproduzir alguns poucos trechos doutrinários que definem a obrigação propriamente dita para,
posteriormente, comparar o direito das obrigações com o direito das coisas. Invocando as fontes romanas, ensina Marcelo Junqueira Calixto10 que “a
doutrina nacional basicamente salienta ser a obrigação um vínculo jurídico que une dois sujeitos, denominados credor e devedor, por força do qual este
deve realizar em favor daquele uma prestação, consistente em um dar, fazer ou não fazer, sob pena de coerção judicial”.
No mesmo sentido, manifesta-se Orlando Gomes:11 “obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma
prestação em proveito da outra”, podendo dita prestação ser positiva (dar, fazer) ou negativa (não fazer). Necessário, também, que essa prestação
satisfaça o interesse do titular do direito de crédito, porque o vínculo se estabelece estritamente para esse fim.
Washington de Barros Monteiro,12 de sua parte, traz conceito há muito sedimentado no meio jurídico: “obrigação é a relação jurídica, de caráter
transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao
segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do patrimônio”.
Pelo que se viu, pode-se afirmar que “Obrigação é a relação jurídica entre duas (ou mais) pessoas, em que uma delas (o credor) pode exigir da outra (o
devedor) uma prestação”.13
De todos esses conceitos, extraem-se os seguintes elementos constitutivos: (a) relação jurídica:14 qualificando-se como jurídica, afasta-se a relação de
todas as demais estranhas ao direito, como, por exemplo, as obrigações de cunho moral ou religioso, desprovidasde sanção jurídica;15 (b) caráter
transitório: a obrigação tem caráter transitório porque nasce com a finalidade ínsita de extinguir-se, isto é, alcançado determinado fim, extingue-se a
obrigação; (c) a relação jurídica obrigacional une duas ou mais pessoas, vale dizer, devedor(es) e credor(es) em torno de uma prestação; (d) o objeto
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da obrigação: constitui-se numa atividade do devedor em benefício do credor, que, como visto, pode apresentar-se de forma positiva (um dar ou um
fazer) ou de forma negativa (um não fazer).
Assim, “a obrigação poderá ser não só positiva, como uma compra e venda, em que o vendedor entregará a coisa e o comprador pagará com dinheiro,
como também negativa, como no caso de dois vizinhos limítrofes comprometerem-se a não levantar muro entre seus dois imóveis”.16 Uma outra
característica: cunho pecuniário. O direito das obrigações é essencialmente patrimonial, diferentemente de outros ramos do direito civil, como o direito
de família, por exemplo, no qual há obrigações sem conteúdo econômico.17
A esse quadro, acrescente-se, então, o conceito formulado por Álvaro Villaça Azevedo:18 “Obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza
econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento
enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse.”
Em suma, “Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de
determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento),
cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível”.19
Portanto, não há como fugir desse entendimento, isto é, de que obrigação, em sentido técnico,20 é relação jurídica transitória mediante a qual o devedor
se compromete a dar, fazer ou não fazer algo em benefício do credor, garantindo-lhe o cumprimento por meio de bens que integram o seu patrimônio,
caso não haja satisfação espontânea da prestação assumida. De se dizer, ainda, que o direito das obrigações, antes de mais nada, está assentado no
“princípio da autonomia da vontade, pois, fixando normas gerais, inclusive dos contratos, deixa à vontade individual um campo enorme para sua
manifestação. As pessoas têm ampla liberdade no externar sua vontade, desde que não desrespeitem os princípios gerais de direito e que não resultem
feridos a ordem pública e os bons costumes. Daí a ampla autonomia que se dá à vontade nessa importante ramo do direito civil. As pessoas devem,
ainda, comportar-se com probidade e boa-fé, respeitando a função social do contrato, a parte mais fraca e a dignidade humana”.21
O direito das coisas, por sua vez, vem a ser “o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação
pelo homem”.22 Esse conceito, apesar de elaborado por Clóvis Bevilaqua há décadas, é ainda atual, uma vez que “nem todas as coisas corpóreas ou
incorpóreas são consideradas bens, mas só aquelas suscetíveis de apropriação e que podem constituir objeto de direito”.23 Melhor explicando, “nem
todos os bens interessam ao direito das coisas, pois o homem só se apropria de bens úteis à satisfação de suas necessidades. De maneira que se o que
ele procura for uma coisa inesgotável ou extremamente abundante, destinada ao uso da comunidade, como a luz solar, o ar atmosférico, a água do mar
etc., não há motivo para que esse tipo de bem seja regulado por norma de direito, porque não há nenhum interesse econômico em controlá-lo. Logo, só
serão incorporados ao patrimônio do homem as coisas úteis e raras que despertam as disputas entre os homens, dando, essa apropriação, origem a um
vínculo jurídico, que é o domínio”.24
O direito das coisas, portanto, ocupa-se da relação existente entre uma pessoa e uma coisa, estando, como já mencionado, dividido em três áreas de
estudo: a posse, a propriedade e os direitos reais sobre coisas alheias.
Em termos técnicos, surge também outro questionamento: saber se o nome que melhor se adapta à disciplina é direito das coisas ou direitos reais.
Gustavo Tepedino25 dá a entender que ambos os termos são equivalentes, informando que o Código Civil preferiu adotar a expressão direito das coisas,
veja-se: “Por direito das coisas ou direitos reais designa-se tradicionalmente a categoria das relações jurídicas que regula a apropriação e a utilização
dos bens jurídicos por parte dos homens. O Livro III da Parte Especial do Código Civil brasileiro adota a expressão direito das coisas, na esteira do
Código Civil alemão, o BGB – Bürgesliches Gesetzbuch -, ao contrário de outras legislações que preferem a designação direitos reais”.
Apesar desse posicionamento, não há consenso doutrinário em relação à nomenclatura proposta. Dito de outro modo, “Muitos dos manuais escolares
que versam o assunto referente ao direito das coisas acabam por levar o nome de direitos reais. Entretanto, o que parece mera escolha de título pode
refletir um falta de precisão conceitual a ela subjacente”.26
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O trecho reproduzido anteriormente, da lavra do professor Luciano de Camargo Penteado, reflete o posicionamento adotado pelo autor no sentido de
não aceitar a posse como sendo um direito real, justamente por não estar elencada no rol do art. 1.225 do CC/2002, que trata dos direitos reais. Sob a
mesma perspectiva, manifestam-se Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:27 “Insta acentuar que o direito das coisas não pode ser
compreendido exatamente como sinônimo de direitos reais. Possui configuração mais ampla, abrangendo, além dos direitos reais propriamente ditos,
capítulos destinados ao estudo da posse – cuja natureza jurídica é controversa, tida por alguns como de direito obrigacional – e dos direitos de
vizinhança, classificados como obrigações mistas ou propter rem”.
Verifica-se, portanto, não ser pacífico o entendimento em relação à nomenclatura da disciplina por conta da controvertida natureza jurídica atribuída à
posse. O assunto, entretanto, será retomado mais adiante, quando se tratar das peculiaridades desse instituto. Passa-se, doravante, a apontar algumas
distinções entre os direitos obrigacionais e o direito das coisas, ou reais.
3. Distinções e afinidades entre direitos obrigacionais e reais. Críticas.
De início, não se pode esquecer que o direito das coisas e o direito das obrigações encontram-se doutrinariamente inseridos no âmbito das relações
jurídicas patrimoniais, vale dizer, possuem conteúdo econômico ou patrimonial.28-29-30 Ressalva-se, entretanto, que há situações mistas, isto é,
situações que apresentam características tanto dos direitos reais quanto dos direitos obrigacionais, o que sobremaneira dificulta sua classificação,31
conforme será visto adiante. De qualquer sorte, para a teoria clássica ou realista,32 os traços distintivos entre os direitos reais e obrigacionais são os
seguintes:
a) o direito real, que se define como “o poder jurídico, direto e imediato do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos”,33 é exercido e recai
diretamente sobre uma coisa, corpórea ou incorpórea.34 O direito obrigacional, por sua vez, tem como objeto relações entre duas ou mais pessoas
(credor e devedor), sendo a relação, portanto, intersubjetiva (res inter alios acta), isto é, não vincula senão as partes.35 Desta forma, tem-se que o
direito real é absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes, isto é, oponível contra todos36 (aqui os sujeitos são indeterminados) e o direito obrigacional,
por sua vez, relativo,37 pois a prestação, que é seu objeto, só pode ser dirigida contra um ou mais sujeitos determinados, os devedores da obrigação.
Nesse sentido, pode-se dizer que “No direito realconcorrem dois elementos: a pessoa, sujeito ativo, e a coisa objeto do direito. No direito pessoal, três
elementos: a pessoa, sujeito ativo, ou seja, o credor, a pessoa, sujeito passivo, ou seja, o devedor, e a prestação ou o fato que forma o objeto do
direito”.38
Mais adiante, afirma João Manuel Carvalho Santos39 que: “O característico fundamental do direito real está, pois, para nós, em verdade, no poder
jurídico imediato da pessoa sobre a coisa, nessa relação íntima, protegida pela lei contra todos, enquanto que o direito pessoal confere mais
especialmente a faculdade de agir contra determinada pessoa, ou um limitado número de pessoas, para exigir a prestação, que é o seu conteúdo. Daí
em regra, como consequência, os direitos de sequela e preferência, de que o direito real normalmente se apresenta revestido”;
b) o direito real caracteriza-se pela inerência ou aderência do titular à coisa, permitindo-o buscá-la onde quer que esteja, o que recebe da doutrina o
nome de direito de sequela.40 Aqui, referem-se Gustavo Tepedino, Heloiza Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes41 à chamada
ambulatoriedade, nos seguintes termos: “A ambulatoriedade decorre diretamente da aderência do vínculo à coisa. Afirma-se que o dever jurídico
correspondente ao direito real caminha com a relação jurídica e é, por isso mesmo, ambulante ou ambulatório. Qualquer que seja o destino do imóvel
dado em hipoteca, por exemplo, migre ele das mãos do antigo proprietário ou do devedor que lhe ofereceu em garantia para quem quer que seja, aos
novos proprietários, aos quais sucessivamente é transferido o imóvel, vincula-se o gravame da hipoteca (Ebert Chamoun, Direito civil, p. 8). A sequela,
corolário da ambulatoriedade, traduz poder conferido ao titular de perseguir a coisa sobre a qual exerce o seu direito, nas mãos de quem a possua. No
exemplo anteriormente configurado, o direito de sequela do credor hipotecário se verifica no poder que lhe é conferido de excussão do bem, para a
satisfação da dívida garantida pela hipoteca, em face do proprietário atual, sem importar se o imóvel já fora vendido a terceiros”.
Tal fato já não ocorre no direito das obrigações, não dotado de sequela. Assim, se um cheque é transferido por meio do endosso, por exemplo, passa
esse a ter ampla circulação, não cabendo ao credor primitivo, por conseguinte, buscá-lo nas mãos do atual credor. Soma-se a isso o entendimento de
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que, excetuados os casos especificados em lei, o credor, quando recorre à execução forçada, tem “apenas uma garantia geral do patrimônio do devedor,
não podendo escolher determinados bens para recair a satisfação de seu crédito”,42 como ocorre com os direitos reais;
c) como consequência do direito de sequela, tem-se o fato de que o direito real deve ser necessariamente individualizado, isto é, o objeto do direito real
deve ser individualizado na origem, pois de outro modo não seria possível exercer a sequela. Tome-se, por exemplo, o art. 1.424, IV, do CC/2002: “Os
contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declaração, sob pena de não terem eficácia: (…) IV – o bem dado em garantia com as suas especificações”.
Nos direitos obrigacionais, por sua vez, o objeto da prestação pode ser coisa indeterminada,43 podendo a obrigação, inclusive, referir-se à entrega de
coisa referente a prestação futura (apartamentos adquiridos na planta para entrega futura, por exemplo);44
d) em decorrência do poder de senhoria sobre a coisa, o direito real, regra geral, não comporta mais do que um titular. Nessa medida, o sujeito titular
do direito real exerce seu poder sobre a coisa de forma direta e imediata, sem intermediários. O direito obrigacional, por sua vez, traz a noção de um
sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor) e a prestação devida por este àquele. Nesse aspecto, afirma-se que o direito real é atributivo,
porque atribui uma titularidade, uma senhoria ao sujeito, enquanto o direito obrigacional é cooperativo,45 porque implica sempre uma atividade pessoal,
vale dizer, uma prestação devida pelo devedor ao credor, representada por um dar e um fazer (prestação positiva) e um não fazer (prestação
negativa).46 Em outros termos, pode o credor exigir do devedor uma verdadeira atitude de cooperação no sentido de a obrigação alcançar seus fins
colimados, sendo essa, aliás, a atual feição do direito obrigacional;
e) o direito obrigacional concede um direito a uma ou mais prestações, a serem cumpridas por uma ou mais pessoas. O direito real, por sua vez, define
inerência ou aderência da coisa ao titular, o que comumente se chama de soberania, poder ou senhoria sobre a coisa. E, cumpridas as exigências e
formalidades legais, como a confecção da escritura pública e o registro do bem imóvel no cartório de registro de imóveis, por exemplo, as relações
jurídicas de direito real passam a ser dotadas de publicidade,47 a lembrar que “Na verdade, a imposição do registro consubstancia apenas uma forma de
se garantir maior segurança jurídica na circulação de bens, e não um traço distintivo entre obrigações e direitos reais”48 propriamente dito;
f) os direitos obrigacionais são preponderantemente transitórios,49 diferentemente dos direitos reais, que tendem a ser permanentes. Se alguém, por
exemplo, é proprietário de um imóvel, sê-lo-á até que advenha situação jurídica modificando sua titularidade, não havendo, nesse sentido, um prazo
previamente estipulado para a modificação na titularidade do bem, salvo disposição em sentido contrário. Nesse sentido, ensina Roberta Mauro e
Silva:50 “Um outro traço típico das relações reais é a sua perpetuidade, já que a inação do titular não o fará perder o direito, diversamente do que
ocorre com os direitos de crédito”;51
g) em relação à responsabilidade civil, “esta será contratual, quando se tratar de descumprimento do vínculo obrigacional, e extracontratual (ou
aquiliana), quando o ato ilícito violar o dever genérico que incumbe a qualquer um de respeitar as situações de direito real”;52
h) os direitos reais inserem-se em numerus clausus, vale dizer, somente podem ser considerados direitos reais aqueles “elencados no art. 1.225 do CC/
2002 e um ou outro regulado em leis especiais (propriedade fiduciária imobiliária, concessão de uso e.g.)”.53 São direitos reais, portanto, somente
aqueles disciplinados em lei. Os direitos obrigacionais, por sua vez, são em número aberto,54 porque ilimitadas as vicissitudes dos relacionamentos
sociais, revelando-se praticamente impossível a tarefa de quantificá-los.55 Privilegiam, pois, a autonomia de vontade das partes. Aliás, “O princípio da
taxatividade dos direitos reais não está expresso na lei brasileira, mas parece perfeitamente dedutível do fato de que apenas está autorizada a atuação
geradora de formas jurídicas novas no direito privado no campo do direito dos contratos (art. 425 do CC/2002) e, ainda assim, desde que observadas
normas gerais fixadas no Código, sob pena de ilicitude”.56
Em relação à taxatividade do rol apresentado pelo art. 1.225 do CC/2002, a doutrina brasileira não chega a um denominador comum no que se refere à
natureza jurídica da posse, ali não prevista. O assunto, como já afirmado, será retomado em momento oportuno, justamente para verificar se a posse
pode, ou não, ser considerada um direito real;
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i) diga-se, também, que somente os direitos reais podem ser objeto de usucapião, não existindo possibilidade dessa modalidade de aquisição da
propriedade nos direitos de crédito, consoante lição de Miguel Maria de Serpa Lopes:57 “A propriedade adquire-se pela transcrição ou pela tradição
efetiva da coisa, modos aquisitivos estes incompatíveis com o direito das obrigações”;
j) em relação à sanção e à posse, duas outras diferenças são acrescidas pelo mesmo Miguel Maria de Serpa Lopes:58 “3. Sanção. Os direitos reaissão
protegidos por ações próprias – as ações reais – concedidas adversus quaecumque possessorem, enquanto os direitos pessoais não necessitam senão
de ações pessoais, de âmbito limitado entre credor e devedor. Assim, enquanto a ação in personam somente é viável contra um pessoa determinada, a
ação in rem se projeta ‘generaliter’ (…). 6. Posse. A posse é elemento exteriorizador do domínio, enquanto o direito das obrigações não é suscetível de
posse”.
João de Matos Antunes Varela,59 de sua parte, informa uma característica peculiar dos direitos reais no ordenamento jurídico português, pois,
diferentemente do brasileiro, admite que “tanto as obrigações como os direitos reais podem nascer, no nosso sistema jurídico, por mero efeito do
contrato”.
Realmente, no Brasil, ainda que haja tratativas negociais iniciais (e.g. contrato de empréstimo com garantia hipotecária), a eficácia do direito real está
condicionada à prática de atos posteriores, como, por exemplo, a tradição de um bem, no caso de transmissão de propriedade móvel e a confecção de
escritura pública e posterior registro no cartório de registro de imóveis, para casos de bens imóveis, a lembrar que a escritura pública é essencial à
validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30
vezes o maior salário-mínimo vigente no país, à mercê do que determina o art. 108 do CC/2002.
Em termos gerais, são essas as principais diferenças entre os direitos reais e os obrigacionais, informando-se, também, que “As normas jurídicas gerais
de direito das obrigações aplicam-se não apenas às espécies de obrigações previstas no Código Civil, mas a todas as relações jurídicas regidas pela
legislação especial conexa”,60 pois todos somos ou seremos, em certa medida, credores e devedores de obrigações.
As distinções existentes entre os direitos obrigacionais e reais, muitas das apontadas anteriormente, não estão, evidentemente, isentas de
questionamentos. Por conta disso, são apresentadas algumas críticas feitas pela doutrina nacional e estrangeira em torno do assunto, a começar por
Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:61 “A tradicional dicotomia que opõe, de um lado, direitos reais e, de outro,
os obrigacionais relativizou-se. Evidenciam-se em doutrina uma pluralidade de situações mistas que, não obstante se caracterizarem pelo dever geral de
abstenção típico dos direitos reais, contêm, igualmente, obrigações recíprocas entre os centros de interesse envolvidos, como ocorre no usufruto. Em
outras palavras, 'não existe uma precisa separação entre situações creditórias e reais: frequentemente situações obrigacionais integram-se com
interesses mais amplos e constituem situações complexas’ (Pietro Perlingieri, Perfis, p. 204)”.
Realmente, além de não mais existir uma precisa distinção entre situações creditórias e reais, explica Pietro Perlingieri62 que as características sequela e
preferência, inerente aos direitos reais, não se mostram suficientes para distinguir ambos direitos. Eis suas palavras: “Os dois tradicionais critérios
discretivos do direito de sequela e do direito de preferência, tidos como característicos das situações reais, não podem ser utilizados para fins de
distinção. Em virtude do direito de sequela, inerente ao bem, qualquer circulação do bem, qualquer mudança de titular, não teria influência na
sobrevivência da situação real (reconhece-se na hipoteca um exemplo típico: art. 2.808 do Cód. Civ.). Todavia, encontra-se a sequela também em
situações que a opinião comum assinala solidamente no campo dos direitos relativos: basta pensar na disciplina da locação, a qual prevê que a
transferência da propriedade do imóvel não influi na relação de locação, que continua com o novo proprietário (…). Observações não diversas podem ser
feitas em relação ao pretenso caráter do direito de preferência (o qual seria, além disso, próprio não de todos os direitos reais, mas somente daqueles
reais de garantia: penhor e hipoteca)”.
Verifica-se, portanto, que “nem a sequela, nem a preferência são suficientes para inspirar uma distinção entre situações reais e de crédito”,63 residindo
aí mais uma crítica à tradicional distinção apresentada pela doutrina.
Para Roberta Mauro Medina Maia,64 porém, “A primeira crítica a ser feita com relação à distinção entre direitos reais e obrigações refere-se ao fato de
que as características assim atribuídas a tais institutos não lhe seriam naturais, mas sim fruto da lenta evolução dos sistemas que hoje integram a
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família romano-germânica”, fazendo alusão, mais especificamente, à evolução do sistema da commom law, que, diferentemente do sistema romano-
germânico, também conhecido por civil law, sequer teria previsto o conceito de obrigação, por exemplo.65
Além da apontada crítica, afirma Roberta Mauro Medina Maia que as figuras mistas66 também “costumam servir de ponto de partida para as críticas
eventualmente dirigidas à distinção entre direitos reais e obrigações”,67 justamente por suscitarem dúvidas em relação ao seu enquadramento. O
exemplo mais comum dessas figuras mistas seria as chamadas obrigações propter rem, também conhecidas por reais, ob rem ou deveres jurídicos de
causas reais, que, de sua parte, não guardam características exclusivas de direitos reais ou obrigacionais, como se verá logo mais.
Outra crítica alusiva à distinção refere-se à heterogeneidade dos direitos reais. Melhor dizendo, “Enquanto os direitos de crédito se mantêm inalterados,
resulte a obrigação do contrato ou do delito, tal uniformidade não se encontra nos direitos reais, cujos institutos, profundamente distintos entre si,
possuem individualidade própria, específica”.68 A afirmação se coaduna com a perspicaz afirmação de Roberta Mauro Medina Maia:69 “A importância
maior da obra de Giorgianni é reconhecer a heterogeneidade de figuras que, por força de sua inclusão no rol previsto pelo legislador em atenção ao
princípio do numerus clausus, são transformadas, quase que por um passe de mágica, em direitos reais. Daí a doutrina ter, em diversas ocasiões,
dirigido críticas à distinção, baseando-se justamente na heterogeneidade de tais figuras. Fazia isto com razão, justamente por não ser possível afirmar
que todo direito real, apenas por ser real, será, por exemplo, passível de aquisição por usucapião ou não se extinguirá jamais pelo não uso. Nesse
sentido, podemos mencionar as observações de E. Santos Júnior a respeito do hábito de distinguir direitos reais e obrigações com base em
características como a perenidade daqueles e a transitoriedade destas. Conforme observa este autor, há obrigações que tendem a ser perenes, como as
assumidas por força de um contrato de sociedade, e há direitos reais que se extinguem por seu próprio exercício, como ocorre com a hipoteca, onde
também não haverá posse ou aquisição por usucapião”.
De fato, em relação à perpetuidade dos direitos reais e transitoriedade dos direitos obrigacionais, afirma o supracitado E. Santos Júnior70 que: “Há
certas características distintivas, que alguns autores apontam, mas que, não têm, como tal, senão um valor tendencial, mais ou menos relativo. Assim
quando se diz, por exemplo, que os direitos de crédito se diferenciam dos direitos reais em virtude da perpetuidade ou perenidade destes e da
transitoriedade ou temporariedade daqueles. É que, por um lado, há obrigações perenes, como as derivadas de um contrato de sociedade, e, por outro,
direitos reais há cuja extinção se dá pelo próprio exercício deles, como ocorre com a hipoteca”.
O trecho reproduzido demonstra, portanto, não ser de todo correta a afirmação segundo a qual os direitos obrigacionais tendem a ser sempre
transitórios e os direitos reais sempre duradouros, a lembrar que “há deveres derivados da boa-fé que são permanentes, como os de sigilo médico ou
das partes que negociam sobreinformações confidenciais da empresa”,71 por exemplo.
A mesma linha de raciocínio segue Gustavo Tepedino72 ao analisar caso concreto submetido à sua apreciação. Relata, em estudo intitulado “Autonomia
privada e obrigações reais”, que os contratantes estabeleceram na escritura pública de compra e venda, dentre outras obrigações, a de que a
compradora, por si e seus herdeiros, não poderia “permitir sob nenhuma forma ou pretexto que no stadium ou praça de esportes ou suas dependências
se faça a venda, distribuição gratuita ou propaganda de produtos similares aos fabricados pela vendedora”. Após analisar essa cláusula constante na
escritura pública, conclui o autor: “Na esteira desse amplo espectro de atividades econômicas privadas, situa-se a hipótese em exame, em que,
mediante aposição de dever jurídico inserido no título aquisitivo da propriedade, encontram-se vinculados sucessores e terceiros à disciplina dominical
pretendida pelas partes. A obrigação de não fazer torna-se, assim, oponível erga omnes, guardando eficácia real e sendo tendencialmente perpétua.
Note-se a conotação técnica que adquire a relação obrigacional dotada de oponibilidade erga omnes. De uma parte, possui todas as características
típicas das situações jurídicas subjetivas reais, especialmente no que concerne aos atributos da sequela e da ambulatoriedade”.73
Esse texto acena com a possibilidade de uma obrigação de não fazer instituída em escritura pública de compra e venda tangenciar a perpetuidade,
caindo por terra, portanto, aquela velha e antiga explicação de que os ramos são distintos entre si e não se misturam.
Há também críticas envolvendo os próprios direitos absolutos, justamente por ser praticamente impossível pretender que a eficácia do direito real
repercuta em todo e qualquer lugar, exigindo de todas as demais pessoas um dever de abstenção. Com efeito, “a ideia de direitos absolutos, que
ganhou força após a Revolução Francesa, tem recebido uma série de críticas nas últimas décadas. Atrelada à doutrina personalista, a divisão dos
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direitos subjetivos entre relativos e absolutos passou a ser questionada na medida em que o conceito de relação jurídica foi sendo paulatinamente
revisto. Nesse sentido, Francesco Santoro-Passareli afirmava que conceber a relação jurídica não como relação necessariamente intersubjetiva, mas
como a relação entre sujeito e norma jurídica, conduziria à impossibilidade conceitual de se configurarem direitos relativos, porque todos os direitos
existiriam e produziriam efeitos perante toda a comunidade jurídica”.74
Diante dessa crítica, indagar-se-ia quem, efetivamente, estaria obrigado a respeitar esses direitos, o que poderia inclusive colocar um xeque ao próprio
conceito de direito absoluto. Para melhor esclarecer a questão, transcreve-se o questionamento de E. Santos Júnior:75 “Contudo, cabe perguntar: – Não
será ainda uma outra característica distintiva dos direitos de crédito perante os direitos reais a relatividade daqueles, entendida como oponibilidade do
crédito ao devedor e a inoponibilidade a terceiros, e a absolutidade destes, enquanto seriam oponíveis erga omnes? (…) Porém, independentemente do
que se venha a entender por relatividade do crédito e do que se conclua a esse respeito, uma coisa, desde já, nos parece certa e deixa entreaberta a via
do nosso pensamento: é que, e de acordo com o que referimos a respeito do conceito de direito subjectivo, um direito subjectivo, por o ser, deve ser
respeitado por todos, seja ele um direito real ou um direito de crédito ou outro”.
A prevalecer o entendimento exposto pelo autor, a dificuldade estaria em opor os direitos de crédito a terceiros, não se vislumbrando no sistema jurídico
brasileiro, salvo melhor juízo, um critério eficaz para fazer com que os direitos de crédito valham contra terceiros ou até mesmo cheguem ao seu
conhecimento. A prevalecer esse pensamento, ainda, toda a divisão existente entre direitos reais e obrigacionais precisaria ser revista, pois ambos
advêm do chamado direito subjetivo patrimonial.
Seguindo esse raciocínio, a lição de André Pinto da Rocha Osorio Gondinho:76 “De outra parte, é assinalável que, considerando-se como fundamento do
direito real a obrigação passiva universal, para se utilizar a terminologia comum da literatura francesa, não haveria qualquer diferença entre os direitos
reais e os pessoais, posto que também decorre do ordenamento um dever geral de não ingerência nas relações jurídicas alheias (neminem laedere),
independente de sua natureza real ou pessoal. Assim sendo, pode-se dizer que, em linha de princípios, a lesão que um terceiro pratica contra um direito
de crédito não deve ser cientificamente diferenciada da praticada contra um direito real”.
Esse posicionamento também repercutiria no conceito de relação jurídica. Sob essa perspectiva, esclarece José de Oliveira Ascensão, sendo citado por
Roberta Mauro Medina Maia,77 que “tal como pode haver inumeráveis sujeitos passivos, pode também não haver, de momento, nenhum, na hipótese
muito frequente, de ninguém estar em condições de atingir a minha situação. Como conceber então uma relação destituída de sujeitos passivos?”.
Constata-se, novamente, a necessidade de todos esses conceitos serem revisitados, o que demonstra, per se, as falhas existentes em relação às
tradicionais distinções propostas pela doutrina no que se refere aos direitos reais e obrigacionais.78 Dito de outro modo, “não é mais possível afirmar
que os direitos reais ou as obrigações continuam exatamente com as mesmas características a elas atribuídas nos últimos séculos sem antes refletir
sobre a função que devem desempenhar nos dias de hoje”.79
Por fim, a crítica feita por Pietro Perlingieri,80 para quem a contraposição dos deveres genéricos e específicos não responderia à disciplina das situações
ditas reais, pois “se é possível configurar um dever genérico na hipótese típica de direito real, que é a propriedade nas suas diversas formas e acepções,
isso não é possível na maior parte das outras situações reais. De regra, nas situações reais ditas de gozo, ao lado do dever genérico por parte de
terceiros, existe também uma relação entre um centro de interesses (usufruto, enfiteuse, direito de servidão) e um outro já individuado (nua-
propriedade, propriedade do concedente, direito do prédio serviente). O usufruto, de fato, é situação subjetiva de gozo sobre um bem que pertence a
um outro, o nu-proprietário. As relações que existem entre a nua-propriedade e o usufruto são recíprocas. O usufruto não exaure a sua relevância em
relação a terceiros. Nos arts. 981 a 1.000 do Código Civil italiano encontram-se uma série de direitos e de obrigações que o usufrutuário tem em relação
ao nu-proprietário e este último em relação ao primeiro, que consentem ao usufrutuário a realização do próprio interesse: o gozo do bem e o apropriar-
se dos frutos que o bem é capaz de produzir. Na relação de usufruto estão presentes obrigações específicas, comportamentos tais que impossibilitam
que estas situações se esgotem na perspectiva tão somente do dever genérico”.
Em resumo, há situações tradicionalmente qualificadas como creditícias que podem apresentar características típicas de direitos dotados de caráter
absoluto, sendo o inverso igualmente verdadeiro, isto é, há direitos reais (usufruto e hipoteca, por exemplo), que podem apresentar características mais
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acentuadas de direitos obrigacionais, o que somente comprova que “Os dois tradicionais critérios discretivos do direito de sequela e do direito de
preferência, tidos como característicos das situações reais, não podem ser utilizados para fins de distinção”,81 como já se afirmou.
Todavia, a despeito das distinções e críticas apontadas, não se pode deixar de mencionar a existência de pontos em comum entre os direitosobrigacionais e reais. De fato, no que se refere às afinidades, relembre-se que a doutrina ensina que ambos os ramos advêm de relações jurídicas
patrimoniais.
Há, também, “direitos reais (de garantia) destinados a assegurar o cumprimento de obrigações (arts. 656, 666, 733 e 754)”,82 sendo igualmente certo
que “os direitos de crédito podem servir de base, por meio de aquisição derivada constitutiva, à constituição de direitos reais, como sucede no penhor,
usufruto ou na penhora de créditos (…)”.83
Sobre essa questão, refletem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:84 “De fato, são esmaecidas as distâncias entre as situações reais e
obrigacionais. Basta lembrarmos das seguintes situações: (a) não apenas as obrigações, mas os direitos reais podem nascer de negócios jurídicos85
(v.g., o registro da compra e venda); (b) alguns direitos reais são apenas criados para ampliar a eficácia das relações obrigacionais (v.g., os direitos
reais de garantia); (c) mesmo dentro de relações reais existem obrigações para as partes (v.g., no usufruto, o usufrutuário se encarregará das despesas
ordinárias de conservação da coisa); (d) alguns direitos obrigacionais possuem eficácia real, como a locação averbada no registro imobiliário (art. 8.º da
Lei 8.245/1991)”.
Não obstante essas afinidades, informa-se que o ponto de contato entre os direitos reais e obrigacionais está assentado nas chamadas figuras híbridas
(mistas), das quais se destacam as obrigações propter rem, a serem adiante estudadas.
4. Tipicidade e taxatividade dos direitos reais × autonomia privada
Neste tópico, tratar-se-á da taxatividade e tipicidade em torno dos direitos reais, contrapondo o assunto com a autonomia privada, notadamente no que
se refere aos limites impostos pela ordem pública. Ao depois, analisar-se-á a natureza jurídica da posse.
De início, cumpre informar que, apesar de várias discussões havidas no passado e de entendimentos em sentido contrário, acenando com a
possibilidade de os direitos reais constituírem um rol meramente exemplificativo86 (numerus apertus), predomina hoje o entendimento no sentido de
que o rol apresentado pelo art. 1.225 do CC/2002 é taxativo,87 isto é, não se admitem outros direitos reais que não aqueles previstos e criados pela
lei.88 Dito de outro modo, vigora em relação aos direitos reais “o princípio do numerus clausus, que veda a constituição de formas ou figuras não
previstas em lei. Em poucas palavras, podemos dizer que o princípio do numerus clausus se refere à impossibilidade de criação, pela autonomia privada,
de outras categorias de direitos reais que não as estabelecidas em lei, ou, ainda, que os direitos reais não podem resultar de uma convenção entre
sujeitos jurídicos”.89
Aliás, informa Miguel Maria de Serpa Lopes,90 de sua parte, que “em Roma, os direitos reais eram limitados, clausurados pela lei, que apenas admitia,
ao lado da propriedade, a enfiteuse, a superfície, modalidades de servidões e alguns direitos reais de garantia”.
Essa noção de numerus clausus atribuída ao direito romano ressurgiu com a codificação napoleônica (1804), trazendo André Pinto da Rocha Osorio
Gondinho91 a informação de que, “No Estado Moderno, introduzido pela Revolução Francesa e pelo Código de Napoleão, as formas de direito real
passam a ser previstas única e exclusivamente pela lei”. Não se admite, portanto, a criação de direitos reais pela autonomia de vontade das partes,
como ocorre no direito espanhol,92 por exemplo. Em termos mais precisos, “Dentre as características dos direitos reais que os diferenciam dos direitos
de crédito tem-se a taxatividade normativa (…). Trata-se do sistema do numerus clausus em matéria de relações jurídicas reais. Ao contrário dos
direitos de crédito, submetidos ao princípio da liberdade da autonomia privada para a sua criação, costuma-se fundamentar na oponibilidade erga
omnes dos direitos reais a necessidade de que sua existência seja prevista por lei”.93
Em uma só palavra, predomina o entendimento de que direitos reais só podem advir da lei, não se admitindo que as partes estabeleçam, por si só,
quaisquer direitos reais. Nesse sentido e para além do rol apresentado pelo art. 1.225 do CC/2002, informa-se que “leis especiais podem disciplinar
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sobre direitos reais e mesmo criar direitos reais, desde que instituam o regime de direito real para a situação jurídica por ela regulada. Assim ocorre
com o direito de superfície previsto no Estatuto da Cidade, com a enfiteuse nos terrenos de Marinha, com a propriedade fiduciária imobiliária”.94
Registre-se, também, que o grande mérito atribuído à taxatividade dos direitos reais talvez resida na segurança jurídica. Realmente, alguns
inconvenientes poderiam advir se os direitos reais não fossem criados unicamente pela lei. Inicialmente, afirma-se que um registro aberto poderia
dificultar a publicidade do direito real quando do registro imobiliário. Poder-se-ia apontar, também, “a possibilidade de se constituírem situações
jurídicas inconvenientes, sob o ponto de vista econômico-social, como, v.g., todos os vícios que imputaram a organização feudal da propriedade”.95
Sob esse ponto de vista, especificamente, a lição de Gustavo Tepedino,96 em texto há muito publicado: “Reside aí, a rigor, o verdadeiro significado de
que se reveste o princípio da tipicidade, capaz de evitar vínculos (e, de uma maneira geral, formas de aproveitamento das coisas) prejudiciais aos
contratantes e para a sociedade”. Nesse sentido, poder-se-ia imaginar, a título exemplificativo, a constituição de um direito real cujos desdobramentos
estivessem dissociados das regras protetivas do meio ambiente, o que é, desnecessário dizer, refutado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Um outro inconveniente mencionado por André Pinto da Rocha Osorio Gondinho97 refere-se à “possível permissão da constituição de ônus ou
vinculações ocultas, em prejuízo de terceiros adquirentes”. Esse aspecto reforça o entendimento de que a autonomia privada – que é restrita nos
direitos reais – deve encontrar limite imposto por normas de ordem pública. Nesse particular, “cabe a observação de que o sistema do numerus clausus,
em verdade, exprime-se de dois modos. Significa, por um lado, a taxatividade das figuras típicas, quando examinado do ponto de vista da reserva legal,
para a criação dos direitos subjetivos; e, por outro lado, traduz-se no princípio da tipicidade propriamente dito, quando analisado sob o ângulo de seu
conteúdo, significando que a estrutura do direito subjetivo responde à previsão legislativa típica. A taxatividade refere-se, assim, à sua fonte e a
tipicidade às modalidades do exercício dos direitos, uma e outra conforme a dicção legal”.98
Em outra passagem, afirma Gustavo Tepedino99 que “o princípio do numerus clausus se refere à exclusividade de competência do legislador para a
criação de direitos reais, os quais, por sua vez, possuem conteúdo típico, daí resultando um segundo princípio, corolário do primeiro, o da tipicidade dos
direitos reais”. O princípio da tipicidade, portanto, estaria relacionado ao conteúdo estrutural do direito real, à modalidade de seu exercício. O princípio
da taxatividade dos numerus clausus, de sua parte, à fonte do direito real.100
Um exemplo pode ajudar no esclarecimento do tema: a propriedade, devidamente prevista no inc. I do art. 1.225 do CC/2002, é direito real por
excelência. Refere-se, pois, à taxatividade. O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária,101 por sua vez, “é uma espécie condominial relativa
aos locais de prazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino,
em unidades fixas de tempo, assegurando a cada cotitular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual”.102
A modalidade de seu exercício, por conseguinte, estaria submetida à autonomia de vontade das partes, fazendo alusão, salvo melhor juízo,à tipicidade.
Melhor explicando, “Pode-se adquirir todo o complexo imobiliário através do condomínio pro indiviso, decidindo-se, por contrato, a forma e o tempo de
utilização de cada condômino; ou através da conjugação de ambos, na qual em cada unidade coexistem ambos os sistemas, isto é: a propriedade é
comum, mas existe uma convenção tornando cada fração de tempo como um dos componentes do condomínio especial”.103
Daí o porquê ter Gustavo Tepedino104 afirmado, muito provavelmente, que: “Admitindo-se, assim, como disposição imperativa o elenco taxativo de
direitos reais concebido pelo legislador, resta ainda aberto um significativo espaço, deixado à autonomia privada neste campo”. E mais: “A tipicidade se
destina, funcionalmente, a fornecer uma regulamentação, por isso pode existir em campos do Direito sujeito ao numerus clausus – como nos direitos
reais – e naqueles em que vigora o numerus apertus – como nos direitos contratuais”.105 Portanto, a taxatividade se diferenciaria da tipicidade à medida
que aquela apenas criaria, por meio de lei, os chamados direitos reais, cabendo a essa sua regulamentação.106 Fala-se, ainda, em tipicidade aberta e
fechada. Para melhor compreender o assunto, necessário lembrar que “tipificar é criar estatutos jurídicos, isto é, disciplinar o modo jurídico”.107 Nessa
perspectiva, e buscando os efeitos práticos desejados, pode o legislador descrever os elementos relevantes para a produção de um dado efeito, não
havendo a necessidade de descrever tudo o que é necessário para a produção desse mesmo efeito. Por outras palavras, “o legislador tem de encerrar na
descrição típica todos os elementos relevantes para a produção do efeito prático que se prossegue com a tipificação, mas não precisa encerrar nela tudo
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o que é necessário para a produção do efeito jurídico. Quando assim acontecer, o tipo representará um quadro ou descrição fundamental, que não exclui
outros elementos juridicamente relevantes que lhe sejam exteriores. O fato ou a situação em causa pode ter pois um conteúdo extra típico, e por isso
dizemos que o tipo é aberto”.108
Exemplifica-se: os tipos de sociedade comerciais são tipos abertos, pois, respeitando-se o modelo legal imposto pelo legislador, há ainda um amplo
campo, pelas partes, para a fixação de aspectos juridicamente relevantes. Na mesma linha, segue a já mencionada multipropriedade imobiliária ou time
sharing. Aliás, “A definição precisa acerca da natureza jurídica da multipropriedade imobiliária traz uma séria de consequências práticas. Primeiramente,
no que tange aos seus efeitos, caso seja entendida como uma espécie do direito de propriedade, sua eficácia será absoluta, isto é, erga omnes; caso
seja compreendida como modalidade de direito obrigacional, seus efeitos somente atingirão os sujeitos de direitos adstritos àquele vínculo contratual,
sendo assim inoperante junto a terceiros da relação jurídica. De igual modo, os requisitos de validade da multipropriedade imobiliária vão depender da
caracterização de sua natureza jurídica. Assim é que a escritura pública será requisito de substância do ato constitutivo, por força do art. 134 do CC/
1916 brasileiro, se a multipropriedade imobiliária for direito real. Em contrapartida, nada impede que se constitua a multipropriedade por documento
particular, como espécie meramente obrigacional”.109
Destarte, a autonomia de vontade será maior caso a multipropriedade seja compreendida como modalidade de direito obrigacional e menor,
evidentemente, caso vista como um desdobramento da propriedade, direito real por excelência. Os efeitos, como acima apontados, igualmente serão
diversos para um e outro caso.
Mas há também a tipicidade fechada. Ocorre quando as descrições apresentadas são, por si só, relevantes para alcançar os efeitos práticos descritos e
desejados pelo legislador. Exemplo: a imprescindibilidade de escritura pública para a validade de negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 salários mínimos, à mercê do que dispõe o art. 108 do CC/
2002. No mesmo sentido, a imprescindibilidade de registro, no cartório de registro de imóveis, de direito real de garantia sobre imóvel alheio, por
exemplo (art. 1.227 do CC/2002).
Um outro exemplo é dado por José de Oliveira Ascensão:110 “Quando o art. 1938 traça a tipologia dos actos para que o tutor, como representante do
pupilo, necessita de autorização do Tribunal de Menores, estabelece tipos fechados”.
A tipicidade fechada (ou estrita), portanto, “diz da impossibilidade de alterar as situações reais, parcialmente, mediante modelação negocial”,
justamente porque a produção dos efeitos práticos já está prevista.
De qualquer sorte, verifica-se que a admissão do sistema do numerus clausus, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, “não impede que se acatem
modificações dos direitos reais por obra da autonomia da vontade”,111 referindo-se o texto, mais especificamente, à tipicidade aberta.
Enfrenta-se, doravante, a questão em torno da natureza jurídica da posse, justamente para saber se tal instituto é, ou não, considerado um direito real.
Há muita discussão em torno da natureza jurídica da posse. Discute-se, nesse sentido, se a posse seria, ou não, um fato ou um direito.112 A resposta
poderia influenciar, como antes afirmado, o nomem iuris desse importante ramo do Direito Civil: direito das coisas ou direitos reais.
De qualquer forma, apesar de a posse não figurar no taxativo rol do art. 1.225 do CC/2002, “a maioria dos juristas reconhece que a posse é um
direito”.113 E mais, um direito real. Por todos, seja permitido remeter a Caio Mário da Silva Pereira:114 “Caracterizada como direito, vem depois a
discordância quanto à tipificação deste. Sem embargo de opiniões em contrário, é um direito real, com todas as suas características; oponibilidade erga
omnes, indeterminação do sujeito passivo, incidência em objeto obrigatoriamente determinado etc. Como direito real especificamente qualificado de
‘direito real provisório’, para distingui-lo da propriedade que é direito real definitivo, compreende-a Martin Wolff, e com ele a moderna doutrina tedesca”.
Sob a perspectiva de que a posse é um direito real, estaria tecnicamente correto, então, intitular a disciplina “direitos reais”. Todavia, argumentos
doutrinários também são apresentados no sentido inverso, os quais não permitem atribuir à posse todas as características inerentes aos direitos reais.
Dentre esses argumentos, destacam-se a posição topográfica da posse no Código Civil e sua irregistrabilidade no ofício imobiliário. Com efeito, a posse,
diferentemente da propriedade, encontra-se alocada no Título I do Livro III da Parte Especial do Código Civil, regulamentada pelos arts. 1.196 a 1.224.
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Não se encaixaria, portanto, nos direitos reais, previstos no Título II. Aliás, “o fato de estar regulada no Livro dos Direitos das Coisas não indica que seja
um direito real, pois, como observamos no início do nosso trabalho, a expressão direito das coisas indica todas as situações jurídicas em que pessoas
exercem poder de ingerência imediata sobre bens”.115
E, mais especificamente em relação à questão registral, entendem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald116 que “A irregistrabilidade da posse
no Ofício Imobiliário também contraria o presumido caráter absoluto, peculiar a qualquer direito real. Não há previsão de registro de uma posse na Lei
6.015/1973 (Lei de Registros Públicos). Via de consequência, a posse seria inoponível erga omnes, carecendo dos atributos da sequela, preferência e
publicidade, uma vez que os direitos reais imobiliários apenas nascem com o registro”.
Encontra-se fundamento, também, no art. 1.212 do CC/2002, assim redigido: “O possuidor pode intentara ação de esbulho, ou a de indenização,
contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era”. Logo, seria inadmissível direcionar uma demanda possessória em desfavor do
terceiro de boa-fé. Contra esse caberia, tão somente, a propositura de demanda de natureza real (Enunciado 80, I Jornada de Direito Civil promovida
pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal). Ora, fosse a posse um direito real, a sequela seria plena, atingindo, também,
terceiros de boa-fé.117
Há ainda outra explicação em torno da natureza jurídica da posse: a posse seria um direito pessoal com características de direito real. Nesse sentido,
manifestam-se Ana Lucia Porto de Barros, Carlos Santos de Oliveira, Cleyson de Moraes Mello, Fernanda Pontes Pimentel, Fernando Santos Esteves
Fraga, Juarez Costa de Andrade, Renato Lima Charnaux Sertã, Sônia Barroso Brandão Soares, Thelma Araújo Esteves Fraga e Wagner de Mello Brito:118
“A grande maioria da doutrina pátria, seguramente impressionada pela oponibilidade erga omnes e a indeterminação do sujeito passivo, vê na posse um
direito real, sem vislumbrar, porém, que existem direitos pessoais oponíveis erga omnes e de sujeitos passivos indeterminados, fora do próprio raio dos
direitos das coisas, e que, portanto, não são direitos reais, como tais, os direitos de personalidade, sendo o maior exemplo o direito à integridade física.
Rigorosamente, as características acima apontadas não servem por si só, para configurar a posse com um direito real, motivo pelo qual a posse é um
direito pessoal, com algumas características de direito real”.
A posse seria, então, um direito, mas não um direito real, porque “nela não encontramos todas as características dessa espécie”,119 como, por exemplo,
criação pela técnica dos numerus clausus, o exercício erga omnes, a atribuição de direito de preferência e sequela e, principalmente, sujeição à
publicidade.
Em complemento, a nota de Guilherme Calmon Nogueira da Gama: “Na realidade, a posse surge como um fato e, para a doutrina majoritária, sua
proteção decorre da necessidade que o núcleo social tem de impedir o exercício arbitrário das próprias razões. Logo, a posse, em si mesma, não é um
direito, mas em suas consequências o é”.120
Discussões doutrinárias à parte, pode-se dizer que a taxatividade imposta pelos numerus clausus facilita a operacionalização do registro público, evita
situações consideradas inconvenientes e busca, na medida do possível, alcançar a segurança jurídica, evitando, com isso, inquietudes sociais.
Há situações, todavia, que apresentam contornos de direitos obrigacionais e reais, o que sobremaneira dificulta sua classificação. Dada à natureza do
presente texto, tratar-se-á, apenas, das chamadas obrigações propter rem ou ob rem.
5. Obrigações propter rem: situação limítrofe
De início, observa Miguel Maria de Serpa Lopes121 que: “O estudo das obrigações propter rem representa algo além do problema da distinção entre
direitos reais e direitos pessoais”. A afirmação se justifica porque tais obrigações apresentam, conforme afirmado, contornos de direitos reais e
obrigacionais, vale dizer, são obrigações “cuja força vinculante se manifesta, tendo em vista a situação do devedor em face de determinada coisa, isto é,
quem a ela se vincula o faz em razão da sua situação jurídica de titular do domínio ou de uma relação possessória sobre uma determinada coisa, que é
a base desse débito”.122
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Portanto, as obrigações propter rem, também chamadas de reais, ob rem ou deveres jurídicos de causa real,123 são aquelas que impõem a uma pessoa,
em razão da titularidade de uma situação de direito das coisas que exerce, determinado comportamento positivo em face de um credor.124 É, na feliz
expressão de Nelson Nery Junior,125 uma obrigação que “caminha com a coisa”.
Desse modo, a pessoa do devedor poderá variar de acordo com a relação de propriedade ou de posse existente entre o sujeito e determinada coisa. Por
conta disso, afirma Milena Donato Oliva126 que: “Os sujeitos da obrigação propter rem não se encontram perfeitamente individualizados, mas são
determináveis. Os sujeitos ativos e passivos irão se individualizar mediatamente com referência à titularidade de um direito real ou relação de posse”.
Em outros termos, a obrigação propter rem não é dirigida a toda e qualquer pessoa, mas somente àquele que mantém com a coisa uma relação de
posse ou de propriedade, donde se conclui, ab initio, que “tais obrigações não configuram obrigação passiva universal”.127 Daí o porquê de propter rem,
em que propter quer dizer em razão de, em vista de, e rem, referindo-se à coisa. Com a palavra, Carlos Roberto Gonçalves:128 “Obrigação propter rem
é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular de domínio ou de
detentor de determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem
a segurança, sossego e a saúde dos vizinhos (art. 1.277 do CC/2002). Decorre da contiguidade dos dois prédios. Por se transferir a eventuais novos
ocupantes do imóvel (ambulat cum domino), é também denominada obrigação ambulatória”.129
Afirma-se, ainda, que são obrigações que surgem em decorrência da lei, atreladas a direitos reais, mas que com eles não se confundem porquanto
esses representam ius in re (direito sobre a coisa, ou na coisa), aquelas obrigações são concebidas como ius ad rem (direitos por causa da coisa, ou
advindos da coisa).
Portanto, as obrigações propter rem, ob rem, reais, ambulatórias, deveres jurídicos de causa real ou deveres jurídicos com causa real, “são posições
jurídicas passivas que adstringem o titular de uma situação de direito das coisas a um comportamento em face de um credor, comportamento este
sempre de conteúdo positivo”.130
Verifica-se, nesse sentido, que as obrigações propter rem apresentam contornos de natureza mista, híbrida, intermediária,131 o que levou a doutrina
considerá-la um tertium genus,132 justamente por não apresentar características exclusivas de direitos reais ou obrigacionais, muito embora entenda
Milena Donato Oliva133 que “o certo é que a obrigação propter rem se caracteriza pela acessoriedade ao direito real de que acede”.
Essa “acessoriedade” também estaria presente nas particularidades dessas obrigações. Com efeito, além das características já mencionadas – obrigação
imposta a quem mantenha com a coisa uma relação de posse ou de propriedade e a situação mista apresentada, com contornos de natureza real e
obrigacional – as obrigações propter rem apresentariam, conforme observa Silvio de Salvo Venosa,134 as seguintes particularidades: “1. Trata-se de
relação obrigacional que se caracteriza por sua vinculação à coisa. Não pode existir, por conseguinte, fora das relações de direito real (aqui reside
diferença fundamental com outras figuras afins, que serão estudadas). 2. O nascimento, transmissão e extinção da obrigação propter rem seguem o
direito real, com uma vinculação de acessoriedade. 3. A obrigação dita real forma, de certo modo, parte do conteúdo do direito real, e sua eficácia
perante os sucessores singulares do devedor confere estabilidade ao conteúdo do direito”.
Em relação ao terceiro item, aponta Milena Donato Oliva135 a existência de três posicionamentos: (a) devem ser consideradas ambulatórias todas as
obrigações reais de fazer que imponham ao devedor a prática de atos materiais na coisa que constitui o objeto do direito real, considerando-se as
demais obrigações propter rem, quase sempre obrigações de dar, não ambulatórias; (b) o titular do direito real só fica vinculado às obrigações propter
rem constituídas na vigência do seu direito; (c) o novo titular da relação jurídica de direito real responde pelas dívidas nascidas por força de obrigação
propter rem mesmo antes de suas titularidade, ressalvandoo direito de regresso. Este é o posicionamento predominante.
Um exemplo pode ajudar o entendimento do tema: em sede ambiental, prevalecia, até o final da década de 1990, o entendimento de que o poluidor
deveria responder por seus atos, individualmente, ainda que tivesse alienado o bem imóvel. O novo proprietário, de sua parte, não seria
responsabilizado, porquanto não figuraria como poluidor.136 Não haveria, também, o imprescindível nexo de causalidade entre o agora e o anterior
proprietário, eximindo-o do dever de indenizar.
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Todavia, esse entendimento começou a mudar no início deste século, tendo o STJ, atualmente, pacificado entendimento no sentido de que “a
responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual
proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão
agravada”.137 Em sede doutrinária, remete-se à lição de Patrícia Faga Iglecias Lemos:138 “Contudo, em 2002, já se começou a vislumbrar uma mudança
no entendimento desta Corte Superior, de forma que se passou a afirmar que o novo proprietário do imóvel seria responsável pelo seu reflorestamento,
uma vez que a obrigação de conservação da área é transferida junto com a venda do imóvel. Sendo assim, o adquirente de um bem imóvel é parte
legítima para responder pelos danos ambientais causados nesta propriedade, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos
danos”.
Uma outra consideração é digna de nota: com apoio em Silvio Rodrigues, Bárbara Almeida de Araújo139 afirma que “o devedor se livra da obrigação pelo
abandono do direito real”.
Silvio de Salvo Venosa,140 porém, vê a afirmação com ressalvas: “É necessário ter cautela, no entanto, com a afirmação genérica de que todas as
obrigações dessa natureza admitem o abandono liberatório, isto é, liberam o devedor com o abandono da coisa. Não é com todas as obrigações propter
rem que isso acontece, como no caso já citado das despesas de condomínio, em que mesmo o abandono por parte do proprietário não o libera da
dívida”.
Há ressalvas a serem feitas, também, no que se refere à taxatividade das obrigações propter rem. Em relação ao assunto, entende Orlando Gomes141
que “as obrigações in rem, ob ou propter rem obedecem ao princípio do numerus clausus, não se conhecendo outros tipos além dos configurados na lei,
pois que não podem ser constituídos livremente pelas partes”.
Em sentido inverso, há quem admita que as obrigações propter rem possam advir de um contrato. Defendendo esse posicionamento, transcreve-se a
doutrina de Silvio de Salvo Venosa:142 “Ao divisar a obrigação propter rem, tendo em vista que ela decorre de um direito real, a primeira ideia é que
esta espécie decorre unicamente da lei ou, ao menos, da situação fática que une dois titulares de um direito real. Nada impede, porém, que a obrigação
nasça de convenção entre as partes. Por exemplo: dois proprietários limítrofes podem convencionar a respeito do uso e gozo comum de determinada
área dos imóveis. Se essa convenção constar do registro, será transmissível aos futuros proprietários e possuidores”.
Apesar de a doutrina não ter chegado a um consenso sobre o assunto, cite-se, por todos, a conclusão de Manuel Henrique Mesquita,143 para quem “as
obrigações propter rem existem apenas nos casos previstos na lei. O conteúdo dos direitos reais é, em princípio, taxativo e elas constituem, conforme
concluímos, um elemento desse conteúdo”. Em sede jurisprudencial, o julgado adiante reproduzido corrobora esse entendimento: “Agravo Inominado.
Apelação Cível. Cota condominial. Inadimplemento. Prescrição decenal. Mora ex re. A obrigação de concorrer com as despesas condominiais possui
natureza de obrigação propter rem, que nasce da simples circunstância de alguém ser proprietário de um bem imóvel, no caso parte ideal de um
condomínio vertical. Sendo assim, sua obrigação tem caráter legal, pois decorre da condição de proprietário do bem. É uma obrigação cuja fonte é a lei,
e não um ato voluntário negocial, constante em instrumento público ou particular, como previsto no art. 206, § 5.º, I do CC/2002. Em razão da falta de
previsão no Código Civil de regra específica, a prescrição aplicável às taxas de condomínio é a geral, ou seja, de 10 anos, de acordo com seu art. 205.
Decisão proferida pelo relator que se mantém. agravo desprovido”.144
Prevalece, portanto, o entendimento segundo o qual as obrigações propter rem derivam da lei.
Por fim, além do já referido art. 1.277, menciona-se alguns exemplos de obrigações propter rem previstos na legislação: (a) a obrigação do condômino
em concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa comum (art. 1.315 do CC/2002); (b) no condomínio, a
obrigação do condômino de não alterar a fachada do prédio (art. 1.336, III, do CC/2002); (c) na obrigação que tem o dono da coisa perdida de
recompensar e indenizar o descobridor (art. 1.234 do CC/2002); (d) a obrigação do proprietário confinante proceder, com o proprietário limítrofe, à
demarcação entre os dois prédios, aviventar rumos apagados e renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os
interessados as respectivas despesas (art. 1.297 do CC/2002); (e) a obrigação de cunho negativo de proibição, na servidão, do dono do prédio
serviente em embaraçar o uso legítimo da servidão (art. 1.383 do CC/2002); (f) a obrigação de dar caução pelo dano iminente quando o prédio vizinho
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estiver ameaçado de ruína (art. 1.280 do CC/2002); (g) a obrigação de indenizar o possuidor de boa-fé em relação às benfeitorias necessárias, úteis e
voluptuárias (art. 1.219 do CC/2002); (h) a obrigação do proprietário de pagar o valor das acessões, como plantações, que no seu terreno foram
introduzidas por terceiro de boa-fé (art. 1.255) etc.
Em sede jurisprudencial, menciona-se, dentre inúmeros outros, alguns exemplos: (a) a obrigação tributária, quanto ao IPTU, acompanha o imóvel em
todas as suas mutações subjetivas, ainda que se refira a fatos imponíveis anteriores à alteração da titularidade do imóvel (STJ, AgRg no Ag 1418664/RJ,
j. 04.09.2012); (b) direitos de vizinhança (STJ, REsp 1125153/RS, j. 04.10.2012); (c) danos ambientais (STJ, REsp 1251697/PR, j. 12.04.2012).
Em relação ao fornecimento de água, cumpre esclarecer que a jurisprudência do STJ já pacificou o entendimento de que: “A natureza da obrigação de
fornecimento de água é pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem, o que inviabiliza a pretensão da companhia recorrente
de imputar o débito ao novo proprietário”.145
Não se deve confundir, também, as obrigações propter rem com os chamados ônus reais. Sucintamente, pode-se dizer que “Os ônus reais em muito se
assemelham às obrigações propter rem. Possuem uma nota definidora muito particularizante, qual seja, a de que o inadimplemento do conteúdo do
ônus já tem o próprio bem objeto do direito que serviu de causa ao surgimento da obrigação como garantia. É o que ocorre, por exemplo, com as
dívidas de IPTU”.146
Assim, a responsabilidade pelo ônus real é sempre limitada ao bem onerado, ao seu valor. Situação diversa é a que se verifica com as obrigações
propter rem. Aqui, o obrigado responde com a totalidade de seu patrimônio.147 Em decorrência dessa afirmação, há, em favor do beneficiário do ônus
real, verdadeira preferência sobre a coisa dada como garantia para o adimplemento da obrigação.
Por derradeiro, observa Luciano de Camargo Penteado148 que “os ônus reais individuam-se em vista de que traduzem sempre em uma obrigação de
natureza pecuniária, orientando-se a obrigar o titular de situação real sobre determinado bem, de pagar quantiaem dinheiro”.
Essas considerações demonstram o caráter híbrido das obrigações propter rem, não sendo possível afirmar que se referem apenas aos direitos
obrigacionais ou apenas aos direitos reais, o que somente comprova ser mista sua natureza jurídica.
6. Conclusão
O presente texto tratou das principais distinções entre direitos reais e obrigacionais. Percebeu-se, ao longo da pesquisa, serem inúmeras as distinções
entre esses dois ramos do direito, não obstante estarem alocados no âmbito das relações jurídicas patrimoniais e haver, atualmente, uma tendência em
aproximá-los.
Regra geral, as relações obrigacionais podem ser definidas como relações jurídicas transitórias por meio da qual o sujeito passivo (devedor) se
compromete a dar, fazer ou não fazer algo em benefício do sujeito ativo (credor), garantindo-lhe o cumprimento mediante bens que integram o seu
patrimônio, caso não haja, evidentemente, satisfação espontânea da prestação assumida.
Os direitos das coisas (ou reais, para alguns) referem-se às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, isto é, regulam a relação existente entre
uma pessoa e a coisa. Para os adeptos da teoria realista ou clássica, o direito real seria caracterizado, então, pelo poder imediato que uma pessoa
exerce sobre a coisa, de forma direta e sem intermediários, com efeitos erga omnes. Os direitos obrigacionais, por sua vez, referir-se-iam apenas às
pessoas dos contratantes, vale dizer, credor e devedor.
Contrapondo-se à teoria clássica, a teoria personalista sustenta, basicamente, inexistir relação jurídica senão entre pessoas. Para os adeptos dessa
teoria, os direitos reais também seriam relações jurídicas entre pessoas, mas com sujeitos passivos indeterminados, isto é, haveria uma verdadeira
obrigação passiva universal, consubstanciada pela ideia de que todos devem respeitar o direito alheio.
Apresentou-se, ao depois, as principais características, afinidades e distinções entre os direitos obrigacionais e reais. Dentre várias, destaca-se a
exemplaridade dos direitos obrigacionais e a taxatividade dos direitos reais. Por outras palavras, os direitos reais inserem-se em numerus clausus, isto
é, somente podem ser considerados direitos reais aqueles criados por lei. Nesse campo de estudo, merece especial atenção a questão em torno da
tipicidade. Melhor explicando, a tipicidade dos direitos reais decorre de sua taxatividade. Relaciona-se, em uma só palavra, ao conteúdo estrutural do
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direito real, à modalidade de seu exercício. Exemplo: a propriedade (art. 1.225, I, do CC/2002) é direito real por excelência. Refere-se, pois, à
taxatividade. O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária, por sua vez, refere-se à tipicidade. Em outros termos, apesar de a propriedade ter
sido concebida como direito real pelo legislador, ainda permanece aberto um significativo espaço para sua regulamentação (tipicidade), tendo a tarefa
sido relegada à autonomia privada.
Para além dessas questões, apresentou-se, também, algumas críticas feitas pela doutrina nacional e estrangeira em torno das características dos
direitos obrigacionais e reais, tendo o italiano Pietro Perlingieri observado, de sua parte, a existência de obrigações duradouras e direitos reais
transitórios, como no caso da hipoteca que é baixada junto ao cartório de registro de imóveis ante o pagamento antecipado de uma dívida.
Por fim, analisou-se uma única situação limítrofe: as obrigações propter rem. Além de conceitos e nomenclaturas apresentadas, demonstrou-se que
essas obrigações somente advêm da lei, não sendo possível sua criação por vontade das partes, em que pese divergência doutrinária sobre o tema. Sob
essa perspectiva, apresentou-se um rol de obrigações propter rem, extraído, principalmente, de artigos do Código Civil.
Com isso, verifica-se que as obrigações propter rem são obrigações mistas, ora com contornos de direitos obrigacionais, ora com contornos de direitos
reais, o que somente confirma o fato de que esses dois ramos do direito não podem ser estudados separadamente. Ao revés, complementam-se.
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