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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PSICOLOGIA Cybelle Maria Ximenes Pinheiro - RA: F06JAH-3 Análise do filme A Ilha do Medo com inferências da Teoria de Melanie Klein São Paulo 2021 Sumário: Introdução.......................................................................................... 3 Desenvolvimento .............................................................................. 4 Considerações Finais ....................................................................... 9 Referências Bibliográficas ............................................................... 9 3 1. Introdução: Neste trabalho, faço inferências da teoria de Melanie Klein, observo características dos processos psíquicos que constroem a personalidade desde a mais tenra infância e suas raízes no mundo adulto, analisando até que ponto a realidade externa pode evidenciar as ansiedades e os sofrimentos da realidade interna de um indivíduo no filme de Martin Scorsese, A Ilha do Medo (2010), baseado no livro Shutter Island de Dennis Lehane. Tendo o objetivo de destacar características da teoria Kleiniana, elaborada a partir de profundos estudos da clínica de Freud, com conceitos como introjeção e projeção, fantasias inconscientes, pulsões de vida e de morte relacionadas com as funções objetais, ansiedade persecutória, mecanismos de defesa do ego, o estado maníaco depressivo, a clivagem e o luto, fundamentando o processo da psicopatologia claramente mostrada na análise do principal personagem do filme interpretado por Leonardo DiCaprio. Vale ressaltar que Melanie Klein com seu estudo aprofundado da infância, desde o nascimento ao primeiro contato do indivíduo com o mundo externo na busca da satisfação das pulsões associadas ao ceio bom e ceio mau, a relação objetal do bebê com a figura de representação materna, tornaram sua teoria fundamental para a elaboração de hipóteses diagnósticas acerca da complexa construção da personalidade paranoica delirante do personagem, usada como referência partindo de correlações com a obra de Freud, que apesar de algumas divergências teóricas, Melanie Klein sempre se considerou uma psicanalista Freudiana. Enfatizando ainda a grande contribuição de Melanie Klein para a psicanálise, que foi tornar possível o processo analítico com crianças. 4 2. Desenvolvimento: O filme acontece no ano de 1954 em uma instituição manicomial, um hospital para os criminalmente insanos, que só recebe pacientes perigosos e lesivos, os que as outras instituições não controlam, sendo o único desse tipo nos EUA, localizado em Boston Harbor Islands. A trama do filme inicialmente parece ser uma investigação policial de desaparecimento de uma paciente perigosa e assassina que sumiu sem deixar vestígios. Chegam na Ilha da instituição o delegado federal e investigador do caso, Teddy Daniels e seu parceiro na investigação o policial investigador Chuck Aule. O clima do filme é de suspense, terror, loucura e dúvida sobre o investigador Teddy Daniels, desde as intenções reais que o trouxeram à ilha, a sua suposta mudança de posição de investigador para investigado, a forma como é tratado pelos médicos, assistentes e detentos, até a sua real condição mental no final do filme onde nos questionamos se ele recuperou ou não, a sua consciência e lucidez. Algo de relevante importância no filme, é o relato do médico psiquiatra responsável pela instituição o Dr. John Cawley, sobre ter uma proposta diferente de tratamento clínico experimental e inovador para este tipo de instituição, que consiste na fusão moral entre a lei e a ordem, onde o psiquiatra que trata o paciente com respeito, escuta e tenta entende-lo, poderá alcança- lo. Bem diferente, diz ele, dos psiquiatras conservadores que acreditam na lobotomia transorbital que deixa os pacientes racionais e dóceis para uns, e zumbis para outros. Baseado nessa forma de pensar do Dr. John Cawley, e a última fala do paciente 67 - Andrew Leaddis, nos faz refletir sobre processos tão invasivos quanto a lobotomia: “esse lugar me faz imaginar o que seria pior, morrer como um monstro ou viver como um homem bom...” Um filme realmente digno de muitos elogios por suas incríveis reviravoltas e seu desfecho surpreendente, fazendo despertar nossa percepção de como funciona uma mente adoecida pelo sofrimento causado por seus próprios atos insanos. Após estas considerações gerais, me deterei aos relatos do personagem principal brilhantemente interpretado por Leonardo DiCaprio, Teddy Daniels o policial federal ex-veterano condecorado de guerra que participou da retirada do Campo de Concentração em Dachau no final da segunda guerra mundial, personagem fictício do estado delirante de Andrew Leaddis, paciente 67, internado a dois anos na instituição. 5 Vejamos o histórico sobre o paciente 67- Andrew Leaddis que chegou ao instituto por ordem judicial, acusado de cometer um crime terrível, e por não conseguir se perdoar, entrou em um processo paranoico delirante, criando personagens em uma história fictícia, onde não é um assassino e sim, um herói, um delegado federal, que está investigando um caso de desaparecimento na instituição, onde acaba descobrindo uma conspiração contra ele próprio, o que o faz se sentir perseguido, tendo toda sua realidade desacredita como se fosse uma mentira criada por todos que ali estavam. Repete a fantasia delirante a dois anos, não se dando conta de onde vive realmente, pensa viver ainda no seu bairro, onde todos que ali estão são pessoas comuns como carteiros, leiteiros, jardineiros, entregadores, e etc. Era medicado com uma combinação de fármacos para evitar que se tornasse violento, mas só funcionavam de forma intermitente. Considerado o paciente mais perigoso da instituição por ser um ex-veterano de guerra e um policial treinado e já ter atacado e ferido assistentes, guardas e pacientes. Apesar disso, em seu prontuário consta que é um paciente inteligente, mas com propensão a violência, que não demonstra remorso por seu crime por negar que tenha acontecido. É altamente desenvolvido intelectualmente com narrativas fantásticas o que o impede de ver a verdade de suas ações. Além do personagem do delegado federal Teddy Daniels, usa um outro personagem como bode expiatório na sua fuga da realidade, que é a paciente fugitiva Raquel Solando, a quem atribui a culpa da sua tragédia pessoal e o seu maior desejo, que é fugir da ilha. Na sua paranoia delirante como delegado federal Teddy Daniels, se diz viúvo de Dolores, que morreu em um incêndio criminoso causado pelo zelador do prédio em que viviam, que era um incendiário perigoso chamado “Andrew Leaddis”, o assassino de sua esposa, a quem ele procurava encontrar a qualquer custo, e suspeitava que o zelador piromaníaco estava escondido na ala C do instituto. Ele o via como um desfigurado de aparência bizarra, com o rosto dividido por uma imensa cicatriz e olhos de cores diferentes. Também fazia parte do enredo da história delirante, que o instituto era um lugar onde se faziam experimentos com a mente, sendo mantido por um comitê antiamericano, e talvez até com influencias nazistas. No seu processo delirante, ele fala constantemente com o fantasma de Dolores e de sua filha Raquel, de quem usou o nome para a paciente fugitiva Raquel Solano, entre outros personagens imaginários. Também sofria com sonhos e pesadelos perturbadores. Na sua paranoia havia uma associação dos nomes dos personagens imaginários que era chamado de “regra dos quatro” pelos médicos psiquiatras, onde todos os nomes eram anagramascom 13 letras. 6 A verdadeira história de Andrew Leaddis, mostra um homem atormentado por culpa pela tragédia familiar, a morte de seus três filhos, e por ter assassinado sua esposa Dolores com um tiro, após encontrar os corpos das crianças que ela afogou no lago ao lado da casa. Dolores era uma maníaca depressiva e suicida que já havia tentado se matar antes, ateando fogo no apartamento onde moravam. Todos que o conheciam já haviam alertado sobre a condição psicológica dela, mas Andrew Leaddis não deu ouvidos, ele bebia muito, e se afastava da família ignorando os fatos, levando sua família para morar na casa do lago após o incêndio. Segundo os médicos, Andrew Leaddis a nove meses teve um progresso na sua condição psíquica, mas regrediu por não conseguir aceitar a realidade dos fatos. Não desistindo dele e querendo evitar a lobotomia, na tentativa de trazê-lo de volta a realidade, o psiquiatra Dr.Jhon Cawley com seu moderno e radical tratamento, que tinha o intuito de fazer com que ele ao vivenciar sua história delirante, pudesse se dar conta da realidade, já que estava sendo acompanhado de perto por seu psiquiatra pessoal, que era visto por ele em seu delírio, como o seu parceiro, o policial investigador Chuck Aule. Muitos outros sintomas apareceram em meio ao surto paranoico delirante e a crise de abstinência por se negar a tomar os medicamentos, dores de cabeça recorrentes, tremores, fotofobia e aumento do estado persecutório e violento. No auge do surto, Andrew Leads é confrontado pelos psiquiatras e medicado, voltando a restabelecer por um breve tempo o seu contato com a realidade, falando da sua maior angústia e dor que era a culpa por não ter impedido o assassinato dos filhos, o remorso pelo assassinato da esposa já que sabia do estado de adoecimento mental dela, e a não aceitação de ter sido o causador de sua morte pois a amava muito. Diante do estado paranoico delirante de Andrew Leaddis, vamos entender sobre esses processos psíquicos à luz da teoria de Melanie Klein, que tão bem relata processos que resultam em idealização, estados projetivos ligados a negação e a cisão, ansiedade, culpa, incapacidade de superar o luto e até desassociação esquizofrênica de despersonalização. Aqui a cisão ocorre de várias formas, caracterizando a posição esquiso paranoide fragmentando a realidade, transitando ente a posição paranoide e a posição depressiva. O amor e o ódio na teoria de Melanie Klein expressam ou equivalem as pulsões de vida e de morte desenvolvidas por Freud, aqui com a cisão dos objetos bons. Vemos o declínio do como defesa do ego conta a ansiedade, onde o ego faz uma cisão entre um objeto inteiro e o objeto ferido, 7 aniquilado ou morto, tanto para aliviá-lo como para atacar os objetos persecutórios, havendo um recalcamento profundo no inconsciente dos objetos mais ameaçadores. Todo esse movimento psíquico acontece quando Andrew Leaddis usa mecanismos de defesa para se livrar da ansiedade resgatando o objeto bom, o fantasma de Dolores que mesmo fragmentado o afasta dos objetos maus e assustadores que são sua realidade na instituição, e as lembranças dos fatos dolorosos, tornando seus delírios cada vez mais realistas levando-o a regredir da posição depressiva para a esquisoparanoide. Melanie Klein (1946) introduz seu conceito mais amplo definindo esse processo acima como identificação projetiva que veio a ser sua principal contribuição para psicanálise como um dos mais importantes mecanismos de defesa do ego. Melanie Klein mostra que a principal defesa contra a ansiedade na posição esquizo-paranóide é a identificação projetiva, e além disso que a identificação projetiva constroe as relações de objeto narcisistas características desse período, onde objetos são equacionados com partes excindidas e projetadas no self. Descreve também as ansiedades que acompanham as fantasias de penetrar à força no objeto e controla-lo, bem como o efeito de empobrecimento do ego pelo uso excessivo da identificação projetiva. – Nota Explicativa da Comissão Editorial Inglesa(pg18) – Notas sobre mecanismos esquisóides(1946). Em seu estado paranoico delirante a dois anos, podemos ver claramente a atuação do mecanismo de defesa maníaca sendo usada contra a ansiedade esquisoparanoide, na manutenção da história delirante de onipotência de Andrew Leaddis como delegado federal e investigador Teddy Daniels, não é um assassino e sim, um herói, investigando o caso de desaparecimento ou possível fuga da paciente louca e perigosa, cindindo a realidade com uma grande cota de ilusão, “eu posso tudo”, “eu sei de tudo”. Vale ainda salientar que a utilização do anagrama nos nomes dos personagens imaginários, é também usado como uma forma de sustentação do delírio por mantê-los de alguma forma coligados/entrelaçados dando suporte ao enredo da história delirante. As cisões e as projeções claramente percebidas no processo patológico de Andrew Leaddis, fazem parte preponderantemente da teoria Kleiniana, tanto na posição esquisoparanoide como na posição depressiva, tendo como função constitutiva a defesa do ego. 8 Melanie Klein (1935 – pag 305) – As defesas típicas da paranoia buscam principalmente eliminar os “perseguidores”, ao mesmo tempo em que a ansiedade pelo próprio ego ocupa um lugar central. (...) O medo da perseguição que de inicio era percebido como uma ameaça para o próprio ego, agora também se relaciona com o objeto bom. A partir desse momento o objeto bom é encarado como um equivalente a sobrevivência do ego. Andrew Leaddis na sua resistência inconsciente de manter-se aprisionado nas defesas do ego, sempre retornado do estado esquisoparanoide, onde cindindo, fragmentando e negando a realidade, projetando o mau em seus personagens imaginários e em uma situação idealizada, abafando suas reais emoções, é levado ao inusitado tratamento clínico experimental do psiquiatra Dr.Jhon Cawley, inovador para este tipo de instituição, onde o psiquiatra trata o paciente com respeito, o escuta e tenta entende-lo, e assim, através de sua vivencia da história delirante, pontuar aspectos da realidade fazendo com que ele entre no estado depressivo da teoria da Melanie Klein, mesmo que doloroso, para que ele possa entrar no processo de reparação e ser trazido à consciência, para poder lidar com o luto e a culpa, aprendendo a conviver com o que não pode ser mudado. Estou ciente como é difícil traçar uma fronteira precisa entre os sentimentos e o conteúdo de ansiedade do paranoico e os do depressivo, pois eles estão muito ligados entre si. No entanto podemos distingui-los se adotarmos com critério de diferenciação o fato de a ansiedade persecutória estar relacionada principalmente a preservação do ego – caso em que é paranoia – ou a preservação dos objetos bons internalizados com os quais o ego se identifica como um todo. Neste caso o do depressivo – a ansiedade e as sensações de sofrimento têm um caráter bem mais complexo. A ansiedade de que os objetos bons sejam destruídos, e o ego junto com eles, ou que estejam nem estado de desintegração, está entrelaçada a esforços contínuos e desesperados para salvar os objetos bons, internalizados, bem como os externos. Melanie Klein (1935 – pag 310). Na minha percepção, o tratamento do Dr. Jonh Cawley e o uso de medicação fizeram com que Andrew Leaddis, retornasse ao estado depressivo, encarando a realidade dos fatos, tendo recobrado a consciência, relembrando 9 e relatando fatos importantes aos psiquiatras. Penso ainda que a sua atitude na última cena do filme, diante da dura realidade, quando parece ter regredido novamente a paranoia delirante, ao estado esquisoparanoide, não é real, e sua última fala marcante me leva a suspeitar disso: “esse lugarme faz imaginar o que seria pior, morrer como um monstro ou viver como um homem bom...” 3. Considerações finais: Chego ao final desta análise falando sobre a maravilhosa teoria de Melanie Klein, a partir de um lugar de observação onde tive a oportunidade de entender melhor sua teoria, seu pensamento clínico e o que ele nos oferece e propicia. Foi a partir de sua teoria que vivenciei inquietantes experiências e obtive um grande aprendizado durante o filme. Na observação minuciosa do personagem principal pude contemplar a identificação projetiva em sua paradoxal ambivalência, isto é, enquanto um processo envolvido tanto nas situações impasse transferencial, angústia transbordante e paralisação da capacidade de simbolizar. A fantasia tão marcante na sua teoria mostrou como os aspectos ruins projetados danificaram o objeto, transformando-o em um elemento persecutório. Seu foco é predominantemente intrapsíquico, focado no indivíduo e em seus processos de fantasias internos, bastando um personagem em uma trama intrigante e complexa para ilustrar a representação danificada de fantasia, onde o indivíduo teme ser devorado pela realidade, contemplamos como essa relação é afetada e quanto o comportamento pode ser influenciado pelos mecanismos de defesa, ainda que se trate de uma fantasia inconsciente, os efeitos da identificação projetiva podem ser muito reais. 4. Referências Bibliográficas: Livro: Amor, Culpa e Reparação – E outros trabalhos – KLEIN, MELANIE - Editora Imago Ltda. – Edição Rio de Janeiro, 1996. Livro: O Sentido da Solidão - Nosso mundo adulto e outros ensaios -KEIN, MELANIE -Editora Imago Editora Ltda. – Edição Rio de Janeiro, 1971.
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