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Itaú Rumos Dança criações e conexões 2009-2010

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1
C A R T O G R A F I A 
rumos itaú cultural DANÇA 2009-2010
Organ izadoras 
C h r i s t i n e G r e i n e r
C r i s t i n a E s p í r i t o S a n t o
S o n i a S o b r a l
São Paulo 2010
Gustavo Ciríaco (RJ)
Eles vão ver
Cia. Suspensa (MG)
Alpendre
Cia. Vitrola Quântica (SP)
Darkland
Dani Lima (RJ)
Pra minha filha
Gabriela Duvivier e Michel Groisman (RJ)
Órgão
Denise Stutz (RJ)
Justo uma imagem
Carini Pereira, Mickael Ramos, Stéfanie Telles e William Freitas (RS)
Consequência do som, dança contemporânea a partir do hip hop
SUMÁR I O
CAP ÍTU LO 2
CAP ÍTU LO 1
André Lepecki
Planos de composição
Christine Greiner
Criações e conexões
13
23
9
25
29
33
35
37
39
4 1
Peter Pál Pelbart
Elementos para uma cartografia da grupalidade
Projeto DR (SP)
Fictícios
Adriana Banana (MG)
Espaço como fluxos de possibilidades
Marta Soares (SP)
Projeto Coleta de Vestígios
Thelma Bonavita (SP)
Transformers
Eduardo Fukushima (SP)
Como superar o grande cansaço
Wagner Schwartz (MG)
Piranha: dramaturgia da migração
57
47
54
58
62
63
68
73
Trechos retirados dos blogs de pesquisa 
Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010
Trechos retirados dos blogs de pesquisa 
Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010
Bernardo Stumpf (RJ)
Jimmy the jungle beast
Marcos Klann (SC) 
O que antecede a morte 
Andréa Bardawil e Maria das Graças Martins (CE)
Graça 
João Costa Lima (PE)
O outro do outro
Renata Ferreira (MG)
Volátil
Francisco Rider (AM)
Blocorpo
Rosa Almeida (AM)
Parte de mim
Andréa Sales (CE)
Casa
CAP ÍTU LO 3
Christine Greiner
Indagações sobre o que pode (ser) um processo
Cecilia Almeida Salles
Blogs como registros de processos de criação
79
8 7
97
9 5
118
1 0 1
103
105
107
109
110
112
Trechos retirados dos blogs de pesquisa 
Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010
Ficha técnica
6
7
9
A ideia de agrupar os documentos dos processos de criação apresentados na Mostra de 
Processos Rumos Itaú Cultural Dança em três partes surgiu de alguns critérios que apareceram 
durante a observação dos trabalhos apresentados. Não se trata de blocos ou categorias 
estanques. Alguns processos poderiam facilmente estar em qualquer uma das três partes. É 
apenas uma entre tantas outras possibilidades de leitura.
A primeira parte toma emprestada da conferência de André Lepecki a noção de “planos de 
composição”. Essa terminologia vem sendo usada por muitos historiadores da arte e leitores 
críticos das obras dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, tendo em vista pensar a arte 
em sua materialidade, assim como suas molduras epistemológicas e os modos como o 
compartilhamento de conhecimentos com outros campos do saber (ciência e filosofia, por 
exemplo) podem alimentar novos modos de ver, perceber e analisar os processos de criação. 
Todos os processos artísticos, em certa medida, fazem isso. No entanto, alguns deles pareceram 
especialmente preocupados com a construção de um plano próprio de composição e por 
isso foram incluídos nessa primeira parte, acompanhados por um artigo do próprio Lepecki.
A segunda parte reúne experiências de caráter mais explicitamente político. A princípio, 
também aí poderiam estar reunidos muitos dos processos de criação, uma vez que parece ser 
da natureza da dança contemporânea e da pesquisa em geral o perfil crítico (e político) que 
questiona o já estabelecido. No entanto, alguns processos pareceram explicitar de maneira 
mais evidente o que vem sendo chamado de biopolítica ou biopotência. Essa segunda parte 
vem acompanhada pelo ensaio de Peter Pál Pelbart, que também participou do evento como 
conferencista convidado e tem se destacado como um dos principais autores que discutem 
os modos como as formas de vida mudaram, não mais identificando a biopolítica como poder 
sobre a vida, mas, sim, como potência de vida.
A terceira parte inclui os artistas interessados na própria dinâmica e nos modos de organização 
dos processos de criação. Essa era a proposta geral da Mostra de Processos Rumos Itaú 
Cultural Dança, por isso também poderia incluir a maioria das experiências. No entanto, 
alguns optaram por focar especialmente nessa indagação e aqui são apresentados ao lado 
dos textos de Cecilia Almeida Salles, que é a pioneira no Brasil da chamada crítica de processo, 
e de Christine Greiner, que, após acompanhar toda a mostra, reflete sobre a natureza da 
apresentação de processos de criação em dança.
Christine Greiner
1 0
1 1C ap í t u l o 1
1 2
Professor-associado no Departamento de Estudos da Performance da Universidade de Nova 
York (NYU) desde 2000. Doutorado pela NYU. Curador, crítico e dramaturgista. Autor de 
Exhausting Dance (2006), organizador das antologias Of the Presence of the Body (2004), The 
Senses in Performance (com Sally Banes, 2007) e Planes of Composition (com Jenn Joy, 2010). 
Curador do festival Nomadic New York (2007) e diretor/curador do Festival In Transit (2008 e 
2009), de Berlim.
1 3
André Lepecki
Planos de composição
Um plano de composição é uma zona de distribuição de elementos diferenciais hete-
rogêneos intensos e ativos, ressoando em consistência singular, mas sem se reduzir a 
uma “unidade”. Todo objeto estético envolve em sua construção a ativação de mais de 
um plano de composição. Alguns dos planos de composição que distinguem a dança 
teatral como modo de fazer arte são: chão, papel, traço, corpo, movimento, espectro, 
repetição, diferença, energia, gravidade, gozo e conceito. Cada um desses planos não 
deixa de ser também um elemento de outros planos. Planos entrecruzam-se, sobrepõem-
se, misturam-se, entram em composição uns com os outros, atravessam-se. Por vezes, 
mesmo, se repelem e se autonomizam. Isso não os impede, contudo, de permanecerem 
inter-relacionados no metacampo de expressão que os agencia – por exemplo, um me-
tacampo chamado “dança”, construído, definido e desmanchado a cada novo e singular 
obrar, a cada nova peça que se dança.
Em minha fala de abertura, resumindo a argumentação bem mais longa que fiz em Exhausting 
Dance: Performance and Politics of Movement (London/New York: Routledge, 2006), tracei um 
esboço de como esses planos, entrecruzando-se, atraindo-se e repelindo-se, determinavam 
linhas e campos de forças para eventuais políticas do movimento na dança experimental 
contemporânea. Este texto é um resumo dessa fala.
1 4
Primeiro plano, ou plano introdutório, ou plano do quadrado 
branco de Feuillet
Em 1700, Raoul-Auger Feuillet publica Chorégraphie ou l’Art de Décrire la Danse, par Caractères 
et Signes Démonstratifs. Nessa obra magnífica, em que a palavra coreografia aparece impressa 
pela primeira vez, vemos que a condição de possibilidade para a dança passa pela criação de 
um isomorfismo estrito entre o chão onde a dança se atualiza e a página em branco do livro 
onde ela se traça antecipada e virtualmente. Ou seja, para Feuillet, a sala de dança é entendida 
não como um volume, mas como uma superfície. Daí poder ser representada por um qua-
drado branco traçado sobre uma página branca. É dentro desse quadrado branco que aquilo 
que Feuillet chamou de “a presença do corpo” toma lugar. Um corpo-hieroglifo, que Feuillet 
amalgama com várias letras sobrepostas.
Assim, quando a palavra coreografia surge, ela vem para agenciar não apenas escrita e 
movimento, não apenas corpo e signo, mas papel e chão. Com Feuillet, o chão da dança 
emerge graças a um duplo movimento de formatação e depois de articulação entre pla-
nos. Primeiro movimento: formata-se uma projeção inusitada do bidimensional (folha de 
papel) sobre o tridimensional (sala de dança) e vice-versa, pois um plano é sempre pré-
condição do outro. Segundo movimento: articula-se um transitar fluido entre a concretu-
de da vivência encorpada do dançarino e a virtualidade do corpo-hieroglifo, cujo contato 
com o mundo é reduzido a um ponto geométrico e cuja trajetória desenha uma linha 
de deslocamento no plano da folha/chão. Interessa aqui a precedência do desenho dia-
gramático sobre a execução da dança: a presença do corpodançante toma lugar graças 
ao plano prévio desenhado na página em branco – precedência do virtual sobre o atual, 
soberania do virtual sobre o atual, que determina e autoriza a qualidade de presença e 
os regimes de visibilidade do corpo dançante. Mais: no método de Feuillet, o dançarino 
move-se mantendo os lados do livro sempre paralelos às paredes da sala, e as folhas sem-
pre paralelas ao chão. Segurando o livro na horizontal, o dançarino move-se como se o 
chão se tratasse de uma página. Ainda mais: dado que Feuillet significa, em francês, “folha 
de papel”, as múltiplas dobraduras desse plano de composição muito particular colocam 
como chão da dança o nome daquele que funda a dança como transitar codificado de 
um corpo-hieroglifo movendo-se no espaço branco da folha/chão.
Dupla operação de composição do plano que embasa as condições de possibilidade 
de algo denominado “coreografia”: primeiro, criar uma fantasia de que o chão da dança 
é um espaço em branco, neutro, liso; segundo, apagar a brutalidade e a violência do 
ato de neutralizar um espaço (lembremo-nos das observações de Henri Lefebvre sobre 
espaço neutro e violência). Aqui é fundamental a leitura que Paul Carter faz da rela-
ção entre bailarino e topógrafo, estabelecida por Paul Valéry em “Poesia e Pensamento 
Abstrato”1. Carter lembra-nos que, para Valéry, a condição primeira de possibilidade 
da dança não é o corpo, não é o movimento de braços e pernas, não é a música, nem 
um elã vital. A condição primeira para a dança acontecer é a terraplanagem. Para que 
a dança possa se dar, e, ao se dar, dar-se soberanamente, sem tropeços, interrupções 
ou escorregões, seu chão tem de ser antes de mais nada um chão liso, terraplanado, 
calcado e recalcado. O som que anima e precede a dança não é o som da natureza nem 
dos pássaros, de liras, batuques ou cantos: é a barulheira da maquinaria pesada, o pala-
vrar ou as canções de trabalho dos operários, o chincalhar das ferramentas, o vociferar 
1 CARTER, Paul. The lie of the land. Boston/London: Faber & Faber, 1996.
1 5
dos topógrafos e capatazes. Apenas depois de um chão se tornar tão liso, vazio e chato 
como uma folha de papel em branco (agora podemos dizer: apenas depois de um 
chão se tornar Feuillet), o dançarino pode entrar em cena, de modo que sua execução 
de passos e saltos não tenha de negociar “acidentes de terreno.” Ora, esses acidentes 
não são mais do que as inevitáveis marcas das convulsões da história na superfície da 
terra – cicatrizes de historicidade. É como se uma topografia da dança já indiciasse a 
predileção dessa arte pelo esquecimento, o problemático a-historicismo constitutivo 
da dança. Se Deleuze nos falou da folha em branco como repleta de clichês que devem 
ser desfigurados de modo que algo novo possa se expressar em seu plano, o caso aqui 
é de um espaço branco repleto da violência que o fez e que o constitui como ilusoria-
mente “neutro.”
Plano de composição sendo repensado pela dança contemporânea: desenvolver uma 
relação nova com o chão supostamente neutro da dança, propor uma arqueologia da 
violência repisada que faz mesmo assim tropeçar o dançarino, apesar de todos os alisa-
mentos. Ou seja: pensar a dança contemporânea como proposta de planos de composi-
ção de uma política do chão.
Segundo plano, ou plano do fantasma
A socióloga norte-americana Avery Gordon faz uma proposta radical para recompor o 
plano epistemológico da sociologia contemporânea. Avançando o conceito de “ma-
térias fantasmas” (ghostly matters), Gordon propõe não uma sociologia que investigue 
aqueles que acreditam em fantasmas, mas que acredite ela mesma profundamente 
em fantasmas. O que é uma matéria fantasma para Gordon? “Todos aqueles fins que 
ainda não terminaram”2. Esses fins ainda sem término (o fim da escravidão que não 
terminou com o escravagismo; o fim da colônia que não terminou com o colonialismo; 
a morte de um ente querido que não apaga sua presença; o fim de uma guerra que 
não deixou de ser ainda perpetrada) prolongam a matéria da história para uma con-
cretude espectral (a virtualidade concreta do fantasma) que faz o passado reverberar 
e atuar como contemporâneo do presente. Para Gordon, “matéria fantasmas” são tam-
bém todos aqueles “corpos impropriamente enterrados da história”. No terreno mais 
liso, no espaço mais neutro, no plano mais aplainado, tocos de corpos que foram negli-
gentemente enterrados, descartados, esquecidos pela história e seus algozes brotam 
do chão emperrando nossos passos, provocando desequilíbrios, quedas, paragens ou 
movimentos cautelosos, ou, então, gerando uma necessidade de nos movermos a uma 
velocidade alucinante, ou em permanente zigue-zague, porém atenta e cuidadosamen-
te. Difícil dançar nesses terrenos que, apesar de lisos e lustrosos, volta e meia expulsam 
uma matéria fantasma (o fato de por vezes não a vermos não quer dizer que não exista 
e aja), fazendo-nos escorregar para além da intencionalidade coreográfica. Uma dança 
aberta para uma política do chão é uma dança aberta para aceitar e experimentar com 
os efeitos cinéticos das matérias fantasmas que interrompem a ilusão de uma dupla 
neutralidade, a do espaço e a do nosso movimento nele”. Pergunta ético-política para 
o plano de composição da dança contemporânea: que chão é este em que danço? Em 
que chão quero dançar?
2 GORDON, Avery. Ghostly matters. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997. p. 22.
1 6
Terceiro plano, ou plano do movimento
A noção de que o movimento é elemento distintivo da dança é relativamente recente. Segundo 
Mark Franko, “o corpo dançante, enquanto tal, é raramente um tópico nos tratados de dança re-
nascentista. Como diz o historiador de dança Rodonacchi, ‘... quant aux mouvements, c’est la danse 
elle-même dont la connaissance semble avoir été la moindre des occupations du danseur”3. O prota-
gonismo do movimento como traço distintivo da dança acontece apenas com a distribuição do 
sensível modernista, que na dança se dá por volta dos anos 1920-1930, e articulado claramen-
te por John Martin quando, em suas palestras na New School em 1933, proclama que apenas a 
dança moderna descobre a verdadeira essência da sua arte, que é o movimento. Mas se o mo-
vimento, como categoria estética, chega para marcar na dança seu modernismo, pode-se dizer 
que o movimento, como vetor de subjetivação da própria modernidade, recoloca a dança no 
seio das problemáticas políticas que historicamente definem o próprio cerne da modernidade: “a 
autoignição de um automovimento sem o qual a modernidade não poderia existir”4. O primeiro 
manual de dança em cujo título encontramos estampada a primeira versão da palavra coreografia, 
Orchesographie (1589), tem como protagonistas um padre-juiz que é também mestre de dança e 
um advogado-matemático que quer aprender a dançar. Nesse livro, os primeiros exercícios são 
marchas militares. Conjunção teológico-jurídico-científico-masculinista-guerreira que nos lembra 
como a coreografia surge como verdadeiro aparato de captura burocrático-estatal do dançar. A 
coreografia, por meio de padres-juízes, advogados-matemáticos e exercícios de guerra, rapta a 
dança e seu movimento de um plano de expressão participativo-coletivo e os remete para um 
plano representativo-burocrático (e até estatal). Acima de tudo, cria-se um aparato que é discipli-
nado, disciplinante e organizador não apenas de movimentos, mas de corpos e subjetividades. 
Ora, é preciso ter em mente que a modernidade (tal como sua nova arte chamada coreografia) 
também toma para si o projeto de se fundar ontopoliticamente numa subjetividade que se vê 
como essencialmente automotora. Não se trata de coincidência, mas de composição mútua de 
dois planos cuja intersecção determina um vetor de subjetivação: o “ser-para-o-movimento” de 
que nos fala Peter Sloterdijk em Eurotaoismus5. Emblema da modernidade, o movimento é sua for-
ça aglutinante e centrípeta, força que define e identifica, produz e reproduz o sujeito plenamente 
integrado na modernidade:aquele que clama para si mesmo a capacidade de se automover. Na 
modernidade, não mais nos movemos graças a vontades obscuras do transcendente, do divino, 
dos astros ou das energias ocultas. Na modernidade, criamos as condições corporais, afetivas e de 
subjetividade para vivermos a ilusão de que nos movemos porque queremos – e para onde qui-
sermos. Daí que Sloterdijk veja no automóvel um fenomeno bem maior do que mais uma impres-
sionante conquista tecnológica. Para ele, o automóvel é o evento ontoteológico da modernidade, 
o aparato de captura que arranca do divino ou do transcendente a soberania sobre o destino de 
cada um e a coloca sobre o sujeito automovente. O sujeito moderno é aquele que se define como 
soberano de seu próprio movimento. Simultaneamente dançarino e coreógrafo de seus passos, 
vai (ou pensa que vai) aonde bem quiser. Nesse ir, ajuda bastante se o chão onde se desloca já foi 
alisado, de modo que a violência de seu movimento se transforme numa experiência de deslizar 
relaxante. Ajuda também que a ilusão de autonomia (ser legislador de si mesmo) vá de mãos da-
das com a ilusão de automotricidade (ser locomotor de si mesmo), pois a junção de ambas define 
o sujeito moderno como o exemplo acabado do idiota: aquele sujeito privado, preocupado com 
suas próprias preocupações, que, na solidão envidraçada de seu carro, ou no isolamento de seu 
3 FRANKO, Mark. The dancing body in renaissance choreography. Birmingham: Summa, 1986. p. 9.
4 SLOTERDIJK, Peter. La mobilisation infinie. Paris: Christian Bourgeois, 2000. p. 27.
5 SLOTERDIJK, Peter, op. cit., p. 36.
1 7
estúdio, ou na privacidade de sua neurose, pensa que vai para onde quer, em terrenos previamen-
te (re)calcados para o exercício pleno de seu delírio cinético. As estradas esburacadas, os pneus 
furados, os intermináveis engarrafamentos, os radiadores fumegantes, os gases nauseabundos, 
todas as guerras petrolíferas da contemporaneidade – tudo isso o idiota automovente vê como 
epifenômenos negligenciáveis da vida. O que interessa é mover-se.
Desafio cinético-político para planos de composição na dança contemporânea: o que fazer com 
o destino do meu movimento? O que fazer com a subjetividade idiota do automovente? Como 
agenciar movimento e subjetividade de modo que se saia do delírio ontoteológico automobilís-
tico? É óbvio que esse plano do movimento soberano é a “ilusão fundadora” da modernidade, a 
sua idiotia constitutiva: mesmo fora da estrada, mesmo na suposta segurança do lar, o sujeito se vê 
como automovente apenas para se descobrir num eterno engarrafamento de seu desejo, numa 
cumplicidade obscena perante a pilhagem escrota da natureza, num testemunhar passivo de uma 
violência neocolonial desmedida e sádica – tudo para garantir o combustível que o moverá para o 
próximo engarrafamento, desde que os topógrafos e suas máquinas aplainantes da história conti-
nuem a trabalhar para que a borracha deslize sem um solavanco sequer. Paroxismo grotesco des-
sa lógica totalitária do movimento fundador desse ser-para-o-movimento, imagem que expressa 
como a má consciência aflora do inconsciente político-cinético-colonial de tal modo que tem de 
se manifestar, sob pena de implosão do sujeito: nas mais engarrafadas metrópoles, os carros SUV 
tornam-se objeto de desejo VIP e são projetados e propagandeados como veículos de que toda 
família decente necessita para vencer os mais selvagens terrenos: florestas virgens, desertos inós-
pitos, tundras eternas, glaciares traiçoeiros. Em caso de qualquer risco de contato com nativos ou 
outros seres locais, um GPS embutido garante destino certo, coreografado via satélite, enquanto 
telas de vídeo incrustadas no interior do veículo garantem aos passageiros total impermeabilidade 
à experiência do movimento como plano positivo para explorações não exploradoras de outros 
corpos e outras naturezas. O idiota automovente acredita ainda que se move na folha de Feuillet, 
num espaço em branco ou virgem (delírio do colonizador), acredita que se move por autossufici-
ência energética (delírio de uma subjetividade solipsista).
Pergunta cinético-política para uma dança contemporânea: quais os movimentos para resgatar 
o movimento? Como inventar outra via de subjetividade em que não nos encontremos sempre 
oscilando entre a agitação frenética e a passividade depressiva? Quais os outros modos de explorar 
criativa e atentamente os espaços cheios do mundo onde uma verdadeira aventura de movimen-
to nos aguarda?
Quarto plano, ou plano da gravidade, ou do tropeço
Frantz Fanon é o fenomenologista de uma política cinética do tropeço. Sua escrita revela as 
forças hegemônicas e contra-hegemônicas que atravessam os planos de movimento e de 
chão. Fanon descreve minuciosa e corporeamente como forças e contraforças se articulam 
na formação de subjetividades e de experiências da imagem do corpo na colônia, na pós-
colônia e na neocolônia. Caminhando por Lyon, Fanon descobre por meio do tropeço que 
um chão não é só terreno, mas é sempre composto também de atos de fala. E descobre 
que todo ato de fala é um corpo a corpo com a linguagem, um embate em que o terreno 
social se organiza produzindo e reproduzindo corpos (ecos de Deleuze e Guattari levando J. 
L. Austin para um passeio sem retorno: “a linguagem não serve para comunicar, mas para ser 
obedecida”). Passeando pela cidade como um bom burguês, jovem médico que era, Fanon 
escuta uma voz vinda do outro lado da rua: “Mamãe, olha o preto!”. E de novo: “Mamãe, olha o 
1 8
preto, estou com medo!”. As palavras da criança crivam-no como balas, ativam um tremor de 
terra privado sob os pés de Fanon, de qualquer jeito revelando uma balística da linguagem: 
“Tropecei. Estilhacei-me. Desde então me movo na horizontal”6.
Plano de composição para um sujeito movente na colônia globalizada: como resistir e contra-
atuar de modo que o movimento seja resgatado de subjetivações burras, colonialistas, 
racistas, violentas, anti-históricas? Como trazer de novo para a dança o movimento como 
linha de fuga, experimentação alegre, condição de produção de conceitos e ideias? Por 
vezes, mais nos vale um ato parado do que uma agitação animada; resistir ao movimento 
como algo que já vem pré-acelerado pela demanda imperiosa de estarmos em permanente 
deslocamento voraz no qual o que se afirma é a presença de uma intolerável pessoa. Lembrar 
sempre que há movimento intensivo, que existem micromovimentos a ser dançados, ou 
operações de agenciamento com outros corpos e movimentos. Devires apessoais, ritmos 
para outra humanidade. Abraçar o horizontal só por um momento, ou por longos dias, ou 
para o resto da vida, para ver o que se ganha quando se perde verticalidade e o que se 
ganha quando se ganha horizontalidade. Em vez de caminhar no chão aplainado pelas 
violências idiotas, fazer para si mesmo – com seu corpo se movendo no plano que agencia 
o desejo – seu chão.
Quinto plano, ou plano da coisa
É falácia pensar que, só porque a dança mobiliza corpos, então toda dança sabe 
necessariamente o que pode e o que move um corpo. Daí a expressão “dança experimental”: 
aquela que se atreve a experimentar o que pode, o que move, o que faz mover um corpo. 
Os planos de experimentação na dança, quando investidos no problema da composição 
coreográfica, redescobrem que a corporeidade é sempre imanente ao plano de consistência 
da obra-por-vir: cada obra pede um modo adequado de corporeidade, de viver, animar, 
agenciar um corpo; por outro lado, cada corpo e suas singularidades pedem para si uma 
obra adequada ao modo desse corpo ser. Despega-se, assim, da dança a ideia de que existe 
um tipo de corpo privilegiado para dançar. (Todo corpo pode dançar, toda dança pode ter 
qualquer corpo.) Trata-se de uma política de composição atenta a modos de adequação 
imanentes e não imposições de regras do “jeito certo” de fazer dança. Despega-se, assim, da 
dança um modo espetacular de estar presente, de demonstrar presença. Mark Franko nos 
fala do modo epideitico da dançarenascentista, cujo propósito era mostrar a pessoalidade 
do executante como sujeito plenamente soberano de sua capacidade virtuosa de se mover: 
“o propósito final da dança era a exibição da pessoa de cada um”7. Falta de modéstia da 
dança, quando se vê capturada pelo aparato cortesão-estatal que em breve vai organizá-la 
como coreografia. Investimento da dança aparelhada ao espetáculo do estado na noção 
de pessoa como modelo privilegiado de subjetividade. Despegar a dança da pessoalização 
e seus espetáculos é agenciá-la com outros modos de ser, inclusive modos de devir não 
orgânicos, nos quais se “transgride a tradição que representava [o humano] enquanto 
sujeito, pessoa, espectador, ou ator”8.
6 FANON, Frantz. Black skin, white masks. New York: Grove Press, 1967. p. 109.
7 FRANKO, Mark, op. cit., p. 33.
8 PERNIOLA, Mario. The sex appeal of the inorganic. New York/London: Continuum, 2000. p. 13.
1 9
Plano de composição recente (e crescente) na dança contemporânea é o agenciamento do 
dançarino com a coisa (Ibrahim Quraishi, Thomas Lehmen, Martin Nachbar, La Ribot, Aitana 
Cordero, João Fiadeiro, Vera Mantero). Experienciar a coisa, ou experimentar um plano de 
composição coreográfica em que o corpo se liberta de “cadeias de deveres e necessidades” 
que não são mais do que modos tristes de afetação, e deixar-se “ser coisa em si”, porém “sem 
degradação nem humilhação da humanidade de cada um”9, é uma possibilidade de devir 
recentemente explorada pela dança. A dança vai buscar no corpo a coisa que o corpo sempre 
foi – amálgama de orgânico e inorgânico, mineral e bicho, cuspe e matéria, opacidade 
e luminescência, mineral e planta. Ou seja: coisa. Busca da coisa, da parceria da coisa, sem 
pulsão de morte, sem morbidez, mas ensaiando apenas “o movimento horizontal em direção 
à coisa”, que, segundo Perniola, nos levaria para um regime de sexualidade, mas também 
de entendimento de composição estética, sem verticalizações permanentes entre cumes 
orgásticos e vales depressivos. A horizontalidade rasteira de Fanon, ou do artista e performer 
afro-americano William Pope.L em seus “rastejos”, esclarecem-se não apenas como resultantes 
de uma violência incontornável, mas positivamente como vontades de experimentar 
cineticamente com devires animais e com devir-coisa.
Sexto plano, ou plano de composição do retorno, da repetição, 
da diferença ou do “re-enactment ”
Este plano do retorno define igualmente a dança experimental contemporânea. Mal ou febre 
de arquivo, dirão uns. Quem sabe? Mas que tal ver esse plano não como maleita mas como 
potência afirmadora de uma vontade? Mas vontade de quê? De retornar para um não lugar 
de onde se pode de novo partir. E vontade de quem? Da coisa. Da coisa chamada “obra”. A 
quantidade crescente de re-enactments na dança contemporânea nos fala da vontade de obras 
querendo se “reobrar” numa possibilidade outra daquilo que já foram uma vez. No conceito de 
re-enactment estão contidas as ideias de tradução, recriação, repetição com/como diferença. 
Um modo de “transcriação”, como queriam os irmãos Campos. Mas no re-enactment está 
contido também um modo de perturbar e de potencializar duas noções fundamentais para a 
coreografia: de arquivo e de corpo. O re-enactment não recria uma obra passada, não resgata 
uma dança parada no tempo que já foi. O re-enactment atualiza virtuais presentes e concretos 
da obra que já foi mas que, no entanto, ainda age e por isso ainda é (uma obra é uma “matéria 
fantasma,” seu fim não tem término). Funciona assim: uma obra se agencia a um coreógrafo; 
nesse agenciamento, atualiza-se uma vontade: a vontade de ser não aquilo que já foi, mas tudo 
aquilo que não foi e que ainda pode vir a ser (porém, continuando a ser a mesma obra). Em sua 
atualização renovada, isto é, no seu re-enactment, a obra passa a ser algo que nem o original 
imaginava ser possível – muito embora o possibilitasse. O re-enactment sobrepõe o plano de 
desejo da obra ao plano da vontade autoral do coreógrafo. Nesse movimento, se redesenham 
as bordas de ser da obra e se revela todo um sistema de formação e de transformação de 
seus enunciados. Ora, tal sistema dinâmico de transformação, baseado numa dispersão 
original e originária, em que a obra já foge de si mesma desde sua origem, Foucault chamou 
de “arquivo.” O arquivo, em Foucault, não é uma gaveta, um prédio, uma instituição – é um 
sistema dinâmico de “formações e transformações de enunciados” que delimita o nosso estar 
no mundo10. É por isso que o re-enactment sempre transforma: porque arquiva. Na dança, o 
9 PERNIOLA, Mario, op. cit., p. 38.
10 FOUCAULT, Michel. The archeology of knowledge. New York: Pantheon Books, 1972. p. 130.
20
re-enactment descobre, além do mais, que é o corpo o modelo privilegiado desse arquivo 
transformador. Porque o corpo é sempre errante, agenciador, precário, inventivo, desejante, 
fugitivo de si mesmo e mortal, a dança descobre-o como sendo justamente a dispersão 
dispersante na origem. Corpo é sempre corpo-arquivo, porque formador e transformador 
de si mesmo e dos enunciados que o fazem e o delimitam.
Último plano de composição (por motivos de espaço apenas, 
pois os planos são infindáveis), ou plano do mal-entendido, 
ou do inventário
Com a exposição desses planos, de modo algum se pretende advogar um modo privilegiado 
ou único ou hegemônico de fazer dança, nem um modo único ou privilegiado ou hegemônico 
de pensar dança. Dança é aquilo que ela quiser fazer. E o pensamento sobre dança deve com 
ela se fazer. Que ambos se façam sempre num plano de consistência mútuo – para evitar as 
idiotias. Eu quis apenas apresentar esses planos para esclarecer eventuais mal-entendidos 
que ameaçavam, e ainda ameaçam, a recepção e por vezes mesmo a circulação, o apoio e a 
produção de algumas propostas de dança contemporânea que escapam a ontologizações 
estetizantes, expectativas teórico-críticas academicistas e hábitos de composição e de dançar 
que impedem que os fazeres se façam. Cada um que pense e que faça a dança que queira ser 
feita. Ou desfeita.
2 1
22
23Trechos retirados dos blogs de pesquisa Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010
interferência gráfica em frame de Gustva Ciríco
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Gustavo Ciríaco (RJ)
E LES VÃO VER
28/9/2009 , 17 :32
Uma semana de ensaio
Francini
 de água doce característico dos rios da América do Sul.
Uma semana de ensaio. Investigamos, praticamente, categorias e elementos envolvidos na cena 
para a criação da espetacularidade e seus códigos – tema central da pesquisa. A partir de uma 
lista referencial dos elementos tradicionalmente envolvidos na cena em geral, e na cena da dan-
ça em particular, realizamos improvisos de movimento com elementos aleatoriamente escolhi-
dos. Prólogo, estruturas de início, meio e fim de espetáculo, luz, cenário, figurino, clímax, coro, 
protagonista, enfim, elementos cênicos investigados e explorados em múltiplas combinações.
É estranho perceber a dificuldade em abordar tais temas, sem comentá-los – de forma pejorati-
va, especialmente. Parece-nos estranho, ainda, a menção a estruturas do espetáculo já contes-
tadas historicamente, como a hierarquia em relação ao espaço cênico ou a subordinação dos 
elementos da cena em relação uns aos outros; a subordinação do movimento, em particular.
Tal preocupação se estende à discussão sobre a criação das categorias de nosso blog. Lista-
mos várias possibilidades, mas elas nos parecem todas a priori. Outras questões, no entanto, 
começam a surgir como desenvolvimento das discussões: questões acerca da presença do 
intérprete em cena ou das abordagens possíveis da materialidade do movimento através de 
distintas técnicas de criação e apresentação – repetições, cânones etc. A participação do es-
pectador é questionada, não relativamente à possibilidade de sua abordagem direta em cena, 
mas à inclusão de suas reações, como em um programa espetacular de TV, por exemplo, em 
que sua imagem frente ao espetáculo da vida cotidiana é parte importante na criaçãodo 
efeito de espetacularidade da própria cena, encaminhada, então, ao grande público telespec-
tador. Ou como nos programas de calouros, de entrevistas ou shows de esportes, nos quais, 
mesmo sem sair de sua relativa passividade, ele faz parte da construção da cena pela simples 
exploração de sua imagem como espectador. Ele assume a posição paradoxal de não estar 
dentro da cena, mas, pelos mecanismos de construção, fazer parte dela.
Enfim, concluímos, por ora, que muitas categorias surgirão por necessidade, pelo desenvolvi-
mento dos acordos tácitos que levam os elementos da cena a cumprir sua função.
1 4/ 12/2009 , 13 :40
Um ponto vírgula
O que é isto? 
O que é fazer isto? 
O que isto produz ao ser feito?
Um pequena crise. Ou talvez uma grande, muito grande. Tenho pensado sobre o projeto. Na 
realidade, re-pensado. Com hífen. Aproveito dessa separação. Voltar ao que se já havia pensa-
do. Mapeado. Desde o início, pensei nos códigos e elementos teatrais que dão visibilidade ao 
que é posto em cena, aqueles procedimentos e coisas, dizendo de novo, fazendo uso dessa 
26
redundância, que conduzem o olhar do espectador através de uma peça. Os construtores de 
realidade. De uma determinada realidade. Mas atravessando papos e trabalhos, conflitos inter-
nos e apresentações de uma outra peça, o Nada. Vamos ver, ganho uma nova perspectiva sobre 
este trabalho. Percebo que não tenho interesse em fazer uma catalogação do que é possível em 
uma cena e fazer essas possibilidades desfilarem, uma após outra. Percebo – e uso o verbo no 
presente, por tratar-se de algo que ainda está em elaboração – que estou mais a fim de usar es-
ses elementos e protocolos para criar um outro lugar, uma outra coisa. Eles não são o fim em si. 
Eles estão a serviço de. Vendo uma exposição em Paris do cineasta tailandês, Apichatpong Wee-
rasethakul (http://www.animateprojects.org/films/by_date/2009/phantoms), tive a experiência 
de ver pequenos filmes feitos em um mesmo lugar, um lugarejo ao norte da Tailândia, nos quais 
situações acontecem ao mesmo tempo ou sequenciadas, mas sem nenhum apoio convencio-
nal de estrutura narrativa, ou seja, não havia elementos que organizassem para aquele que vê a 
exposição uma linha a seguir, uma maneira de ler aquelas imagens. No entanto, à medida que 
eu ia vendo os vídeos, uma realidade poético-ficcional-documental ia ganhando traços em mi-
nha cabeça. Algo ia se construindo para mim. Embora esse algo mudasse a cada vez que eu via 
um novo filme ou mesmo no interior do mesmo filme. Como se eu fosse juntando pedaços que 
iam provocando mudanças no que eu havia apreendido antes. Sem nunca fechar. Uma espécie 
de leitura livre de fatos aparentemente corriqueiros, mas com algo que dava um tom um tanto 
surreal, como o filme em que um grupo de adolescentes joga uma pelada de noite com uma 
bola em chamas enquanto em uma tela ao lado deles é projetado um filme com pequenos 
raios originados no chão praticamente, uma situação que de fato acontece a alguns metros de 
distância dali. Aos poucos vamos vendo uma coisa e outra e, mesmo quando vemos tudo o que 
há para ser visto, o que se vê ultrapassa um sentido fechado, uma narrativa única que nos auxilie 
através dela mesma. Um efeito poético sob um registro realista, eu diria. Sou jogado assim para 
lugares inusitados, mas ao mesmo tempo com uma sensação familiar. Em um outro vídeo, um 
grupo de homens constrói uma espécie de disco voador, como se construísse um barco, algo 
trivial. Uma trivialidade que produz uma poesia tão forte...
Bem, essa experiência me fez perceber que, em vez de buscar revelar o esqueleto de uma dra-
maturgia, surge como muito mais atraente – ainda mais se penso em todos os desnudamen-
tos do teatro e de suas condições já feitos nos últimos 15 anos – buscar produzir uma nova 
dramaturgia, menos programática e mais ao sabor do ocaso, através do que se apetece juntar, 
mesclar, para além de um princípio organizador que estabeleça como os elementos devem 
ser organizados ou que preveja uma única narrativa a seguir descoberta por detrás de todas as 
diversas partes. Ganhou-me o desejo de não saber o que arregimenta as cenas, pelo contrário, 
mergulhar no misterioso caminho dos sentidos individuais, no inenarrável que uma imagem, 
uma história, uma música ou a associação desses elementos é capaz de gerar.
Enfim, isso realmente faz-me re-pensar e querer aprofundar toda a história dos inícios, meios 
e fins que estávamos investigando. Os tais referenciadores de realidade. Construtores de mun-
dos, de afetos, de situações.
Blog: http://elesvaover.wordpress.com
Concepção e direção: Gustavo Ciríaco
Performance e cocriação: Dyonne Boy, Francini Barros, Gustavo Ciríaco, Ignacio Aldunate e 
Milena Codeço Artista visitante e colaboradora: Lucía Russo
Trilha sonora: Rodrigo Marçal – Aprx
Figurinos: Paula Stroher
Duração: 30 min
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Gustavo Ciríaco é coreógrafo e performer. Desde 2003, faz projetos com outros artistas, 
como Jorge (2003) e Uma Conferência Imaginária (2004). Em 2006, estreou Aqui Enquanto Ca-
minhamos, com Andrea Sonnberger, apresentado em Lisboa, Munique, Berlim, Marselha, Pa-
ris, Londres, Rio e Madri. Em 2007, ganhou o prêmio APCA com Still – Sob o Estado das Coisas. 
Em 2009, estreou Nada. Vamos Ver (Prêmio Klauss Vianna), com residência nos Les Récollets, 
em Paris. Em 2009, estreou Vizinhos, com Andrea Sonnberger, em La Casa Encendida, Madri. 
Para 2010, prepara a estreia do solo Now, com a bailarina francesa Annabelle Pulcini, e inicia o 
projeto Drifting, com o português António Pedro Lopes.
Dyonne Boy é atriz, bailarina, artista plástica e jornalista. Em 1989, criou o grupo de teatro Tro-
glô. Fez faculdade de comunicação social na PUC-Rio. Em 2000, fundou a ONG Grupo Cultural 
Jongo da Serrinha, onde exerce o cargo de coordenadora-executiva. Em 2006, concluiu o 
mestrado em projetos sociais e bens culturais na Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ) e realizou 
a exposição Jongo 1759-2006, em parceria com o Sesc. Em 2009, concluiu a Escola Técnica de 
Dança Angel Vianna, no Rio, e começou a trabalhar com Gustavo Ciríaco nas criações Nada. 
Vamos Ver e Eles Vão Ver.
Francini Barros é bailarina formada pela Escola Angel Vianna e mestre em história e crítica da 
arte no Instituto de Artes da Uerj. Atualmente, cursa doutorado em teatro na Unirio. Trabalha 
com Gustavo Ciríaco desde 2004. Atuou como bailarina e assistente de direção na Trupe do 
Passo, dirigida por Duda Maia, de 1999 a 2003, e na Lia Rodrigues Companhia de Danças, de 
2003 a 2005. Em 2003, participou da performance Henrique III, de Laura Lima, na 4ª Bienal 
do Mercosul, em Porto Alegre, e apresentou o vídeo Múltiplo 4872946652094, no evento 
Alfândega, no Armazém do Cais do Porto.
Ignacio Aldunate é ator e performer. Formado em artes cênicas pela PUC de Santiago, circula 
entre cinema, dança e teatro. Trabalhou em teatro com Ramón Griffero, Eduardo Wotzic, 
Camila Vidal e Eduardo Vaccari e em dança com Esther Weitzman e Gustavo Ciríaco. Dirige 
o esquete Dance Contest, de Camilo Pellegrini. Esteve em festivais na Colômbia, Espanha, 
Alemanha, Cuba, Chile e Brasil.
Lucía Russo Russo é assistente de direção e colaboração artística. Faz parte da Casa Dorre-
go (atualmente c.a.s.a.), coletivo artístico baseado em Buenos Aires. O c.a.s.a. desenvolve um 
trabalho de intercâmbio e colaboração entre artistas de diversas disciplinas. Como diretora, 
apresentou obras em diversos lugares na Argentina, Chile e México. É autora intelectual de Di-
álogos (2006) – Encuentro sobre Procesos de Creación en Danza Contemporánea. Colaborou 
com os coreógrafos Hiroaki Umeda (Japão), Ayara Hernandez (Uruguay), Diego Gil (Holanda) 
e a Companhia Mundo Moebio (Chile).
Milena Codeço é bailarina. Dançou na Esther Weitzman Cia. de Dança até 2006 e fez assistência 
da peça Territórios. Desde 2006, colabora com Gustavo Ciríaco em Still – Sob o Estado das Coisas 
(assistente e intérprete) e em Nada. Vamos Ver (intérprete-criadora). Atualmente, participa dos 
processos criativosde Eles Vão Ver, de Gustavo Ciríaco, e Sem Nome, Todos os Usos, de Flávia Meireles.
Rodrigo Marçal é músico e atua junto com Lucas Marcier na Arpx. No currículo, trilhas de 
dança, cinema e teatro contemporâneos: Still – Sob o Estado das Coisas, Nada. Vamos Ver, 
Ensaio.Hamlet, Drežnica, Gaivota – um Conto Curto, Ressaca, Autopeças.
interferência gráfica em frame de Alpendre
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Cia. Suspensa (MG)
A LPENDRE
13/9/2009 , 2 1 : 03
Outras pessoas – cada um
Há algumas semanas nosso chão foi suspenso sobre o tablado. E ali tem ficado montado. Não iniciamos 
ainda nenhuma prática direta e organizada, mas um encontro se passou ali e resolvi registrá-lo.
Uma turma de alunos de arquitetura da PUC Minas, por meio do prof. Maurício Leonard (arquiteto e 
também performer), nos procurou para contribuir com suas experiências a respeito de projetar através 
do corpo. Com eles desenvolvemos uma prática com o uso de objetos no espaço. Entre esses objetos 
estava nosso platô.
Observei algumas estratégias corporais enquanto as pessoas tentavam decifrar o objeto: o braço direito 
jogado na diagonal empurra o AR. As mãos estão cerradas, pés puxam o chão com os dedos, pés arras-
tam sobre o chão, joelhos esticados, pernas rígidas, passos rápidos e curtos, uma dança estranha, nada 
no quadril, olhar para o chão, pés não desgrudam do chão, quadris ainda fixos. Enfim um alívio... quatro 
apoios. Mais liberdade, mãos agora puxam o chão, queda... no chão outro plano, giro, caminhada de 
quatro apoios, queda, de novo em pé, pausa... tudo ainda se move mas o corpo tenta controlar... ondas, 
olhar para fora, primeira vez, ainda existe um fora. Um banco sobre um chão que se mexe. Movimento 
a favor, ampliação do pêndulo, tempo longo, balaaaaaaaanço, contramovimento, a frenagem. De novo 
queda, e outra estratégia: abandonar o barco.
Conversas sobre um diálogo, escutar, sensibilidade, a estrutura do corpo, arquitetura, espaço corpo es-
paço, coisas-objetos, harmonia, desarmonia, e outros disparos que agora não me lembro mais.
19/ 10/2009 , 0 :35
Discussão sobre possibilidades – procedimentos, métodos... Maneiras de...
Iniciar os procedimentos desta pesquisa com planejamentos alternados. Cada semana, um 
dos quatro conduz as práticas. No primeiro mês as conduções podem não ter relação ou 
serem disconexas umas com as outras. Assim temos maior liberdade de propor coisas, fazer 
vontades, ter ideias, gastar, exercitar a ação. No segundo mês podemos definir já alguns cami-
nhos que forem para nós, naquele momento, mais importantes, como direções primordiais. 
Dentro dessas direções, os planejamentos alternados então seguem em relação ao anterior, 
em continuidade ou questionando, afirmando ou duvidando das práticas anteriores.
Algumas ferramentas possíveis:
Assistir a outros corpos, pela primeira vez neste espaço (é tão interessante observar ou-
tras pessoas quando sobem no plano), as estratégias de cada um, as torções no corpo, 
como mãos se comportam, rostos, deixando claro o conflito “equilíbrio”. Registrar essas 
pessoas? Filmar?
Visitas/outros: Adriana, Tuca e Karina; Maurício Leonard; Carlos Teixeira.
Colaborações – procura de atravessamentos com outros pensamentos – leituras, práticas, referências.
Experiências paralelas ao plano: outras experiências sob o plano, recorte, moldura, mobilidade.
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Posicionamento do plano, transportá-lo para outros lugares, fora do estúdio. Obra do C.A.S.A. 
(Centro de Arte), espaços externos, internos? Onde seria possível? O que muda? Posiciona-
mento alinhado, desbalanceado; muito alto, no chão quase encostando no chão, a um, dois, 
três metros? O que muda?
Experiências no plano: com duas pessoas, três, quatro? Uma pessoa. quem está fora? O que 
pensa? Como se relaciona com que está dentro? Dentro-fora. O alpendre: lugar de observar – 
ligação, passagem para o externo.
dez . 2009
Plano de trabalho
Alpendre
Plano de trabalho – questões/proposições desenvolvidas até agora e apontamentos a serem 
seguidos (situação).
1) Questões físicas (corpo) e mecânicas (objeto):
– Observação de apoios; eixos; contrapeso; equilíbrio, desequilíbrio e uso das articulações : 
presentes em tudo o que desenvolvemos e são abordadas todo o tempo, mesmo que não 
como questão-foco do exercício, proposta, cena e/ou improvisação.
– Construção e desconstrução de padrões do movimento e da relação com o aparelho-objeto. 
Quando filmamos cada prática podemos observar nossas reações corporais incidentes, 
conscientes ou não. Descobertas de novas qualidades físicas.
2) Questões do objeto no espaço:
– Ampliação do espaço de atuação para além do espaço interno e arredores do objeto. 
Objeto no “campo ampliado” Ocupações, composições e observações. Exemplo: ao inserir o 
objeto-tablado flutuante em um espaço qualquer, propomos uma interferência; em outras 
palavras, algo se transforma de alguma maneira. Como? E se colocarmos mais planos? Criando 
espaços, recortes com planos fixos, recortes, inclinações e alturas diferentes, a 6 metros de 
altura, dentro de um quarto, em um espaço aberto, uma mesa, com dois andares etc.?
3) Questões do movimento e suas dramaturgias:
– Investigação das potências do movimento, nas situações propostas (em relação ao platô) 
enquanto gerador de dramaturgias. Estar atento às sugestões e transformações do objeto 
como em uma mesa, um barco, um balanço, um quarto, uma conversa, uma dança, portas 
onde entro e saio, janelas por onde vejo etc.
– Investigar assuntos que surgem da própria fisicalidade, como: um desequilíbrio sóbrio; uma 
tentativa incessante; uma dança embriagada; uma relação em que um intefere bruscamente 
no movimento do outro; ou se um e outro, em harmonia, tentam se manter em pé.
– Criar interferências com textos/imagens ou paisagens sonoras/musicais: elementos externos 
que dialoguem com o trabalho. Buscar a presença de escritores e visita de músicos.
4) Estratégias de compartilhamento: envolver outros no processo, dividir, entender em diálogo.
– Visita de outros artistas, bailarinos, artistas plásticos, arquitetos e poetas cujo trabalho ou 
questões cruzem os/as nossos/as e que possam se interessar em compartilhá-los. Exemplo: 
Projeto Bifurca – Adriana, Tuca e Karina (Rumos), Maurício Leonard (bailarino-arquiteto e 
parceiro em outros trabalhos), Ana Martins Marques (poeta e escritora), Gabriela Cristófaro 
(bailarina e parceira em outros trabalhos – professora de dança), professor Bernardo Zama 
(professor de física do ensino médio, envolvido na pesquisa em arte-educação Objeto de Voo 
anterior a esta pesquisa).
– Coleta de material filmado de outras pessoas, com histórias e presenças corporais as mais 
diversas, sobre o tablado. A observação desses outros tem para nós um elemento imprevisto. 
3 1
Olhamos para as pessoas pela primeira vez neste espaço, procurando decodificar, se 
proteger e ao mesmo tempo arriscar com um corpo que não temos mais a oportunidade de 
experimentar; um corpo que não prevê as respostas mecânicas do chão, um corpo sem chão.
– Convite a um grupo de pessoas para tomar um café em nossa mesa-tablado. Um café móvel, 
instável. Um acontecimento (happening) a ser registrado em vídeo e relatos (textos).
– Divulgação do blog para um grupo amplo de pessoas e convite para que acompanhem a 
pesquisa, contribuindo com suas leituras.
Proposta de montagem/formato de apresentação-exposição do trabalho:
Como plano de apresentação ou demonstração de trabalho, chegamos a um formato que 
leva em conta as questões e apontamentos que vemos agora (provisórias). No entender desse 
processo, o melhor formato é o de uma apresentação-exposição que possa ser vista e visitada 
(a depender da disponibilidade de espaço). A princípio, o espaço ideal é uma sala onde possa 
ser ao mesmo tempo instalado o platô , uma pequena exposição de desenhos, imagens e 
textos e alguns vídeos.
No desenho abaixo a proposta de montagem:
1) Local de instalação do platô móvel e algum possível outro plano (fixo ou móvel) que venha 
auxiliar. Neste local faremos a apresentação-demonstraçãodo trabalho. Para tal poderemos 
realizar uma ou duas sessões de 20 a 40 min. Nessas sessões realizaremos coreografias, 
exercícios, improvisações e conversas que explicitem as questões abordadas. Pensamos em 
três momentos: A – Apresentação de coreografias-danças como apontamentos de cena, B – 
Demonstração de processos (como em camadas da pintura, ou exercícios que se desdobram 
e se sobrepõem), C – Experimentação dos outros (espectadores): convite para que alguns 
deles estejam sobre o plano se movendo e experimentando junto com um de nós, D – Espaço 
para perguntas e alguns comentários.
2) Montagem de mesa com registros de fotos, desenhos sobre papel ou sobre as fotos, textos 
produzidos por nós ou por parceiros; registros como apontamentos sobre a questão da 
composição e poética deste trabalho-pesquisa.
3) Montagem/projeção de vídeos, quer durante e como parte da apresentação do trabalho, 
pontuando e criando contrapontos para ele; quer como extras em instalações à parte, de 
acontecimentos registrados que possam ser um anexo da apresentação.
Blog: http://alpendre4.wordpress.com
Bailarinos-pesquisadores: Lourenço Marques, Patricia Manata, Roberta Manata e Tana Guimarães
Preparação corporal: Gabriela Cristófaro
Produção: Sheila Katz
Gerência financeira: Cristiane Papini
Duração: 20 min
A Cia. Suspensa (MG) trabalha principalmente sob dois aspectos das artes cênicas: a dança e 
o circo contemporâneo. Desenvolve projetos de pesquisa nas interseções de linguagens do 
movimento, tanto na criação de performances e espetáculos quanto em projetos educativos. 
Fazem parte de seu histórico os espetáculos Pouco Acima e De Peixes e Pássaros, a pesquisa 
Sem os Pés no Chão e o projeto educativo Objeto de Voo.
32
interferência gráfica em frame de Darkland
33
Cia. Vitrola Quântica (SP)
DARK LAND
9/4/2009
O início... O projeto Darkland
A presente proposta tem o intuito de continuar a investigação das práticas de pesquisa em 
linguagem cênica coreográfica por duas integrantes da Cia. Vitrola Quântica, Aline Bonamin e 
Júlia Abs. A pesquisa tem como eixo catalisador a articulação entre duas linguagens distintas, 
mas que faremos dialogar em nossas investigações: a dança e a moda.
O nome escolhido para este projeto é Darkland. A matriz poética tem o tema do erótico visto 
sob a perspectiva das obras do artista plástico Ray Caeser. Trata-se de um artista identificado 
com o surrealismo pop, um movimento de arte visual que tem origem nos comics 
underground, no punk rock e na cultura das ruas.
As obras de Ray Caeser ilustram corpos de inocentes menininhas. No entanto, com um olhar 
mais atento, nos deparamos com uma grande perversidade. Os olhos das menininhas têm 
um caráter malicioso e cruel, suas mãos às vezes são substituídas por grandes garras, sua 
inocência é só aparente. Há uma alusão ao erótico, ao fantasioso e ao jogo ambíguo entre o 
que é considerado normal e o que é visto como perverso.
Em Darkland uma de nossas propostas investigativas é motivada pela relação do corpo e do 
movimento com o pensamento da moda contemporânea e seus procedimentos de criação. 
A estilista Karlla Girotto fará parte da criação de conceitos para as roupas e as relações 
com o corpo, inspiradas nos personagens de Ray Ceaser. A partir de um universo poético 
definido pela indumentária e pelos conceitos já citados, as bailarinas desenvolverão a 
pesquisa coreográfica.
Outra proposta investigativa é a relação da composição coreográfica com a composição dos 
vídeos de animação, a serem realizados pelo artista Pablo Romart. O intuito é criar uma ilusão 
de que as figuras pareçam fazer parte da mídia virtual, criando um conflito entre o que é real 
e o que é ficção.
1 1/6/2009
Plataforma
Júlia Abs
Sobre a coisa em si.
Nossa primeira experiência em ensaio da relação entre a dança e a moda se deu através do 
uso de plataformas. Num primeiro momento, podemos pensar nelas como sapatilhas. Mas 
provavelmente é mais que isso. Veremos nos desdobramentos da pesquisa.
De cara vê-se que esse adereço modifica a forma do corpo, o volume dos pés não é o natural. 
A plataforma sugere um pedestal, dá a impressão de o corpo flutuar em cima de algo fixo. 
Como se costumava representar o corpo nas esculturas clássicas.
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As questões iniciais são: como a percepção do corpo e do movimento se dá pelo uso do 
adereço? Quais os vocabulários possíveis de movimento nessa condição? A presença cênica 
é influenciada pelo sapato?
E a partir daí sugere-se uma poética. Pois justamente não é na coisa em si que a poética se desenvolve?
Nossa poética é um sapato.
Blog: http://vitroladarkland.wordpress.com
Direção: Júlia Abs e Daniel Augusto
Intérpretes-criadoras: Aline Bonamin e Júlia Abs
Estilista: Karlla Girotto
Arte gráfica: Pablo Romart
Assistente da estilista: Alexandre dos Anjos
Apoio: Universidade Anhembi Morumbi
Agradecimentos: Alejandro Ahmed, Angel e Yanet
Duração: 35 min
Aline Bonamin, Júlia Abs e Daniel Augusto (SP) são os artistas que atualmente formam a 
Cia. Vitrola Quântica. Sediada em São Paulo, a companhia desenvolve linguagem autoral 
em dança contemporânea. As pesquisas são focadas nas relações entre a dança, a moda e o 
universo underground urbano. A estilista e pesquisadora Karlla Girotto e o artista gráfico Pablo 
Romart são os artistas convidados para a pesquisa de Darkland.
interferência gráfica em frame de Pra minha filha
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Dani Lima (RJ)
PRA MINHA F I L HA
30/8/2009
A proposta que foi
Este projeto pretende especular sobre uma ideia do feminino articulada a partir de duas 
referências icônicas: fotos de pin ups e o arquétipo das princesas no imaginário infantil.
De um lado, as curvas/torções/distorções/obliquidades envolvendo a bacia, os ombros, a 
coluna, a cabeça e o olhar, imprimindo certas qualidades ao corpo e ao movimento que 
identificamos, no senso comum, como “sensual” e “feminino”.
De outro lado, o romantismo das princesas e sua eterna espera do príncipe encantado que 
as salvará de suas desgraças. A construção de uma ideia de feminino calcada na beleza, 
graça, doçura, fragilidade e passividade.
Que subversões podem surgir quando artificializamos alguma coisa que é dada por nós 
como natural? Como a exploração, o desdobramento e o deslocamento desses conceitos 
impressos no corpo podem desvendar um sistema de valores socioculturais que embasa 
nossas percepções e escolhas, estabelecendo regras, papéis e relações de poder? Como 
novas formas de pensar o feminino podem brotar em brechas abertas nessas construções?
A proposta deste projeto é de partilhar esta pesquisa com outros dois criadores que 
tenham em suas trajetórias artísticas referências fortes sobre o feminino, construindo, assim, 
uma espécie de mosaico de leituras e interpretações do mesmo assunto, a partir da minha 
abordagem e do meu corpo.
O trabalho se estruturará em quatro etapas: num primeiro momento, vou desenvolver 
um solo de aproximadamente 15 minutos, partindo destas duas referências de imagens 
culturalmente construídas do feminino. Num segundo e terceiro momentos eu vou 
trabalhar com os criadores convidados – João Saldanha e Marcela Levi – para desenvolver 
dois solos curtos e independentes, ambos nascidos das interpretações e escolhas de cada 
um desses artistas sobre aspectos de seus interesses no meu solo. O quarto momento será 
a costura dramatúrgica desses três solos, e suas diretrizes serão pensadas em função do 
desenvolvimento de cada um dos trabalhos.
30/8/2009
Mia inspiração
Hoje é dia 17 de setembro e sinto necessidade de falar mais sobre porquês. Mia, minha 
filha, tem 3 anos e meio. É minha primeira e muito provavelmente única filha. Tive-a tarde, 
com 41 anos e com uma consciência aguda e chata do que significa ser mãe, ser mãe 
de uma menina, ser filha. São muitas as inquietações sobre as heranças que devo/posso/
quero passar adiante, que heranças quero/posso/devo (?) encerrar em mim mesma. Ela 
é um espelho. Cada vez que a vejo me vejo, me vejo vendo-a e, me vendo, aprendo e 
compreendo muito sobre mim.É um pouco cafona e lugar-comum falar isso, mas é assim 
mesmo que sinto. Quando Mia tinha uns 2 anos, começou a ouvir e assistir contos de 
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fada. Ficou especialmente ligada nas princesas, fadas e sereias, e começou a imitar seus 
trejeitos, expressões e falas, e a só querer se vestir como as heroínas das histórias – Bran-
ca de Neve, Bela Adormecida, Cinderela, Wendy, Pequena Sereia, Sininho... Nessa época 
deu pra enxergar muito de pertinho como essas fábulas e filmes (alguns dos anos 40!) 
incutem já nos pequeninos algumas noções românticas sobre os papéis sexuais e sobre 
o amor, que carregamos para o resto de nossas vidas. A construção de uma certa ideia 
de feminino (que me atravessa e que vejo refletida no corpo da minha filha) foi se desve-
lando. Estão no mesmo saco as princesas, as fadas e as bailarinas, essas figuras cheias de 
graça e leveza, sempre alçadas ao ar, aos castelos ou cavalos, aos casamentos, esperando 
seus salvadores, os fortes e corajosos príncipes, que lhes livrarão de suas desgraças. Por 
uma associação que ainda carece de uma elaboração maior para ser traduzida em pala-
vras, achei que também pertenciam a esse conjunto as pin ups, divas e garotas de calen-
dário. Faltam peças perdidas nesse jogo. E inundam minhas dúvidas sobre a pertinência 
de mexer com isso hoje, agora, nesse momento do mundo e da minha vida. Será que eu 
tô fazendo muito barulho por nada? Será que eu posso mudar alguma coisa? Será que 
eu devo? Será que vale a pena? O que que eu quero com isso? Tentar mudar a história da 
Mia? Ou a minha?
Blog: http://praminhafilha.wordpress.com
Idealização do projeto: Dani Lima
Coreógrafos convidados: João Saldanha e Marcela Levi
Intérprete: Dani Lima
Apresentação do processo: Dani Lima, Marcela Levi e João Saldanha
Duração: 60 min
Dani Lima (RJ) é bailarina e coreógrafa. Desde 1997, trabalha com sua companhia, Cia. Dani 
Lima. Atua no Brasil e participa de residências e festivais internacionais. Mestre em artes cêni-
cas pela UniRio, é professora no curso de dança da UniverCidade.
João Saldanha (RJ) atua no cenário da dança brasileira há 33 anos. Desde 1987, tem sua com-
panhia, Atelier de Coreografia. Recebeu diversas premiações e bolsas, entre elas os prêmios 
APCA, Icatu/Holding e Bolsa Vitae de Artes.
Marcela Levi (RJ) é performer e coreógrafa. Desde 2002, desenvolve projetos que se situam 
na fronteira entre a dança contemporânea e as artes visuais. Colabora, entre outros, com Lia 
Rodrigues e Vera Mantero e com a artista visual Laura Erber.
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Gabriela Duvivier
 e Michel Groisman (RJ)
ÓRGÃO
23/9/2009
O começo
Gabriela Duvivier
Começou com uma coisa simples: dois infláveis conectados por uma mangueira. Então, 
introduzimos apenas a quantidade de ar suficiente para encher um dos infláveis, e assim 
passamos a ter um inflável cheio e outro vazio. Cada um de nós ficou com um dos infláveis, 
e fomos experimentando nos comunicar passando o ar de um para o outro. Como em uma 
respiração a dois.
3/ 10/2009
Equipamentos corpo
Michel Groisman
Os equipamentos também são corpo. Um corpo com o qual dialogamos, que incorpo-
ramos ao nosso. Desenvolvendo os equipamentos, pesquisando os diversos materiais 
e suas funções, me deparo com as mesmas questões que encontro quando estou me 
preparando fisicamente: resistência, elasticidade, leveza, beleza, prazer, funcionalidade, 
síntese etc.
8/ 10/2009
As válvulas
Michel Groisman
As válvulas servem para conectar e desconectar as mangueiras nos infláveis. Temos aqui al-
gumas fotos de bonitas válvulas de metal. Utilizamos algumas dessas nos protótipos iniciais 
(videopiloto). Mas a grande descoberta, visitando um dia a Hidrotec, foram as válvulas elétri-
cas! Válvulas que podemos abrir e fechar por controle remoto. Desse modo é possível contro-
larmos a passagem de ar. Muito legal, né?
22/ 10/2009
Sobre as válvulas elétricas
Michel Groisman
As válvulas elétricas são incríveis! Com elas podemos abrir a passagem de ar somente nos 
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momentos em que os infláveis forem pressionados. Mas pra que isso? Uma das questões 
com as quais temos nos deparado é que os pares de infláveis que estão conectados tendem 
a ficar ambos meio cheio meio vazios, pois o ar naturalmente se distribui entre eles. Mas com 
a válvula elétrica... talvez seja possível que um inflável possa estar cheio enquanto o seu par 
está vazio.
Blog: http://enchesvazia.wordpress.com
Pesquisa e criação: Gabriela Duvivier e Michel Groisman
Intérprete: Gabriela Duvivier
Invenção e desenvolvimento dos equipamentos: Michel Groisman
Duração: 50 min
Gabriela Duvivier e Michel Groisman (RJ) são parceiros de trabalho há anos. Desenvolve-
ram juntos projetos como Sirva-se e Máquina de Desenhar. Para o encontro de ambos, Michel 
traz sua experiência com equipamentos corporais na produção de uma arte híbrida, enquan-
to Gabriela traz sua experiência como atriz/dançarina, treinadora de improvisação teatral e 
professora da Técnica de Alexander.
interferência gráfica em frame de Órgão
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Denise Stutz (RJ)
JUSTO UMA IMAGEM
9/9/2009
O texto não ”comenta” a imagem. As imagens não ”ilustram”.
Texto e imagem, em seus entrelaçamentos, querem garantir a circulação, a troca destes 
significantes: o corpo, o rosto, a escrita, e neles o recuo dos signos (Roland Barthes).
Fico pensando em dança, em movimento. Imagem e movimento. Dança- imagem.
Barthes fala sobre os haicais: No trabalho do haicai, a isenção do sentido se cumpre através 
de um discurso perfeitamente legível, de modo que o haicai não é, a nossos olhos, nem ex-
cêntrico nem familiar: ele parece com tudo e com nada: legível, acreditamos que ele é sim-
ples, próximo, conhecido, saboroso, delicado, “poético”, em suma oferecido a todo um jogo 
de predicados reconfortantes: insignificantes, porém. Ele a nós resiste, perde finalmente os 
adjetivos que um momento antes lhe discerníamos e entra naquela suspensão do sentido 
que para nós é a coisa mais estranha, pois torna impossível o exercício mais corrente da 
nossa fala, que é o comentário.
1 1/9/2009
As imagens servirão para produzir linguagem. Não se trata de contar e nem mesmo 
representar, mas de apagar para (re)escrever, de decompor para ver se podemos (re)construir, 
de rasurar para (re)fazer.
1 9/9/2009
Ontem foi a primeira vez que abri o meu ensaio e hoje é a primeira vez que abro as minhas 
anotações pessoais.
Escutei de quem assistiu “que diferente do solo antigo”, onde trabalho com a imaginação 
dentro, neste o imaginário está fora. Adorei!!! Tornar visível o invisível e a questão de onde 
está o movimento, dentro, fora, antes, depois, agora. Escutar a música pelo movimento, 
enxergar a imagem pelo movimento, perceber o movimento pela sugestão... O movimento 
sendo prolongado pelo outro. A dança sendo construída sem estar ali...
24/9/2009
Como movimentar e fazer ouvir o tempo, criar o espaço e ver alguma coisa que não está ali?
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Blog: http://denisestutz.wordpress.com
Criação, direção e interpretação: Denise Stutz
Codireção, concepção de vídeos e VJing: Felipe Ribeiro
Colaboração: Alice Ripol
Agradecimento: Keller Veiga
Músicas: “Sarabande” (J. S. Bach), “Love Me Tender” (Elvis Presley), “Ando Meio Desligado” 
(Mutantes), “My Bonnie Lies Over The Ocean” (música tradicional celta)
Duração: 45 min
Denise Stutz (RJ) iniciou seus estudos de dança em Belo Horizonte. Em 1975, com outros dez 
bailarinos, fundou o Grupo Corpo. Trabalhou com Lia Rodrigues como bailarina, professora 
e assistente de direção. Em 2003, começou a desenvolver seu trabalho-solo. Estreou 
Absolutamente Só, no Itaú Cultural, e Estudo para Impressões, em Madri. Fez uma releitura de 
seus trabalhos em 3 Solos em 1 Tempo.
interferência gráfica em frame de Justo uma imagem
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Carini Pereira, 
Mickael Ramos, 
Stéfanie Telles e 
William Freitas (RS)
CONSEQUÊNC IA DO SOM, DANCA CONTEMPORÂNEA 
A PART IR DO H IP HOP
28/10/2009
Mudança de [FOCO]
Stéfanie Telles
Nossa inquietação desde o início permeou a relação corpo/movimentação/música, e para 
tentar compreender esseprocesso definimos abordagens que englobassem essa questão e 
que, possivelmente, poderiam nos guiar em possíveis entendimentos/respostas. Essas abor-
dagens voltaram-se à música hip hop, a percepção do som, a percepção sensorial, as emo-
ções e a relação corpo/cultura.
Porém, algumas leituras e discussões posteriores nos fizeram perceber que essa abordagem 
estava, de certa maneira, equivocada. “De certa maneira” porque, mesmo não alcançando 
nosso objetivo, nos ajudou a tomar conhecimento e compreender diversos processos os 
quais também utilizamos.
Nosso foco a partir deste momento será o corpo e sua formação. Questão que será primeira-
mente trabalhada nos quatro corpos que desenvolvem esta pesquisa e, posteriormente, em 
corpos que se dispuserem a participar de nossos experimentos. A música estará intensamen-
te presente em um segundo plano.
Corpo/formação
Nossa formação na dança foi pautada pela street dance – os quatro que desenvolvem esta 
pesquisa. Fomos educados/acostumados a trabalhar a movimentação com o intuito de tor-
nar a música visível, pois é a maior característica dessa dança. Portanto, foram anos e anos 
desenvolvendo/criando no mesmo formato/entendimento: movimentação versus música. 
Corpos e sentidos trabalhados e, por consequência, acostumados nesse único intuito.
Com o tempo, os lugares por que passamos e as pessoas que conhecemos nos permitiram ter 
contato com outras técnicas e linguagens, principalmente a dança contemporânea. Esta nos 
abriu horizontes de inúmeras formas e, aos poucos, nosso trabalho passou a ser influenciado, 
quase que naturalmente, pela dança contemporânea.
Nossos recursos de movimentação e expressão se expandiram e a concepção da dança na 
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busca de propósitos diversos e relevantes se tornou presente. Nossa dança se tornou um mix 
de passado (street dance) e presente (dança contemporânea), configurando-se numa dança 
distinta e, talvez, não nominável. O que nos faz pensar que é dessa relação que provêm tantos 
rótulos de “dança estranha”, por ela justamente não se enquadrar em nenhuma das formas já 
conhecidas.
Nossa dança não abdicou ou ignorou o passado que nos formou (quando falamos em passa-
do é exatamente a relação movimentação/música vivenciada por anos na street dance), mas 
não porque essa relação tenha sido pensada/programada, ela foi carregada naturalmente.
A música
Quando ela não se faz presente em um ambiente, não impossibilita nossa dança. Pois con-
seguimos da mesma forma transpor movimentação/expressão/sentimentos/propósitos, tal-
vez porque, de certa forma, o ritmo se instaura na mente. Mas, quando ela se faz presente, 
somos por completo atravessados por ela, buscamos quase que inconscientemente dançar 
com ela, através dela, por ela... é indissociável. E é também neste momento que entra esta 
pesquisa: por que nossos ouvidos são estuprados pela música? Por que não conseguimos 
ignorá-la para dançar, seja qual dança for? E por que preferimos realizar e configurar a dança 
contemporânea através dela? O que reconhecemos, encontramos, percebemos neste pro-
cesso? Quais limites se instauram e o que delimitam esses limites? Enfim... inúmeras questões 
que se apresentam e que queremos tentar responder.
A mudança se encontra no COMO alcançar tais respostas. E para isso faremos um retrocesso 
a nossa formação, para compreender esse processo desde o seu início.
Ao trabalho...
Blog: http://consequenciadosom.wordpress.com
Elenco: Carini Pereira, Mickael Ramos, Stéfanie Telles e William Freitas
Colaboração e direção técnica: Diego Mac
Participação especial: Eduardo Menezes
Cenário e figurino: criação coletiva
Duração: 35 min
Carini Pereira, Mickael Ramos, Stéfanie Telles e William Freitas (RS) são jovens acadêmicos 
e bailarinos, com formação fortemente enraizada em street dance. Uniram-se com o propósito 
de questionar as formas de criação/composição em dança contemporânea, experimentando 
inúmeras maneiras da relação entre corpo e som.
interferência gráfica em frame de Consequência do som, dança 
contemporânea a partir do hip hop
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45C ap í t u l o 2
Filósofo, ensaísta e autor de, entre outros, O Tempo Não Reconciliado e Vida Capital: Ensaios de 
Biopolítica. Professor do Departamento de Filosofia e da Pós-graduação em Psicologia Clínica 
da PUC-SP e coordenador da Cia. Teatral Ueinzz.
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Cada indivíduo poderia ser definido por um grau de potência singular e, por conseguinte, 
por certo poder de afetar e de ser afetado. Deleuze gosta de dar o exemplo do carrapato, 
que busca o lugar mais alto da árvore, depois se deixa cair quando passa algum mamífero 
e se enfia debaixo da pele do animal, chupando seu sangue. A luz, o cheiro, o sangue – eis 
os três elementos que afetam o carrapato. Ele pode ficar um tempo longuíssimo na espera 
jejuante em meio à floresta imensa e silenciosa, depois ploft, o festim de sangue e, quiçá, a 
morte. Então, o que é um carrapato? Ora, ele deve ser definido por seus afetos. Como fazer a 
cartografia de seus afetos? Como mapear “etologicamente” os afetos de uma pessoa? É óbvio 
que os afetos de que é capaz um burocrata e um dançarino não são os mesmos. O poder de 
ser afetado de um burocrata, basta ler Kafka para ter uma ideia claríssima. E a capacidade de 
ser afetado e de afetar de um artista, qual é? Será que a de um dançarino é a mesma que a de 
um ator? Será que a de um acrobata é a mesma que a do jejuador? De novo Kafka, vejam-se 
aqueles pequenos contos sobre artistas, “Um Artista da Fome”, por exemplo.
Então, somos um grau de potência definido por nosso poder de afetar e de ser afetado, e 
não sabemos quanto cada um de nós é capaz de afetar e ser afetado, é sempre uma questão 
de experimentação. Não sabemos ainda o que pode o corpo, diz Espinosa; só o descobrire-
mos ao longo da existência. Ao sabor dos encontros, vamos aprendendo a selecionar o que 
convém com nosso corpo, o que não convém, o que com ele se compõe, o que tende a 
decompô-lo, o que aumenta sua força de existir, o que a diminui, o que amplia sua potência 
de agir, o que a reduz. Vamos aprendendo a selecionar nossos encontros e a compor; é uma 
Peter Pál Pelbart
Indivíduo, potência
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grande arte essa da composição. Com que elementos, matérias, indivíduos, grupos, ideias, mi-
nha potência se compõe, para formar uma potência maior e que resulta numa alegria maior? 
E, ao contrário, o que tende a diminuir minha potência, meu poder de afetar e de ser afetado, 
que resulta em tristeza? A tristeza é toda paixão que implica uma diminuição de nossa potência 
de agir; a alegria, toda paixão que aumenta nossa potência de agir. Isso abre para um problema 
ético e político importante: por que é que aqueles que detêm o poder fazem questão de nos 
afetar de tristeza? As paixões tão tristes como necessárias ao exercício do poder. Inspirar paixões 
tristes – é a relação necessária que impõe o sacerdote, o déspota: inspirar tristeza em seus su-
jeitos. A tristeza não é algo vago, é a diminuição da potência de agir. Existir é, portanto, variar 
em nossa potência de agir, entre esses dois polos, essas subidas e descidas, elevações e quedas.
Então, como preencher o poder de afetar e ser afetado que nos corresponde? Por exemplo, 
podemos apenas ser afetados pelas coisas que nos rodeiam, nos encontros que temos ao 
sabor do acaso, podemos ficar à mercê deles, passivamente, e, portanto, ter apenas paixões. 
E esses encontros podem apenas ser maus encontros, que nos deem paixões tristes, ódio, 
inveja, ressentimento, humilhação, e isso diminui nossa força de existir e nos separa de nossa 
potência de agir. Ora, poucos filósofos combateram tão ardentemente o culto das paixões 
tristes, mas não por razões morais, e sim por razões, digamos, éticas. O que Espinosa quer 
dizer é que as paixões não são um problema, elas existem e são inevitáveis, não são boas nem 
ruins, são necessárias no encontro dos corpos e no encontro das ideias. O que, sim, em certa 
medida, é evitável são as paixões tristes, que nos escravizam na impotência.
Deleuzeinsiste no seguinte: ninguém sabe de antemão de que afetos é capaz, não sabemos ain-
da o que pode um corpo ou uma alma, é uma questão de experimentação, mas também de 
prudência. É essa a interpretação etológica de Deleuze: a ética seria um estudo das composições, 
da composição entre relações, da composição entre poderes. A questão é saber se as relações 
podem compor-se para formar uma nova relação mais “estendida”, ou se os poderes de afetar e 
ser afetado podem se compor para constituir um poder mais intenso, uma potência mais intensa. 
Trata-se então, diz Deleuze, das “sociabilidades e comunidades. Como indivíduos se compõem 
para formar um indivíduo superior, ao infinito? Como um ser pode tomar um outro no seu mundo, 
mas conservando ou respeitando as relações e o mundo próprios?”. É uma pergunta crucial, não só 
para quem trabalha em grupo, mas na vida em geral. Quantas vezes somos capturados do mundo 
de um outro, figurantes do sonho alheio. Deleuze insiste nas singularidades que se afirmam e nos 
mundos que essas singularidades criam, nas perspectivas múltiplas que coexistem, como traba-
lhou Eduardo Viveiros de Castro em âmbito antropológico. Como se pudessem coexistir vários 
mundos e não fosse preciso reduzir todos a um mesmo mundo nem supor um mesmo mundo. 
A partir daí, pode-se pensar a constituição de um “corpo” múltiplo, com suas relações específicas 
de velocidade e de lentidão. Pensar um corpo grupal como essa variação contínua entre seus ele-
mentos heterogêneos, como afetação recíproca entre potências singulares, numa certa composi-
ção de velocidade e lentidão, talvez seja o mais difícil. E, além disso, como pensar a consistência do 
“conjunto variegado”? Deleuze e Guattari invocam com frequência um “plano de consistência”, um 
“plano de composição”, um “plano de imanência”. Num plano de composição, trata-se de acompa-
nhar as conexões variáveis, as relações de velocidade e lentidão, a matéria anônima e impalpável 
dissolvendo formas e pessoas, estratos e sujeitos, liberando movimentos, extraindo partículas e 
afetos. É um plano de proliferação, de povoamento e de contágio. Num plano de composição, o 
que está em jogo é a consistência com a qual ele reúne elementos heterogêneos, disparatados.
O que se inscreve num plano de composição são os acontecimentos, as transformações in-
corporais, as essências nômades, as variações intensivas, os devires, os espaços lisos – é sem-
pre um corpo sem órgãos. Em todo caso, há aqui uma condição que serve para pensar o 
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plano micropolítico ou macropolítico, a saber: o n-1. Dada uma multiplicidade qualquer, um 
conjunto de indivíduos, ou singularidades, ou afetos, como produzir esse plano de consis-
tência sem subsumir essa heterogeneidade e uma unidade imperativa? Como se o desafio 
fosse sempre, numa multiplicidade qualquer que faz um plano de composição esconjurar 
aquele Um que pretende unificar o conjunto, seja ele um papa, um governante, um diretor, 
uma ideia, um curador, um afeto predominante, recusar o império do Um. É uma filosofia da 
diferença, da multiplicidade, da singularidade, o que não significa o caos e, sim a afetação, a 
composição, uma espécie de construtivismo, em que a regra é excomungar aquele ou aquilo 
que pretende falar em nome de todos, ou que se crê representante de uma totalidade ou 
totalização que justamente se trata de impedir, mas que a assedia.
Talvez outro modo de tratar o mesmo tema seja por meio da questão do comum, tão impor-
tante quando se considera um grupo, uma sociedade, um conjunto humano. Uma consta-
tação trivial é evocada com insistência por vários autores contemporâneos, entre eles Toni 
Negri, Giorgio Agamben, Paolo Virno, Jean-Luc Nancy ou mesmo Maurice Blanchot, a saber, 
a de que vivemos hoje uma crise do “comum”. As formas que antes pareciam garantir aos 
homens um contorno comum e asseguravam alguma consistência ao laço social perderam 
sua pregnância e entraram definitivamente em colapso, desde a esfera dita pública até os 
modos de associação consagrados, comunitários, nacionais, ideológicos, partidários, sindicais. 
Perambulamos em meio a espectros do comum: a mídia, a encenação política, os consensos 
econômicos consagrados, mas igualmente as recaídas étnicas ou religiosas, a invocação civi-
lizatória calcada no pânico, a militarização da existência para defender a “vida” supostamente 
“comum”, ou, mais precisamente, para defender uma forma de vida dita “comum”. No entanto, 
sabemos bem que essa “vida” ou “forma de vida” não é realmente “comum”; que, quando com-
partilhamos esses consensos, essas guerras, esses pânicos, esses circos políticos, esses modos 
caducos de agremiação ou mesmo essa linguagem que fala em nosso nome, somos vítimas 
ou cúmplices de um sequestro.
Se de fato há hoje um sequestro do comum, uma expropriação do comum, ou uma manipu-
lação do comum, sob formas consensuais, unitárias, espetacularizadas, totalizadas, transcen-
dentalizadas, é preciso reconhecer que, ao mesmo tempo e paradoxalmente, tais figurações 
do “comum” começam a aparecer finalmente naquilo que são: puro espectro. Em outro con-
texto, Deleuze lembra que, a partir sobretudo da Segunda Guerra Mundial, os clichês come-
çaram a aparecer naquilo que são: meros clichês, os clichês da relação, os clichês do amor, 
os clichês do povo, os clichês da política ou da revolução, os clichês daquilo que nos liga ao 
mundo – e é quando eles assim, esvaziados de sua pregnância, se revelaram como clichês, 
isto é, imagens prontas, pré-fabricadas, esquemas reconhecíveis, meros decalques do empíri-
co. Somente então pôde o pensamento liberar-se deles para encontrar aquilo que é “real”, na 
sua força de afetação, com consequências estéticas e políticas a determinar.
É um momento paradoxal esse em que os clichês que filtravam o mundo e que nos determi-
nam o que deve ser pensado, feito, sentido caem em descrédito. Pois eles nos conduziram a 
um ponto perigoso, em que já não acreditamos mais neles e, portanto, já não acreditamos 
no mundo, em sua capacidade de nos oferecer possibilidades novas. É um ponto de descren-
ça, já não acreditamos nos possíveis, o possível parece ter se esgotado. Talvez a megamá-
quina subjetiva contemporânea nos tenha atingido em cheio precisamente nesse domínio, 
do mundo possível, da possibilidade.. Como se, por mais que nos fossem prometidos outros 
mundos, todos eles já tivessem sido dados de antemão, como numa prateleira de supermer-
cado, com estoques renováveis, ou variações que têm a função de encobrir precisamente a 
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mesmice do que prometem. A possibilidade ela mesma foi como que atingida em seu cerne. 
No mais das vezes, estamos às voltas precisamente com impossibilidades, com a impossibi-
lidade até mesmo de romper aquilo que se mostra inoperante ou caduco. O mundo vai se 
fechando, sensações cada vez mais claustrofóbicas, tudo se estreita e é como se rodássemos 
em jaulas, como animais ferozes se lançando contra as grades para ainda experimentar a pró-
pria liberdade, ou se lançando um contra o outro, num corpo a corpo entre feras machucadas, 
esperneando tanto mais quanto mais se encontram imobilizadas, como animais que não sa-
bem onde é a saída, se ela fica longe do outro a quem se ama e combate, ou justamente no 
outro, trespassando-o. Deleuze reconhece esse estado de descrença, de niilismo, mas jamais 
embarcou no discurso pós-moderno, seja de diabolização do mundo, seja de volúpia cínica 
com a perda do sentido, com o fim das ideologias, das utopias, do social, da metafísica, da 
própria filosofia ou do cinema. Quando ele fala das artes, numa posição considerada por al-
guns excessivamente moderna ou caduca, diz a coisa mais simples do mundo, que Nietzsche 
não cansava de repetir. As artes inventam novas possibilidades de vida, e talvez caiba às artes 
essa incumbência rara de nos devolver a crença no mundo, neste mundo, neste presente, não 
crença na sua existência, da qual não duvidamos, mas crença nas possibilidades deste mundo 
de engendrar novas formas

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