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FUNDAMENTOS DE GEOPOLÍTICA Autoria: Sidelmar Alves da Silva Kunz Indaial - 2020 UNIASSELVI-PÓS 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI K96f Kunz, Sidelmar Alves da Silva Fundamentos de geopolítica. / Sidelmar Alves da Silva Kunz. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 141 p.; il. ISBN 978-65-5646-022-2 ISBN Digital 978-65-5646-014-7 1. Geopolítica. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 327.1011 Sumário Apresentação .................................................................................5 CAPÍTULO 1 As Bases que Fundamentam o Campo de Estudo da Geopolítica ................................................................................7 CAPÍTULO 2 Geopolítica dos Conflitos Étnico-Nacionalistas e Separatistas em Face aos Desafios Mundiais no Século XXI ..............................................................................55 CAPÍTULO 3 A Posição do Brasil na Geopolítica Mundial ...........................99 APRESENTAÇÃO A Geopolítica, como campo de estudo e enquanto disciplina, carece de com- preensão de seus fundamentos para que se possa realizar uma prática pedagó- gica de ensino-aprendizagem condizente com o desenvolvimento de capacidades e habilidades que possibilite a apreensão dos fenômenos geopolíticos mundiais. Para isso, esta obra tem por finalidade ser capaz de instrumentalizar teórico- -metodologicamente para os estudos geopolíticos e ao exercício da práxis peda- gógica, entendendo a Geopolítica como um campo de estudo da Geografia, como um saber geográfico que possibilita uma abordagem interdisciplinar. Nesse sentido, esta obra, ao longo de seus três capítulos, faz a cobertura dos conceitos da Geografia Política e da Geopolítica, buscando situá-los em seus recortes espaço-temporais. Além disso, é abordado também o campo de estudo da Geopolítica, assim como as teorias e as categorias de análise. Nesse sen- tido, é lançado um olhar para a organização do espaço mundial e as suas re- percussões atuais em termos de conjugações de conflitos étnico-nacionalistas e separatistas, tais como os conflitos árabe-israelense, no Cáucaso, nos Bálcãs e os conflitos africanos. Trataremos ainda da questão basca, da questão curda, da questão da palestina e do fundamentalismo islâmico. Esses aportes nos ajudarão a compreender a “nova ordem mundial” e os desafios mundiais no século XXI, ce- nário em que o Brasil possui um lugar na geopolítica mundial. E, aproveitaremos para verticalizar interpretações acerca desse lugar ocupado pelo Brasil na geopo- lítica hodierna. Bons estudos! Professor Sidelmar Alves da Silva Kunz CAPÍTULO 1 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber: Diferenciar o conceito de Geopolítica e de Geografi a Política, o campo de estudo da Geopolítica, as principais abordagens teóricas, metodológicas e categorias de análise. Fazer: Compreender através dos instrumentos teóricos-metodológicos e das categorias de análise como o estudo da Geopolítica auxilia o entendimento da ordem mundial e serve para vislumbrar futuros cenários de reordenamento global. 8 Fundamentos de Geopolítica 9 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo, vamos abordar a conformação do campo de estudo da Ge- opolítica. Entre outros aspectos para alcançar os fundamentos da geopolítica, se faz necessário situar a Geopolítica na discussão entre a geografi a e a política e como essas duas áreas estabelecem uma abordagem interdisciplinar. Em um primeiro momento, essas discussões são tratadas pela Geografi a Política, e mais adiante, pela Geopolítica – enquanto campo de estudo situado como subárea no interior da Geografi a. A distinção entre os dois campos de estudo não é simples e tampouco deve ser visto como oposição, mas se torna produtivo no âmbito científi co, pois existem contribuições signifi cativas da Geografi a Política à Geopolítica. Nesse sentido, aprofunda-se o entendimento dos dois campos, seus pontos de aproximações e divergências e os principais aportes de suas teorias à construção de um conheci- mento para explicar como os fenômenos geográfi cos e políticos inferem a dinâmi- ca entre os países no âmbito internacional. A compreensão da Geopolítica como campo de estudo perpassa, então, pelo entendimento de seus aportes teórico-metodológicos. Em razão disso é feita uma revisão das principais teorias Geopolíticas, buscando situar as con- tribuições dos distintos autores para a compreensão de fenômenos geográfi cos e políticos desde a conformação deste campo de estudo. Esse conhecimento é dividido em uma Geografi a dos “Estados-maiores” e a Geografi a dos professo- res. Em síntese, se tem um conhecimento que é tratado e produzido por meio do Estado e sua ação política internacional e um outro produzido no âmbito dos pesquisadores universitários. Para compreensão dos fenômenos geopolíticos, aprofundamos o debate acerca das categorias de análise da Geopolítica, distinguindo inicialmente o que são categorias de análise e sua importância para compreensão de objetos cien- tífi cos. Nesse contexto, evidencia-se a categoria Estado e sua inter-relação com outras categorias vinculadas a outras áreas ou subcategorias da Geografi a. Bus- ca-se elucidar a inter-relação entre Estado e o desenvolvimento do capitalismo para apreender as mudanças ocorridas histórico e geografi camente na dinâmica econômica e política internacional e na determinação da ordem mundial. Entende- -se que é a partir do estudo dessa categoria aliada a outras categorias ou subca- tegorias, através da análise do sistema capitalista que é possível a compreensão dos fenômenos geopolíticos modernos e contemporâneos. 10 Fundamentos de Geopolítica Sugerimos que você acesse a Revista Franco-Brasileira de Geografi a (CONFINS), sobretudo o artigo do professor Wanderley Messias da Costa, intitulado Projeção do Brasil no Atlântico Sul: geopolítica e estratégia, no site https://journals.openedition.org/ confi ns/ 9839?lang=pt. 2 O SURGIMENTO DO CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA E SEUS FUNDAMENTOS: DETERMINISMO X POSSIBILISMO A Geopolítica é um campo de estudo interdisciplinar cujas origens de sua base epistemológica estão calçadas nas áreas das Ciências Sociais Aplicadas (Direito e Economia), das Ciências da Terra (Geologia), nas Ciências Humanas (Sociologia, História, Geografi a e Ciências Políticas), sobretudo nas Relações Internacionais. Esse campo de estudo interdisciplinar encontra na Geografi a (Física e Humana) os fundamentos para explicar como os fenômenos geográfi cos infl uem nas políticas e nas relações entre países, e assim se consolida como um campo de conhecimento da Geografi a a partir do século XIX. Desse modo, se insere como um dos campos de estudo da Geografi a que visa compreender o papel da Geografi a nas relações de poder no âmbito da ordem mundial (relações internacionais). Isso signifi ca buscar entender a relação entre os processos políticos, o papel dos territórios e sua organização espacial enquanto tensão na confi guração de uma determinada ordem mundial.Nesse sentido, a base epistemológica do pen- samento Geopolítico está assentada como uma ciência, sobre a qual a produção de conhecimento dela gerada, a isso inclui a práxis pedagógica, pode se refl etir em conhecimentos que impactam a reformulação do pensamento social e os pro- cessos sociais, espaciais, territoriais, políticos e econômicos. Distintos foram os autores ao longo da evolução humana que pensaram o papel do meio geográfi co ou a dimensão espacial para estruturação da ordem po- lítica e social. Martin, Castellar e Martins (2004) afi rmam que Aristóteles (384-322 a.C.) já assinalava a existência de um vínculo estreito entre a Ciência Política e a Geografi a, sobretudo buscando compreender a localização e o tamanho do terri- 11 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 tório no âmbito de uma cidade-Estado. Isso fi ca mais evidente na obra Geografi a, de Estrabão de Amásia (63 a.C.-21 d.C.), um tratado com 17 livros, que visa servir de inspiração e como instrumento para as ações realizadas pelos governantes da polis. Seu pensamento é fortemente infl uenciado pelo confl ito entre os povos gre- gos e romanos, no qual resulta no domínio romano na região (Grécia). Estrabão pretendia realizar um relato detalhado sobre as características de cada território (DESERTO; PEREIRA, 2016). Por conta de sua contribuição aos estudos territo- riais, Estrabão é reconhecido como o precursor da Geografi a Humana, com rele- vante infl uência equiparada à contribuição do astrônomo Cláudio Ptolomeu aos estudos de orientação e localização geográfi ca que resultam em conhecimento sobre coordenadas geográfi cas (latitudes e longitudes). No entanto, o período da Idade Média se consolida como um momento na história em que o conhecimento geográfi co que foi produzido pelos gregos e ro- manos deixa de ter aplicação em razão da queda do Império Romano no Ocidente e a conformação de um sistema feudal – uma propriedade territorial dotada de autonomia por conter uma estrutura política, econômica, social e cultural própria. Um olhar mais atento à infl uência da Geografi a na organização social surge no fi nal da Alta Idade Média, no século XII, Alberto Magno (1206-1280), com base em seu conhecimento geográfi co vislumbra a criação do Canal de Suez. É o período que antecede o Périplo Africano (séc. XV e séc. XVI), as rotas marítimo-comercial da Europa visando encontrar um caminho para índias. Esse é o início das grandes navegações, por isso a retomada dos estudos cartográfi cos para fi ns de navega- ção ganha maior relevo neste período. Na Idade Moderna, Montesquieu (1689-1755), ao tratar o pensamento ge- ográfi co, estabelece uma correlação entre clima e comportamento humano, isso quer dizer, entre a geografi a física e humana. Aspectos estes analisados para o entendimento do “espírito das Leis” que regem cada sociedade. Mas não há um aprofundamento no tema, pois o foco de Montesquieu era compreender a natu- reza do Estado ou das Leis e os modos para se atingir e sustentar o poder. É a partir de suas observações que vem a ideia de que os povos situados nas zonas tropicais apresentam menor predisposição ao trabalho em comparação aos povos das zonas temperadas e frias, pelos efeitos do calor nos trópicos. Essa visão eurocêntrica tem um forte elemento geopolítico e no contexto da práxis pedagógica deve ser explicitada. Não cabe numa visão crítica de ensino-aprendizagem a reprodução dos processos de dominação cultural. A geopolítica, antes de tudo é mediada pela relação entre espaço e poder, que se manifesta nos processos 12 Fundamentos de Geopolítica de dominação cultural e por isso é fundamental traçar uma visão decolonialista. Nesse sentido, há que se perguntar a que ordem mundial serve o conhecimento abordado, que consequências ele provoca no processo pedagógico de ensino-aprendizagem. 2.1 O SABER GEOGRÁFICO E A GEOPOLÍTICA Martin, Castellar e Martins (2004) explicam que é por conta do entendimento sobre o processo de dominação cultural, a respeito do uso do pensamento geo- gráfi co estratégico alemão para ampliação do domínio territorial, que a geopolítica demora para se consolidar enquanto disciplina na França. Ao passo que na Su- écia, Alemanha, Estado Unidos, Inglaterra e Japão esse pensamento já estava formulado. Contrários a essa ideia, os franceses criticaram o peso maior dado ao fator ambiental no desenvolvimento das sociedades e o risco que a noção de “es- paço vital” de Ratzel – entendida como a ausência de espaço de um determinado povo, no caso, alemão – por representar uma aspiração expansionista territorial. É preciso situar também o contexto histórico em que essa disciplina surge, no fi nal do século XIX e se amplifi ca nos meados do século XX em meio ao processo de expansão do sistema capitalista a sua fase monopolista, mediada pela atuação de “multinacionais” e de expansão imperialista em busca de novos mercados e fontes de matéria-prima. Cabe, antes de tratar do contexto “disciplinar” de cada uma das abordagens, assinalar que a construção e aplicação do saber geográfi co é feita como um me- canismo de poder. Isso está presente na obra Geografi a Política e Geopolítica, de Wanderley Messias da Costa (2016), e Ives Lacoste (2012), precursor da corrente da Geografi a Crítica na França, através de seu livro “A Geografi a – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”. Lacoste (2012) questiona qual o papel da Geo- grafi a para a sociedade e se ela tem corpus de ciência. A Geografi a em sua concep- ção é um saber estratégico, visto como uma ferramenta de poder atrelado às ações do Estado e militares. Desse modo, a Geopolítica seria o cerne da Geografi a. “Serve em primeiro (embora não apenas) para fazer a guerra, ou seja, para fi ns político-militares sobre (e com) o espaço geográfi co, para produzir/reproduzir esse espaço com vistas (e a partir) das lutas de classe, especialmente como exer- cício do poder” (LACOSTE, 2012, p. 8). 13 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 Ainda como um aporte, Lacoste é o precursor da revista Herótode, cujo pri- meiro exemplar tinha como título Estratégias – Geografi as – Ideologias. Heródoto, considerado o “pai da história”, também foi um geógrafo, pois descreveu a relação e os confl itos de Atenas com outros países e não apenas a sua história (LACOS- TE, 2012). A denominação da revista abre uma importante discussão a respeito dos estudos espaciais e territoriais ao longo da história. Se consolida pela sua de- dicada contribuição da Geografi a a uma abordagem Geopolítica multidisciplinar. Dentro desse espectro amplo, Lacoste (2012) explica que de um lado há uma geografi a aplicada no âmbito acadêmico e cultural, e uma outra, atrelada à atu- ação dos Estados e das grandes corporações do sistema capitalista. A geografi a praticada como poder de Estado é mais antiga, em comparação a que se concebe enquanto ciência, esta última surge no século XIX. Lacoste (2012) incita que os pesquisadores e professores ajam de modo es- trategista ao pensar o espaço para poder intervir de modo mais efi caz. Isso signifi - ca a construção de uma “geopolítica dos dominados”, como um ato de resistência aos processos de dominação, ou seja, situar o político como eixo central da abor- dagem geográfi ca. Mas não se trata da política e sim do político. Não o indivíduo que se ocupa profi ssionalmente dessa atividade e sim o proces- so, o fenômeno ou o enigma do político enquanto experiência fundante do social-histórico e, dessa forma, também do espacial (ao menos na sociedade moderna) (LACOSTE, 2012, p. 9). Para Lacoste (2012), a Geografi a teria como razão de ser a ciência que me- lhor apreende o mundo a fi m de mudá-lo, na qual o espaço é estudado objetivan- do agir nele de modo mais profícuo. No entanto, a sua noção de espaço geográ- fi co se limita a “aquilo que pode ser mapeado, colocadosobre a carta, delimitado, portanto, com precisão sobre o terreno e defi nido sobre a carta cartográfi ca” (LA- COSTE, 2012, p. 9). Vesentini, no prefácio a sua obra (LACOSTE, 2012), estabelece críticas ao pensamento lacostiano, por conceber que a ênfase dada ao cartográfi co limita a análise do campo político, escamoteia a luta de classes e simplifi ca a “geografi a dos professores”. Além de não se ater às relações existentes entre sujeito-objeto e do processo histórico de construção do saber e da prática que fi ca oculto diante de uma noção de geopolítica tão abrangente. O peso dado ao papel das cartas cartográfi cas produzidas pelos agentes hegemônicos, a exemplo dos Estados dos países centrais e das instituições de poder. Para avançar no conhecimento sobre a Geopolítica é preciso antes compre- ender a aproximação e a diferenciação entre Geopolítica e Geografi a política, vi- 14 Fundamentos de Geopolítica sando estabelecer pontos comuns e divergências entre as abordagens. Nesse sentido, buscar-se-á situar as duas abordagens geográfi cas no interior da Geo- grafi a, correlacionando-as com as escolas determinística e a possibilista. 2.2 A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA: DISTANCIAMENTO OU APROXIMAÇÃO ENTRE OS DOIS CAMPOS DE ESTUDO? Toma-se como ponto de partida para a discussão a frase: “a política de um Estado está na sua geografi a”, atribuída a Napoleão Bonaparte” (VESENTINI, 2003, p. 1), cuja inspiração tem origem em Montesquieu e na sua vivência en- quanto militar. A referida frase traz à luz algumas questões sobre o campo da Geopolítica e a Geografi a Política e da relação dicotômica entre determinismo e possibilismo. Isso quer dizer que as condições geográfi cas passam a ser conside- radas como uma importante variável para as políticas de Estado, sobretudo nas relações internacionais. Mas buscar situar e enquadrar a relação entre espaço, poder e território não é uma tarefa simples, pois existem possíveis diferenças e pretensas oposição (VESENTINI, 2003). O determinismo pode ser entendido como uma concepção em que o homem se apresenta como produto do meio ou das condições que determinam pontos fundamentais para as relações na sociedade. O possibilismo reporta a ideia de totalidade com esforço em prol do mapeamento das densidades e do gênero de vida. Apesar de não ver utilidade em distinguir a geografi a política da geopolíti- ca, Costa (2016, p. 18) descreve que em geral a geografi a política é entendida como “o conjunto de estudos sistemáticos mais afetos à geografi a e restritos às relações de poder entre os Estados, questões relacionadas à posição, situação, características das fronteiras etc.” A geopolítica compreende “a formulação das teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros” (COSTA, 2016, p. 18). 15 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 Logo, situa que seu aporte se sustenta nas ciências políticas aplicadas, tendo uma característica mais interdisciplinar e de ação. Costa (2016) explica que existem dois contextos no âmbito da produção de conhecimento no campo da geopolítica. Um marcado pela infl uência dos proces- sos vinculados à política dos Estados e da estrutura e desenvolvimento das rela- ções internacionais que atinge as perspectivas civil e militar, pacífi ca e belicosa. Daí a relação entre a evolução do constructo científi co mediado pelas conjunturas políticas e sociais. Isso limita a circunscrição dessa produção de conhecimento em um corpus teórico-metodológico que apresente uma sequência lógica e histó- ria de sua trajetória. Ainda nessa mesma linha, há um segundo contexto atrelado, ascendência geográfi co-política, disso confi gura que cada estudo realizado pe- los pesquisadores está “relacionado ou não aos objetivos determinado Estado ou grupo de Estados, mas de todo modo produzindo uma geografi a política marcada por seu contexto político e territorial” (COSTA, 2016, p. 16). Tendo essas perspectivas como ponto de partida, Costa (2016) diz ser ne- cessário ter cuidado ao se utilizar de “leis gerais” ou “pensamento universal” em geografi a política. Em geral, os textos visam suplantar ao contexto espaço-tempo- ral em que estão submetidos, considerando que “o maior dos riscos a ser evitado é o de caírem prisioneiros de suas próprias fronteiras” (COSTA, 2016, p. 16, grifo do original). Isso se acentua porque a geografi a política trata da política de Esta- do (política territorial do Estado), cuja relação intrínseca com a materialidade não pode ser limitada a uma ótica abstrata. Nessa ótica, para além de outras atribuições, a geografi a tem uma função nada fácil “de examinar e interpretar os nodos de exercício do poder estatal na gestão dos negócios territoriais e a própria dimensão territorial das fontes e das manifestações do poder em geral” (COSTA, 2016, p. 17). Há também um outro aspecto, a produção de conhecimento no âmbito do Estado, pois os estudos são realizados nos seus aparelhos estatais, cuja fi nalidade é o desenvolvimento de políticas públicas territoriais. Mas a Ideologia de Estado envolve inúmeros atores, que por isso não deve ser enquadrada em uma única dimensão (COSTA, 2016). Logo, a delimitação do escopo de ação da geografi a política é descrita como sen- do estatal-nacional, mesmo se lida com temas internacionais. Há na literatura geográfi ca uma discussão entre geografi a política, entendi- da a partir da visão determinística, vinculada aos elementos naturais como fator de estabelecimento das condições sociais. E da geopolítica como sendo a base de uma visão possibilista, em que o ambiente natural funciona como um meio contido de possibilidade para atuação humana, sem incidir na evolução das so- ciedades, pois o homem é o agente de transformação do processo geográfi co. É dessa perspectiva que a visão possibilista estabelece a relação homem-natureza. 16 Fundamentos de Geopolítica Vesentini (2003) apresenta as possíveis diferenças entre geografi a política e geo- política, bem como discute a pretensa oposição entre uma abordagem determinis- ta e uma abordagem possibilista. Por que é importante esclarecer a relação dicotômica entre de- terminismo e possibilismo para entender a geopolítica? Num primeiro olhar seria para poder situar a Geopolítica em seu campo de estudo. Contudo, buscar enquadrar de modo fechado a Geopolítica, sem en- tender as contribuições da Geografi a Política e da abordagem de- terminística é encobrir a produção científi ca da Geografi a construída ao longo dos séculos XIX e XX, os processos que estão envolvidos, as relações de poder que estão contidas nas discussões epistemo- lógicas e os saberes produzidos e suas infl uências nas práticas te- órico-metodológicas do ensino de Geografi a, e sua relação com as políticas de Estado. 2.3 ENTENDENDO O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA POR MEIO DA DISCUSSÃO ENTRE DETERMINISMO E POSSIBILISMO Cabe situar a origem da abordagem determinística como base do pensamento geográfi co alemão, a partir de Friedrich Ratzel, e a abordagem possibilista tendo como referência sua etimologia francesa fundamentada nas ideias de Lucien Febvre e Paul Vidal de La Blache. É preciso situar a contribuição de Ratzel ao retomar os estudos espaciais da política em 1897, por meio da obra Politische Geographie. Segundo Vesentini (2003), essa obra cria uma forte contestação dos franceses à tese de vinculação entre o “solo” e o Estado, em especial do historiador-geógrafo Paul Vidal de La Blache, que publicou suas críticas à “escola geográfi ca determinística germânica” nos Annales de géographie, em 1898. Costa (2016) situa a contribuição de Camille Vallaux com sua obra O Solo e o Estado, publicada em 1910, na qual critica Ratzel e situa a contraposição do possibilismo ao determinismo no âmbito da geografi a política. Sua crítica é metodológica, por17 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 considerar a teoria do Estado Orgânico, mas que ao menos essa visão trazia o meio para discussão na relação com o Estado. Assim, considera que era necessário separar os fenômenos sociais e naturais (COSTA, 2016). O cerne da questão é a relação de dependência do Estado do “solo” (enquanto espaço físico, território) e a ideia de que o desenvolvimento do Estado tinha relação com a expansão territorial. Daí a noção de um determinismo limitado elaborado por Ratzel, cunhado pelos franceses sobre a Geografi a Política alemã. O alemão Friedrich Ratzel, com sua obra, foi de grande importância para a sistematização da Geografi a moderna, pois desenvolveu uma das formulações pioneiras de um estudo geográfi co especialmente direcionado à discussão dos problemas humanos, o qual chamou de Antropogeografi a. Seu estudo teórico, com grande caráter interdisciplinar, teve a preocupação principal de entender as diversas formas de circulação de pessoas e bens materiais; a difusão e a distribuição dos povos sobre a superfície terrestre; a infl uência das condições naturais sobre o comportamento humano, que culminariam no determinismo; as formações do território, e intimamente ligada a estas, a dimensão política da relação homem- natureza” (SOUZA et al., 2016, p. 44). A ideia de uma relação antagônica entre determinismo e possibilismo foi in- troduzida por Lucien Febvre na obra La Terre et l´evolution humaine, publicada em 1922. Mas essa associação deve ser refl etida com base na construção do sa- ber geográfi co, por meio de dois contextos de sua formação. Um primeiro momen- to em que se constrói um conhecimento denominado de “geografi a dos Estados- -maiores”, voltado aos interesses dos Estados, como forma de estabelecimento de poder, cuja origem data da idade antiga (LACOSTE, 2012). Seja ele através da dominação cultural exercida pelas representações cartográfi cas e do saber espa- cial enquanto estratégia de poder. E uma segunda via de conhecimento, edifi cado no âmbito acadêmico, a qual Lacoste (2012) denomina de “geografi a dos professores”. Esse constructo teórico surge no século XIX e se manifesta como um discurso ideológico que não dialoga com as práticas políticas, estratégias de domínio territorial militar, e com as tomadas de decisões econômicas. Nesse sentido, furta-se tratar os mecanismos de poder que se confi guram as análises espaciais. A “geografi a dos professores” é vista ini- 18 Fundamentos de Geopolítica cialmente com essa limitação, por não atender a uma práxis pedagógica, de ocultar o saber geográfi co como mecanismo de poder, esfera de ação e uma forma política. Por isso, tem-se a ênfase dada ao aspecto descritivo e não analítico dessa ciência e da “geografi a dos professores” até a primeira metade do século XX. De acordo com Lacoste (2012), é Elisée Reclus (1830-1905) o precursor de uma geografi a pujante na França, não Vidal de la Blache. Mas é Vidal de la Bla- che quem infl uencia a “geografi a dos professores”. No entanto, não se faz uma re- fl exão epistemológica a partir de problemáticas geográfi cas. Isso passa a ocorrer com a aproximação da Geografi a a estudos interdisciplinares com a sociologia e a economia por meio de Pierre George. A principal contribuição de La Blache foi contrapor ao pensamento Ratzeliano e sua abordagem “determinística”, através dos estudos da descrição regional, em que situa o processo histórico de atuação humana em relação aos dados naturais, numa visão que se “aproxima” da abor- dagem possibilista do constructo geográfi co. Essa é a crítica que se faz ao seu pensamento, apesar de inserir a questão histórica, há uma relação de dependên- cia dos fatos humanos dos fatos físicos. Em contrapartida, Elisée Reclus, nas obras O homem e a terra e Geografi a Universal já tratava das questões sociais, políticas e econômicas, que incluíam temas sobre as cidades e as indústrias. Lacoste (2012) assinala que os avanços nas Ciências Sociais e na História se deram muito mais em razão da luta de clas- ses. E é nesse sentido que a Geografi a deve perfi lhar. Há que se entender que o argumento geográfi co não é neutro, pois recai em políticas e ideologias. Assim, a geografi a “dos estados maiores” se atenta para a dimensão política; e a “geogra- fi a dos professores” de base francesa negligencia essa dimensão, sendo apenas inserida nas discussões da Geografi a Humana a partir dos anos de 1950. Para contrapor a ênfase dada à historicidade dos fatos, Lacoste (2012) cria a noção de geografi cidade para situar que temas são tidos como centrais para análise e estudo de fenômenos geográfi cos. No âmbito da “geografi a dos profes- sores” alemã, o tema das questões políticas e de estratégia militar são pontuados desde Ratzel e o início do século XX. Na França, a Geopolítica apesar de não ser explicitada no pensamento “geográfi co dos professores” no início do século XX, sobretudo aborda os aportes de Vidal de la Blache, este último aborda o tema nos Annales de géografhie (1898) e na obra A Franca de Leste (Lorena-Alsácia) em 1916. Neste último livro, La Blache faz a descrição do Quadro, que dá conta de várias questões que remetem a cidade, o papel das distintas burguesias urba- nas, os mecanismos variados de industrialização, o modo como se originam os capitais e as áreas que ocorrem investimentos, abarcando aspectos sociais e as relações entre classes. O ponto-chave é o tratamento dado à geopolítica e aos militares. Apesar disso, não há por parte de La Blache uma atenção maior desses temas no constructo geral da produção de conhecimento, em especial se analisa- do os Princípios de geografi a humana (1921). 19 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 Lacoste (2012) atribui a Lucien Febvre a concepção de geografi cidade e a infl uência dessa visão na comunidade acadêmica, a partir da obra A terra e a evo- lução humana, introdução geográfi ca à história (1922). É Febvre quem constrói as proposições teóricas do possibilismo. Propõe uma “geografi a humana modesta” que não trate dos temas políticos e militares; não aprofunde as questões sociais e econômicas; e deixe de lado uma análise sobre as cidades. Esse posicionamento que contrapõe os avanços que Reclus e La Blache já tinham alcançado, insti- tuindo um pensamento geográfi co mais estrito ainda, mas esse pensamento está de acordo com o domínio que os historiadores tinham acerca da questão política sobre os Estados. Jaen Brunhes contrapõe a abordagem de Febvre através da obra Geografi a da história, geografi a da paz e da guerra (1921), que dialoga com a obra de Rat- zel. Mas Febvre adota a frase de La Blache: “a geografi a é a ciência dos lugares e não a dos homens” para refutar a aproximação do pensamento dos sociólogos e dos economistas nas discussões espaciais da geografi a (LACOSTE, 2012, p. 117). Com isso, seu pensamento ganha maior proeminência no ambiente acadê- mico. É nesse contexto que a “geografi a dos professores” até os anos de 1960 não avança sobre os temas centrais da geopolítica (ação e poder). Lacoste (2012) mostra a contradição ao citar que mesmo não abordando a questão política e militar na geografi a universitária francesa, as cartas cartográfi - cas foram elaboradas para atender a tais demandas de poder. Esse afastamento em primeiro plano tem relação com o elo entre os geógrafos universitários, o go- verno e o Estado-maior. Mas, sobretudo, pela questão expansionista e racista da Geopolítica alemã. É em meio a esse contexto que se funda o debate da Geografi a Política e da Geopolítica. A Geopolítica não deve ser confundida com a Geografi a Política, cuja base de formação está assentada nas ideias de Friedrich Ratzel, cujas bases teóricas e conceituais do autor fundamentam os estudos da Geografi a Humana. Assim, a Geopolítica não deve ser pensada como uma junção entre a Geografia e a Política, apesar de conter uma forte infl uência do pensamento de Ratzel em seus estudos. Ratzel, apesar de contribuir para esse campo de conhecimento e para a construção do conceito de Geopolítica a partir da noção de Geografi a Po- lítica na obra Politische Geographie (1897) – Geografi a Política, nunca chegou a fazer uma menção ao termo. O desenvolvimento dos estudos da Geografi a Política por Ratzel, agregado a pensadores como Johan Rudolf Kjellén, Alexander von Humboldt e Karl Ritter conformam a corrente “determinística” da Geografi a, na qual se fundamenta a geopolítica alemã. Humboldt enfatiza o papel das ciências naturais e seu aporte para lidar com as questões e as práticas imperialistas. Ritter, seguindo a mes- 20 Fundamentos de Geopolítica ma linha, aprofunda esse cotejo de tal modo que se pode ver manifesto no que se denomina de geografi a humana (FONT; RUFÍ, 2006). São esses autores que vão infl uenciar o pensamento de Ratzel. A ideia de “determinismo geográfi co” de Ratzel é uma interpretação feita da abordagem sobre a relação entre o homem e o meio, expressa no seu livro Anthropogeographie (1882). Nessa concepção, os elementos da natureza, a exemplo do clima e do solo, seriam os únicos fatores que infl uenciam a organização e o desenvolvimento de uma sociedade. Indo além do determinismo do meio natural como fundamento do ― “espírito das leis”, Ratzel procurou elaborar uma verda- deira teoria das relações entre a política e o espaço, introdu- zindo o conceito de sentido do espaço, segundo o qual certos povos tinham maior capacidade de ordenar as paisagens, de valorizar os recursos naturais, de se fortalecer a partir do seu próprio enraizamento no território. Como ocorreu com as ci- ências sociais naquele período, o modelo de Ratzel foi forte- mente inspirado na biologia, e os temas por ele privilegiados respondiam à necessidade de refl etir sobre os problemas de sua época, ou seja, a disputa por territórios e o fortalecimento do Estado nacional como garantia de poder dos povos sobre os territórios por eles ocupados (CASTRO, 2005, p.19-20). A Geografi a Política é fundamentada em duas obras de Ratzel, Politische Geographie (1897) e Das Meer als Quelle der Völkergrösse: eine politisch-geo- graphische Studie (1990). O objeto de estudo da Geografi a Política, segundo Rat- zel, é a relação entre Estado, solo e sociedade. A ênfase é dada ao espaço na dimensão política do Estado, pois há a preocupação com o espaço ocupado por um Estado confrontado com a posição que esse espaço estabelece com os outros espaços. O espaço é situado como mecanismo de poder, enquanto importante agente político. Ratzel faz uma análise histórica situando que o poder mundial es- teve efetivamente entre as potências “marítimas” e “continentais” e por isso desta- ca o poder marítimo como a base para alcançar o poder mundial. O que ele quer dizer com essas ideias é o papel importante dos oceanos na dinâmica comercial e de controle das áreas dos Estados, assumindo uma função estratégica de poder. A Geografi a Política fi rma-se como um campo de estudo da Geografi a, e re- cebe novas contribuições, em especial de Halford John Mackinder, com sua teoria do “pivot geográfi co da História”, na qual dá atenção especial ao poder marinho. Outra contribuição à Geopolítica foi elaborada pelo General Karl Ernest Nikolas Haushofer, em meio às análises sobre a Primeira Guerra Mundial, através das “pan-regionen”, elaboradas a partir dos estudos sobre o surgimento de novas po- tências industriais (Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Japão) e o declínio das colônias francesas e inglesas. No entanto, ocorreu uma forte resistência franco- -britânica diante de uma possível atuação centralizadora da Alemanha na Euro- pa. Assim, a geografi a política era utilizada como base para as ações durante a Segunda Guerra Mundial. As ideias de Haushofer foram em um primeiro momen- 21 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 to assimiladas por Hitler, que culminou no pacto de não agressão russo-alemão estabelecido em 1939. Mas, pouco depois, a Alemanha invade a União Soviética, com derrocada da Alemanha diante dos aliados. […] a geopolítica representa um inquestionável empobrecimento teórico em relação à análise geográfi co-política de Ratzel, Vallaux, Bowman, Gottmann, Hartshorne, Whittlesey, Weigert, e tantos outros. Essa é a questão essencial, desde logo, que deve sobrepor-se às demais, a começar dos artifícios notoriamente simplórios como o de tentar situá-la como ― “ciência de contato” entre a geografi a política e a ciência política, a ciência jurídica etc., bastante comum nas introduções de inúmeros generais-geógrafos-geopolíticos, a começar pelo próprio Karl Haushofer (COSTA, 2016, p. 55). Para aprofundar a questão, Costa (2016) cita a obra de Raztel, Geografi a Política, como sendo a base que funda tanto a geografi a política quanto a geo- política, mesmo esta última tendo Kjellén como referência. A fi m de situar uma distinção entre as duas abordagens, sugere o uso do critério do nível de compro- metimento de pesquisadores em suas pesquisas com o escopo das ações nacio- nais-estatais. Nesse sentido, revela o aspecto militante presente na atuação de alguns pesquisadores, a exemplo de Haushofer e Hartshorne, mas enfatiza que isso tem ocorrido com maior relevo no interior dos Estados-maiores vinculado com as áreas militares e os institutos articulados a ele. Contudo, afi rma que as bases teóricas e conceituais que abarcam ambas as abordagens suplantam o problema da militância e, por isso, deve ser considerada como ponto de partida analítico. Costa (2016) considera um equívoco fazer o cotejo entre possibilismo e de- terminismo ao tratar da geografi a política, sem fazer as devidas ponderações. Ao se ater à questão da vinculada do determinismo com a geografi a política, situa que para além dos aspectos naturais há em seu escopo a infl uência do quadro nacional (especialmente da Alemanha) e das ideias do Iluminismo e da Revolu- ção Francesa. Desse modo, não é possível enquadrá-la como uma ciência desde sua origem com viés determinístico, pois há que se compreender que o discurso determinista sobre o Estado considera “a capacidade que eles demonstram em construir sua unidade nacional interna do ponto de vista da organização política do território, e de transformar esse dado em poder de Estado, a fi m de projetá-lo na sua política externa” (COSTA, 2016, p. 22). O autor qualifi ca esse determinismo como territorial, no qual os estudos se concentram no equilíbrio de forças em escala macrorregional ou global, que visam à representação do movimento da política dos Estados e dos blocos de Estados numa dimensão de escala global. Costa (2016) vislumbra uma mudança no cená- rio mundial orientada para redução de confl itos diretos internacionais e acordo de paz, com um possível fi m de uma abordagem da geografi a política de modo isola- 22 Fundamentos de Geopolítica do e seu encaminhamento para estudos interdisciplinares no âmbito das ciências sociais. Essa visão considera que os confl itos não ocorrerão marcadamente por entes territoriais objetivos, sobretudo pelo avanço da democracia em suas distin- tas estruturas, com a aplicação de modo amplo e dispositivos de descentralização e de consolidação do poder regional e local. Essa visão está assentada nas bases de uma ordem mundial “globalizada” e da quebra das fronteiras entre as nações, no entanto, o quadro geopolítico que se apresenta revela o deslocamento das relações de poder para outras dimensões escalares, com menor peso do papel do Estado na geografi a política e na geopolítica mundial. Contudo, o Estado não dei- xa de manter centralidade, conforme explicita Mascaro (2013), o que ocorre com o avanço do desenvolvimento do sistema do capitalismo é que fi ca mais evidente que para compreendê-lo em sua totalidade é preciso estudaro capitalismo. 2.4 A CONFORMAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA E SEUS PRINCIPAIS TEMAS Etimologicamente, o termo Geopolítica surge no fi nal do século XIX, através dos estudos do cientista político Rudolf Kjellén, no qual Tosta (1984) cita que o ter- mo foi mencionado por ele pela primeira vez em uma conferência. O termo geopo- lítica foi materializado por Kjellén (1905) no artigo As Grandes Potências, no qual compreende a Geopolítica como sendo a “análise do Estado como agente apropria- dor e controlador do espaço geográfi co” (TOSTA, 1984, p. 24). Mais adiante, em 1916, o autor apresenta as bases da Geopolítica na obra O Estado como Forma de Vida, compreendida “a ciência do Estado, enquanto organismo geográfi co, tal qual se manifesta no espaço” (KJELLÉN, 1916 apud CHAUPRADE, 2001, p. 29). Nessa obra, o autor constrói a sua teoria Geopolítica do Estado Orgânico. Este amplia a concepção de Estado Orgânico elaborada por Raztel e situa o Estado como um “superorganismo” em que todos fatores políticos estariam condicionados às leis bio- lógicas. Logo, para Kejéllen (apud WEIGERT, 1943, p. 119): O Estado mesmo é a terra, é, em certa medida o solo ‘orga- nizado’[...] A essência do Estado como organismo se compõe de elementos jurídicos e elementos de força: como toda a vida individual existente sobre a terra, consiste não somente em moralidade, senão também em desejos orgânicos [...] Os Es- tados, tal como (podemos) seguir seu curso na história e tal como nos movemos entre eles e no mundo das realidades são seres materiais e racionais, exatamente iguais aos seres hu- manos [...] O Estado se apresenta a nós, não como uma forma casual de simbiose humana, artifi cialmente envolta em noções jurídicas, e sim como um fenômeno orgânico profundamente 23 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 enraizado em realidades históricas e, de fato, como o ser hu- mano individual. Em uma palavra: o Estado emerge como uma manifestação biológica ou forma de vida. Desse modo, os estudos da Geopolítica surgem no século XIX em decor- rência de alguns fatores. Em primeira instância pela confi guração dos Sistemas de Estados modernos resultantes da unifi cação da Alemanha e da Itália, pelo auge do imperialismo europeu e sua relação entre as metrópoles e as colônias. Os processos de independência das colônias europeias ao norte e o surgimento dos Estados Unidos e do Japão como novas forças de grande impacto na ordem mundial. Além do processo célere de expansão demográfi ca, cujos efeitos recaem sobre os recursos naturais e suscitam discussões sobre os processos geopolíti- cos que envolvem o tema. É nesse escopo de discussão que surge a Geopolítica enquanto base disciplinar. Esse campo de estudo se expande e encontra muitos expoentes em distintos países, no qual se tentou classifi cá-los por correntes a partir de seus Estados de ori- gem. De acordo com Célérier (1969, p. 11), Halford Mackinder (1861-1947) foi cria- dor da escola de geopolítica inglesa; Ratzel (1844-1904) foi precursor da escola ale- mã; Vidal de la Blanche (1845-1918) deu origem à Escola Francesa e Alfred Mahan (1840-1914) instituiu a Escola Geopolítica Norte-americana. Mas essa classifi cação não atendida à diversidade de pensamento produzida nos países e nem conseguia observar os pontos em comum que tinham as ideias desses autores. Em síntese, pode-se dizer que a noção de geopolítica encontra duas cor- rentes de pensamento para análise dos fenômenos políticos-geográfi cos, mas que não devem ser vistas como campos de estudos isolados. Segundo Glass- ner (1993, p. 223), uma corrente baseada na ideia de determinismo ambiental, ou como também é conhecida darwinismo social, tem como base as ideias e os conceitos desenvolvidos por Friedrich Ratzel e Kjellén intitulada “Teoria do Estado Orgânico”. E uma segunda corrente, denominada de Geoestratégia, na qual se compreende a relação de infl uência de fatos geográfi cos e políticos pelos próprios fatos. A referência desses estudos são Alfred Thayer Mahan e Halford J. Mackin- der, autores do século XIX. Situando esses enfoques espaço-temporalmente, convém assinalar que a geopolítica passa a criar corpo durante os processos de entreguerras (1918-1939) no início do século XX, no qual abarca a Primeira Guerra Mundial, em 1918, e o começo da Segunda Guerra mundial, em 1939. Nesse período, as questões terri- toriais trazem outra centralidade para as discussões sobre o Estado. A geopolítica mundial ganha ênfase nos estudos da Geografi a com a Guerra Fria, pelas disputas territoriais de hegemonia política, econômica e de poder béli- 24 Fundamentos de Geopolítica co no comando da ordem mundial. A ordem mundial está assentada nas relações de poder e soberania entre nações, em que pesam o contexto histórico-temporal. Observa-se dois contextos na ordem mundial, um primeiro cenário em que preva- lece uma ordem mundial eurocêntrica, tendo como elo central o imperialismo inglês entre os séculos XVIII e século XIX, pelas Revoluções Industriais e pela disputa de novos territórios, um novo colonialismo. Porém, com o período entreguerras e os resultados do pós-guerra com a conformação de uma Guerra Fria, surge uma Nova Ordem Mundial, em que os Estados Unidos ganham centralidade em razão de sua hegemonia econômica, um mundo Bipolar. Com o fi m da Guerra Fria surge uma Nova Ordem Mundial, assentada nos processos de globalização e numa perspecti- va Multipolar. Entender os arranjos espaciais e territoriais das relações entre Esta- do, poder e Política Internacional é o objeto central da Geopolítica. Becker (2005) situa o papel que a geopolítica teve e tem no domínio de ter- ritórios alheios, sobretudo na relação metrópole-colônia, na qual o território la- tino-americano esteve sujeito. Há, portanto, a partir da atuação geopolítica dos Estados um ambiente internacional com os mais variados tipos de pressões, in- tervenções, com intensidades distintas que vão desde moderadas as situações de guerras à obtenção de territórios. Essa confi guração de confl ito antes tinha como ente central o Estado, em razão deste ser considerado a base de procedência do poder e de expressão da política. Por isso, essa categoria se mostra central até o desenvolvimento do capitalismo fi nanceiro ou monopolista. “Hoje, esta geopolítica atua, sobretudo, por meio do poder de infl uir na tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território, uma vez que a conquista de territórios e as colônias tor- naram-se muito caras” (BECKER, 2005, p. 71). Atividades de Estudo: 1) Elabore um texto que exponha os principais aspectos que ex- pressam a convergência entre o determinismo e o possibilismo na geografi a. Indicamos como leitura complementar o seguinte trabalho, que trata sobre o assunto: SOUZA, Cristiano Nunes de et al. Determinismo e possibilismo: uma análise epistemológica e crítica. Maiêutica-Geografi a, v. 4, n. 1, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3dYGdwb. Acesso em: 9 mar. 2020. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 25 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 3 O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA E AS PRINCIPAIS ABORDAGENS TEÓRICAS Estabelecida uma discussão inicial entre a geografi a política e a geopolítica, cabe, portanto, compreender de modo mais detalhado o campo de estudo da geo- política e suas principais abordagens. Costa (2016, p. 55) defi ne que a geopolítica tratada pelos distintos teóricos é, em primeiro plano, “um subproduto e um redu- cionismo técnico e pragmático da geografi a política, na medida em que se apro- pria de parte de seus postulados gerais para aplicá-los na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais projetando no espaço”. Nessesentido, Costa (2016) assinala um reducionismo teórico diante da aná- lise geográfi co-política elaborada por Ratzel, Vallaux, Hartshorne, entre outros. Sua crítica é a ideia de “ciência de contato” em relação à geografi a política, ciência po- lítica e as demais ciências. Uma mudança de discurso adveio pela já mencionada associação ideológica que o termo geografi a política tinha com o nazismo e, por isso, o uso do termo geopolítica se dá largamente após a Segunda Guerra Mundial, mas sem fazer uma distinção teórico-metodológica dele (COSTA, 2016). Neste subtópico, estudaremos as principais abordagens da Geopolítica, si- tuando o contexto histórico e geográfi co em que essas ideias surgiram, na busca de trazer os aportes que esses estudos podem oferecer para compreensão dos fenômenos geopolíticos atuais. 3.1 AS IDEIAS DE RUDOLF KJELLÉN: O PONTO DE PARTIDA DA GEOPOLÍTICA O sueco Rudolf Kjellén foi o precursor da geopolítica e quem introduziu o termo numa analogia entre as relações do Estado e o território. Infl uenciado pelo pensa- mento de Friedrich Ratzel, sua construção teórica agregada às ideias de Alexander von Humboldt e Karl Ritter conformou os fundamentos da geopolítica alemã, sobre os quais Karl Haushofer utiliza para embasar suas ideias. Kjellén tem uma trajetória acadêmica no campo do Direito Público, em que foi catedrático das Universidades de Gotemburgo e Upsala. Apesar de ter nascido em 1864, século XIX, sua produ- ção científi ca ocorre nos primórdios do século XX, antes e depois da Primeira Guer- ra Mundial e falece em 1922, sem ter noção do alcance de suas ideias. 26 Fundamentos de Geopolítica As Grandes Potências e O Estado como Forma de Vida, respectivamente, publicadas em 1905 e 1916, apresentam seus principais aportes à geopolítica. Segundo Costa (2016), Kjellén estabelece que a geopolítica apresentava uma au- tonomia diante da ciência política e da geografi a política, esta última vinculada como um sub-ramo da geografi a. Para Kjellén, o Estado funciona como um organismo territorial cuja natureza biológica está presente em todo o seu contexto de existência, lutas e confl itos, tendo como eixo central o meio e a raça e de modo periférico a economia, a so- ciedade e o governo. Segundo Kjellén, “o Estado é um ser vivo; seu governo é a alma e o cérebro; o império é o corpo e o povo são seus membros (RAFESTIN, 1995 apud FONT; RUFI 2006, p. 61). A ênfase dada aos Estados-maiores em sua teoria é compreensível se tomarmos como ponto de partida sua origem de base alemã e a existência de impérios centrais na Europa, assim denominados de “Estados-Maiores”. Então, desse contexto que emerge sua predileção pela geo- política, ela tem vínculo com a dinâmica estatal contrapondo-se à ideia que vinha sendo construída dentro da geografi a política de um campo de pesquisa acadêmi- co autônomo. Costa (2016) explica que as bases dessas ideias estão centradas como estratégias ou ações que visam atingir o domínio territorial ou hegemonia diante de outro país. Daí a associação que se faz com suas ideias, com as teorias sobre a geografi a política da guerra, ou mais precisamente como é reconhecida a geopolítica por ele construída pelos geógrafos franceses. Disso, portanto, decor- re um distanciamento inicial do geógrafo com os franceses dessa denominação, mas não desse campo de conhecimento. Kjellén situa o Estado como sendo um ente de manifestação biológica pró- pria, que acometido por leis naturais de crescimento, se inserido em um espaço limitado, não encontra uma alternativa senão ampliar o seu espaço através de processos de colonização, tomada ou agregação de outros territórios. Essa noção de expansionismo territorial do império germânico está presente em suas obras, sobretudo na ideia de que os Estados-Maiores deveriam desenvolver estudos científi cos para pensar aspectos geopolíticos. Em razão disso, ocorreu grande aceitação de suas ideias nos círculos de poder, em especial, na Europa. Em geral, os países que se utilizaram dessas ideias tinham traços de regimes fascistas e de forte atuação militar. Isso serviu para embasar as ações dos países europeus e latino-americanos. Ponto central para entender o lugar do pensamento de Kjellén para a geo- política atual é ter em mente o alcance de suas ideias enquanto fundamento para geopolítica, pois a partir dele surge no interior dos Estados uma produção de co- nhecimento político que não se articula com a geração de um saber acadêmico. Isso quer dizer, distanciada da “geografi a dos professores” (LACOSTE, 2012). O maior exemplo desse sub-ramo da geopolítica são os estudos realizados pelo mili- tar e geógrafo alemão Karl Haushofer. Haushofer não é o único, existem expoentes desse pensamento em distintas estruturas de Estados, inclusive no Brasil. Por isso, é importante compreender o ponto de partida desses estudos para saber qual a 27 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 fi nalidade da produção desse conhecimento. Como exemplo desses estudos oriun- dos dessa tradição militar temos Mario Travassos, Golbery e Meia Mattos e Lysias Rodrigues. Há, de modo geral, uma menção ao papel dinâmico que as ideias de Kjellén e Ratzel deram à geografi a política, a partir da geopolítica, pela aplicabilida- de de suas ideias nas estratégicas do Estado através da geografi a. 3.2 A DIMENSÃO HISTÓRICA E GEOGRÁFICA DO SURGIMENTO DA GEOPOLÍTICA O cenário histórico e geográfi co em que se constitui a geopolítica, através dos estudos de Ratzel e Kjellén, como campo de estudo Geografi a é o momento de passagem do século XIX para o século XX. Desse modo, é fundamental situar as transformações sociais pelas quais passou a sociedade nesse período. So- bressai nesse período a relação entre espaço e poder, resultado de um mundo cada vez mais atrelado à escala global e pelo surgimento de grandes potências mundiais, tendo como seu modo de atuação mundial através de ações imperialis- tas. Assim, a ênfase é dada ao domínio da ordem mundial. Costa (2016) assinala a associação da noção de potência mundial e imperialismo dentro desse contexto. No entanto, o que se expressa de modo contundente é o avanço dos proces- sos de industrialização, em sua segunda Revolução Industrial, bem como da repro- dução ampliada do capital, em sua fase monopolista. O capital age de modo seleti- vo especialmente exercendo ação de concentração e centralização das indústrias e do capital bancário em determinados países, numa inserção internacional desigual. Costa (2016), ao considerar Lenin, explicita o caráter estratégico de expan- são territorial das potências e do reordenamento mundial realizado por meio da Primeira Guerra Mundial, considerando o confl ito como sendo o resultado de uma guerra imperialista que buscava a redivisão da ordem mundial, o domínio territo- rial sobre as colônias e situar-se no campo de atuação do capital fi nanceiro. Pois, para o capital, já interessava atuar no mercado em escala nacional, mas atingir em sua segunda fase, a escala mundial. Uma “guerra” pelo controle territorial e mercado dos países, em especial das antigas colônias. Há nesse novo arranjo da dinâmica da ordem mundial uma nova lógica de atuação imperialista, não mais centrada na relação colônia-metrópole, mas um imperialismo associado aos monopólios econômicos, com intrínseco elo com o ca- pital fi nanceiro que os situam em escala mundial. Os confl itos que se sucederam nessa época estavam atrelados à rivalidade entre os países fronteiriços (grandes potências) pela expansão de seu território local e das áreas de expansão colonial (fontes de matérias-primas) situadas na Ásia, África, Oceania e América. Costa (2016) cita Hobsbawm (1989) para explicar a mudança por que passa a noção de 28 Fundamentos de Geopolítica imperialismo, vinculada com a ideia de grandes impérios resultados de conquis- tas territoriais-militares, do fenômeno de imperialismo atreladoao colonialismo de territórios alhures, sobre o qual deu origem ao processo de industrialização na Europa, a exemplo do imperialismo inglês. Observa-se que até o fi m do século XIX, o imperialismo tinha como principais atores os países europeus. Desse período em diante surgem novos atores na dinâ- mica mundial conquistando hegemonia regional, que é o caso do Japão, na Ásia, e uma nova hegemonia mundial, exercida pelos Estados Unidos. Este último realizou uma profunda expansão de seu território, ocupando áreas pertencentes à França e ao México. Sua atuação expansionista se dá sobretudo no domínio da dinâmica econômica e comercial na América; de tal modo que o governo dos Estados Unidos cria, em 1821, a Doutrina Monroe, uma política dedicada à atuação hegemônica dos Estados Unidos, na América, como sendo o resultado dos “direitos naturais” que possuía na região, daí surge a noção de “América para os americanos”. Essa política surge em contraposição às políticas da “Santa Aliança” de países europeus que tinham o intuito de retomada das colônias americanas. Inúmeros foram os con- fl itos gerados pelos Estados Unidos com intuito de domínio e expansão territorial que se conformou de natureza imperialista, conforme apresenta a Figura 1. FIGURA 1 – TERRITÓRIOS ANEXADOS PELOS ESTADOS UNIDOS APÓS CONFLITOS TERRITORIAIS FONTE: Costa (2016, p. 65-66) 29 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 Essa expansão imperialista no continente americano resulta na criação do protetorado de Cuba e na conquista do arquipélago das Filipinas e Porto Rico. Emerge desse cenário uma potência econômico-militar mundial com enorme poder de atuação externa, fundamentada no big sick, que quer dizer: “fale macio, mas carregue um grande porrete”. Essa política serviu para desarticular as economias subdesenvolvidas e emergentes. Mas as pretensões de controle da ordem mundial eram maiores, com isso, aliado à Inglaterra, buscou ocupar o lugar da Alemanha no mercado mundial a partir da construção do Canal do Panamá, iniciado em 1980, pela França, assumido pelos Estados Unidos, em 1904, e fi nalizado em 1914. Com o avanço da hegemonia mundial econômica, política, militar e cultural dos Estados Unidos no pós-guerra, conformando um bloco capitalista e do outro lado a criação de um bloco socialista, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, liderado pela Rússia – no período que fi cou convencionado chamar de Guerra Fria (1947-1991) – a ordem mundial se divide em dois polos (bipolaridade). Com o domínio do sistema capitalista e uma lógica mundial centrada na expansão do comércio internacional e a quebra de “barreiras espaciais”, surge uma nova ordem mundial de caráter multipolar (Figura 2), em que as grandes potências exercem controle da economia de cada região. Esse controle territorial das rotas de comercialização pode ser exercido tanto via terrestre como via marítima. FIGURA 2 – A NOVA ORDEM MUNDIAL FONTE: <https://interna.coceducacao.com.br/ebook/ pages/311.htm>. Acesso em: 16 ago. 2019. 30 Fundamentos de Geopolítica 3.3 MAHAN: O PODER MARÍTIMO E A ASCENSÃO DOS ESTADOS UNIDOS COMO POTÊNCIA MUNDIAL Alfred Thayer Mahan (1840-1914), estadunidense formado pela Naval Academy at Annapolis, segue a linha dos geógrafos militares, pertencente ao quadro da marinha deste país e professor da Naval War College at Newport. Participa da Guerra Civil Americana chegando a ser nomeado capitão de mar e guerra em 1885. Dedica seu enfoque na geoestratégia do poder marinho (COSTA, 2016). Parte dele a infl uência na constituição de grandes potências marinhas no período anterior à Primeira Guerra Mundial. A atuação docente como instrutor de História e Táctica Naval do Colégio de Guerra, em 1985, fez com que, orientado por Stephen B. Luce, buscasse analisar o papel do poder naval no desenvolvimento histórico mundial. Em seus estudos, e sua função à frente do instituto, teve a oportunidade de conhecer e conviver com Theodore Roosevelt, que posteriormente seria presidente dos Estados Unidos. Essas experiências docentes e de pesquisa resultam em duas grandes obras: The Infl uence of Seapower on History, 1660-1783, publicada em 1890, e The Infl uence of Sea Power upon the French Revolution and Empire, 1793-1812, lançada em 1892. Cabe salientar que o pensamento de Mahan infl uencia Ratzel em seu argumento a favor do poder naval alemão (FONT; RUFÍ, 2006). Sua teoria parte do avanço das forças produtivas bélicas da França e do Reino Unido no século XVIII e o confl ito entre essas duas potências pelo controle dos mares, sobre o qual o desenvolvimento naval foi decisivo para determinar a vitória. Contudo, Mahan presenciava um enfoque estratégico dos Estados Unidos de ocupação e expansão territorial para a região Oeste do país, cujo objetivo era criar uma circulação comercial marítima dos Estados Unidos no oceano pacífi co. Havia, ainda, a crença do papel civilizatório que desempenhara os colonizadores dos Estados Unidos, na América, descrito no século XIX no Destino Manifesto. Assim, seus estudos situam-se no contexto histórico da grande inclinação da política externa estadunidense. Por isso, era considerado por Morison e Commager um teórico do expansionismo, em outras palavras, “um fi lósofo naval do imperialismo” (COSTA, 2016, p. 69). E um ambiente cultural em que o nacionalismo germânico se difundia e se concebia que democracia e imperialismo poriam coadunar. Clarividente do papel que a tecnologia exerceria na hegemonia do poder naval, em contraposição às forças que preferiam os veleiros aos navios a vapor, atuou politicamente através de seu pensamento estratégico para demonstrar sua 31 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 importância para o domínio dos mares e oceanos. Seus aportes infl uenciaram ações estratégicas de desenvolvimento militar naval de potências europeias, a exemplo da Grã-Bretanha e Alemanha, do Japão, tendo forte impacto nas duas grandes guerras do século XX. O grande mérito de Mahan é ter analisado e desenvolvido uma visão integrada do poder marinho como elemento geoestratégico para as grandes potências mundiais. Essa concepção situa que todas as atividades ligadas ao mar devem ser integradas, disso decorre o poder. Mahan (1965, p. 8 apud COSTA, 2016, p. 69) explica que “O teatro de guerra pode ser maior ou menor, suas difi culdades mais ou menos pronunciadas, as armadas maiores ou menores, os movimentos necessários mais ou menos fáceis, mas estas são simplesmente diferenças de escala, de grau, não de tipo”. Essa frase remete ao entendimento de que historicamente a natureza e a função social da marinha de guerra são as mesmas, em geral os conceitos e práticas utilizadas são as mesmas descritas por Hermócrates, há mais de 2300 anos (COSTA, 2016). Entendido isso, situa os oceanos e mares como espaço social e político, diferente dos espaços terrestres, mas que se articulam entre si através dos portos e de vias (terrestres e aquáticas) de comunicação internas. No entanto, o uso dessa lógica não é aplicado por todas as potências em razão de que as histórias dos fl uxos e o modo como cada continente e porto está posicionado são distintas. Aquelas que fi zeram o uso das rotas comerciais, das rotas marítimas estrategicamente, tal qual Holanda e Alemanha, as vias terrestres funcionariam como o elo que dinamiza os dois espaços e o comércio mundial. Disso decorre uma atuação articulada e interdependente da marinha mercante e de guerra nas grandes potências. Assim, a existência de marinha mercante é uma premissa considerada necessária por Mahan para o desenvolvimento da marinha de guerra (COSTA, 2016). Tal como Mackinder, Mahan faz uma análise distorcida da atuação militar dos Estados Unidos, não considerando suas ações agressivas. Contudo, compreende bem o papel que tem a construção do istmo do Panamá como fatorpara o desenvolvimento não só comercial e de sua indústria de guerra armamentista pelo expansionismo marinho. O poder marinho é entendido por Mahan baseado em três elementos: Produção, com a necessidade de troca entre os produtos; navegação, através da qual esta troca é realizada; e colônias, as quais facilitam e alargam as operações de navegação e tendem a protegê-las através da multiplicação de pontos de apoio – encontra-se a chave para boa parte da história (bem como da política) das nações marítimas (MAHAN, 1965, p. 28 apud COSTA, 2016, p. 71). 32 Fundamentos de Geopolítica Para Mahan, a posição geográfi ca é o eixo central que propicia o poder marí- timo (COSTA, 2016). É o caso de sucesso da Inglaterra pela sua confi guração in- sular de seus portos, tendo um forte império colonial, avançada marinha mercante e o controle de Gibraltar na Península Ibérica. Este último, para a França, é uma limitante para o acesso entre a costa marítima do Atlântico (norte) e do Mediterrâ- neo (ao sul). Decorre dessa experiência a visão de que os Estados Unidos neces- sitariam criar um canal no istmo do Panamá. Isso traria uma posição estratégica dos Estados Unidos no continente americano. Este se torna poder estratégico à medida que agrega ações para articular seu potencial econômico, territorial e ma- rítimo. Essa articulação perpassa aliar a enorme presença de matérias-primas, a dimensão e localização estratégica de seu território com o canal. Porém, Mahan era contrário ao isolamento estadunidense e consequente da política externa da “Doutrina Monroe”, pois compreendia que o país devia atuar como agente civili- zatório diante das sociedades bárbaras (FONT; RUFÍ, 2006). Algo que Rafestin considera como sendo um discurso de superioridade racial e o apregoamento do direito ao colonialismo no fi nal do século XIX e, portanto, a defesa de que os povos mais organizados podiam intervir e expropriar povos tidos como bárbaros (RAFESTIN, 1995 apud FONT; RUFÍ, 2006). Assim, Mahan situa que é a extensão litorânea e as características de seus portos que oferece a diferenciação ao Estados Unidos e não sua dimensão espa- cial terrestre. Desse modo, preconizava que os Estados Unidos deviam sair da condição de isolamento (FONT; RUFÍ, 2006). Mas esses aspectos precisam estar articulados a uma dimensão e distribuição demográfi ca signifi cativa e o conjunto da sociedade esteja vinculado com as atividades marinhas. Em sua análise, en- tende que os Estados Unidos no século XIX ainda não apresentavam tais condi- ções, mas possuíam potencialidades (COSTA, 2016). Outro caso signifi cativo para elucidar o quão importante é essa articulação pode ser verifi cado com as duas grandes potências da expansão marítima no período colonial entre Portugal e Espanha. Esses países realizaram a expansão marítima, mas não avançaram na articulação estrutural econômica da sociedade, fi cando apenas no processo extrativista e, logo, perdendo a sua riqueza para Ho- landa, pela dependência comercial, e para a Alemanha, em razão da dependência na aquisição de bens. Em síntese, o poder marinho resulta da articulação entre suas potencialidades marítimas e as atividades internas e externas de um Estado (COSTA, 2016). Mahan examina o papel do “carácter do governo” na conformação do po- der marítimo e compreende este como sendo a junção entre governo e as insti- tuições do país. Situa dois tipos de políticas governamentais: as democráticas e as despóticas. Para Mahan, as políticas marinhas para terem êxito devem partir da seguinte premissa: “um governo só terá sucesso em sua política voltada para 33 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 a construção de um poder marítimo quando essa política estiver fundamentada numa vontade nacional expressa democraticamente em tal direção” (COSTA, 2016, p. 74). E, por isso, considera que os governos despóticos não logram êxito por ter sua política desvinculada do “caráter nacional” e da “vontade geral”. Sua prospecção do que viria a ser o poderio estratégico naval estadunidense expressa na ideia de que “A distância que os separa das demais grandes potên- cias é de algum modo uma proteção, mas é também uma armadilha. O motivo que dará aos Estados Unidos uma marinha está provavelmente agora sendo esti- mulado pelo istmo da América Central. Esperemos que não demore muito (COS- TA, 2016, p. 75). Por isso, Morison e Commager afi rmavam que Mahan era o “profeta do impe- rialismo”. No entanto Mahan não conseguiu ver terminado o canal do Panamá e a conquista da hegemonia dos Estados Unidos na ordem mundial e a consagração enquanto potência marítima já evidenciada em 1916 (COSTA). 3.4 MACKINDER E A TEORIA DO “PIVOT GEOGRÁFICO DA HISTÓRIA” A Geografi a Política fi rma-se como um campo de estudo da Geografi a e re- cebe novas contribuições, em especial de Halford John Mackinder, a partir de um artigo publicado em 1904, em que apresenta a teoria do “pivot geográfi co da His- tória”. Mackinder dá atenção especial ao poder terrestre (MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004). Mackinder (1861-1947) nasceu no Reino Unido, colaborador do Royal Geographical Society, realizou estudos de geografi a na Universidade de Oxford e na London School of Economics. Este criou uma corrente de pensamen- to tão proeminente para a geografi a quanto Ratzel (FONT; RUFÍ, 2006). Além dis- so, ele acompanhou a grande virada do século XIX para o século XX, participou das duas grandes guerras, viu declinar o “imperialismo” e o surgimento da União Soviética. Sua principal contribuição foi trazer à luz uma estratégia global nos es- tudos geográfi cos. Costa (2016) situa o pensamento de Mackinder como sendo pragmático, de- fi nido por ele mesmo como sendo realismo, pela natureza em incluir no seu exa- me político do equilíbrio de poder da conjuntura internacional os fatores empíricos (tidos como concretos) oriundos de análises geográfi cas. Ebraico (2005 apud SANTOS, 2017) trata a Geografi a Política de Mackinder como geoestratégia, situada como um subcampo da geopolítica, cuja base teó- rica serve para elucidar o papel da geografi a como instrumento para tomada de 34 Fundamentos de Geopolítica decisões políticas pelos Estados. Mackinder considera débil análises das regiões democráticas-liberais, pois não dão conta das lacunas no equilíbrio mundial e do progresso de Estados-nações “despóticos” em seus fi ns de expansão territorial (COSTA, 2016). O ponto de partida de sua abordagem é a crítica à ênfase dada por Ratzel ao poder marinho e a não observância de fenômenos de crescimento industrial dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e Rússia, bem como o desenvolvimento de um poder bélico terrestre por parte dos Russos. Um aspecto importante de sua con- tribuição à Geografi a por meio de sua visão “aplicada” da ciência geográfi ca é a crítica as projeções cartográfi cas “eurocêntricas”, que nada tinham a dizer sobre as condições espaciais do continente europeu. Há, portanto, o superdimensionamento do espaço do continente europeu. Desse modo, estabelece novas projeções carto- gráfi cas relacionando-as com as grandes transformações mundiais que perpassam pelo domínio terrestre de determinadas áreas. Elabora uma projeção “asiocêntrica”, em que situa essa área como sendo maior que o território europeu, sendo este último considerado uma pequena parte do que denominou de “ilha mundial” – os continentes Europeu, Africano e Asiático (MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004). Mackinder elabora então, em 1904, a teoria do poder terrestre, em que situa a área apresentada na Figura 3 como sendo a “área pivô”. Mais adiante, através de sua obra Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruc- tion, refaz esse conceito e cria a noção “heartland” (MELLO, 1999, p. 45), eviden- ciada na mesma fi gura. FIGURA 3 – INDICAÇÃO DE ÁREA PIVÔ E HEARTLAND SEGUNDO MACKINDER E AS ATUAIS REPÚBLICAS CENTRO-ASIÁTICAS FONTE:<http://www.ca-c.org>. Acesso em: 16 ago. 2019. 35 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 Para Mackinder, essa região tinha uma função estratégica para expansão do Estado que a dominasse, adquiria tanto domínio terrestre quanto marítimo. Desse modo, a conjuntura geopolítica poderia ser elucidada pela interação entre o “he- artland” (coração) e os cinturões que conformavam a sua volta, no entendimento de que “Quem dominar o coração continental dominará a ilha mundial. Quem do- minar a ilha mundial controlará o mundo” (MACKINDER,1919 apud MELLO,1999, p. 56, tradução livre nossa). Assim, com base em um estudo histórico e geográfi co sobre as invasões bárbaras, Mackinder observa que nas grandes estepes da Ásia Central situavam as bases das mudanças mais signifi cativas do mundo em razão da mobilidade da cavalaria nessa região, sobre a qual afi rma conformar “o pivot geográfi co da História” (MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004). FIGURA 4 – A TEORIA DO PIVOT GEOGRÁFICO DA HISTÓRIA, DE MACKINDER FONTE: <https://bit.ly/3aNXoyD>. Acesso em: 16 ago. 2019. Com o avanço da modernidade mudam-se os meios (cavalo por trem) pelos quais se locomovem na região, mas de acordo com Mackinder (apud MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004) essa área denominada de “heartland” (coração) geográfi co da Ásia Central (especifi camente a Rússia) era considerada uma potência terrestre de difícil acesso das potências marítimas. Em síntese, as grandes potências (Estados Unidos e Reino Unido) consideravam que uma possível atuação conjunta entre a Rússia e a Alemanha levaria à derrocada do “livre-comércio” e do domínio inglês na dinâmica mundial. É em razão disso que, após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, a Geopolítica ganha novos contornos na Alemanha (MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004). 36 Fundamentos de Geopolítica No entanto, Lacoste (2012, p. 235) contrapõe-se ao pensamento da geografi a física (relevo e/ou clima) instituída por Mackinder e afi rma que a geopolítica “resulta da combinação de fatores bem mais numerosos, demográfi cos, econômicos, culturais, políticos, cada qual deles devendo ser visto na sua confi guração espacial particular”. Contudo, é inegável a capacidade de Mackinder de compreender os proces- sos histórico-geográfi cos, em especial pela sua relação espaço-tempo e a leitura geográfi ca da perspectiva da história universal (FONT; RUFÍ, 2006). Em razão dis- so estabelece três fases histórico-geográfi cas: uma pré-colombiana, pelo domínio das potências continentais asiáticas; a fase colombiana pelas potências marítimas (Espanha, Portugal, Países Baixos e Reino Unido); e a fase pós-colombiana, de confl ito entre as potências continentais e marítimas, conteúdo presente em sua teoria sobre o pivô geográfi co da história (FONT; RUFÍ, 2006). Na realidade, surge como uma refl exão técnica que chama atenção para os limites do poder marítimo do império britânico para lidar com o “pivô geográfi co” pelo avanço das comunica- ções terrestres. Assim, defi ne que a geografi a do poder é fruto de seus espaços (FONT; RUFÍ, 2006). Mas que, em 1904, o pivô estaria sob domínio das potências marítimas. Todavia, que a Rússia em razão de seu território e condições naturais tinha amplas condições de organizar a ilha mundial (COSTA, 2006). Enquanto proposta política, sugere que o Reino Unido aplique políticas internas novas e estabeleça novas cooperações internacionais. Esta última resultou em coalização com as potências marítimas, a exemplo dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália e Japão (FONT; RUFÍ, 2006). Sua antevisão sobre os acontecimentos históricos-geográfi cos chama atenção, pois a mudança de denominação da área pivô para heartland é acompanhada de uma ascensão do domínio da Europa oriental dessa área. Sua clarividência para os acontecimentos das duas grandes guerras é revelada por Gallois (1990, 253-254 apud FONT; RUFÍ, 2006, p. 71-72). O centro de seu pensamento talvez seja a revelação de que as fronteiras do “bloco soviético” foram praticamente as mesmas que as Heartland. Tanto um longo período histórico, como os acontecimentos que é testemunha direta traçam uma linha de divisão entre o Leste e o Oeste da Europa. Traçando uma reta a partir do Adriático – deixando Veneza a Oeste – Até o Mar do Norte, a leste dos Países Baixos, Mackinder separa a Europa em dois blocos irre- dutíveis. [...] Aí está a divisão entre o Heartland e o Coastland, entre os do mar e os da terra. [...] Quem domina a Europa do leste domina o Heartland; quem domina o Herartland domina a maior ilha do mundo; e quem a domina controla o mundo. É no continente, a partir da cabeça do poente do istmo euro- peu, onde as “potências do mar” devem organizar a defesa [...] contra o impulso das “potências da terra”. A Alemanha do 37 AS BASES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO DE ESTUDO DA GEOPOLÍTICA Capítulo 1 amanhã somente poderá participar dela se não desembocar em uma organização estática sem piedade [...] Entre o Báltico e o mar Negro vivem sete povos não germânicos. Aí devem-se construir Estados sustentados pelas Potências Vitoriosas, pela Sociedade das Nações, de modo que garantam a separação entre germânicos e eslavos. É necessário criar novos Estados, e o geógrafo os desenha em um mapa: a Estônia, a Lituânia, a Grã-Boêmia, a Grã-Servia, que com a Polônia, a Hungria, a Grã-Romênia e a Bulgária se- param fi sicamente as potências do litoral daquela que domina o continente. Assim, segundo Font e Rufí (2006), o seu grande feito foi antevê por meio da geografi a a ordem mundial (Guerra Fria) no pós-guerra, o papel que a democracia teria no Ocidente, a divisão da Europa, bem como a Aliança Atlântica. Porém, suas análises não foram tão assertivas sobre o papel do Reino Unido nesse cenário todo. 3.5 HAUSHOFER: APORTES PARA A GEOPOLITIK ALEMÃ E REPRESENTAÇÃO DA ORDEM MUNDIAL EM PAN-REGIÕES Outra contribuição à Geopolítica foi elaborada pelo General Karl Ernest Niko- las Haushofer 1869-1946), em meio às análises sobre a Primeira Guerra Mundial. Oriundo da região da Bavária, na Alemanha, atuou no Japão enquanto atividade ofi cial nos anos de 1908 a 1910 e em seu retorno doutora-se em Geografi a, Ge- ologia e História na Universidade de Munique, na qual em 1919 passa a ocupar a cátedra de Geografi a. Seus feitos são baseados nas ideias Mackinder de uma ciência voltada para uso do conhecimento geográfi co na ação política, em razão disso infl uenciou para que a Geopolitik fosse aplicada no imperialismo nipônico (FONT; RUFÍ, 2006). Disso resulta a sua obra O desenvolvimento geopolítico do império japonês (1921). Inspirado pela experiência no Japão, percebera o papel da fronteira para atu- ação do Estado (MARTIN; CASTELLAR; MARTINS, 2004). Observa o declínio das colônias inglesa e francesa, em meio à ascensão de novas potências indus- triais, tais como: Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Japão, isso fez com que elaborasse a teoria das “pan-regiões”, publicada na obra Geopolítica das pan- -regiões (1931). Nela, o espaço ganha centralidade como categoria de ação e análise. Logo, institucionaliza a geopolítica como uma ferramenta científi ca para o 38 Fundamentos de Geopolítica exercício do poder estatal, e sua visão organicista que situa a relação entre terri- tório e raça, bem como o domínio global pelas quatro grandes potências (Estados Unidos, Rússia, Japão e Grã-Alemanha) para tanto atender às demandas internas regionais quanto externamente determinar a ordem mundial (FONT; RUFÍ, 2006). Desse modo, cria uma regionalização do espaço mundial em pan-regiões: Panamércia, de incumbência dos Estados Unidos; Euráfrica, controlada pela Grã- -Alemanha; Panrúsia, atribuída à Rússia; e Zona de Coprosperidade asiática, também conhecida como Leste-Asiática, de domínio do Japão. O modelo traçado prevê em cada uma dessas pan-regiões uma estrutura pensada como uma
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