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MATTOSO CÂMARA, Joaquim - Princípios de Linguística Geral

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LINGOiSTICA: SED OBJETO 
I I. Linguagcm liurnana e lingllagcm animal. 
! i Podc-se inicialmen te dizcr que a L1NciHsTICA C a ciencia da lingua­
gem. Mas a def inic.io c i.naproveitavel, enquanlO niio se dclirn ita 0 alcance 
do seu segundo terrno. ' 
Atribuindo it h7lgllagcm uma significac;ao.Jatissilll;\\ perclerarn-se na 
imprccisao mu it as cloutr inas Iilosoficas, e nao I~ir'a;arn, por isso, depre­
•ender a neccssiclade de uma ciencia nit ida que a tivesse para assunto. A 
L1.\;GdSTICA, hoje finaln:ente constitu ida, nao foi sCCJuer entrevista, por 
excrnplo, nas classif icacocs cornt iana e spenccriana das cicncias, como ja 
ressah ou 0 l inguist a frances Albert Dauzat (Dauzat, ICJ32, 200). 
_J Cum pre, antes de tudo, clissociar 0 conceito de linguagcm do da nossa
 
interpretarfio cliantc clas coisas cla natureza. Pelo adcn~;p1Cnlo das nuvens
 
no ceu podemos chegar ao conhecimento de que vai.r mbruscnr-se ,0 tern­
po, da rncsma sor te que 0 aspecto (las .irvores pede indicar-nos urna mu­
danra de estacao do ano. Niio h.i, enuetanto, como Ialar em lingnagem
 
nurn ou noutro caso, porquc as nossas conclusocs decorrer.un exclusiva­
mente de nos, As nuvens c as ~n'orcs Iorarn objctos intcirumcute passi­
vos: e, _Eara._b.ay.~r.1inguagem, c precise, ao contr.ir io, uma at ividade
 
l1l~nJal.\a'H9_!"!o..Ponto de part ida quanlo no ponto de chcgad~1:·Nout.!"~s_
 
ter!n,~,~,2I~\j~() .gu,e,o.ll1anifcst3.',He tcnha tido a Jlllcll('iioAc 711 a II ijcSl1It-sc. 
Com isso, circunscrevc-se a nossa cicncia no tlmbilO UO reino animal. 
Dcve-se, porcm, dar um passo acliarue, c, distinguindo entre os brutes 
e 0 homern, restringir ,.,10 homcm 0 conccito daqucla lingnagem cujo 
estuclo e 0 objcto da lingiiislica. 
o mestre alcmfio, dos fins do scculo passado, Gcorg von dcr Gabelentz 
depreendeu p:,ra esse fim os lres traces caracter isticos da ling-nag-em hu­
mana. Ressaltou, antes de tudo, um PROPOS\TO r laro e definido (al. Absiclu­
hc!l/(cil) como ponto de partida (las nOSS3S mani lcst.rcocs lingiiislicas. ?lIas 
nfio C tudo, Cada lI111a dclas sc aprcscnta a rna is com lima SJ(;="IFJCA~:,\O I'ER­
~IA="I::\"rE (a1. rinr/niligl!rzl) iSIO C - idl'nril"a a si rucsma, possivcl de re­
i 
16 2 PRINCfPIOS DE LING"OfSTICA GERAL 
petir-se com a sua individualidade nitida em circunst;incias identicas. E 
Iina lme nr e preslam·se a DIV1S1BILIDADE na representacao (al. die Zerlegung 
dcr i'orsteliu'/;c,) e, portanto, conseqi.it-ntemente na expressao vocal (Ga­
belen t z, 1001,2/3). ' .; 
Ora, 3 VOl e aos gestos dos animais irracionais se pode atribuir rnu i­
t as vezes urn proposiro mais ou me nos preciso. Nao se lhes pode, contudo, 
a tr ibu ir as duas outras propriedades, focalizadas por Gabelentz, porque 
ncles as represen t aroes sao essencialmente globais e nao tern uma corres­
pondcncia constante com urn dado conjunto expressivo, 
A razao esui na impossibilidacIe cIe se elevarern a urn trabalho mental 
cIe "corist ruciio representativ~" dianre cIo mundo exterior e do mundo in. 
terior. Eo que muito bern frisou 0 fi16sofo alernao Ernst Cassirer (Cassirer, 
1933, 2·1). Basea ndo-se n as cousideracoes cIe J. von UexkUII sobre 0 conceito 
psicn]("gico do ESP r\~o \'ITAL (al, Lebensraum), acentua -Cassirer como os 
bru tos nfio \'ao alcm da "a<;ao e eficiencia", isto e - recebern as excita<;Oes 
exreriores para agir num mero jogo de a<;ao e reacao, sem quaisquer reo 
presenta<;oes mentais que Iacarn daquele espa<;o urn todo unificado e com­
preensivo. 
E a concepcao dos caracteres assim depreendidos pOl' Gabelen tz que 
esta implicita na insistencia com que 0 seu compatriota Walter Porzig nos 
fala da ARTICULA<;:AO (al. Gliederung) 1 como a linha divisoria entre a lin­
guagem dos homens e ados brutes (porzig, 1950,4655.). Por gliedern, como 
pOI' art icnlar, derivado do diminutivo articulus do latim artus, "membra", 
e ntende-se a i, em sent ido lato, 0 processo de dividir em mernbros minimos, 
ou elementos, uma en unciacar; vocal e a representacao mental que nela 
se consubstancia e exrerioriza. A nrticulaciio e assirn decorrente da divisi­
bilidatle: a enuncia<;ao v~cal humana e articulada, porque se presta a uma 
divisao sistcm;itica, por meio da qual chegamos a elementos sonicos signi­
ficativos. E, por outro Iado, esses ,~Iementos existem, porque a sua signifi­
ca<;Jo permanente assegura a sua incIividualidade nitida enos faz reconhe­
cc·los, sempre idcnticos.a si mesmos, nas rna is variadas circunstancias. 
2. As [urll;oes da linguagem. 
Nestas condi<;oes, chegamos a urn conceito de Jinguagem representati ­
va, que e a exclusivamente humana. 
1 Porzig- relaciona, alii'i, cxpiicilamente, 0 [enna alemao com' 0 latinismo 
ArtikulatlOn (POl'zig, 1950, 50). 
2 LINGtifSTICA: SEU OBJETO 17 
Cada cornunidade de hornens serve-se de urn sistema de linguagcm, ou 
Li~cUA, cuja propriedade essencial e a de ser representativa, 
.Assim, no sistema porrugues, ou lingua portuguesa, os Ienomenos que 
impressionarn os nossos sent idos sao interpretados, e REPRESENTADOS, - ora 
consubstanciados num "ser", nao raro merarnente convencional. como 
m orte (nomes substantiuos], ora como "processos" em desenvolvimento 
(vcrbos); dos primeiros se depreendem predicaclos nltidos inom cs adicti­
vas), e, quanto aos segundos, se imaginam part indo de urn dado ser (sujeito) 
e situados num momenta anterior, sirnultaneo ou posterior aquele em 
<Jlle sao citados (tempos verbais); ordenam-se os scres na d istfincia espa­
cial (pronomes demonstratioosj e eles sao vistos como "individuos", passi­
veis de cita<;ao isolada (nl/mero singular) ou de cita<;ao em grupo (mime­
1'0 plural); dividcrn-se em classes pOI' urn dado cr itcr io (como 0 do gruero 
nominal], e cla-se-lhes lima denominarao com urn Oll diferente, con forme, 
pOI' exemplo, se intcrpretarn na base cIe certos elementos constitutivos A, 
em que col hernos ma<;;ls, B, de que tir arnos lenha, C, a cuja sombr.i nos 
abr igarnos, como un'orc, ou, ao contrar io, na base de outros elementos se 
(az abstrarfio dcsse agrupamento geral e charna-se A maricira, B cura­
lipto, C [equitilu), Desta sorte, 0 espa<;o em que vivemos, ou 1'51',\<;:0 VIT,\L, 
e decornposto e ordenaclo - ou seja, REPRF_SEt'T,\OO - num conjuruo hal" 
monioso e n itido. 
Em outros tcrrnos: cr ia-se na linguagem urn "munclo" ou "cosmos" I, 
em bora niio necessar iarnente coincidente com a intepretarfio racional 011 
LOCICA 2. Os hornens passarn a cornpreender 0 espa<;o vital de certa ina­
ncira, e, part indo da rompreensiio cornurn, concretizada na lingua, po­
dem-no fazer assumo de comllnica<;;io entre si (ex.: "0 lavrador derrubou 
o jequitiba, colhed os frutos daquela macieira, planta eucaliptos", etc.). 
o psicologo alemao Karl Bi.ihler insiste por isso na FUNC,:AO REl'RESEN­
TATIVA (al. Dars'lellung[unktion), em bora depreenda ao lado desta, duas 
outras fun<;Oes, nao menos importantes: a EXTERIORIZA<,:AO PSiQUICA (a!. 
Kundgabe, ou Ausdriick, i. e, "expressao" stricto sensu), quando atraves da 
linguagem manifestamos 0 nosso est~do de alma, e a ATUA<;:AO SOCIAL au 
APELO (al. Appell), por"'meio da qual atuamos subre 0 proximo na. vida 
social (BUhler, 1934, 12 ss.). 
I Sobre a significa~Jo de "ordem", "arranjo orden ado", que e"~ na ""tIlC;"
 
do J;T. kchmoI e do lat. mundUJ, utilizado pard traduli-!o, d. fluck, 1949, 3; Emoll!­
~lcilk!, 19:>1, 747.
 
2 Para a rela~Jo entre a lingua, de urn lado, e, do Dutro. a I"!dc, e a formllla~a{)
 
malcmalica, como sistemas quase lingliislicos", d. Hockett, 1958. 266.
 
) .. 
19 18 3 PRINC!PIOS DE LINGtlfSTICA GERAL 
A exteriorizacao psiquica tambern se revela na voz dos anirnais: assim, 
o latido do cao manifesta tao nitidamente alegria .. ou raiva, ou dor fisica, 
ou desespero, que ha em portugues verbos distii1tos para caracteriza-laconforme 0 caso (latir, ladrar, ganir, uivar). Nem se the pode negar mui­
tas vezes urn proposiro de atuar sobre 0 proximo, seja este urn outro ani­
mal ou 0 homem. 0 que Ihe falta substancialmente e a REPRESENTA/;:AO, no 
sentido de Buhler, da qual decorre a SIGNIFICA<;:AO PERMANENTE e afinal, 
a DIV1SIB1LlDADE ou a ARTICULA<;:AO. 
Em vir tude do cara ter essencialmente REPRESENTATlVO da linguagem 
hurnana, as duas outras Iuncoes adquirem por sua vez urn carater sui 
generis ,que as distingue inconfundivelmente da exteriorizacao psiquica e 
do apelo deprcensiveis na VOl dos animais. Elas contern no homem urn 
MOMENTO REPRESENTATIVO, como frisa com toda a razao 0 psicologo 
Friedrich Kainz, quando adota, desenvolve e comenta a teoria de Buhler 
(Kainz, 1943, I, 176). 
o grito doloroso de urn do, por exernplo, nao se equipara a urrra 
nossa Irase exclamativa - ai que dar! Nesta, a: exteriorizacao psiquica se 
processa na base de duas representacoes menta is, ai articuladas: 0 conceito 
da "dor" ou sensacao dolorosa, tratado convencionalmente ate como urn 
ser, e 0 conceito da "intensidade" das nossas sensacoes, formulada no ele­
men to que. 
Ao contrario, nivelarno-nos com a linguagem dos animais, quando 
emitirnos griws de dor, de raiva, de desespero etc. numa enunciacao de 
sons "inarticulados". Acima deles, porque apresentam uma signjfica~o 
mais ou menos permanente e sao passiveis de se clividirem em elementos 
sonicos definidos, estao as ONOMATOPEIAS e INTERJEI<;:OES, que assim cons­
lituem urn setor de transi~ao para a linguagem representativa elaborada; 
ex.: port. ah!, com a vogal portuguesa bern defimida la/. ui!, com 0 ditongo 
portugues lUI I, etc.; pum! com uma consoante e vogal nasal bern portu­
guesas, etc.. 
3. A linguagem como jenomeno vocal. 
Para fins de linguagem a humanidade se serve, dcsde os tempos pre· 
hist6ricos, de sons a que se da 0 nome generico de VOl, determinados pela 
corrente de ar expel ida dos pulm5es no fenomeno vital da respira~ao, 
quando, de uma ou outra maneira, e modificada no seu trajeto ate a 
parte exterior cia boca. 
3 LlNGDfSTICA; SED OBJETO 
Os tirg,ios do corpo humano qlll: dcscm penliam um papel qu.i lqucr 
na cmissao cla VO", const it ucm 0 (Iue sc cham" 0 apnrclh o [onador, ;\i 
se i ncluem, gross(} mudo, os puhuccs, 0 tubo da lraljlll'ia, a bOld e as 
Iossrs nasa is. 
E l ir itr: di/cr ljue h.i, all' ccrto POllIO, uma prcdispo,i\ao d:1 \0/ 
anima l para scr a prove itada como lillgu,',t;cm, mormcm c 110 homcur. em 
ljuc e lao iualc.iv cl c licl de rcrursos.. \ m uu ic», ou scj:' - ,I ,i'lelll:'li/,,· 
~;io dos geslos ((lrp,'lIeos, n.io clcvc In, em ICIiIPO ,d~'IIlI, !lIl'lIOllliILI<I" 
scqUl'T sobre a crn iss.io vocal, c, mu iio menus Iu nrio n.rdo scm CI:I, ,\ h i­
pl'llcse, nesic scm ido, d,l lillgiiisla h01:tIHk', J. v.rn (;illllckcll p:I:'l'le dc,· 
t it u id.i de lju;J!lIuer probabilid.ulc ((;illilekell, J~IIO, J::S s-.), 
E illeg;l\c! que 0 gcsro. cntcnd ido (01110 j",!.;() dOl l i-ionouu:r. dm 
hla<;()s c all' de ioclo a (orpo, acomp.mh.. iuctut.rvclmcm c a Cllllll<J,IIJ\l) 
V()(;J! c ncla sc illlegra numa "rUIl<;'~-IO prc( isador,l d:1 p.ilavru" (K:lin/, 
JUn, l l , '198), mas :tpella.s, como Irisci a lhurcs, ";1 m.mcira de 11m [u nr lo 
m usira l lIue acomp.inha as palavras de urn c.uu o" (C:illl;ILI, 1~)S:1 i\, ::1), 
D:li, SCI' a lillgu,lgem, em essl'llci~l. vor.i l ou or.rl, c d:t \0/ hum.uia 
sc dcsc nuanhur a FAL\, (HI cOlljUJ110 de cllli,,(,es \ol:tis "igllil,clll\;IS. 
Cumpic, 11:10 obst amc. accuiu.u, rom 0 lingiii'L'1 norte..uuciic.mo 
Edward S,lpir, 'Ille "n.io sc tra t a de lima .u ivid.u lc simples. cxccur.rd.i pOl' 
rncio de orgaos biolouica meutc a ela dcst inaclos", IlLI' de urn csforc;u 
oiador da luunanid:«!c, que, par;! isso, se scrvi u de ('lrgaOS do cdrpo h u­
mano, dando·Illes lima aplica~ao s~cuIH!;iria e, li,ioIOl;ic"nH'llle faLIlldo, 
"excrescellle", do mesmo modo que se ulili/am os dedos p,lra a OIl'll' de 
lOcar piano e os joelllos para 0 geslO Silllb('llico dc gellullcxao (Sapir, 
1921, 7). 
Nao c tam bern e:\~110 Strpor, COIll algullS leorislas. Cjnc haja. no ce;· 
rebro hUlIlano, uma ou rnais secsoes !Jio!ogiramel1le deslillad:ts :1 fun(io 
da Iinguagem. Como ironicamellle comenta 0 meSire llortc·allleriC:ll\o 
Leonard Bloomfield, "seria enlaO 0 caso de procurar, igu,l!mente, 0 ccntro 
cerebral especifico da fun)ao lelegJ-:I'fislica, aUlOmobilistica, ou seja que 
outro exercicio de uma inven<;ao moderna" (Bloomficld, I ~):)~. :)7), 
Nao hoi, a respeilo, senao conduir, corn Sapir, "que a lillguagcIll Clll 
si mesma nao c nem pocle sel' locali"ada de maneira dcfinida, pois cOllsi>te 
numa rela<;ao simb61ica toda peculiar, e fisiologicamellle aroitdria, entre 
lOdos os elementos cia nossa expericncia, de um lado, e, de Olllro lado, 
20 21 4 PRINC1PIOS DE LINGtlfSTICA GERAL 
certos elementos selecionados, localizados nas regiOes auditiva, motriz etc., 
do cerebra e do sistema nervoso" ,(Sapir, 1921, 9) I. 
Quer do ponto de vista ment'al,quer do ponto de vista vocal, nao 
ha fugir 11 coricepcao da linguagem como uma especie de ARTE, elaborada 
pelo esforco criador do homem. 
4. A linguagem como aouisiciio cultural. 
Ora, em todas as cr iacoes humanas, a cu jo con jun to se da 0 nome de 
CULTVRA (e se estuda na antropologia cultural, ou etnologia), se pode de­
preender 3 niveis, segundo 0 esquema do antropolopo norte-americano 
Kroeber (Kroeber, 1949, 279) 1: 
SUPERORGANICO 
ORGANICO 
INORGANICO 
Ao mundo fisico se acrescenta, em nivel superior, urn mundo biolo­
giCQ, ou organico, e dai parte a cria\ao humana, ou cultural, num terceiro 
11ivel superorganico, 
A linguagem, utilizando sons, que sao Ienomenos fisicos, assenta num 
substrate inorganico, a que se superp6e 0 Ienorneno biol6gico, ou organico, 
da sua producao pelos nossos 6rgaos vocais: trata-se de sons (fen6meno 
inorganicoj plus vocais (Ienorneno organico). Mas os dois niveis conjuga­
dos ainda nao constituern linguagem. Esta so se realiza, quando os sons 
vocais criam a comunica\ao no nfvel superorganico. Enrao 0 produto vocal 
adquire urn valor hurnano e e a Iinguagem. 
Estamos, assim, diante de um Ienomeno de cultura, como a concei­
tuou Tylor e a sua inicial escola antropol6gica (Tylor, 18H, 1·1): a lin­
1 A ideia de que a fun<;ao da linguagem deva ter orgaos blologicarnerue a ela 
dest inados. e portanro, uma localizacao privat ivamente no cerebro humane, surgiu 
do exame medico em certos doenres, nos quais urna lesao cerebral determina pertur­
baroes OU pcrda da Iala (afasia). A rnedicina de hoje, entretanto, chegou a conclusao 
de q"e a afasia ~ apena. 0 sin lorna de urn a mudanca geral de atitude mental. Embora 
nao seja o.case de dizer rnuitas vezes que houve perda da inteligencia, e forca reconhecer 
que 0 afasico ja n30 se comporta como homem normal em outras :\mbilos que nao 
o da linguagem: "a ar te de pensar e em parte a arte de construir slrnbolos: na medida 
em que 0 pensamemo consiste nisso, a sua perturbacao acarreta a afasia, ou, pelo menos, 
a afasia ~ ilma das express{)es dcssa perturba~o maio profunda" (DelJcwix, 1930, 551). 
1 Kroeber apresenta 0 seu esquema, corn urn objelivo OlIgo diferenle do que Sf 
teve aqui, para ilu.trar o. est.:\gios evolulivos dOl. nalureza, e. nesla direlriz, 0 seu 
gr;\fico tam bern ~ Oligo diIerente. 
§ 4 LINGtHSTICA: SEU OBJETO 
guagem e uma criacao do homem na base das suas faculdades hurnanas, 
tanto como outros produtos, quer rnateriais (habitacao, indument.iria, ins­
trumentos de pesca etc.), quer mentais (religiao, direito, organizacao fa­
miliar etc.). 
A lingua, pois, como observa 0 linguista e psicologo norte-arnericano 
John B. Carrol, "e, sem duvida, cultural em sua natureza e seus prop6si­
tos", independentemente da con troversia, que e "ern cssencia terminol6­
gica", sobre a interpretacao da Iingufst ica, "primordialmente como ciencia 
social ou como urn dos estudos hurnanisticos" (Carroll, 1959, 112). 
Ha, entre tanto, certas coridicoes que tornam a. linguauma coisa 11 
parte em face dos fatos nao-vocais de cultura. 
Em primeiro lugar, funcionando na sociedade para a comunicacao dos 
seus membros, a lingua depende de toda a cultura, pois tern de expressa­
la a cada memento. E 0 resultado de uma cultura global. Tal nao aeon­
tece com os outros aspectos culturais: em cada um deles se refletem outros, 
e verdade, como as concepcoes religiosas na arte, a arte na industria, e 
assim pol' diante; mas nenhum deles existe para expressar todos os outros. 
Assim, a lingua e uma parte da cultura, mas se destaca do todo e com 
ele se conjuga dicotomicamente: 
LfNGUAI-i 
I CUL~ 
ILiNGUA r 
CULTURA 
Acresce, em segundo lugar, que so existe para este fim e nao tern fi­
nalidade rom si mesrna. A sua fun\ao e expressar a cultura para permitir 
a cornunicacao social. 
E, portal(to, por meio dela que se processa essencialmente 0 intercarn­
bio cultural na sociedade, e ela se torna 0 acompanharnento de cada Iato 
cultural de duas maneiras - 1) dando-lhe urn aditamento lingiiistico, como 
a oracao na religiao, as leis no direito, as regulainenta\Oes na industria etc. J ; 
2) propiciando a atua~ao· UIlS com os outros dos membros participantes 
de uma ativiclade cultural, com as ordens, explicacoes etc .. 
l Na literatura, a linguagem esta na pr6pria essencia da atividade cultural 
art./slica: mas n30 se confunde com ela, continuando urn meio para expressar qualquer 
coisa fora de si: porque "a Iileralura e uma Ule comtrulda com a linguagem" (Hill, 
1958, 10). 
3 
22 5 PRINCfPIOS DE LINGttfSTICA GERAL 
Finalmente as aquisi~oes culturais sao ensinadas e transmitidas, em 
grande parte, pela lingua. ~ 
Assim, uma lingua, em face do resto da cultura, C _ I) b seu resul­
tado, ou surnula, 2) 0 meio para ela operar, 3) a condicao para ela sub­
sistir. E mais ainda: so existe para tanto. A sua Iuncao e englobar a 
cultura, comuntca-Ia e transmiti-la atravcs das gera~5es. 
Tuelo is to op5e a Iing-ua ao resto da cuI tura, ou cultura stricto sensu, 
e torna necessaria urna ciencia independente para estuda-Ia _ a L1NGiHsTICA, 
distinta cia ANTROPOLOGIA CULTURAL OU ETNOLOGIA, que estuda todas as 
outras manifesta~5es culturais. Adrnite-se, entretanto, um estudo interrne­
diario, que trata das relacoes entre a lingiiistica e a etnologia e e chama. 
da pelos norte.americanos ETNOLlNGUisTICA (d. Olmsted, 1950). 
5, A linguagem como trace essencinl do homem, 
Compreenele-se, portanro, que a linguagem esta indissoluvelmente 
associ ada com a atividade mental humana, a qual so em virtude dela se 
pede firrnar a desenvolver. 
A filosofia moderna e unSnime em reconhecer que nao se trata 
apenas de urn recurso para expressar pensarnentos, emo~6es e volicoes. 
E, muito rna is que isso, 0 meio essencial para se chegar a esses estados 
mentais, Sem isso, eles seriarn difusos e inconsistentes, como 0 dos brutes. 
que j;\ vimos enclausurados num espa~o vital de mera a~ao e eficiencia, 
A compreensao do mundo exterior e interior resurne-se numa construcao 
e representacao desse mundo dentro do nosso espirito, atraves de urn tra­
balho mental que depende da Iinguagem como a marcha animal depende 
das pernas (Cassirer, 1933, 22). H;\ uma ADERENCIA ESSENCIAL do pensa­
mente as palavras, expressa pOl' Cassirer, de acordo com Hoenigswald, 
pelo termo Worthaftigkeit. 
Se, portanto, a Iinguagem nao e uma fun~ao natural, no sentido 
puramente biol6gico, tornou-se tal para 0 ser humann. situado fora do 
ambito da animalidade bruta. Toda a sua atividade mental assenta nessa 
fun~ao. 
Eis ai, justamente, 0 que tern tornado precario e praticamente baldo 
o esfor~o para depreender a origem cia linguagem nas sociedades huma­
nas. As primeiras explica~6es contentaram·se, marginalmer1'te, em yen. 
tilar as possiveis maneiras pOl' que se firrnaram, coordenaram e consoli. 
daram os sons voc~is como sons da FALA: sugeriu-se a imita~ao dos ruid05 
da natureza (teoria onomatopaica), a tomada cIe consciencia e organiza. 
§ 5 LINGOtSTICA: SEU OBJETO ~J 
~ao dos gritos anirnais cspontaneos (teoria interjcit iva) ou clos sons vocais 
mecanicarnerue produzidos como acompanhamento de urn tr abalho ma­
nual (teoria do Iilosofo alemao Noire). Mais modernamen te, 0 lingili,i;1 
dinamarques Ouo Jespersen propos para ponto de part ida os SOl]> ri t ma­
dos, nurna espccie de canto inarticulado, COi!1 que 0 homcm 1'1 im it ivo 
ter ia esponraneamenre manifestado os seus est ados de cuf'oria (Je,pelsen, 
1928, 432 ss.). 
Ora, 0 grande problema c, ao corur.irio, ex plir ar como os SOilS \ (lId", 
quaisquer que eles Iossem, passaram a const it uir LlNGL'AGE:\I, isto t', sc 
associararn em sistema articulado e com significacocs pel manentes :1 nossa 
vida mental, determinando a ader encia esscncia l do pensamento :IS P:I­
lavras de que nos Iala Hoenigswald. 
Isso pressupoe urn trabalho mental ja evolu iclo, quando, pOI" out ro 
lado, sabemos como c imprescindivel a linguagcm l'dra qua lqucr t rn bn­
lho de tal ordem. Achamo-nos assirn nurna verclade ir a peti\ao de prill­
cipio. • 
A unica solucao c a de conceber Ulll descnvolvimcnto p.u.Lu ino c 
paralelo da faculdade do pensamento e da faculdade da linguagcm. a 
partir de situacoes sociais rud imentares, que prepararam urn ronH,\o de 
aderencia entre uma e outra. 
Tais situacoes teriam sido, por exemplo, para Jespersen, as ,bs 111:1­
nifesiacoes tribais de triunfo, acornpanhadas de urn cant o rolet ivo que 
passou a evocar e afinal denorninar 0 acoruecimenro (Jespersen, ]~):!S, 
440). Outros imaginaram aspectos de comunicarfio social cmbrion.iria. 
Assirn, 0 filosofo holandes G, Revesz parte dos SO:--;S DE COC'T,\CTO (a l. 
Kontakt/aute), emitidos para exteriorizar sat isfaciio. em momentos de 
contacto social, pOl' animais de natureza greg:\ria (RC\ esz, 19·16. 183ss_), 
]<\ 0 psicologo frances Pierre Janet pressupoe uma divisao de at ividades 
nos graneles ernpreendimentos de urn bando, naturalmente acompa nha­
dos de sons e gestos emotivos: 0 condutor, evoluindo para chefe, coneen­
trou-se nesses sons e nesses gestos, enquanto a massa condU7ida deixa\-a 
e1e produzi·los para agir melhor (janet, 1936, 103/6) I. 
Para a lingtiistica, en~retanto, que e uma cienci:J. fllndamelltada na 
observa~ao do que existe, 'nao interessa diretamente es,e problema gem:'­
1 Note·se como Pierre Janel couH..Icna 0 desCIH'olvilllClllO 1l.1ClHJ.1 com 0 des.en· 
volvimenLO lingliistico. explicando a consolidac;50 da fun<;50 representali" da lingllagern 
pela e"011l<;50 do homem e do grupo hllmano, quando 0 ClJndlllOr do bando animol 
ascende a tategoria de "chefe" t: se cria a liirllboli:.a(iio do "colfl,"l"do", 
24 6 PRINCfPIOS DE LINGOfSTICA GERAL 6 LING01STICA: SED OBJETO 25 
tico. Nao Ihe cabe depreender que elementos mentais e que estirnulos 
condicionaram para a humanidade urn rudimento de linguagem, que Ihe 
permitiu construir a represenraran fO seu mundo exterior e interior, e 
desenvolver uma e outro por meio dd auxilio mutu~ que se emprestaram %. 
Nern Ihe in teressa, a rigor, a Iinguagem em si rnesrna, considerada 
como uma faculdade abstrata do homem. 0 seu objeto (ja aqui se Ir isou 
antes) eo cstudo dos sistemas de Iinguagem, ou Ifnguas, as quais podemos 
assim definir: "conjunto de conven~6es necessarias, adotadas pelo corpo 
social. a fim de permitir 0 exercicio da Iinguagem por parte do indivi­
duo" (Saussure, J922, 25). 
6. Lingua e Discurso. 
Eis ai urna circunstancia de monta, porquanto nos desloca para 0 
ambito dos sistemas socia is, ou instituicoes, As Ifnguas Iigurarn entre elas, 
ao lado das relig6es ou do direito, por exernplo, e a linguist ica, concen­
trando-se nelas, dcixa 0 estudo da faculdade da linguagem a Iilosofia 
(MeilIet, 1921, 17/8). 
E verdade que a lingua so existe como soma de multiplos atos vocais 
individuais, porern ncsses atos cada homem se serve de urn sistema de 
elementos vocais que recebeu da sociedade em que vive. Sob esse aspecto, 
falar e sempre urn ato social, mesmo quando eIe se executa sem qualquer 
objetivo deintercambio social de ideias. 
Foi 0 reconhecimento dessa verdade que se cr istalizou na doutrina, 
hoje classica, do rnestre su i~o Ferdinand de Saussure: a LiNGUA (fr. la 
langue) e urn sistema de elementos vocais comum a todos os membros de 
uma dada sociedade e que a todos se irnpoe como uma pauta ou norma 
definida. A seu Iado, distingue Saussure a FALA, ou, mais precisarnente, 
o DlSCURSO (fr. la parole), que e a atividade lingiiistica nas multiplas e 
infjnd;iveis ocorrencias da vid~ do individuo I. 
% Entre as elucubra~6cs neste senlido vale citu 0 estudo de Charles Hr ."ell, lin­
giiista, e Robert Ascher, especializado em antropologia Hsica, wbre "" R evollJ<;3O
 
Humana", onde se procura coordenar a evolu~ao fisica e mental dos hominidios com a
 
evolu~~o da Iinguagem (Hockett.Ascher. 1964).
 
1 E' sempre tareCa delicada criar equivalentes vern;\culos para tennos tecnicos 
estrangeiros. quando s50 aplica~()es de termos usuais, cujo sentido comum proeuram 
aproveitar. 0 Coneticista portllgues Oliveira Guimar~es (Guimar~es, 1927, 7) tradul 
a parol, de Saussure, pura e simplesmente, por palavra; ora, esse termo em portugues 
sugere logo a sua sinonimia com vocdbu(o, ao passo que parC'I' e 0 nome verbal de 
parkr, com que se associa morCicamente. Parole corresponde, pois, ao lac. loquela, de 
Para Saussure, a linguistica propoe-se a estudar a LiNGUA; enos DlS­
CURSOS individuals, que considera e analisa, s6 Ihe devem interessar os 
elementos vocais coletivos e a sua organizacao normal. 
. Essa distiri~ao entre LiNGUA e D1SCURSO, que, como observa, com ponca 
simpatia, 0 lingiiista polones Doroszewski, "Iaz parte do acervo de ideias, 
atualrnente admitidas e ate enraizadas em lingulstica" (Doroszewski, 
1933" 88), e uma das luminosas interpretaroes saussurianas na ciencia da' 
Iinguagem. No ambito social. corresponde grosso modo a distincao entre 
as irnposicoes gerais da sociedade e a atividade de cad a urn de nos, tam­
bern sujeita as inspiracoes do pensamento individual. 
Os adeptos de Saussure reconhecem que os discursos, que a cada passo 
se nos apresentarn a cbservacao sao, com efeito, atos mentais individuais. 
Mas 0 individuo nao cria a sua Iinguagem, advertern. Faz tao somente 
aplicacao daquela que a sociedade Ihe ministrou. Podernos ate dizer que 
ela Iha imp6s, depreendendo a i, com 0 mestre frances Antoine Meillet, 
umacorncj;o COLETIVA no sentido que deu a esta locucao a escola sociol6­
gica Irancesa de Emile Durkheirn (MeilIet, 1921, 230). 
Volta-se, des tarte, a LiNGUA como materia central do estudo lingulstico. 
Outros linguistas, ao contrario, aceitando imphcitarnente a distin~ao 
de Saussure, se preocupam de preferencia em depreender do ato de Iin­
guagem, ou discurso, 0 que nele ha de individual. Tal e a orientacao da 
escola alerna de Karl Vossler, dita idealista. Parece-lhe que.o objetivo pre­
cipuo da lingutstica deve ser 0 de estudar 0 ideal estetico em dado dis­
curso, isto e, 0 esforco do Ialante para expressar-se da maneira mais ade­
quada possfvel as circunstancias em que se acha, Iugindo, por uma cria­
loquor, al, Sprech'n, de sprechen, esp. hobla, de hablar, port. [ala de [alar, Ma. [ala 
exelui a Iinguagem escrira, ao contra rio da parole saussuriana, que ~ menos dependentc, 
na forma e na significa~~o, do seu verbo parlcr. Prc.ponho, port.nto, 0 nosS<) velho 
termo discu~o, CQmo nome verbal de discorru. 0 proprio Sau ..ure lembra 0 latim 
urmo e 0 alem~o Red" que a de corn:spondem, e 0 seu discipulo ingle. Ahlll Gardiner, 
traduzindo' parole por speech, observa que em france. se dir.\ parok ou discouTS 
(Gardiner, 1932, 107) ; e ~ justamente discauns, de prder~ncia a para/(, que propoo1l 
Haudricourt e Granai num recente artigo de inspira(50 saus.uriana (Haudricourt·Granai, 
1955, 121). Outra tradu~~o posslvel e usar as locu~()e. estrutura ·Iinguistica, para 
longue, e a/ividade linguisti.ea, para parok, a maneira do. Composto. alem~es de Karl 
Buhler: Sprachgebilde e Sprechakt. Neste caso, insiste·se especialmente no aspeCIO de 
sistema, ou estrutura, da langue, que a aproxima do conceito de pattern de Sapir em 
ingl~, do <I.e esquema de Hjelmslev (Hjelmslev, 1953), do de sisuma c!e Coseriu 
(Coseriu, 1952). 
seu livro classico 
Para as ideias centrais de Saussure e preciso levar em conta que 0 
(Saussure 1922), ~ pOstumo (publicado pela primeira vez em 1915). 
baseado em nota, de aula e da responsabilidade diret. dos "'u. disclpulo. Bally' e 
Sechehaye: h:l as vezes discorditncia entre a reda~o do livro e 0 pensamento exato ,Ie 
Saussme (cf. Gode! 1957). 
( 
··f 
27 26 § 7 PRINCiPIOS DE LINGOfSTICA GERAL 
~ao pessoal, da automatizacao na formula~ao lingiiistica 2; "Com a forma 
que falamos sucede quase 0 mesmo que com a fofllla que vestirnos. A vida 
pratica nos imp6e 0 modelo. Mas nosso gosto decide 0 corte e a cor" 
(Vossler, 1943, 41). 
Ter-se-a, destarre, ao lado da lingiiistica propriamente dita, ou cien­
cia da "lingua", uma lingiiistica do discurso, que sera a estilistica. 
7. A lingua como representariio. 
A divergencia entre Vossler e a doutrina saussuriana nao e, entre. 
tanto, inconciliavel. Provem do que ha de incompleto no conceito ex pl i­
cito de LINGUA. 
Defi nern-n a apenas, em regra, pOl' dois dos seus aspectos: e uma 
norma ou pauta, sob que se desdobram os discursos individuais - 1) sis. 
ternatica, 2) coletiva (d. Coseriu, 1952, 41). 0 primeiro aspecto vern' a 
ser a estrutura, 0 sistema ou 0 esquema, conforme a denominacao que 
prefira urn dado Iinguista (d. § 6, n. I); recenternente tarnbem se chama 
o codigo, oposto ao ato lingiiistico, que e a mensagem, aproveitandose a 
nomenclatura da nova teoria rna ternat ica da comunicacao, desenvolvida 
na base das telecomunicaroes da engenharia (d. Miller, 1951, 249 ss.) I. 
o segundo aspecto e 0 que se intitula norma ou usa, e nele insistem as 
vezes demais, em detrimento do primeiro, os adeptos de Saussure, en ten­
dendo pOl' LINGUA arenas 0 que usualmente se diz. 
t preciso, 300 contrario, nao s6 dar .a enfase ao primeiro aspecto, mas 
a inda acrescentar que os elementos qrganizaclos que comp5em a "lingua", 
2 Para 0 filosofo ira liano Benedetto Croce.' que inspirou a teor ia linguistica de 
Vossler. a "estct ica" nao tern par assunro 0 "belo", mas a "func;ao exprcssiva" do 
homern, a que cor responde a "manifesrarjlo psiquica" de Biihler (d. ~ 12): "Uris 
ti'm mais aptitude que oUlros, mais freqiiente disp",i,ao qllc outros [Xl'" expressdr 
plenamellte complex", estados de alma. A esses se chama anistas na linguagem 
corrente; algumas exprcssoes por demais complicadas e diCiceis conseguem manifestar-se 
com eXGClcncia e se chamam obras de ane". Assim a cria,ao estctica. au expressi.-a, 
e geral e "lOda a diferenc;a e, pais. quantitativa e. como tal. sem interesse para .1 
filosofia, scientin qualitarulll" (Croce. 1926, 59). Cf. Vos.iler:. "Nao vale a pena exa­
minar como pocsia a nosso falar cotidiano. Mas a menor /(Otinha idiomatica oe um 
charla tao 1:. afinal de conlas. tao hoa agua de Hipouene como 0 inlenso oceano de urn 
Goethe au urn Shakespeare" (Vossler. 19-J3, 38). 
1 Os tennos c6digo, para a sistema da lingua, e mCT15agem, para a aLa lingiiistico. 
estao enLrando francamente no nomenclatura lingi'lhtica. depois que uma autoridaoe 
como Roman ]akobson as aprovou e a"otou (Jakobson, 1%3. 14·5). Para uma rapida 
n0<;50 da teoria matematica da comunicac;ao, ao aleanee de urn leigo, cf. Carroll. 195!}, 
196-205; au ainda Malmberg, 1963, 17·29. 
7 LINGDfSTWA: SEU OBJETO 
correspondern a FUN~AO REPRF.>ENTATIVA no seru ido de Buhler e sen-em 
para uma cornunicacao inrelecuva. 
Ora, quando ut i lizamos os elementos da lingua n urn dado disrurso. 
raramente 0 Iazemos paJa uuia cornunicacao iruclect iva pura. Ha a i t arn­
bern, subsidi.ir ia, concorrutante au predominarucmenre. a carga ernot iva , 
que carreia uma MANIFESTA(.AO I'SiQlIlCA ou urn APELO (sempre no sent ido 
de Buhler) (cf. Camara. J953 B). 
Nestas condicoes. a ling-ilislica pr opriamemc dira.au cstudo da 
Li:\Gl'A na acep<;ao saussur iana, nao abrangc 0 Icnorncno lingu ist ico em 
sua rora lidade. Ficarn de lado as irucncoes de ma nifcst ac.io pSiquica e 
a pclo, que as discursos indiviclua is, ern ~!:;.;ra. carrci.un em si e cones­
pondem a "expressao" de Croce (cf, 8 6. n. 2)_ 
A ESTILlsTlcA C, em essencia, a depreensao cia emocao, sistcm.n i/ada 
nos a tos de linguagem, a qual Illes di urn .'alor cstet ico (gr. aisthrsis 
"sensac.io", donde "sent imento"), Ortodoxarne ntc, .lentro cla doutr ina de 
•Saussure, a escola su ica do seu discipulo Chai les l\:Jlly t arnbcm Ioraliza a 
est il ist ica, frisando os aspectos colet ivos Cjue ncla sr cout em. Tanto vale 
dizcr que h a tarnbcm urn sistema est ilistico. lllll ".:il:ij~o". que pcrmi r« aI a preensao dos elementos emocionais de manifesta..;o ~':,iqllica e de apelo.! ~ Em outros terrnos, a d ist inciio entre ling-iiislica ." <.'-1 i l ist ir a niio C. em 
I
, 
ultima analise, entre lingua colet iva e lingua indivi-Iu.rl. mas -I) entre 
LINGUA como sistema cornunicat ivo, dest inado, antes de t urlo. ;1 represcll­
! ta~ao; e - 2) ESTILO ou sistema expressive, dest inaclo a ai impr im ir ellloc)o .~ 
para servir a manifestacao pslquica e ao apclo. Por isso, em rclac.io a obra 
literaria. Middleton Murry define 0 est ilo como "uma conrentracfio de 
ernorfio na coisa cr iacia" (Murry, 1951, 39)_ 
A lingua C, de m.meira Reral, rolct iva: mas racla urn de nc'l$ rem cell:l, 
pcculiar iclades lingu ist icas. oil pelo menos prefercncia s, e hi assirn, de rcrt o 
modo, mult iplas linguas individuais. ou IDIOLETOS, de aco,'do COIll :1 IlO­
menclatura lingiiislica norte-americana 2, 
2 0 lin~iii$ta Charles Ho~kcll. qu(" entre OS Ih:>rrc-amcricanos mai~ apro[lllllloll 
a conceilo de lL>tOLl:TO. disringlle a rigor 3 aspeClc" da lingua: I) IDiOt 1''1'0. '1\1e cle ddine 
bcha\'iofislicamcntC" como "0 rcpcfu·lrio total de hfll)ilOS ling-l'lio;;ricO"'i dc 11111 indl\ itllln 
num pcqucno pcriodo de tempo" (admilindo quc () illdl\iduo Illuda ('m P:U[C' t·\.\t'S 
h~bilOS com 0 currer da vida c novas cxprrj('ncias): 3) A:'\f:\(;{) t:OMl'\1 (ing, ((}/lll1lull 
cnr~), que f: 0 collinnto coleti\'o oe h:'dlito.' igllais nos nJl'lItiplns memhro, de uma 
sociedade e faz lC"mbrar 0 conceilo da "lingua" dc SJl1ssurc como norllla flU 1I~() {\"t'r 
acima); 3) rADR/\O (;I:RAL (in~, Olll'Tall pallfTll). que i..' a "lingua" como sislcrna, iSlO C, 
o esquema co!etivo deprecnsi\'c] dos IllUlliplos discnrsos individnai.'. Cf. \·ocg-c1in,.'ie[)Cok. 
1%3, 40 ~s. Cf. ainda Devoto. 1955, 7 r 2{. 
29 I28 7 PRINC1PIOS DE LING01STICA GERAL ~ 
t: 
o estilo e em principio, individual, pois esta modelado pelos impulsos 
I 
de uma psique pessoal; mas os traces est illsticos coincidern, em grande parte, ~ 
nos individuos de uma sociedade ~lling\iistica, pois ao csrilo aplica-se, em I 
particular, a af irmacao de Sapir sobre 0 cornportamento individual em l 
I 
face das norrnas sociais coletivas: "Ficamos muitas vezes sob a impressao I: 
de que somos originais, e ate aberrantes, quando na realidade estarnos 
meramente repetindo urn padrao social com urn acento minimo de origi­
nalidade" (Sapir, 1949, 534). 
Podernos, portanto, definir a LiNGUA como sendo - urn conjunto sis­
tematico de elementos vocais que no seu simbolismo -intelectivo servern a 
representacao mental - e 0 ESTILO como sendo - uma organizacao secun­
dar ia (estetica) desses elementos para expressarem a ernocao nos impulsos 
de ma nilest acao psiquica e apelo. 
E verdade que 0 critico literario espanhol Darnaso Alonso contesta 
este ponto de vista, combatendo especialmente a concepcio de Bally sobre 
a estil ist ica. Mas as suas razoes sao muito objetaveis, Com efeito, - 1) dis­
tinguindo 0 elemento imaginativo do afetivo, para reb'ater 0 ponto de 
vista de que 0 estilo se refere a afetividade, nao leva em conta que 0 ele­
mento imaginativo, na sua pr6pria definicao ("capacidade da obra lite­
raria de suscirar em n6s representacoes sensoriais") (D. Alonso, 1952,484-5) 
pertence ao APELO da trilogia lingiiistica de Buhler (que infelizmente nao 
toma em consideracao): 2) argurnentando que entram roo estilo elementos 
conceituais, cita a 16gica da construcao de urn poema (D. Alonso, 1952, 
486-9) sem aten tar que a composicao poetica nao e aspeeto da lingua, mas 
urn dos elementos literarios que estao fora dalingua (d. § 4, n. 2)(~ cons­
trucao do soneto de Dante aI apreciada continua inalterada nurna tradu­
~ao inglesa, portuguesa etc.). Alias, para separar a intuicao cientifica e a 
lircraria, observa que "cienuficamente intuimos com uma s6 diretriz da 
nossa psique" (D. Alonso, 1952, 39), adrnitindo implicitamente que e a 
maneira de sentir a realidade (ou em Ultima analise a ernocao) que carac­
ter iza a inruicao artistica. 
Em resumo, cada ato de linguagem, ou DISCURSO, se Iundamenta num 
sistema de REPRESENTAyAO Iinguistica, que e a LiNGUA, e tambern sistema­
tiza os recursos lingiusticos representatives para a MANIFESTAyAO PSiQUlCA e 0 
APELO nurna estruturacao estetica, que e 0 ESTILO. A lingua e, pr irnaria­
mente, coleriva: mas pode ter secundariarnente peculiaridades individuals, 
constituindo 0 ID 10 LETO. 0 estilo parte primariamente de urn impulso 
pessoal; mas ha todo urn conjunto de coincidencias estilisticas na comuni­
dade lingiiistica, constituindo-se 0 estilo coletivo. 
8 LING01STICA: SEU OBJETO 
.f 0 que se pode expressar graficamente 
DISCURSO 
SISTEMA 
REPRESENTAT!\'O 
ASPECTO LlNCUA 1 ­COLETIVO 
ASPECTO IDiOLETO -INPIVIDl'AL 
LINcutSllCA,.'" etr-rctc 
LlNC01STICA 1.'. 
•8. Cardter dos elementos Iingiiist: cos. 
Cada urn desses elementos lingiiisticos e ARBITRARIO em 
representacao mental a que corresponde. Simboliza essa representacao par 
uma convencao tacita do arnbiente social, sern ser rnotivado pela idcia que 
cornunica e nele se integra I. :t 0 que logo ressalta, como frisa Saussure, 
ante "a diferenca entre as linguas e a pr6pria existencia de linguas dife­
rentes" (Saussure, 1922, 100). 
Tal eo principia do carater arbitrario do SIGNO ou simbolo lingiiistico 2. 
Nao 0 desmente a circunstancia de haver em toda lingua vodbulos 
ditos onomatopaicos, cujo material sonoro foi sugerido por determinados 
ruidos da natureza. 
I Dai, "em essencia 0 dizer que a linguagem e arbitrar ia, imporla em dizer que 
ela e social" (Hill. 1958,4). 
% Em frances signe , como terrno geral, que abrange 0 signal, port SINAL, e 0 
svmbole, pon. SfMBoLO...,Em ponugu1:s signa neste conceito pode afigurar-se-nos an6ma­
10. Parecera , ialvez, preferlvcl usaf, por extensao, sinal ou simbolo, Cabe, com deito, 
falar em S[MRQLO LINCufsTIoo, entendendo-se por simbolo (Cassirer, 1953; Morris 1946. 
Delacroix 1930), de maneira ampla, - aquilo que se subst itui convencionalmente a 
quaIquer coisa para funcionar em seu Iuga r, Saussure, ao contrario, dava exdusiYa­
mente a simbolo urn valor ic.6nico e meta[6rico, como faz a esrerica literaria, SINAI, 
stricto sensu (fl. signal). nao carreia em si a ideia de sUbstitui<;ao; nus lala sensu 
pode traduzir 0 fro signe, quando a frase n~o S(' preste a confus6es. Entr~tanto. os 
espanh6is usam signo e n~o se v~ porque n10 se hi de adotar 0 tenno em porlugues 
para a nomenclatura tecnica lingiilstica. 
no seguinte esquema: 
SISTEMA
 
AFETIVO
 
ASP ECTOESTILO 
COLI TIVO(Co.LETIVO) 
ASP ECTOESTILO ixnrv DUAL(lNPIVIDUAL) 
ESTILISTICA 
referencia 11 
5 
31 30 § 8 PRINCfPlOS DE LINGDfSTICA GERAL 
Com efeito, a ciencia moderna afirma, a proposito, com Karl Buhler 
(Biihler, 1933, 102), que nao existe um campo onornotopaico coerente na 
linguagem. A onornaropcia e um dos esforcos dohomem para um con­
tacto direto com a realidade sensivel. Em vez de explicar a linguagem, 
explica-se, ao contrario, por urna iolcrdncia da linguagem, que assim 
admite, esporadicamcnte, em seu ambito um processo estranho aos seus 
principios clirctorcs. 
Tanto isso c vcrdadc, que 0 vodbulo Iorrnado par cfeito imitarivo 
pcrdc, nao raro, muito cedo essa relacao s6nicacom a rcal idade ambiente, 
quando se integra definitivamente no lexico geral da lingua, como com. 
provam as mudancas de pronuncia que passa a sofrer. Tal foi 0 caso, 
entre rnu itos outros, do fr. pigeon, saido da onornatopcia lat ino pipio. 
Saussure 0 cita, particularmente, para mostrar como vocabulos dcsses 
perdem "alguma coisa do seu cara ter primeiro, a fim de revestir 0 do 
SIGNO lingiiistico geral, que e irnot ivado" (Saussure, 1922, 102). 
Comprccnderemo-, ainda melhor, 0 exernplo frances de Saussure c : 
a tcse de Buhler, sc arentarmos para a circunstancia cle que a onornato­
pcia n ao e urn elemento Jingulstico integrado na Iuncao reprcsentativa, 
a unica de que cogita a lingua no sent ido saussuriano. 56 serve, como j.i 
vimos, para as fun~6es da exterior izacao psiquica e do apelo. Ora, 0 ca­
rater arbitrar io do simbolo lingiiistico Ioi depreendido da LiNGUA como 
sistema Ieito para a fun~ao representativa. Ao contrario, como procurei 
ressalvar alhures, "urn est aclo de alma tende a um contacto int imo com 0 
objeto do seu estimulo, e cria-se uma harmonizat;"ao de que a manifestat;"ao 
linguistica resultante apresenta os vestigios" (Camara
J 
1953 B, 29). 
t natural, ponamo, que, utilizada para a exteriorizat;"ao psiquica ou 
para 0 apelo, transude da lingua um ~sfor~o para coordenar-se sensorial­
mente com as coisas que represent a J. A onomatopeia C a aproxima~ao 
maior neste sentido. Mas nao passa de aproximat;"ao. Hj sempre na ono­
matopeia um fundo de conven~ao, desde que ela se cria com os sons vo­
cais padronizados da lingua, combinados de acordo com as normas que na 
lingua vigoram (assim, a onomatopeia para a "chuva" no telhado e 
pim-pam, em portugues, com as nossas vogais nasais, mas em chines c 
ping-pong com um liil velar, consoante que nan po.deriamos utilizar, 
pois nao figura em nossa lingua). 
J 0 lingiiisla csloveno 1. M. Korinek chCJja a um~ so)u<;ao analoga, quando
 
atribui a arbitrariedade :'1 nocionalidade do elcmenlO li"riiislico, e 0 valor expressivo,a
 
sua inlerjeicionalidade (Korinek, 1939, 59 ss.).
 
9 LINGDfSTICA SEU OBJETO 
Isso redunda, em ultima analise, em afirmar que essa coruradicao ao 
carater arbitrario do simbolo lingiiistico e, por sua vel, ate cerro ponto 
arbitraria em cotejo com a realidade sensivel , e nao foge complerameruc 
aquela linha mestra da linguagem hurnana. 
E ainda urna convencao coletiva, inconscienrc por assim dizer , que 
atr ibui a certos sons linguisticos e a certos vocabulos em que des apa· 
recem, uma capacidade especial para descrever nao so certos r uidos, 111a, 
ate certos est ados de alma. 
o foneticista frances Maurice Grammont cstu dou merodir amcutc 
esse aspecto de uma relevante parte do vocabul.irio de qu a lq uer lillgll;l, 
especialmente preciosa na poes'ia e na esterica Ii terar ia lato sensu, p,ILl 
, as quais a linguagem vale preclpuarnente como exter ior izacao psi(!uiC:l 
e apeJo. 
Grammont mostra-nos, nesse particular, que 0 valor atr ibuido ;to, 
sons linguisticos "so se torna uma realidade, quando a tanto se presta a 
significa~ao das palavras em que eles se en con tram" (Gra1ll1l1011 t, 11):U. 
396), 0 sentimento subjefivo, e em grande parte convencioria l. c' predo­
minante. Eis a proposito urna ilustracao tipica: "0 vorabulo s~illscrito 
bhramarah 4 "abelha" abre-se por um Ibhl que enuncia urn r uido labial, 
e esse Ibh I comb ina-se com Ir I, 0 que const it u i 0 g-rupo rna is pr<'>prio 
para exprimir 0 zumb idc, Sabemos, ent retanto, nao ser esse grupa que 
mais impressionava os hindus no vocabulo: o'que sent ia m. antr-s de rudo, 
eram os dais [t ], visto que chamavam Irequenternente ao inseto dvirephnh, 
isto e, que tern dais rephas (r) em seu nome" (ibid.). 
Corroborando Grammont, o· linguista sui<;o Wartburg lembra em 
frances: cri, tao expressivo por causa da sua vogal, ao lado do inexpressivo 
pri; tinter, que tem "incontestavelmente para um frances certo valor de 
onomatopeia", ao lado de teinter sem esse valor (Wartburg, 19,16, 116/7). 
9. Lingiiistica e psicologia. 
o estudo lingiiistico, focali'zando a expressao do que c mentado (isto 
e, do que se passa na mente human a), e, no fundo, psicol6gico e relaciona­
se com a ciencia que estuda os estados mentais, ou psicologia (dita psico­
logia individual ou psicologia stricto sensu). 
-I Em sjnscri{() 0 lsi final se redl1z a vi.sar,£:,Q, iSla t, a lima me-ra aspira(J,o. 
Dai -nh na tennina<;ao do nominalivo, correspondente a gr. ·os lat. ·os depois -l~<' 
Mas pode.se preferir a forma le6rica ·as. 
32 § 9 PRLNC1P10S DE LINGutSTICA GEnAL 
Por outro lado, a lingua, como meio coletivo de representacfo e co­
municac;1io, traduz um "pensamento socializado" (Blondel, 1934,93); tem-se 
e ntao urn ato mental coletivo em '1eu amago, fen6meno que e estudado 
na psicologia coletiva au social. 'J 
A lingiiistica nao se confunde, porem, com qualquer desses rarnos da
 
ciencia psicol6gica, porque estuda os processes de linguagem, depreenden­
do as tecnicas pelas quais a humanidade cria a r epresentacao e a cornuni­
ca~1io intelectiva, pela "lingua", e a exterioriza~ao e comunica~1io ernotiva,
 
pelo "estilo". 
Ela nao apela, como a psicologia, para urn exame interpretativo do
 
que se passa na mente do Ialante.
 
Como muito bern estabelece 0 lingiiista dinarnarques L. Hjelrnslev, 
deve-se distinguir nitidamente 0 ambito da lingiiistica, que estuda a ati ­
vidade pela qual se comunica urn conteudo de consciencia de urn individuo 
a ou tr o, e a psicologia, que, como a 16gica, se ocupa em examinar 0 pr6prio 
co nteudo da consciencia humana" (Hjelmslev, 1928, 24). -Uma expressao 
lingiiistica e "urn ate objetivo, do qual os Ialanres nao tern absolutamente 
necessidade de ter consciencia, e do qual alguns deles podem ter uma 
coriscien cia justa e outros uma consciencia defeit uosa ou deficiente" 
(Hjelmslev, 19.35, 88). 
Por isso, a interpreta~ao de um Iato lingiiistico deve assentar _ niio 
diretamente no sentirnento que dele tern urn dado falante ou os Ialanres 
1 
em geral - mas sirn no que se depreende da sua estr utura, E 0 primeiro t
merodo pode entrar em conflito com 0 segundo. 
fAssim, em portugues, uma frase como - "fala-se de urn crime" e sen­ ! 
t ida por muita gente qomo tendo su jeito indeterminado (as pessoas em 
. f 
geral), comparivel ao fro on e equivalente ao port. "Ialarn de urn crime". 
:'lIas em - "trata-se de urn crime" ja nao hi, absolutamente, 0 mesrno sen­
timento. Nao obstante, a estrutura das duas frases e identica: verbo inva­
riavel na .3. a pes. sing., conjugado com a particula se e acompanhado de 
urn complemento regido da preposiC;ao de. E 6bvio, para 0 lingiiista, que 
uma interpretac;ao asseme na expressao lingiiistica tern de abranger as 
duas frases (d. § 99, n. I). 
A lingiiistica cabe, portanto, servir-se de tecnicas pr6prias, que nao se 
confundem com as da psicologia 1. 
1 Desde 0 tempo do psic61ogo alem30 Wundt e 5eU livro s6bre A Ljnguag~ln
 
ha a tend'mcia crn muito' linKuista, em panir da analise psirol6gica; tem.se ai 0
 
psicologismo oposto ao ~slrutlJralismo. (d. § 16).
 
§ 10 LlNG01ST1CA: SEU OBJETO 33 
Na depreensao dessas tecnicas ha dois metodos, grosso modo, a seguir: 
I) relacionar 0 fato lingiiistico com os estados mentais respect ivos ou com 
as concepcoes mentais coletivas (metodo mental ista): 2) Iazer abstracao do 
corueudo mental, tal como se concreriza nos Ia tos l.inguisticos. e apenas 
estudar a tecnica formal que 0 sistema lingiiistico criou (rnetodo meca­
nicista). 
o rnentalismo estabelece uma associacao entre a pesquisa lingu isrica 
e a psicol6gica, de sorte que a psicologia serve de background para a lin­
giiistica e a lingiiistica Iornece urn largo subsidio a psicologia. Dai decorre 
uma disriplina especial, que e a psicologia da linguagem, ou a PSICOLI~Gi.iis­
TICA, segundo a ,nova denorninacao norte-americana'; podemos dizer que 
ela trata d as relacoes entre as comu nicacoes lingiiisricas e os traces psiqui­
cos dos individuos que as enunciam, como falantes,ou as interprerarn, 
como ouvintes (d. Osgood-Sebeok, 1954, 4). 
o mecanicismo, ao contrario, isola as duas disriplinas - linguist ica 
e psicologia, - por assirn dizer, em compartimentos estanques. 
Assim.vo mcntalismo, destacando nos Homes portugueses 0 connasre 
de genero entre masculino e Ieminino, procura chcgar as concepcoes 
mentais que sen-em de base a esta divisao. 0 mecan icismo ressalrara ape· 
nas a existencia do contrasre lingiiistico neste particular, nfio indo alcrn 
da sua constatacao na ex pr essao formal (d. S 57). 
10. Sumdrio. 
A linguagem hurua na se distingue dalinguagem animal, porque e 
const itu ida de segrnentos articulados entre si e com urna significac;ao per­
manente. 0 seu objetivo essencial e a representarflo, isto e, uma estr utu­
r aciio da ex per icncja, a qual se torna compreensivcl e comun ir.ivcl: mas 
hi os objet ivos correlates de manifestar est ados de alma, sern intento tie 
comunica~ao, c< de empolgar emocionalrncnte 0 pn'Jxirno. 
Ela e vocal, fundamentada em sons produzido, por urn conjunto tie 
6rgaos que constituem 0 aparelho fonador. Nao e, entretanto, inerente 
ao organismo humano, mas ao contnirio urn "fata de cultura", con ere­
tizando-se em sistemas' "arbitrarios" de comunicac;ao vocal, ou linguas, 
que cabe a lingiiistica e,tudar em seus principios diretores. Em relac;ao a 
cultura integral de uma comunidade humana, a lingua e uma de suas 
manifesta~6es, mas dela sc destaca como um microcosmos cultural, que 
a engloba e comunica. Assim, a lingiiistica se aproxima e ,e distingue, ao 
mesmo tempo, da antropologia cultural, ou etnologia, e da psicologia; 
c 
34 § 10 PRINc1PIOS DE LINGtHSTICA GERAL 
e as relaroes, destarte existentes, condicionam disciplinas intermediarias 
- a etnolingiiistica e a psicolingiiistica. A Iingufstica parte do aspecto, 
a rigor coletivo, da lingua; divide-se em Iingutstica stricto sensu e estilis­
tica, 0 que corresponde a lingua, como sistema representative, e ao estilo, 
como processo de exteriorizacao psiquica e apelo. 
Leituras subsidiaries. 
Para 0 conceito de articulacao: Porzig, 1950, 46-88. Para 0 conceito 
de cultura e suas re!a)oes com a lingliistica: Sapir, 1921, 221-235; Id., 
1949, 7-32. Para 0 papel representative da lingua: Sapir, 1921, 1-23; 
Cassirer, 1933, 18-44: Id., 1945, 205-254. Para lingua e discurso: Saussure, 
1922, 23-32, 36-39; Coseriu, 1952; Sapir, 1949, 533-566; Devoto, 1955, 3·10, 
24. Para 0 conceito de est ilist ica: Bally 1926; Camara, 1953 B, 2-40. 
Para a conciliacao entre a expressao individual e 0 carater colet ivo da 
lingua: Pagliaro, 1930, 99-101. Para a natureza da onornatopeia: Buhler. 
1933, 101-119. Para os com plexos aspectos do principio da arbi trariedade 
do signo lingliistico: Porzig, 1950, 7-45; Korinek, 1939. Para a caracteri­
2a)ao da linguagern humana em face da animal: Hockett, 1958, 569·585; 
Spirkin 1958, 10-37, 
II 
LlNGOfSTICA: SUAS MOD.\LIDADES 
II. Lingua e euoluctio. 
Vimos (§ 4) que a lingua nfio tern Iinalidade em si mesrna, sendo 
sua Iuncao expressar a cultura para permitir a cornunicarao social, com 
o que ela se torna 0 acompanharnento de cada fato cultural, dando-lhe 
um aditamento 1ll1gliistico e, pois, propiciando a atuacao uns com os 
outros dos mernbros participantes de uma arividade coletiva. 
Vimos, por outro lado (§ 8), que a lii1gua e arbitriria em relac;ao 
ao mundo fisico, ao contrario de outros Iatos culturais, como a industria. 
a arte, que dependern em parte do clima e recursos nat urais, ou como a 
religiao, por exernplo, ligada as condicoes da vida e as roncepcocs menrais 
dai resultantes. 
Estas duas circunst ancias atuam no sent ido de Inzer da lingua uma 
instituicao eminenremente mutavel no tempo. 
De urn lado, 0 seu emprego. generalizado e consta nte, Ieito pelos 
homens com a atcncao fixada muito mais no assunto da cornunicacao 
do que na forma lingliistica, a expoe a multiplos aciclentes quando ela 
e urilizada no que, com Saussure, chamarnos 0 D1SCUR50 (§ 6). De outre 
lado, qualquer modificacao c teoricamente aceitavel, dado 0 cara ter ar­
bitrario daquilo que vigora. 
As Iorcas de estabilidade estao, alhures, no peso da tradicao coletiva 
e nas liga)Oes dos proprios elementos lingiiisticos, que formam entre si 
uma estrutura coesa, Dai, em primeiro lugar, 0 sentimento da CORR£<;:AO 
que leva 0 grupo social a refugar muitas mudancas que se apresentam no 
discurso, classificando-as como ERROS. Em segundo lugar, os elementos 
lingliisticos, achando-se num sistema de correlacoes e 'contrastes, consti­
tuem uma ESTRUTURA (d. § 16), se apoiarn mutuamente e se fortaIecem 
uns com os outros, resistindo a muitas inovacoes. 
Assim, em cada momento da vida coletiva, ha 0 sentirnento da fixidez 
da lingua. Socialmente real, ele e, nao obstante, naturalmente ilusorio, 
37 
36 12 PRINC1PIOS DE LINGtl1STICA GERAL 
porque a for ca conservadora e a resistencia da estrutura nu nca e nenhu­
res conseguern dete r a mudan~a. 
A Iinguistica firmou-se, no se2ulo passado, na base do reconhecirnento 
i 
da rnudanca continua da lingua. Opos-se de chofre e radicalmenre a 
concep~ao est at ica da gramatica dos seculos anter iores, que se deixara 
ilud ir por uma fixidez aparente. 
A muda nca lingliistica, a ssirn Iocalizada, foi logo entendida dentro 
do conceito de EVOLU<;:AO, que en tao dominava na pesquisa cientifica. 
Podernos defini-Jo com 0 linguista norte-america no Joseph Greenberg na 
base de 3 predicados; dizenrlo que "evolucao" e um processo dinamico, 
gradual e coererite (Greenberg, 1957 A, 57), embora com a possibilidade de 
"saltos seru nd.ir ios, como os que se decluzem das rnutacoes em biologia" 
(iei. ibid.). 
Assim cornpreendida e despojada da ideia complemental' de avanco 
para melhor, ou PROGRESSO, "evolucao" parece, em verdade, ser a maneira 
adequada de conceituar a rnudanca lingiiistica. 0 seu carater gradual 
- que mais se tem presrado a duvidas - e urn imperativo da Iuncao da 
lingua como meio de cornun ica cao social. Com efeito, a mudanca radical 
repentina e, em principio, impossivel pela perturbacao e tumultuacao do 
intercurso Iinguistico; e inconcebiveI, pol' cxemplo, que de subito, no 
terr irorio lusitaruco da peninsula iberica, uma forma latina como lupum 
pudesse tel' passado irncd iatamente para lobo, sern a longa cadeia evolut i­
va que na rea lidadc sc vcrificou. Mesrno quando houve uma substit uicao 
de forma, como a cIe esse pOl' sedere (primitivamente "senrar", mas de 
que sa iu port. ser com'a significa~ao de esse), houve uma mudanca gradual, 
pois 0 novo emprego foi se i nsi nuarulo em casos em que tarnbem cabia a 
sigrulicacao primiliva (como sec/ire in aula para lim indivicluo que esta 
senlado numa saIa) e dai foi se expandindo a casos cada vez rna is distan­
ciados da primeira acep~ao. 
12. A gramdlica campara tiva. 
o conceito da lingua como sujeita a urn processo hist6rico de evolu­
~ao estabeleceu-se como consequencia do descobrimento oitocelltista de que 
muitas Iinguas da Europa e varias cia Asia tem uma origem comum e 
provem de lima lingua, mllitlssimo anterior, - LiNGUA PRIMlTIVA, MATRIZ, 
12 LINGtl1STICA: SUAS MODALIDADES 
ou, ainda melhor dito, PROTOL1:-:GUA 1 - a que se charnou convencional­
mente 0 INDO-EUROPEU. 
Para se firmar e comprovar a tese, rr iou-se urn metodo cle corn para­
~ao das formas l ingu ist icas. denorninado GRA1\lATICA CO:\IPARATIVA. Consiste, 
em principio, num cotejo de vocabulos (ex.: scr. pitd, gr. pater, lat. pater, 
got. [adar], de partes de vocabulo (ex.: para, a 3.a pes. sing. indo pres., scr. 
-ti, gr. u, V. rus, -ti, got. ·t, lat. t), de consoantes (ex.: em posicao inicial, 
scr. bh, gr. 7:', lat. f, got. b) de vogais (ex.: scr. a, gr. e, lat. e, got. i). 
Com tecnicas cada vez mais apuradas, a gramatica cornparativa indo­
europeia e uma primeira modalidade cia linguistica e .serviu de modele para 
a a plicacao do mesrno metodo a outras Iinguas cu jas relacoes entre si se 
entreviarn (d. § ! 53). Um do, objetivos do lingiiista e estender0 rna is pos­
slvel a tecnica comparat iva para relacionar Iinguas, as vezes rnuito dis tan­
tes no espa<;o, e separar outras, as vezes geograficamente cont iguas, como 
muitas entre as Iinguas indias da America do Norte, da America Central 
e da America do SuI. 
Surge~, destarte, ante nos as chamadas Iarnilias lingulsticas, que, 
para afastar uma associacao cle ideias, nao raro pert urbadora, com a Iilia­
~ao entre os horncns, e prderivel chamar blocos lingulsr icos (fr. bloc, ing. 
stock}. Estes blocos compreendem sub-blocos, pOl' sua vel subdivisiveis em 
outros; dentro do bloco indo-europeu, pOl' exernplo, temos 0 pequeno 
grupo das linguas romanicas, que resultam da evolucao de uma antiga lin­
gua indo-europeia - 0 latirn, que a maioria dos linguistas integra num 
sub-bloco italico. 
Por outro lado, a tecnica comparativa ja e bastante apurada para 
aventurar-se a comparar blocos, ou Iarnilias, na base das suas protolinguas 
a fim de chegar a um MACRO-BLOCO ou TRONOO e a um FILO (ph)·lum):. E 
a pesquisa pode sempre ir-se descnvolvendo no mesmo sent ido. 
1 Primitiva mgere a ideia de uma lingua primeira em rela~o a todas as OUlras, 
o que sena urn eITO, visto que se trata de Iinguas com longa evolu~~o anterior. Quando 
nao h;\ perigo dessa associa~~o perturbad.:>ra, prende·se antes ao conceito da locu~~o 
POVDS PRIMITIVOS, usad2. em antropologia para traduzir os NaluruiiIJur dos alem~os; as 
LiNGUAS PRIMITIVAS serao entao as IInguas de""s povos. Matriz prende-se a associa~o 
dos grupos de Iinguas co;;;' 0 parentesco humano, 0 que lam bern explica as expresslX:s 
parwteseo linguislico e familia li.ngui.stiea. Protollngua. corresponde ao al. Urspraehe. 
: Latiniza~o. como se usa na hist6ria natural, do gr. phuU "lribo, c1~", verbo 
phu.o -crescrr", de emprcgo corrente na Iingiiistica norte-americana; como entre os 
homens as famllias se supe:p{le 0 cl~, as famllias Iingiilsticas se superp6e 0 phylum. 
A escala, estabelecida principalmente na llngiilstica. amerlndia, de famllia (ou bloeo) , 
tToneo (macro-familia ou rrwCTo-bloeo) e filo torna mais rica e mais rigorosa a distin~(), 
em face da escala tradicional na lingulstica indo-europeia, enlre familw. (ou bloea) e 
1­
38 § 12 PRINCfPIOS DE LINGtifSTICA GERAL 
A capacidade comparativa, para ofere eel' um minimo de seguranca 
cientifica, tern afina!, porem, um limite, e pOl' essejmetodo nao parece que 
se esboca a possibil idade de vermes convergir, entre si, todas as linguas do 
globo a um so pOnto de partida, que seria a lingua matriz propriamente 
dita, como adianta em incerta hipotese a teoria MONOGENISTICA do Iinguisra 
italiano Alfredo Trombetti (Trornbetri, 1923) 3. 
A grarnatica comparariva, com a recorist ituicao das linhas gerais de 
uma protolingua e a classificacao de variadas linguas ou familias na base 
de uma origem comum dita CLASSIFICA9AO GENETlCA (d. cap. XIX), tern sido 
alvo ultirnamenre de cer ta desconfianca pOl' parte de diversos linguistas em 
virtude de se tel' com provado urna possibilidade de influencia, pOl' con­
tacto, entre Iinguas geneticamente separadas, maior do que em seus pri­
mordios a lingiiistica admitia, Ao depreender um paralelismo de form as, 
o pesquisador pode interprctar como indice de origem comum 0 que e 
apenas resultado da dif usao de um elemento l ingulstico em outros arnbitos, 
que dcsta sorte ° tomaram de EMPRESTIMO (d. cap. XVI-XVIIi). . 
A atitude geral dos linguistas continua, entretanto, imune desse cep­
ticismo, Podemos dizer, com Greenberg, que "a grande maioria das lin­
guas nao apresenta uma tomada de em pr estimos em massa, e, quando 
isso ocorre, e facilmente percebido" (Greenberg, A, 1957, 40). 
Mesmo no vocabulo, os terrnos fundamentais para a vida hurnana, 
em seus aspectos mais gerais e simples (partes do corpo, como "cabeca", 
"mao"; coisas da natureza, como "sol", "pedra"; atos simples, como 
"andar", "heber": etc.), resistem aos efeitos cia difusao, c se perdem e sao 
substituidos muito lentamente atraves do tempo. Chegou-se ate a veri­
ficar que ha para tanto uma velocidade praticamente constante, e, na 
base dessa observarao, criou-se, dentro do cornparativismo Iingilistico, a 
GLOTOcRONOLOGIA, au ESTATISTICA LEXICA, que perrnire datal' aproxima­
damente a fase comum das Iinguas de um. bloco e as diversas fases em 
que elas vao' surgindo e diferenciando-se, pela compara~ao do vocabu­
lario basico que subsiste em cada uma. "Isto contrasta com os metodos 
lingiiisticos anteriores, que, em bora capazes de construir ate ceno ponto 
ramo. Subltituindo a escala tradicional pela nova, teremos - 11 familia. rom,nlca ou 
germanica, au eslava etc., 0 tronco illdo-europeu, e urn filo, se conseguirmos associar 
o indo-europeu corn 0 camito-semftico, por exemplo. 
3 "I-!:\ uma coisa certa: a mudan~a se opera COrn muita lentidao em alguns 
grupos e quase vertiginosamente em outros. Devemos levar isso em conta ao avaliar 
os paralelismos de TromJ.jetti. A quest.1o da origem cornum das multiplas linguas da 
humanidade deve ser posta de lauo ate se ter melhor conhecimento de suas form as 
primevas; e isso pode sigllificar urn - jamais". (Schlauch, 1955. 74) • 
3913-14 LINGtifSTICA; SUAS MODALIDADES 
a histor ia de uma lingua, sao incapazes de estabelecer datas alcrn dos 
documentos histor icos escritos" (Gudschinsky, 1956, Iii). Assirn, 0 com­
pararivismo ling~istico adquiriu recenrernerue uma nova tecnica de pes­
quisas, muito uti! especialmcnte para linguas que - como as dos indios 
americanos - nao propiciarn registros de epocas anteriores. 
13. Lingiiistica historica, 
o desenvolvimento da gramatJca com parat iva indo-europeia t rou xe 
it luz certos principios diretores da cvolucao lingu istica. 
Criou-se, pois, urn corpo de doutr ina para ex plical a forma~'ao e a 
evolucao das Iinguas. Constituiu-se assim a lingutstica sera! - evolutiva, 
ou histor ica, ao lado da gramatica comparariva. Firmaram-na. essa dou­
trina, embora em moldes excessivamente "geometricos" (como d ir ia 
Pascal), os chamados neograrnaricos (Iiteralmente, jovens f,ramritiros) 1 
dos fins do seculo passado, em obras como especialrnente a de Hermann 
Paul (Paul, 1920). 
Eles contrapunham esse estudo cien rif ico ~ grama tica descri t iva, q lie 
herdamos da civilizacao greco-latina e que, com os seus preceitos pra t iros, 
convencionais, . incoerentes, aproximados e ale falsos, se lhes afigura\'a 
uma distor cao da realidade, pressupondo uma Iixidez da lingua, que corn­
provadament e nao existe. Dai afirmar Hermann Paul "que n.io h.i ou tro 
estudo cienufico da lingua senao 0 histor ico" (Paul, 1920, 20). "0 que se 
eruende pOl' esrudo nao-histor ico, se bern cienttfiro, das linguas" - ressal­
va ele - "nao e mais, em suma, do que deficiencia hist6rica, pol' culpa, 
em parte, do observador e, em parte, de urn materia! Ialho" (ibid.). 
. A lingua aparece, pois, como inst ituicao dinarnica em movimcnto tern­
poral incessante. E a rarefa exclusiva geral ficou scndo, durante muito 
tempo, a de elaborar, concatenar, aprofundar e cornprovar as linhas dire­
tr izes que regulam esse movim'ento. 
H. Li71giiistica descritiva. 
Hoje reconhece-se, porem, que a fixidez aparente da lingua, senclo uma 
REALIDADE SOCIAL, e que a pen:p.ite op~rar nOs grupos humanos, como meio 
1 as <hefes da escoJa. Brul'ffiann e Osthoff. adotando UnJa orirOla<:ao contr;n;, 
a do filologo Cunius, que dominal'a no ensino universitario alemao, disseram·se nurna 
atitude pilhcrica junggramnlatikt'r, alcunha com que eram drsignauos ironicamente as 
estuaantes que nao se conformavam com aqueie ensino. A tradu\<io, nas Iinguas latin". 
de neogra",dlico; reSllltou da perda da inten<:ao joco," com que 0 [eTmo alemao fa; 
lan~"C1o (cr. Pedersen. 1931, 294). 
40 § 14 PRINCfPIOS DE LINGOfSTI<;.A GERAL 
essencial de comunicac;:ao e esteio de toda a vida mental - individual e co­
letiva. Como adverte urn precursor deste moderno ponte de vista, "ao lado 
das leis geneticas, ha leis descr irivas" (Marty. 1950, 19) I. 
Imp6e-se, ponanto,tam bern a necessidade p'&ralela de estudar pOl' si 
mesrnos os ESTADOS r.rxcuisrroos, isto e, 0 sistema da lingua como se apre­
senta em cada momento da sua h ist or ia em sua fixidez aparente. E 0 que 
se ressalta hoje decisivamente, dividindo-se a lingilistica em dinarnica e 
est.it ira, ou melhor, segundo as denominac;:6es de Saussure, em LINcuisTICA 
SINC'RO:'-lICA e LINcuisT1CA DIACRONICA'. 
Na sua contr ibu icao decisiva para 0 estabelecimento da consoliclacao 
do est udo sincrcnico, compara 0 mestre suico cada estado lingilistico a urn 
tabuleiro de xadrez em cada Iase instantanea que se segue a urna jogada e 
precede a jogada seguinte (Saussure, 1922, 125/6). A correlac;:ao sincronica 
das pedras, produzida embora pelas Eases anteriores do jogo e em via de 
rnodificarno, vale, nao obstante, pOl' si, e ofe.ece-se ao estudo isoladamente. 
Desta sorte, pode-se imaginal' - ensina ele - dois eixos perpendicula. 
res entre sf: urn horizontal, d as simultaneidades (AB); Dutro vertical, das 
A" Ix" ,.. .......... C B" 
A' ". X' .,' .. ,."".,., ... , .. 
........ " .. """"" B' 
A X 
ID B 
sucessividades (CD), U01 Ia to lingilistico pode ser situado separadameme 
em re lacao a urn au a outro. 
:\ lingua, tal como c falada (e escrita) em determinado memento, 
constitui lim ESTADO LINcuisTICO; ha-os no presente e ha-os no passado, 
esguematizados pOl' Jinhas horizontais A'B',A"B" etc .. Em cada urn desses 
1 Esta frase do lingiiisla alem~o Anton Marty, cuja obra s<J recentemente 0 sell 
disclpulo Glto Funk est;! pondo ao alcance do grande pUblico, coroa uma critica severa 
ao ponto de ,vista historicista de Hermann P~ul. 
obj e0'lo , A Contra a dicotomia djTlamjca: t:Swtjca reside no fato inegavel de 
que 110 chamado "estado Iingiiistico" "n~o ha imobilidade, mas sim equilibrio din:imico" 
(Devoto, 1955, 53). "A imagem sincr6nica de uma lingua esta tao longe dos quadws 
estaticos, que ncla so reunem, como a imagem cinematografica, que apareCe na tela 
esta lon!('e de ser cada urn dos quadros isalados e estaticos que constituiem 0 filme 
Uakobson, 1962, :l(6). 
§ 15 LING01STICA: SUAS MODALIDADES 41 
estados, urn fato X, aprescntando-se sob aspccto X', X" etc., pode ser acorn­
panhado n uma Iinha vertical de evol ucao, paralela ao eixoCD (id., 115), 
Assim, ternos uma cadeia sucessiva do lat. lupos para lopos e final­
mente lobos relacionando-se sincronicarnente, elo a elo, com a cadeia 
lupll(m), lopo, lobo: 0 nosso plurallobos provern evolutivamente de lupos; 
mas, sincronicarnente situando-nos no eixo das simultaneidades, ternos tada 
a razao em dizer que 0 plural lob os se forma em portugues pelo acrescirno 
de urn /s/ ao singular lobo. 
Eis uma ilustracao t ipica da doutrina, em rcf'erencia a teoria das raizes 
vocabulares. 
Em Iingulst ica sincronica. a raiz so pode ser 0 nucleo do vocabulo, a urn 
tempo sernantico e formal. Em outros termos, cada vocabulo apresenta 
em dado estado linguistico uma raiz, que nao depende das q'le teve em 
estados anteriores, E esta, com efeito, a doutrina de Otto Jespersen (Jes­
persen, 1928, 374). Mas nem todos os teoristas a seguem. Introduzem uma 
COllccprao historica no caso. Deduzern uma rail na protolmgua correspon· 
dente, 0 iado-europeu, pOl' exernplo, e, tornado esse ponto de partida, a 
considerarn a raiz originaria, procurando assinala-Ia em cad a estado lin­
guistico. sem atentar para a sua nova situacao nas novas correlacoes sin­
cronicas, Assirn, Iocalizando-se 0 portugues moderno, dir-se-a que comeT 
(Jat. com edere, composto de com- prefixo, ed-, raiz, e -ere, terrninacao) ja 
nao tern raiz. A preocupacao diacronica baralhou 0 problema, porque em 
lingiiistica estatica a raiz de comer e com·, muito embora este elernento, 
colocado no eixo das sucessividades, represente em comer urn prefixo 
latino. 
Da mesrna sorte, 0 argurnento geralrnente utilizado, para negar ao 
verbo portugues pdr a qualidade tie paradigma de uma quarta conjuga­
c;:ao, e 0 de que antigamente 0 infinitivo do verbo era poer. A verdade dia­
cronica e deslocada para justificar uma classificacao sincronica. as carac­
teres da conjugac;:ao de cada verbo tern de ser deduzidos, ao contrario, dos 
Ia tos atua is da lingua. E, dcntro deIes, verific:amos que por e tla segunda 
con jugac;:ao, porque a 5ua vogal tematica, inexistente no infinitivo, e, nao 
obstante, -e·, como comprovam pudesse, puser etc. ao lado de louvasse, 
10uvaT e partisse, partir, e, ainda, porque -0- em por nao e vogal tematica, 
senao radical, como evidenciam as formas ponho, poes etc .. 
15. A analise linguistica. 
A essencia da lingilistica sincr6nica. assim concebida, e a analise in· 
terpretativa das formas atuais de uma lingua em funcionamento. como 
'9,
 
42 § 15 PRINCfPIOS DE LINGtHSTICA GERAL 
meio de representa;;:ao mental e comunicacao social. Sen tirarn-no int uit i­
varnente os antigos gramaticos hindus. quando d~nominaram tryakarana a 
exposicao gramatical: composto da raiz sanscrira verbal, tkr "[azer'<>«
v OJ ""3 
nominalizada, com uma arnpliacao vocalica, ou guna (d. § 36, n. 2). pelo 
sufixo dos abstratos neutros -ana - e 0 prefixo ui-, idein de separacao. 
Volra-se destarre ao conceiro dire tor da gramatica classica, mas des­
vencilhado das condi;;:6es que viciavam e deformavam a sua aplicacao. 
Com efeito, a grarnarica - tal como se estabeleceu na filosofia greco­
latina e con rinuou a vigorar nos tempos modern os - procura firmar urn 
modelo de falar bern, por uma tr adicao do uso das classes cultas, restrita 
no tempo e no espa<;o; ou, em outros termos, e norrnativa. Esta preocupa­
<;ao ja the tira 0 cararer de obscrvacao objet iva, que e 0 fundamento de 
toda ciencia desinteressada. Seria, quando rnuito, uma ciencia aplicada, 
a maneira da higiene e do direito penal. Mas a propria observarao em 
que se fundamenta e Iragmenraria, perfunct6ria, incoerente e contradi­
t oria, guiada por conceitos que estao fora da linguagem, como principal­
mente os da LOGICA I eriada para regular a eficiencia do ra ciocin io e inca­
paz de explicar 0 Icnomeno lingutstlco em sua plenitude, rnesmo na sua 
Iu ncao r eprescntariva (d. § 2) e muito menos na man ifestacao psiquica 
e no apelo. 
A lingiiistica descritiva, ou sincronica, trata de deduzir 0 estado lin­
guistico cientificarnen re, isto e, por urn metodo objetivo a maneira de 
qualquer ou tr a ciencia descritiva; cria-se assirn urn novo conceiro de GRA­
MATICA, que esra para as for-mas lingufsticas como a geometr ia para as 
Iorrnas espaciais, 
Para tal desiderato. a nomenclatura e os antigos conceiLOs gramaticais 
tem-se mostrado em grande parte inutilizaveis. Por isso, estabeleceram novas 
tecnicas de analise, coincidentes ern muitas de suas linhas mestras, varias 
escolas lingiiisticas contcmporaneas 1. 
Por outro lado, delineou-se urn estudo smcronico ESTILi.>TICO, como 
especialmente na escola sui;;:a de Charles Bally, que - fora da gramatica 
propriamente dita, ou d~scri;;:ao da LiNGUA DE REPRESENTAt;:AO ME"TAL­
focaliza a EXPRESSIVIDADE LINCiHsTlCA, au seja, a emol,'ao verbalizacla. 
1 Para 0 conceito da gramatica. desde a Antiguidade, cr. Pagliaro, 1930, 21 _ 3i). 
7 Um interessante exemplo da nova analise aplicada ao lalim em Hill, 1958,
 
441-82.
 
43§ 16 LINGtHSTICA: SUAS MODALIDADES 
16. A oposiciio lingiiistica. 
o principio primordial da gramatica, assirn reformulada em seu con­
ceito, e a oposicao lingiiistica, ou se]a, a circunstancia de que cada ele­
mento linguistico tern valor e individualidade na medida ern que se 
opOe a outro elemento. 
A oposicao pode ser estrutural au funcional, con forme decorre - dos 
grupos de associacoes que ha entre as elementos, ern nosso esp ir it o, au 
das associacoes que se estabelecern entre eles quando se suceclem num 
contexte dado. 
Do primeiro tipo de oposicao ternos urn exemplo porrugues na con­
soante sonora /b / que so existe lingiilsticamente, porque se op6e a out ra 
nao-sonora, ou surda, como tvt. que, alora esse tr aco d isti nto, se ar ticula 
pelo mesrno movimentoe no mesmo ponto bucal que [t»], Da mesrna 
sorte, 0 genera feminino se destaca pela sua oposir ao ao genera mas­
culino: a l.a conjuga<;ao dos nossos verbos se individual iza opondo-se a 
2.a e a 3.a ; e assirn por d'lame. 
A linguistica descritiva hodierna tende a rorrsidcrar esses grupos de 
oposicoes na base de uma "binaridade", isLO e, de urn conjugado bin.ir io. 
au de dois membros. Quando urn trace l ing ii ist iro djqingue 11111 dcles e 
o opoe ao outro, tem-se ai a MARGA GRA~IATICAL da oposic.io. Tern-se 
destarte 0 !\IE~IBRO MARGADO, ao lado do ME~ll\RO ;';.:\()-~I..IRr:ADO, como 
-t- num dos exemplos acima - /b/, com a marca da <onor iclade. e lp/, 
sem essa marca. 
Mesmo quando se nos dcpararn tres au rna is membros, ha em regra, 
implicita, uma organiza;;:ao hierarquica, que nos pocle co nduz ir a dcpre­
ender grupos binarios sucessivos: a primeiro firupo apresenta um mem­
bro complexo (quando nao os dais membros) e este, par sua vez, se di\'it\e 
num novo grupo binario, podendo-se repetir a processo de grau em RYau 
ate se chegar a urn grupe de dois membros simples au incli\·isiveis. 
Por isso, em ponugucs, 0 quadro das nossas 7 \'ogais consiste nUl11a 
estrutura<;ao complexa e decomponivcl ern oposi<;6es bin;irias: 1) ja/, scm 
a marca da eleva<;ao da llngua na boc.?, e as demais vogais ((lm essa marca; 
2) uma oposi;;:ao, neste segundo membro complexo, entre vogais em que 
a lingua avan<;a para a pa:~te anterior da boca (fe!, /e:/, ji/) e \'ogais 
em que a lingua recoa para 0 fundo da boca com urn arreclonclamen to 
complementar dos labios (fo/. /0:/. /u/; 3) nas vogais anteriores, uma 
nova oposi<;ao entre vogais ern que 3. lingua se eleva a tlma altura media 
(le/, /e:/) e a vogal de altura maxima (Ii/): 4) uma oposi<;ao equivalente 
44 § 16 PRINCfPIOS DE LINGtlfSTICA GERAL 
(jej, je:/) e a vogal de altura maxima (jij); 4) uma oposicao equivalenre 
nas vogais posteriores: 5) nas vogais medias anteriores, uma ultima opo­
sicao em virtu de de maior ou ~ menor elevacao media da lingua (vogal 
fechada je:j e aberra je/); 6) uma oposi~ao~quivalente nas vogais me­
dias posteriores (vogal fechada jo:j, abena jo/). 
Nas conjuga~6es verbais portuguesas, e analogamenre Iacil opor a 
l.a conjuga~ao a urn grupo constituido pela 2.a e 3.a (amar: tem er, iinir] 
em virtude de terrn inacoes comuns as duas ult imas (d. - amava : temia, 
tinia; amado: tem ido, tin ida; ame: tema, tina), para em seguida decom­
por-se 0 segundo mernbro numa conjuga~ao em -e- oposta a uma em -i-, 
Em linguas que possuem mais de dois generos para os nomes, como 
masculino, feminino e neutro, depreende-se, numa estrutura~ao binaria 
su cesxiva, urn grupo masculino-feminino oposto ao neutro (assim, em 
ingles, "pessoas" em oposicao a "coisas"], cabendo ao primeiro membro 
(em Ingles com a marca da natureza pessoal) uma subdivisao em mas­
culino e Iern in irio. 
Assirn se deduz 0 que se chama a estrutun interna de uma lingua, 
que se estuda em PARADIGM AS, e a conviccao de que ha essa estrutura 
corresponde ao ESTRUTURALISMO LINGUisTlco. 
Rest a depreender rarnbern a articula~ao dos elementos lingiiisticos 
num contexte, on de se sucedem linearmente ou em SINTAGMA. Ai se cria 
a OPOSlyAO FUN ClONAL, pela corijugacao das Iuncoes distintas que cabern 
aos elementos em sequencia. 
Uma vogal jij em port ugues, por exemplo, em. jirj .e jrij se opoe 
a consoante jr j, como centro de silaba, ou silibico (d. §, 34), mas ji em 
jpaij se opoe ao sile bico jaj como vogal modificadora, em fun~ao con. 
sonantal. Analogamehte, a Iuncao do jr j em jir j e jrij e distinta, pois 
se opoe a vogal, respectivamente, como consoante pre-vocal ica e consoante 
pos-vocalica. Por isso, num vodbulo dado, as oposi~6es contextuais das 
vogais e consoantes sao outras que as oposi~6es estruturais ha pouco 
consideradas_ 
Em cada enuncia~ao, portanto, ha, alem das oposir;6es estruturais 
implicitas, oposi~6es funcionais explicitas, como em - amava, entre am., 
raiz, e -ava, sufixo flexional, ou em - ele amava, entre ele, sujeito, e 
amava predicado (distintas das oposir;6es, fora do contexto, entre -ava, 
em amava, e -ia, em temia, ou entre de, masculino, e da, feminino, ou 
ainda entre amava e odiava). 
A com preensao de uma enunciar;ao decone dos dois tipos de opo­
si~6es; "como sempre alhures, a estrutura na linguagem esta a servir;o do 
§ 17-18 LINGtHSTICA: SUAS MODALIDADES 45 
funcionalismo" (Mikus, 1957, 176) e, na concepcao nova da gramaticC\ 
"funcionalismo e estrururalisrno caminharn lado a lado" (Marriner. 
1948, 39). 
17. Lingiiistica paneroniea. 
Alguns linguistas con temporaneos poeru em duvida, como de infcio 
fizera Jespersen em face da doutrina de Saussure Uespersen, 19'!6), a 
conveniencia e as razoes cientificas para separar radicalmente 0 estudo 
lingiiistico evolutivo e 0 descritivo. Mas a grande e predominante ten den­
cia e neste sentido de assim separa-los, como mostrar am os debates do 
Sexto Congresso Internacional de Lingiiistas em 1948 (ASCIL). 
Isto nao importa em considera-los duas disciplinas isoladas. 
Deve-se, ao contrario, admitir com Wartburg (Wartburg, 1946, 123) 
que eles se combinam para constituir uma linguistica pancronica, onde 
a verdade sincronica e a verdade diacronica, a maneira da oposicao entre 
"tese" e '~antitese" da dialectica hegeliana, confluem numa "slntese" 
ampla: "todo fato lingiiistico deve ser considerado no sistema de que e 
parte, e na sua hist6ria, que e a historia do pr6prio sistema" (Pagliaro, 
1930, 176). Assim, voltando aos exemplos portugueses, citados, de lobos 
e por (§ 14), ternos: I) lobos se forma de lobo acrescido da desinencia de 
plural -s (verdade sincronica), 2) Iobos provern do lat. lapos (verdade dia­
cronica), 3) lobos, como 0 seu etimo liipos e por causa dele, se decornpoe 
num elemento lobo e nurn indice de plural -s (verdade pancronica): da 
mesm,a sorre que por eda 2.a conjugarao (con~ta.t,a~aosincronica) por ter 
perdido na evolucao lingiiistica a vogal ternatica -e-, a qual logo 0 evi­
denciar ia. 
A inrerdependcncia das duas disciplinas permitiu uma nova com pre· 
ensao da evolucao lingiiistica na base do conceito de estado lingiiistico. 
Ela ficou send6 apreciada como a passagem de urn estado a outro, expli­
cando-se pela analise das condi~Oes de estrutura de urn estado linguistico 
antigo, que ja por si mesmas pressupOem reajustanientos evolutivos (d. 
capitulo XIII). 
18. Sumario. 
A lingua e eminentemente muta,el no tempo e 0 seu movimento de
 
mudan~a tern 0 carater de uma evolu~ao, isto e, urn processo dinamico,
 
gradual e coerente.
 
Ul, 
46 ~ 18 PRINC1Pl0S DE UNGUfST1CA GERAL 
Est a venbdc foi depreendida no s~c. XIX, quando a bern dizcr se cons­
t itu iu a linguistica. Foi a rrincirio a cicncia, ~ssim estabelccida, uma gra. 
rntit ica comparativa, 0 que C urn mciodo de 'cornparar os elcmentos de 
linguas distintas para depreender.lhes a origem comurn e r eronsrit uir os 
lineamentox cia prorohngun de que essas lingl;as sa ir arn. 0 morlclo melhor 
de>se tr a ba ll:o foi ~ gramat ica cornparativa indo.europcia; 0 metodo tern 
lido rnu ito, apcrfcic;oamcnlOs, e urn a de suas inovacoes rccentes e agIo. 
tocronologia. 
l ra pcsqui,a cornparativa cmergill J. lingiiistica evolut ivn, all hisu',rir;l, 
que e urn cor po de clouuina paLl cx plir.rr a Iormar.io e evolur.io (hs 
l inguas. 
.\0 sell l.ulo, consti t u iu-sc nia is rcccntcmcnre a 1ingiiistica dcson iva. 
(IUC ruo st ra como os elementos cIe uma lingua se cst rut uram e fl,ne ional11 
nos comcxtos de CnllJ11 i;u;;io, P;l1'il a cOln\lni(;I~';lo social. A [.;r:lJn:itic\ grcll). 
lati na n.io corrcspl)ndia a esse objei ivo, porfluc era lie fins norm.u ivos e 
bascacla numa OhSCI'I:I<;';!O Ia lh.r e fr:lgl1lcnt;iri;r e em cOlll'en,'(lCS t coric as 
artificiais. 0 principio funtiamenL.l! da organilac;ao lingiiistica C a opo. 
si<;;lo b i n.ir ia clos clcmcruos, a q\l:d tanto e cstruuual, ou paLldigl11;\tio, 
COl~1O fllncio,n:.\I"ou Sinl;\gm;!tica . 
." , . 
.-\ lingiiisticil

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