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Autoras: Profa. Bettina Gerken Brasil Profa. Claudia Maria Martins Colaboradores: Prof. Renato Bulcão de Moraes Profa. Tânia Sandroni Estética Professoras conteudistas: Bettina Gerken Brasil / Claudia Maria Martins Bettina Gerken Brasil Bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu pesquisas qualitativas na área da saúde. É mestre e doutora em Saúde Pública também pela USP. Ministra as disciplinas Dualismo religioso, Escolástica e Estética na Universidade Paulista (UNIP). Claudia Maria Martins Possui doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e também licenciatura plena em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR). Concluiu bacharelado e licenciatura plena em Geografia na Universidade de São Paulo (USP) e mestrado na mesma instituição. Realizou estágio na École Normale Supérieure de Paris como bolsista da Capes-PDEE e trabalhou com materiais do acervo do Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine (Imec). Atualmente é professora da Universidade Paulista (UNIP) e colaboradora do Inep. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U511.67 – 21 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B823e Brasil, Bettina Gerken. Estética / Bettina Gerken Brasil, Claudia Maria Martins – São Paulo: Editora Sol, 2021. 96 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Estéticas clássicas. 2. Estética na modernidade. 3. Arte e cultura. I. Martins, Claudia Maria. II. Título. CDU 613,49 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Pires Vitor Andrade Sumário Estética APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 CONCEPÇÕES ESTÉTICAS CLÁSSICAS ...................................................................................................... 11 1.1 A doutrina platônica do belo........................................................................................................... 11 1.2 Aristóteles e a práxis artística ......................................................................................................... 17 2 A AUTONOMIA DA ESTÉTICA NA MODERNIDADE .............................................................................. 24 3 KANT E O JUÍZO DE GOSTO ......................................................................................................................... 26 3.1 Intersubjetividade................................................................................................................................. 28 3.2 O juízo estético desinteressado ...................................................................................................... 30 4 HEGEL E O BELO NA ARTE ............................................................................................................................ 33 4.1 A tese do fim da arte .......................................................................................................................... 35 4.2 A historização da arte ........................................................................................................................ 38 Unidade II 5 A ESTÉTICA EM NIETZSCHE ......................................................................................................................... 49 5.1 Arte e sociedade contemporânea .................................................................................................. 54 6 ADORNO E A INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................................................................... 55 6.1 A cultura como mercadoria ............................................................................................................. 58 6.2 A mistificação das massas ................................................................................................................ 60 Unidade III 7 BENJAMIN: OBRA DE ARTE E TÉCNICA DE REPRODUÇÃO ............................................................. 69 7.1 A reprodutibilidade técnica .............................................................................................................. 70 7.2 A destruição da aura ........................................................................................................................... 74 8 A ESTÉTICA EM MARCUSE ........................................................................................................................... 76 7 APRESENTAÇÃO Caro aluno, O objetivo desta disciplina é introduzir uma reflexão sobre os principais problemas e concepções da estética filosófica. Como podemos começar a abordagem dessa questão? É senso comum associar a filosofia da arte a uma reflexão sobre o belo e seus critérios de julgamento. Embora esse tenha sido um tema que atravessou os séculos, veremos que o estudo da estética se coloca muito além desse objetivo. Os conceitos do belo e do feio não podem ser considerados como conceitos absolutos. É importante perceber, ao estudar esses conceitos, que eles não permanecem estáticos ao longo do tempo. Ao considerar a sociedade contemporânea, as coisas mudam muito rapidamente. A ideia de beleza, então, segue primeiro um conceito mais amplo, como, por exemplo, a estética de um corpo. Se atualmente a beleza de uma pessoa é reconhecida num corpo magro, em tempos anteriores esse parâmetro não era predominante, ou seja, essa pessoa não era considerada bela (ENGELMANN, 2016). O belo pode ser visto como o gosto de determinada pessoa em relação à beleza ou pode ser um padrão definido dentro de uma forma universal. Dessa forma, existem várias maneiras de perceber o belo, e essas maneiras devem ser reconhecidas de acordo com a época, a cultura e o lugar. “Um objeto, um ser, uma ação são belos quando são livres, independentes, infinitos; em outros termos, quando estão em conformidade com a necessidade única de seu conceito. Um belo objeto é verdadeiro porque é o que deve ser” (LACOSTE, 1986, p. 50). Logo, o belo é uma construção que ocorre a partir daquilo que a coisa é em si, da liberdade que o conceito manifesta e dos aspectos que o objeto apresenta que o caracterizam como belo (LACOSTE, 1986). O feio, por outro lado, é uma oposição ao belo, aquilo que apresenta ausência de beleza retratada. Em outras palavras, quando uma obra de arte, ou qualquer outra coisa, se apresenta de forma perfeita, ela é chamada de bela, mas se não corresponder aos padrões esperados ou não for bem elaborada, é feia (ENGELMANN, 2016). Feitas essas primeiras considerações, podemos então perguntar: se a estética filosófica não é somente uma reflexão sobre belo/feio, quais outros objetivos um curso de estética deve abranger?O primeiro objetivo seria apresentar as concepções estéticas clássicas, uma linha de reflexão prevalentemente metafísica sobre o belo. Veremos que, desde a Antiguidade Clássica, a arte estabelece fronteiras com várias outras disciplinas filosóficas, como a lógica e a ética. Essas escolas clássicas nos mostram, por exemplo, como uma “essência do belo” pode se identificar com valores morais. O segundo objetivo é mostrar como se desenvolveram as escolas filosóficas que tiveram como tema o julgamento e a percepção sobre o belo, privilegiando a ótica do sujeito e da investigação do lugar do julgamento de gosto na estrutura cognitiva humana, discussão que ocorreu de forma singular no século XVIII, quando a estética ganhou autonomia como disciplina filosófica. O terceiro e último objetivo é trazer essas reflexões para a contemporaneidade, abrindo um grande leque de questões que surgem quando pensamos as relações entre arte e sociedade. Qual a função e o significado da arte no contexto da sociedade contemporânea? Como podemos perceber a conexão entre filosofia e produção artística? A resposta a essas indagações levam-nos a buscar as condições sociais 8 que fazem com que um certo tipo de ação possa ser considerada artística. Nesse contexto, o terceiro objetivo é conhecer as escolas filosóficas contemporâneas que buscaram investigar as relações entre arte e política, arte e ética, e arte e cultura, além do papel da arte na história da filosofia e da humanidade. Dessa forma, pretendemos mostrar os principais problemas e concepções da estética filosófica em diversos autores. Trata-se de um conteúdo vasto, e não se pretende aqui esgotar a discussão, sendo estimulada então a leitura paralela dos autores abordados. INTRODUÇÃO Na filosofia, a estética é o campo que estuda a natureza do belo e suas manifestações na arte. Na reflexão estética, é importante destacar o entendimento sobre a valoração humana no que diz respeito às experiências sensoriais. Ressaltam-se os sentimentos produzidos pela percepção de fenômenos estéticos naturais ou criados pelo ser humano, como a arte e o próprio conceito de arte (SILVA, 2017). Segundo Talon-Hugon (2009), a estética como disciplina filosófica é a ciência que tem por objeto o juízo da apreciação, que se aplica à distinção do belo e do feio. O conceito moderno de estética deriva da palavra grega aisthésis, que significa “percepção”, “sensação”, e que define, desde o século XVIII, um ramo da filosofia voltado ao estudo das percepções sensoriais como princípio de conhecimento. Foi o alemão Baumgarten, no século XVIII, em plena Modernidade, que criou o termo estética, designando assim o estudo da sensação e a ciência do belo. Talon- Hugon (2009) afirma que Baumgarten inventa o nome, mas não inventa a disciplina em si, pois esses objetos de estudo já apareciam em trabalhos de pensadores desde a Grécia Antiga. É importante notar que, apesar de ser objeto de estudo desde o início da filosofia ocidental, é no século XVIII que a estética aparece como disciplina resultado de uma certa organização de ideias típicas desse período. Por isso, Santos (2010, p. 37) afirma que: Os assuntos estéticos até então ou eram tratados à mistura com reflexões de natureza moral e psicológica (a propósito dos sentimentos), ou com considerações metafísicas (a ideia de beleza convocava as – ou era convocada pelas – ideias de perfeição, de harmonia, de ordem, de simetria, de regularidade), ou, pelo que respeitava aos aspectos expressivos, eram tópicos dos Tratados de Poética e de Retórica, que haviam conhecido grande proliferação no período do Barroco. Assim, a partir desse período, a estética apresenta três reflexões autônomas, mas que por vezes se cruzam, e nas quais se alinham os diferentes autores segundo suas afinidades ou preocupações dominantes: – uma linha de reflexão prevalentemente metafísica sobre a ideia de beleza, no seguimento da tradição platônica e neoplatônica, que fora reavivada na segunda metade do século XV por Marsílio Ficino e que, no pensamento alemão moderno, fora protagonizada por Leibniz e seus discípulos e, na época de Kant, era representada pelo seu amigo Moses Mendelssohn; 9 – uma linha de análise psicoempírica da fenomenologia dos sentimentos dos indivíduos (do seu modo de sentir), desenvolvida sobretudo pelos pensadores ingleses e escoceses de orientação empirista (David Hume, Adam Smith); – e uma linha de orientação mais técnica de reflexão sobre o fazer artístico e os processos da criação e produção nas diferentes artes, a que se poderia chamar a filosofia das artes (da Pintura, da Arquitetura, da Música, da Poesia, da Retórica…), um gênero que tem por mais antigos paradigmas a Poética e a Retórica de Aristóteles e que teve grande expressão a partir do Renascimento (pense-se em Leon Battista Alberti, em Leonardo da Vinci, em Francisco de Holanda, em Lomazzo, em Palladio e em tantos outros) (SANTOS, 2010, p. 37). Ainda com relação ao esclarecimento do objeto de estudo deste livro-texto, é bom notar que a estética também se distingue da filosofia da arte. Tomando como ponto de referência a obra de arte, procuraria a estética teorizar princípios pertinentes ao belo, ao passo que a filosofia da arte passaria a analisar os aspectos histórico-culturais presentes nas diversas manifestações artísticas. Como ligação de interdependência entre as duas epistemologias, encontraríamos sempre a obra de arte, pois é a sua existência que possibilita, simultaneamente, princípios estéticos e aspectos artístico-culturais. Em outras palavras: os princípios estéticos são estabelecidos à medida que existe a obra de arte, a qual, por sua vez, está de maneira imprescindível inserida em um determinado contexto histórico-cultural. Da mesma forma, os aspectos artístico-culturais se manifestam à medida que existe a obra de arte, a qual, por sua vez, está também de maneira imprescindível disposta mediante princípios estéticos. Em suma: em torno da obra de arte, complementam-se a estética (ou a filosofia do belo) e a filosofia da arte (BASTOS, 1981, p. 13-14). Dessa forma, a estética, ao tratar de questões relacionadas ao belo e à filosofia da arte, tem a finalidade de investigar os aspectos históricos e culturais que influenciam um artista quando da criação da sua obra. Ambas têm uma base em comum, a obra de arte (ENGELMANN, 2012). Feita essa necessária distinção entre estética e história (ou crítica) da arte, o aluno compreenderá melhor como se justifica a estrutura deste livro-texto. Insistimos que não se trata de apresentar uma síntese da história da arte acompanhada de sua crítica, tampouco de mostrar como o juízo sobre o belo sofre uma mudança consonante à mudança dos elementos valorativos que informam a história da cultura ocidental através dos séculos. Trata-se de orientar o pensamento no sentido de compreender as várias abordagens possíveis do tema da estética. 10 É importante esclarecer que a unidade I apresenta um importante divisor de águas sobre o tema da distinção entre as teorias essencialistas e não essencialistas. A existência de algo em comum em todos os objetos considerados artísticos está na base das teorias essencialistas. Essas propriedades identitárias fazem parte da essência dos objetos e provêm da crença que vigorou até o século XVIII de que a substância das coisas existe como uma realidade alcançável pelo pensamento. O essencialismo vigorou como teoria da arte desde a Antiguidade Clássica até o século XVIII, quando Kant publicou a Crítica do juízo do gosto, alterando o que se entendia por estética até aquele período. Por esse motivo, a primeira unidade traz as concepções estéticas clássicas representantes das teorias consideradas essencialistas, a teoria platônica e a aristotélica. Para Platão, na Grécia Antiga, a música e a poesia eram as formas mais elevadas de arte. Para Engelmann (2016), Platão contribuiu para problematizar a existência e a finalidade das artes doponto de vista da filosofia. Por isso, o belo foi visto como o rosto do bem e a expressão da verdade, atrelando a atividade artística à normatização ética e à reflexão filosófica. Por sua vez, Aristóteles, discípulo de Platão, desenvolve na arte poética o papel pedagógico das artes como forma de produzir a catarse, promovendo a purificação espiritual dos espectadores. A unidade I ainda traz duas teorias filosóficas da arte no período em que a estética alcança sua autonomia como disciplina filosófica: a teoria de Kant, sobre o juízo do gosto; e a de Hegel, sobre o belo na arte e na história. São duas teorias clássicas que rompem com o paradigma essencialista. Kant precisava encontrar a universalidade na atividade estética. O filósofo emprega essa palavra (estética) num sentido diferente: a estética transcendental é a ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori. Sendo ciência, não pode ser uma crítica do gosto apenas. Essa ciência se insere no conjunto de teorias de Kant para definir o juízo do gosto, com o qual o sujeito pode distinguir o belo na natureza e no espírito. Por sua vez, mais tarde, Hegel deslocará a discussão da estética para o âmbito da busca de seu lugar no interior da história humana, buscando justificar uma evolução das escolas artísticas. Desse modo, as diferentes vertentes da arte nada mais seriam que os momentos do desenvolvimento do espírito, elaborando uma espécie de metafísica pós-crítica. A unidade II joga luz na relação entre arte e sociedade. A teoria estética de Friedrich Nietzsche mostra uma reflexão sobre a produção artística e a cultura de uma época, analisando a tragédia grega em comparação com a realidade alemã do século XIX. Seu pensamento traz a marca da recusa da análise essencialista, a recusa do cognitivismo e a recusa da problemática da imitação, pois trata-se, sobretudo, de pensar a arte sob a perspectiva de uma teoria dos valores culturais. Ainda nessa unidade discutiremos sobre a relação entre arte e sociedade no âmbito da sociedade capitalista do século XX com um autor da Escola de Frankfurt: Adorno e sua teoria sobre a indústria cultural. Na unidade III, continuaremos com a Escola de Frankfurt apresentando a teoria estética de Walter Benjamin e sua análise da obra de arte no tempo da reprodutividade técnica; então seguiremos com Marcuse e sua tentativa de trazer a contribuição freudiana na relação teórica entre arte e sociedade. 11 ESTÉTICA Unidade I 1 CONCEPÇÕES ESTÉTICAS CLÁSSICAS Ainda que os antigos não tivessem um nome específico para a ciência da beleza, a estética, não deixaram de escrever sobre ela. O modo como Platão e Aristóteles trabalham seus conceitos de beleza são distintos entre si, mas de grande valia para o estudo da estética. 1.1 A doutrina platônica do belo Nada mais justo para a história da filosofia ocidental que voltarmos para a Grécia, que fundou a filosofia e a sociedade como as conhecemos hoje e sua forma de se relacionar com a arte (NOYAMA, 2016). Nada mais justo também que buscar em Platão suas reflexões sobre estética, visto que “foi a primeira pessoa na história mundial a produzir um grande sistema de abrangência universal, que tem ramificações em todos os setores do pensamento e da realidade” (STACE, 1941, p. 164). Platão também foi pioneiro na tentativa de encontrar uma essência comum a todos os componentes do real (OLIVEIRA, 2005). Platão busca a essência das coisas belas, o elemento comum a todas elas sobrevivente às contingências e essencial diante dos acidentes que também integram a realidade. Com isso, ele é fiel a um propósito maior, que é o da própria filosofia: encontrar o que se repete num grupo diverso, ou o que permanece em meio ao fluxo contínuo de transformação da realidade (OLIVEIRA, 2005). Ao voltar para o início da discussão do belo, é importante passar por Sócrates, que entendia o belo como intimamente relacionado à utilidade do objeto em questão. Para ele, o objeto em questão deveria ser útil e ter uma boa funcionalidade para aquilo que foi construído, ou seja, o que é útil é belo, e o que é belo é útil (SILVA, 2017). Platão apresentou de forma importante o pensamento de Sócrates no que tange à busca por fundamentar o conhecimento na razão, restaurando o caráter objetivo que cabe à verdade. Platão, na sua obra, mostra como Sócrates percebe que ele e outros homens passaram a maior parte da vida “na plena ignorância das coisas importantes a serem conhecidas: a natureza do bem, do belo e do verdadeiro” (OLIVEIRA, 2005, p. 92). Platão apresenta o pensamento de Sócrates sobre o belo no diálogo Hípias Maior. Nesse diálogo, Platão apresenta a discussão de Sócrates com Hípias, quando discutem que seria feio um olho que não pudesse enxergar ou um corpo humano incapaz de desempenhar atividades físicas. Diante do sofista Hípias, Platão coloca Sócrates à procura da essência da beleza. Seguem fragmentos do diálogo. 12 Unidade I Sócrates – Recentemente, meu caro, alguém me pôs em grande apuro, numa discussão em que eu rejeitava determinadas coisas como feias e elogiava outras por serem belas, havendo me perguntado em tom sarcástico o interlocutor: Qual é o critério, Sócrates, para reconheceres o que é belo e o que é feio? Vejamos, poderás dizer-me o que seja o belo? Com a ignorância que me é própria, fiquei atrapalhado e não pude encontrar resposta satisfatória. Ao retirar-propósito de, na primeira oportunidade, quando encontrasse um dos vossos sábios, ouvi-lo e instruir-me, e depois de bem estudado o assunto, voltar a procurar o meu interlocutor para reiniciarmos nosso debate. E eis que chegaste na hora certa, como já disse. Explica-me com precisão o que é o belo e esforça-te por dar-me resposta tão exata quanto possível, para que eu não me cubra de ridículo com outra derrota. É fora de dúvida que conheces entre os inúmeros conhecimentos de que dispões. Hípias – Sim, muito pequena, Sócrates, por Zeus, e carecente de valor, por assim dizer. Sócrates – Tanto mais facilmente apanharei o assunto, sem que daqui por diante alguém possa contradizer-me. Hípias – Ninguém o fará; ou teria de ser vulgar e carecente de valor a minha opinião. Sócrates – Por Hera! Belas palavras, Hípias, no caso de virmos a vencer o homem. Creio que não haverá inconveniente em imitá-lo, para, com tuas respostas, preparar minha argumentação e, assim, exercitar-me contigo do melhor modo possível. Tenho alguma prática de formular objeções. Se não te fizer diferença, eu mesmo as apresentarei, para ficar mais firme na matéria. [...] Sócrates – ... Forasteiro de Élide, não é pela justiça que os justos são justos? – Responde, Hípias, como se fosse ele que te interrogasse. Hípias – Diria que é pela justiça. Sócrates – Então, a justiça é algo real? Hípias – Perfeitamente. Sócrates – Assim, pela sabedoria é que os sábios são sábios, como é também pelo bem que todos os bens são bens. Hípias – Como são? 13 ESTÉTICA Sócrates – Logo, todas essas coisas são reais, sem que possam absolutamente deixar de sê-lo. Hípias – São reais, sem dúvida. Sócrates – E as coisas belas, não o são apenas por efeito da beleza? Hípias – Sim, da beleza. Sócrates – Beleza essa que também existe? Hípias – Sem dúvida. Mas, afinal, que é o que ele quer? Sócrates – Então, explica-me, forasteiro, voltaria a falar: que é esse belo? Hípias – Como assim Sócrates? O autor dessa pergunta deseja saber o que é belo? Sócrates – Penso que não, Hípias; porém o que seja o belo. Hípias – E em que consiste a diferença? Sócrates – Achas que não há diferença? Hípias – Nenhuma. Sócrates – É certeza saberes melhor. Mas presta atenção, amigo. Ele não te perguntou o que é belo, porém o que é o belo. Hípias – Compreendo, bom homem, e vou responder a ele o que seja o belo, de forma que não possa refutar-me. Fica, então, sabendo, Sócrates, para dizer-te toda a verdade, que o belo é uma bela jovem. [...] Sócrates – não prometas muita coisa, Hípias; bem vês quanto trabalho esse assuntojá nos deu; não vá aborrecer-se conosco e fugir para mais longe. Mas estou falando à toa; pois sei muito bem que o encontrarás com facilidade quando ficares só. Mas, pelos deuses, descobre-o na minha presença, ou, no caso de estares de acordo, associa-me a essa pesquisa, como fizeste até agora. Se o encontrarmos, será ótimo; caso contrário, resignar- me-ei com minha sorte, e, uma vez posto de lado, facilmente o encontrarás. Além do mais, vindo nós a encontrá-lo, não continuarei a incomodar-te com minhas perguntas a respeito do que achaste sozinho. Considera agora o seguinte; quem sabe se és de parecer que o belo seja isso. O que eu digo – porém presta toda a atenção, para que eu não me saia com algum disparate – é que devemos considerar belo o que é útil. Cheguei a essa conclusão 14 Unidade I pelas seguintes considerações: não são belos os olhos – é o que afirmamos – que parecem incapazes de ver, porém os aptos e empregados para esse fim, não é isso mesmo? Hípias – Perfeitamente. Sócrates – Com relação a todo o corpo, também, não dizemos que este é belo para correr e aquele para lutar, e de igual modo procedemos com os animais, pois damos o nome de belo ao cavalo, ao galo, à codorniz, como a todos os vasos e veículos, ou terrestres ou marítimos, a navios mercantes e trirremes, bem como a todos os instrumentos, ou sejam de música ou das demais artes, e caso queiras, também, às ocupações e instituições: a todos damos o nome de belo, de acordo com o mesmo princípio, considerando como cada um se originou ou foi feito ou como se encontra; e o que é útil denominamos belo, considerando o modo por que é útil, para que e quando pode ser útil, e bem assim como feio tudo o que for inútil sob todos esses aspectos. Não pensas também dessa maneira, Hípias? Hípias – Penso. Sócrates – E também: o que é capaz de fazer alguma coisa é útil para o que ele é capaz de fazer, como será inútil para o que for incapaz. Hípias – Perfeitamente. Sócrates – A capacidade, por conseguinte, é bela, e a incapacidade, feia. Hípias – Sem dúvida nenhuma; e que, de fato, as coisas se passam desse modo, Sócrates, temos testemunho eloquente na política, pois nada há mais belo do que a capacidade de mandar em sua própria cidade, como é feio não ter nenhuma autoridade Fonte: Platão (1980. p. 6-13). Assim, no diálogo com Hípias, “Sócrates procura o belo enquanto Hípias diz o que é belo, por não ter compreendido a diferença entre as duas fórmulas ou porque não admite que haja diferença” (TALON-HUGON, 2009, p. 14). Para Talon-Hugon (2009), à pergunta “o que é o belo?” são propostas várias respostas, examinadas nos diálogos e descartadas após críticas. O diálogo conclui com uma aporia carregada de sentidos. Platão, por meio do diálogo, apresenta várias ideias interessantes. A primeira resposta de Hípias, afirmando que a beleza é “uma bela jovem”, é rejeitada por Sócrates, que afirma que um exemplo não é uma definição, pois existem outras coisas igualmente belas e radicalmente diferentes entre si. Então pergunta se o belo seria o conveniente, o que também é rejeitado, porque o conveniente dá somente a aparência da beleza. Chegam então à ideia de útil como a característica do belo. Esse conceito não será elaborado nesse diálogo, e, só mais tarde, na República, Platão conseguirá trabalhar a relação do útil com a ideia de bem e belo. 15 ESTÉTICA O diálogo não consegue concluir a respeito do belo, mas permite que se compreenda o que é esse belo que Sócrates procura: é aquilo pelo qual são belas todas as coisas belas. Se para Sócrates o belo é aquele objeto que desempenha adequadamente sua função, para Platão, a noção de belo é distinta desse conceito. Para o discípulo, o belo é uma característica não acessível pelos sentidos, mas apreendida pelo sensível e não possível de ser compreendida pela intelecção (NOUGUÉ, 2013). No desenvolver da filosofia de Platão e do mundo das ideias, o belo só pode ser em si no mundo das ideias, como o justo, o verdadeiro e o bem. Platão dá mais valor à beleza moral e intelectual que à física. É importante para ele alcançar a beleza absoluta e transcendente, causa e princípio de tudo aquilo que é belo e que fala à inteligência por intermédio dos sentidos (NUNES, 1986). Platão faz uma crítica aos artistas por acreditar que eles imitavam as coisas, sendo essas cópias imperfeitas e, portanto, inferiores em sua verdade. Para Platão, o mundo sensível já é imperfeito, e a imitação desse mundo seria menos verdadeira ainda (SILVA, 2017). Dessa forma, o belo não pode ser criado, por existir no mundo das ideias. Os artistas criam obras que mexem com as sensações e as emoções do homem, confundindo a capacidade intelectual e racional (NOUGUÉ, 2013). O pintor que imita uma cama fabricada pelo carpinteiro (por sua vez já uma imitação da cama ideal) faz uma realidade de terceiro grau, ou melhor, como observa Collingwood comentando Platão, um erro de terceiro grau, já que a única realidade é a primeira, a da ideia; as outras duas não são réplicas nem cópias, mas sim aproximações cada vez mais débeis e impotentes (PLAZAOLA, 1970, p. 14 apud OLIVEIRA, 2005, p. 96). Ainda em relação às definições de belo, ao trabalhar a questão das características abstratas do belo, seja qual for a coisa a que ele se junta, realizando nesta coisa a beleza, na pedra como na madeira, no homem como em Deus, tanto em toda a espécie de ação como em todo objeto de estudo; ele é aquilo que, em tempo algum, em lugar algum, aos olhos de nenhum homem, não deve parecer feio (TALON-HUGON, 2009, p. 14). Apesar de não concluírem no diálogo a definição do belo, Platão já traz elementos importantes que trabalhará nos seus diálogos futuros: “é belo aquilo a que os homens chamam de belo, a beleza é uma qualidade, e não uma essência, a beleza não é nada fora da aparência bela” (TALON-HUGON, 2009, p. 15). Segundo Noyama (2016), existem duas abordagens sobre as reflexões de Platão sobre a arte: de um lado, ele apresenta a definição de arte como imitação (mímesis); de outro, as restrições em relação aos prejuízos que a arte poderia causar na formação dos jovens e para a sociedade. 16 Unidade I Lembrete Platão foi pioneiro na sua tentativa de encontrar uma essência comum a todos os componentes do real. Nos diálogos mais tardios de Platão encontra-se resposta a várias dúvidas deixadas em aberto em Hípias Maior. No desenvolvimento do conceito metafísico de ideia, o belo voltará a aparecer, e, juntamente com o verdadeiro e o bem, formará três princípios inseparáveis. O belo está para além do sensível que muda, que é diverso, misturado, ontologicamente matizado. As coisas sensíveis só são belas pela presença nelas da ideia de belo. Elas são o brilho sensível da forma inteligível. Por conseguinte, a beleza sensível é tão só um primeiro grau de beleza; para além dela, há a beleza das almas, a dos atos e dos conhecimentos (TALON-HUGON, 2009, p. 15). Oliveira (2005) acrescenta a isso que, para Platão, A beleza transcendente, eterna e imutável, incomparavelmente mais real que as belezas transitórias percebidas com os olhos e os ouvidos; esta beleza existe como ideia, a forma arquetípica da qual participam todas as coisas que chamamos de belas no mundo em que vivemos. Desse modo, quanto mais uma coisa se parece com o seu arquétipo eterno, mais bela é; quanto mais difere, menor a sua beleza (OLIVEIRA, 2005, p. 94). Decorre disso que a experiência da beleza não é essencialmente sensível, mas intelectual. O conhecimento, experiência das belezas terrenas, é uma iniciação, é preciso remontar da visão das belezas sensíveis à contemplação da ideia do belo, que aparece na obra O banquete, de Platão. Tomando o seu ponto de partida nas belezas de cá de baixo com o objetivo de que esta beleza sobrenatural [...] se eleve sem cessar, como por meio de degraus: partindo de um único corpo belo [...] elevar-se a dois e, partindo de dois [...], elevar-se à beleza dos corpos universalmente;depois, partindo dos belos corpos [...], elevar-se às belas ocupações; e, partindo das belas ocupações [...], elevar-se às belas ciências, até que, partindo das ciências, se chegue, para terminar, a esta ciência sublime, que é unicamente a ciência deste único belo sobrenatural e assim, no fim, conhecer-se, isoladamente, a própria essência do belo (PLATÃO apud TALON-HUGON, 2009, p. 15). Dessa forma, Platão apresenta a beleza eterna, absoluta, irrelativa, estranha à geração e à corrupção. 17 ESTÉTICA Observação Segundo Platão, a alma humana, antes de se unir ao corpo, convive com as ideias no seu estado puro; uma vez unida ao corpo, é capaz de relembrar essas experiências (Teoria da Reminiscência). No diálogo Fedro, Platão mostra como a alma, quando vê as ideias, procura encontrar cá embaixo as cópias insuficientes que são apenas indícios delas, mas onde se encontra a beleza. Por sua vez, para Talon-Hugon (2009), a contemplação do belo sensível procura ultrapassar-se na contemplação intelectual do inteligível. 1.2 Aristóteles e a práxis artística Lembremos que, para Aristóteles, o conhecimento traz alegria para aquele que conhece: “o conhecimento proveniente das sensações, em particular as visuais, e (mais ainda) o que se obtém pela pura contemplação – é o que Aristóteles deixa claro mais de uma vez” (OLIVEIRA, 2009, p. 93). Ele relaciona o prazer do conhecimento com o da estética: O prazer do conhecimento científico há de ser buscado e valer por si mesmo; a natureza, fonte primeira de todo o conhecimento, é algo reconhecidamente belo. E esse caráter imanente da atividade científica e da apreciação estética liga-se à felicidade do homem, pois esta é tão mais perfeita quanto mais se aproxima da pura contemplação (OLIVEIRA, 2009, p. 93). O desenrolar da filosofia de Aristóteles em relação à estética e ao belo culmina na felicidade do homem. Posteriormente a Platão, Aristóteles reafirma que a obra de arte é uma cópia das coisas no mundo e que produz efeitos, e que esses efeitos podem ser positivos para o homem (NOUGUÉ, 2013). Aristóteles parte da arte existente para fazer a reflexão do belo. Para ele, a arte pode ser dividida em dois tipos: as que imitam a natureza e as que têm utilidade. Ele traz uma nova perspectiva para o estudo da estética: não apenas o belo e o alegre podem ter valor artístico, mas também o feio e o triste (SILVA, 2017). Em uma das mais importantes obras de Aristóteles que chegou até nós, conhecida como Poética, o filósofo afirma que toda arte é uma imitação, e que essa imitação pode ser feita por formas, modos e objetos diferentes. Ele afirma ainda que admiramos uma obra de arte de tão parecida que ela é com a realidade (NOYAMA, 2016). Essa admiração é o que pretende despertar os dois exemplos de estátuas reproduzidos a seguir: 18 Unidade I Figura 1 – Grupo de Laocoonte ou Laocoonte e seus filhos, autoria atribuída a Agendro Atenodoro e Polidoro (aproximadamente entre 27 a.C. e 68 d.C.) Figura 2 – Spooning couple, de Ron Mueck (2005) 19 ESTÉTICA Aristóteles, segundo Noyama (2016), justifica essa admiração de duas formas: de um lado ele afirma que o homem é por natureza um animal mimético, isto é, um animal que imita naturalmente; de outro ele afirma que há no homem certa disposição para sentir prazer na imitação, “seja ao imitar o gesto de alguém, seja ao observar a imitação de uma terceira pessoa, como se no gesto houvesse uma espécie de reconhecimento de nós mesmos” (NOYAMA, 2016, p. 44). O realismo aristotélico, ao contrário do idealismo platônico, pretendia buscar a verdade a partir da observação do real, a qual, com o auxílio da razão, formula as leis gerais do pensamento (NOYAMA, 2016). Em relação aos gêneros da poesia da Antiguidade, sobre os quais Aristóteles versa na sua obra, apresentam-se a comédia e a tragédia de formas distintas, porém afirmando que tanto uma como a outra são imitações de ações humanas. São diferentes entre si, pois a comédia imita as ações de caráter baixo (as piores ações humanas), e a tragédia imita as ações de caráter elevado (as melhores ações humanas). A tragédia toma parte central na obra de Aristóteles porque os livros sobre a comédia não chegaram aos tempos de hoje, faltando a nós esse conhecimento. A partir da análise desse gênero artístico, a tragédia, Aristóteles discute a finalidade da arte. Acrescentando a isso, Talon-Hugon (2009) afirma que na Poética Aristóteles parte da arte, mais precisamente da tragédia, como já vimos, para ordenar a diversidade empírica, desenvolver os seus princípios, precisar os seus conceitos e fixar as suas regras. Para Aristóteles, a arte pertence ao conjunto das atividades humanas, mas diferencia-se pela sua função de um fim exterior, não sendo uma atividade prática, mas produtiva. Ele difere a função da arte da arte de um médico, por exemplo, que age com o objetivo de tratar. Para ele, a arte tem uma disposição para produzir acompanhada de regras. De partida, é importante entender que, para Aristóteles, tudo o que existe na natureza está aí porque tem alguma finalidade. Uma vez que a arte é feita por mãos humanas, é justo perguntar sobre sua finalidade. Como nada acontece sem uma causa, as ações humanas são também comprometidas com sua finalidade, que, por sua vez, podem estar atreladas a uma finalidade mais complexa, e assim progressivamente, até a finalidade última das ações humanas, que, para ele, é a felicidade (NOYAMA, 2016, p. 46). Dessa forma, toda ação humana visa um fim, e o fim da tragédia é a catarse. Aristóteles indica que a tragédia grega pode purificar o homem de seus males e de seus vícios, isto é, que ela cumpre sua missão ética por meio do expurgo, por colocar para fora e limpar. Observação Catarse significa purificação, evacuação, purificação. No contexto da poética aristotélica significa “purgação das paixões”. O termo foi usado posteriormente por Freud para designar a operação que traz de volta uma recordação recalcada. 20 Unidade I Segundo Aristóteles (1991, p. 205), É, pois, a tragédia, imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama, que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções. Conforme Noyama (2016), a catarse é um processo de expulsão de um mal, que não faz bem e que precisa ser removido de dentro do homem; ela é resultado da identificação com a dor que marca a trajetória de um herói. Na sua obra, Aristóteles analisa o quão eficiente é uma tragédia na realização de sua finalidade. Para ele, a grandeza e o efeito catártico da tragédia dependem da competência e da leveza do desencadeamento das ações, a ponto de o espectador não perceber a fraqueza do mito, dando a ele a capacidade de assemelhar-se ao que é possível acontecer. O espectador se identifica com o mito/herói e sofre junto com ele, fazendo assim a catarse. A tragédia Édipo rei mostra essa capacidade que o espectador pode ter de se assemelhar ao mito: Emissário – Sou de Corinto. A mensagem que trago por certo vos dará muita alegria, e talvez um pouquinho de tristeza... Jocasta – Me alegra e me entristece: o que será? Emissário – O nosso novo povo quer fazer de Édipo o rei de todo o Istmo, ao que consta por lá. Jocasta – Mas como? O velho Políbio não está mais no poder? Emissário – Não. Em verdade, a morte o acolheu. Jocasta – Que estás dizendo? Morto, o pai de Édipo? Emissário – Se minto, então que o morto seja eu! Jocasta – Aia! Vai já dizer ao teu senhor! E os divinos oráculos, onde estão agora? Políbio era o homem de que Édipo fugiu por tanto tempo, com o pavor de vir a assassiná-lo. E agora ele está morto sem que Édipo ao menos o tocasse. [...] Édipo – Jocasta, minha rainha, tu me mandaste chamar? Jocasta – Ouve este homem e vê como terminam as terríveis profecias. 21 ESTÉTICAÉdipo – Quem é? Que notícias traz? Jocasta – É de Corinto: diz que o rei Políbio, teu pai, está morto... Morto! Édipo – Como, estrangeiro? Conta-me tu. Emissário – Se é necessário repetir: o rei Políbio está morto e já debaixo da terra. Édipo – Doença ou traição? Emissário – Quando a idade é avançada, a menor brisa leva a pessoa ao último repouso... Édipo – Foi de doença, então, que ele morreu? Emissário – Foi, e de longos anos que viveu... Édipo – Então, mulher, por que temer oráculos de Delfos, ou pássaros com seus gritos sobre nossas cabeças, que me predestinava a assassinar meu pai? Ele está morto, já debaixo da terra, e eu nem sequer pus a mão numa lança! (Salvo, enfim, se ele morreu de saudades de mim, único caso em que seria eu quem o levou à morte). As profecias, como Políbio, estão mortas! Fonte: Sófocles (1976, p. 57-59). Ao analisar a arte, Aristóteles dá lugar à noção de prazer. Esse prazer é retirado da própria imitação (na contemplação, assim como na sua produção). “Prazer mais complexo de sentir os efeitos sobre o modo do fingimento e de, por isso mesmo, se purificar dele: ‘ao suscitar a piedade e o medo, a tragédia realiza uma depuração (catharsis) deste gênero de emoção’” (TALON-HUGON, 2009, p. 25). Ele coloca a catarse como uma forma de prazer. É interessante que ele volta a falar disso na obra Política, ao se referir à música: […] depois de ter recorrido a estes cantos que põem a alma fora de si mesma (as pessoas afetadas por estas emoções como o medo, a piedade ou o entusiasmo) recobram a sua calma [...] e para todos se produz uma espécie de “purgação” e um alívio misturado de prazer (ARISTÓTELES apud TALON-HUGON, 2009, p. 25). Apesar de as passagens que tratam da catarse na obra de Aristóteles serem enigmáticas, é possível depreender que a mímesis presente na tragédia é que realiza a libertação dos afetos. Para Talon-Hugon (2009), a mímesis e a catarse são o verso e o reverso do mesmo fenômeno. “Experimentar paixões na distância ficcional a respeito do que a faz nascer é experimentá-las de maneira não habitual, de modo quintessencial. E é da própria transmutação do afeto comum que nasce o prazer trágico” (TALON-HUGON, 2009, p. 26). 22 Unidade I Aristóteles continua seu caminho argumentativo fazendo uma comparação entre a tragédia e a história. Ele afirma que a tragédia é mais séria e filosófica do que a história, o que significa dizer que a ficção é mais filosófica do que a realidade. Vale ressaltar que o termo que ele usa para história é diferente do termo contemporâneo que remete a uma ciência. O argumento filosófico sai do pressuposto de que um aglomerado de informações ou objetos relativos a um tema nem sempre explica, por si só, o que é esse tema. Ao contrário, mesmo que se conheçam pouquíssimos elementos que dizem respeito a um tema, desde que eles sejam organizados, eles se tornam mais próximos da realidade; é o que acontece com a tragédia, que tem seu conteúdo organizado de forma a apresentar um enredo coerente, dando a oportunidade de entender uma história (NOYAMA, 2016). Voltando ao texto da Poética, esta se debruça sobre a arte da mímesis. Diferentemente do que encontramos em Platão, o termo mímesis em Aristóteles não tem uma conotação negativa, porque na metafísica aristotélica não encontramos uma hostilidade ao mundo sensível. Também deve-se levar em conta que para ele a imitação não significa cópia servil. Ao imitar o real, ela dá origem a um objeto novo, um ser de ficção. Dessa forma, o objeto estudado é o objeto possível, e não o existente. A arte da mímesis tem por finalidade não o verdadeiro, como a história, mas sim o verossímil. Mímesis é fabricação; imitando a natureza no sentido em que produz como a natureza, repete o seu processo. Essa parte é importante para entender como o espectador da arte se identifica com o que vê (TALON-HUGON, 2009). A reflexão aristotélica, segundo Talon-Hugon (2009), se sobrepõe à reflexão platônica. De um lado as reflexões sobre a arte são independentes de considerações metafísicas e éticas. No tema da catarse, Aristóteles pode esbarrar nos efeitos éticos da arte e afirma que a tragédia tem um efeito moral e político positivo, o de purificar paixões, ao contrário do que Platão pensava. Por outro lado, Aristóteles trata da natureza da arte, e não do julgamento do seu valor. Desse modo, a análise aristotélica resulta no fornecimento – a uma determinada arte – de regras e preceitos, não de maneira arbitrária, mas depois de reflexões e exames da sua natureza. A obra Poética irá influenciar de forma direta a arte do Renascimento (TALON-HUGON, 2009). O Renascimento é o período do surgimento do humanismo e da retomada do pensamento grego clássico. Nas artes, surgem novas técnicas sofisticadas com possibilidades miméticas nunca vistas na história. Voltando à discussão das coisas belas para Aristóteles, vale ressaltar que ele destaca as características próprias das coisas belas: “A ordem (arranjo entre as partes de uma composição); simetria (tamanho proporcional das partes entre si e com relação ao todo); finitude (limitação em tamanho do conjunto, ou proporcionalidade extrínseca)” (OLIVEIRA, 2009, p. 94). Aristóteles trabalha essas características na arte utilizando esses pontos para diferenciar estilos e tipos de arte. Ele incluiu nessas características – derivando da questão da simetria – a grandeza, e afirma que as coisas belas não podem ser muito pequenas nem muito grandes. O importante é que possam ser visualmente abarcadas com um único golpe de vista: porque um ser muito pequeno, visto num lapso de tempo muito curto, escapa da visão; e um demasiado grande não pode ser abarcado com uma única mirada, com a consequência de que desaparece a sensação de unidade (ARISTÓTELES apud OLIVEIRA, 2009, p. 95). 23 ESTÉTICA Da mesma forma, os mitos, as músicas e as tragédias belas devem ter uma extensão compatível com a nossa capacidade de memorizá-las. Oliveira (2009) afirma que essa é uma característica do pensamento aristotélico no que diz respeito à determinação da grandeza mensurada do belo. “Isso está em plena sintonia com o princípio indispensável de tudo o que é belo, no entender de Aristóteles: guardar a medida sempre, uma vez que a beleza se encontra no justo meio e no equilíbrio” (OLIVEIRA, 2009, p. 96). Podemos entender assim como Aristóteles classifica o tema da comédia como o lado feio da realidade, produzindo o riso. Está dentre os muitos méritos de Aristóteles haver introduzido o feio no horizonte especulativo da filosofia do belo. Aristóteles diz existirem “seres que, em estado original (ou seja, na natureza), vemos contra a nossa vontade, (mas que) agradam aos olhos quando contemplamos suas imagens executadas com extrema precisão. Por exemplo, as formas dos mais assustadores e ferozes animais, bem como a dos cadáveres” (OLIVEIRA, 2009, p. 96). O riso é, para Aristóteles, um meio de descanso e recreação, e, por isso mesmo, uma necessidade vital para nós. Para ele, o gênero cômico precisava apelar para a inteligência e a finura, não para o deboche ou grosseria. A verdadeira comédia era caracterizada pelas alusões finas e malícias mensuradas, não por ambiguidades toscas (OLIVEIRA, 2009). Com essa discussão, Aristóteles traz uma parte importante de sua filosofia: encontrar o justo meio, a medida certa do que convém como belo ao homem, seja na natureza, seja na arte. Outro ponto importante da filosofia aristotélica que é encontrada na discussão sobre o belo e a arte é a questão da forma e da matéria. “A forma é o que faz com que cada coisa seja o que é, conferindo-lhe unidade e sentido” (OLIVEIRA, 2009, p. 97). Seguindo a discussão da forma e da matéria, Aristóteles afirma que “a natureza é, ao mesmo tempo, forma e finalidade” (OLIVEIRA, 2009, p. 98), ou seja, quando se trata dos objetos naturais, ele coloca na forma da coisa sua causa final. Analogamente, para ele, também na arte, a forma da coisa é o fim para o qual essacoisa foi produzida. Na natureza, a forma de um órgão, ou mesmo de um ser, define-se pela função que ele tem. A forma submete-se à função. [...] define-se a cama não a partir da sua constituição de bronze ou de madeira, mas sim como um instrumento feito para o repouso (OLIVEIRA, 2009, p. 98). Esse pensamento leva à questão da gratuidade da arte, mais precisamente das belas-artes. O que a assemelha à natureza, que tem o fim nela mesma. O filósofo mostra que cada arte tem seu próprio modo de obrar, e com isso fala da variedade que marca as obras e da hierarquia entre elas, refletindo a harmonia do universo, em que “os seres são escalonados em ordem de perfeição, do mais ínfimo de todos, que é a matéria-prima, até o supremo, que é Deus” (OLIVEIRA, 2009, p. 100). Para ele, quanto mais elevadas as faculdades envolvidas e mais propensas à pura contemplação, mais nobre a arte é. 24 Unidade I Comparando a discussão de beleza em Aristóteles e em Platão, o primeiro não se interessa pela beleza no estado abstrato, em si mesma, ou na ideia. Ele trabalha a beleza concretizada, num corpo humano, numa cidade, num objeto. Diferentemente de Platão, Aristóteles viu o princípio da existência, o universal (que não deixa de ser o equivalente aristotélico da ideia platônica, ainda que muito diferente dela), como algo que não tinha existência em si mesmo. O universal de Aristóteles concretiza-se neste mundo como princípio gerador das coisas particulares. O universal da pedra existe naquela montanha, nesta outra; nunca está separado delas. Não que Aristóteles tenha “abandonado completamente o idealismo platônico” (SUASSUNA, 1979, p. 49). Exemplo de aplicação Considerando a finalidade última da arte na teoria aristotélica, reflita se a arte em geral, e não apenas a tragédia grega, pode ter efetivamente uma função ética. Saiba mais Leia o texto indicado a seguir: PLATÃO. Hípias Maior. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora da UFPA, 1980. 2 A AUTONOMIA DA ESTÉTICA NA MODERNIDADE Das ideias de Aristóteles até o sistema kantiano, no qual a estética tem lugar privilegiado, muitos séculos se passaram. Não é verdade afirmar que nesse período não apareceu nenhum pensamento digno de memória no que se refere à filosofia da arte. No entanto, é forçoso constatar que o que se passou no período helenístico, medieval e no período do Renascimento, no que tange às teorias estéticas, constituiu-se como variante do pensamento antigo, no sentido de organizar-se como desdobramentos das teorias essencialistas. Como já vimos anteriormente, desde a Antiguidade Clássica até o século XVIII, a existência de algo em comum em todos os objetos considerados artísticos está na base das teorias essencialistas. Essas teorias admitem que as propriedades identitárias fariam parte da essência dos objetos (CAMARGO, 2009). Tal juízo provém do hábito de crer que a substância das coisas existe como uma realidade alcançável pelo pensamento. 25 ESTÉTICA Observação Vale ressaltar que já se sabe que a essência não está na coisa, mas no conteúdo da representação que fazemos dela. O essencialismo vigorou como teoria da arte até a publicação da Crítica do juízo do gosto, alterando o que se entendia por estética até aquele período. Kant precisava encontrar a universalidade na atividade estética, deixando a subjetividade dos séculos anteriores. Por outro lado, do ponto de vista da produção artística, é importante mencionar que – embora o objetivo deste livro-texto não seja o de fazer um inventário sobre a história da arte – no período medieval e, sobretudo, no período renascentista, foram produzidas obras que maravilharam o espírito humano, como a Pietà, de Michelangelo. Figura 3 – Pietà, de Michelangelo (1499) No Renascimento, período de transição da Idade Média para a Idade Moderna, a produção artística esteve envolta por muita riqueza e por artistas que dominavam técnicas impressionantes para imitar a realidade. Alguns desses artistas são: Michelangelo (1475-1564); Rafael Sanzio (1483-1520); e Leonardo da Vinci (1452-1519). Nesse período, a arte enfatiza uma esfera mais terrena e humana, valoriza o corpo, mas mantém o caráter religioso, como se vê nas obras escolhidas para ilustrar este material. Na Idade Moderna, sob influência do capitalismo nascente, a arte e o belo sofreram influências, pois, aos poucos, a arte passou a ser um produto, deixando de ter valor em si para ter uma finalidade mercadológica. 26 Unidade I Lembrete No Renascimento surge o humanismo e retoma-se o pensamento grego clássico. Nas artes, surgem novas técnicas sofisticadas com possibilidades miméticas inéditas. 3 KANT E O JUÍZO DE GOSTO No período moderno, o primeiro grande projeto filosófico de estética que chama atenção é o de Kant, um dos principais filósofos do período moderno. No entanto, assim como na Teoria do Conhecimento, as ideias de Hume foram importantes para alimentar o sistema kantiano. Stigar (2011) afirma que para Hume não existe definição metafísica de arte. Para Hume, “a beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla, e cada espírito percebe uma beleza diferente” (STIGAR, 2011, p. 50). Para Hume a concepção de belo depende, sobretudo, do conceito vivenciado mediante o sentimento e as afecções, é determinado externamente, pelo hábito, depende do método, da crença religiosa ou não do indivíduo. Contudo, não existe uma definição universal sobre o belo porque ele difere de cultura para cultura, sendo belo uma afexão empírica, e não metafísica (STIGAR, 2011, p. 57). David Hume traz novos olhares para a estética, surgindo com a teoria do gosto. Nessa tradição, o belo depende da capacidade sensitiva e racional do homem que julga. Para Silva (2017, p. 104): O belo ainda existe, e só é possível de ser notado por meio de uma sofisticação das capacidades sensitivas e racionais do apreciador. Mesmo assim, o julgamento da beleza depende da presença ou ausência do prazer na mente, tendo assim um caráter subjetivo que, influenciado pelas memórias e experiências de cada sujeito, produz diferentes julgamentos de belo e feio a respeito dos objetos estéticos. Hume ainda afirma que o gosto é uma questão de hábito, ou seja, varia conforme a realidade vivida (STIGAR, 2011). Para muitos comentadores, Crítica da faculdade do juízo constitui um dos aspectos mais relevantes do interesse pela filosofia de Kant das últimas décadas. Na obra, mesmo que Kant não intencionasse propor uma estética nem uma filosofia da arte, a sua singular abordagem dos problemas estéticos, sob a forma de “Crítica do juízo estético” ou “Crítica do juízo de gosto”, representa um marco decisivo na história do pensamento estético, o qual, se por um lado 27 ESTÉTICA confirma e consagra o reconhecimento da natureza peculiar da experiência e sentimento estéticos e a respectiva irredutibilidade e autonomia frente à experiência científica e ética, por outro, assinala aquilo a que já se chamou a “viragem para a estética”, ou seja, o reconhecimento da importância fundamental da experiência estética e até do primado da arte, no sistema das realizações superiores do espírito, o que veio a ser protagonizado na cultura germânica pelos movimentos classicista, romântico e idealista de finais do século XVIII e começos do século XIX, com reflexos e efeitos diretos ou diferidos por todo o espaço da cultura europeia oitocentista (SANTOS, 2010, p. 35). Observação O processo de captar, interpretar e compreender o objeto de estudo é designado por Kant de crítica, e desse método resultam as obras desse filósofo. Kant encerra sua trilogia crítica com a obra sobre o juízo do gosto, na qual vai elaborar a sua estética. Aparentemente, no início da obra, ela se chamava Crítica do gosto, mas foi alterada mais tarde para Crítica da faculdade do juízo. Na primeira obra, Crítica da razão pura, ele analisa o conhecimento; na segunda, Crítica da razão prática, ele analisaa moral (SANTOS, 2008). Figura 4 – Immanuel Kant (1720-1782) 28 Unidade I Segundo Rego (2006, p. 171): Tudo leva a crer que essa mudança de intenção não corresponde ao abandono do projeto de uma crítica que tivesse como tema central o belo, do ponto de vista de sua avaliação, isto é, o gosto, e do ponto de vista de sua produção, isto é, a arte. Antes disso, essa mudança, um tanto abrupta, expressa a convicção, que então veio a se formar, de que uma crítica do gosto é potencialmente mais do que apenas uma teoria estética. Dessa forma, a terceira crítica de Kant é uma crítica do nosso poder de julgar e uma obra estética que trata da apreciação e da criação do belo (REGO, 2005). Segundo Noyama (2016), a estética é uma pequena porção da filosofia kantiana, mas isso não significa que é pouco importante e não fez com que muitos pensadores e filósofos se debruçassem nesse último livro. Para ele, “as reflexões estéticas provocaram sobremaneira o mundo dos artistas e dos filósofos, alterando o paradigma da criação artística e abrindo espaço para que a subjetividade interferisse definitivamente no mundo das artes” (NOYAMA, 2016, p. 126). Observação O interesse de Kant é avaliar a formação do juízo do gosto a partir do ponto de vista do espectador, e não do artista. Vale ressaltar que, no momento da produção filosófica de Kant, existia uma discussão importante entre os empiristas e os racionalistas que influenciou essa época. Os racionalistas defendiam que a razão era inata e que a experiência não poderia promover o conhecimento verdadeiro, e empiristas defendiam justamente o contrário, que somente a partir da experiência se poderia iniciar uma caminhada que garantisse o alcance da verdade (NOYAMA, 2016, p. 126). Kant reconhece então a influência dos empiristas, mais especificamente de Hume, e concorda que todo o conhecimento começa com a experiência; por outro lado, afirma que só a razão poder levar à verdade, trazendo para sua obra a influência dos racionalistas da época. 3.1 Intersubjetividade Na crítica ao juízo do gosto, Kant modifica a relação entre juízo e conhecimento em favor do juízo do gosto desde um ponto de vista intersubjetivo. Essa intersubjetividade não é uma relativização pluralista. Para Kant, quem efetua a representação do objeto ou do universo percebe a si próprio como parte desse todo universal relacionado com outros objetos. “De tal forma que se cada indivíduo, no seu ponto de vista, tiver consciência da perspectiva dos outros em relação a ele mesmo, significa que a relação interna e subjetiva dos pontos de vista logrou êxito” (SANTOS, 2008, p. 3). 29 ESTÉTICA Para Chaui (2003), Kant, na sua obra Crítica da faculdade do juízo, discute o problema posto pelo gosto, o de que “cada um tem seu gosto” e de que “gosto não se discute”, mostrando a total subjetividade do gosto até então. Para ele, o gosto não poderia servir de critério para o julgamento das obras de arte. De um lado, o gosto do artista é individual e incomparável; e de outro, os gostos do público são individuais e incomparáveis também. Desse pensamento deriva o questionamento de como ser um avaliador de obras de arte ou como dar universalidade a tal juízo. Lembrando que a estética não é o campo da filosofia que utiliza procedimentos lógicos ou científicos na sua análise. Segundo Chaui (2003, p. 282), a obra de arte é algo comunicável, aliás, só existe para comunicar-se, oferecendo-se à sensibilidade dos receptores. Se o artista parte, espontaneamente, da comunicabilidade da obra, é porque, em seu íntimo, reconhece que sentimentos, ideias e opiniões são compartilháveis. A experiência estética – tanto do lado do artista como do lado do público – é comunicável e partilhável. Kant coloca que a percepção da beleza é uma experiência estética. Essa experiência é, ao mesmo tempo, individual ou particular, mas que também está relacionada a ideias universais da razão (que é a mesma em todos nós). A sensibilidade tem a forma do espaço e tempo, e essas categorias são os universais do entendimento, a beleza é uma ideia universal da razão (CHAUI, 2003). Seu conteúdo e sua forma podem variar segundo as circunstâncias históricas e segundo a inspiração e sensibilidade subjetivas do artista, mas o sentimento do belo, fundamento do juízo de gosto, é universal porque a beleza é uma ideia da razão (CHAUI, 2003, p. 282). Santos (2008) retoma a questão da representação para Kant. Para ele, o sujeito não tem acesso às coisas tais como elas são em si, mas nos apropriamos delas como elas chegam até nós. Para o filósofo, o sujeito tem contato apenas com a aparição fenomênica das coisas tal como as percebemos. Observação Em Kant o conceito de fenômeno é utilizado como sinônimo ou com o sentido de “algo que aparece para mim”. Para Kant, o objeto do conhecimento é justamente o fenômeno. É importante ressaltar que esse objeto deve ser acessível tanto para o sujeito como para todos os outros. “Aquilo que se chama conhecimento é o mesmo que a representação que mostra um ente singular representado de forma geral” (SANTOS, 2008, p. 3). O que pode parecer contraditório não o é, pois o que se representa é algo singular e particular, porém o que se objetiva é que todo e qualquer sujeito possa representar os elementos que formam 30 Unidade I o conhecimento da mesma maneira. A partir disso entende-se que, para Kant, o juízo do gosto é um juízo apreciativo que não aprofunda o conhecimento. Com isso, na apreciação, o juízo aprova ou desaprova o objeto analisado (SANTOS, 2008). Noyama (2016) mostra que o juízo estético não é um juízo do conhecimento: “para distinguirmos se algo é belo ou não, nós nos referimos à faculdade da imaginação. O oposto disso se dá no caso dos juízos de conhecimento, os quais remetem à faculdade do entendimento” (NOYAMA, 2016, p. 128). Dessa forma ele faz uma distinção entre os juízos, sendo que o juízo do conhecimento não pode ser subjetivo, e sim objetivo, enquanto o estético só pode ser subjetivo (NOYAMA, 2016). Santos (2008) contribui com o entendimento desse juízo mostrando como essa faculdade de julgar não avança no conhecimento do objeto em si, e como ela usa a imaginação como princípio e se expressa pela sensação. Segundo Carl Dahlhaus, Kant compartilhava do pressuposto de Baumgarten. Isso pode ser compreendido pelo fato “de que o belo não deve ser julgado segundo conceitos, mas exclusivamente na base de percepções”. Desse modo, apreendido apenas em seu sentido estético, retomando sua conotação literal originária (SANTOS, 2008, p. 4). Nesse caminho, Kant elabora a maneira pela qual o sujeito percebe as coisas a partir das sensações, e não pela formulação de julgamentos racionalmente elaborados. “Diferentemente de um juízo que busca formular conceitos tendo por objetivo o conhecimento, no juízo de gosto “a representação é referida inteiramente ao sujeito [...] e em nada contribui para o conhecimento [...]”. Ora, sendo assim, semelhante juízo é diferente de um simples juízo de agrado, pois ao afirmar que algo é belo, tal coisa o é porque me parece bela e está de acordo com minhas inclinações individuais. O fato de partilhar do mesmo gosto que outra pessoa é mero acaso, um fato contingente, visto que as sensações não podem ser comunicadas. Por outro lado, Kant complementa a definição de juízo de gosto dizendo tratar-se da faculdade de ajuizamento do que torna nosso sentimento universalmente comunicável (SANTOS, 2008, p. 5). Além disso, Noyama (2016) mostra que todos nós podemos emitir o juízo do gosto sempre que provocados por algo externo que seja percebido pela nossa sensibilidade. Basicamente, não conseguiríamos deixar de emitir esse juízo sempre que provocados. 3.2 O juízo estético desinteressado Sendo então as sensações em si incomunicáveis, é correto dizer que para Kant “gosto não se discute”, conforme o que foi exposto a partir do texto de Marilena Chaui (2003). Para Kant, o julgamento da beleza deve serlivre de todo interesse para formular um ajuizamento puro; e, mais que isso, não deve 31 ESTÉTICA envolver qualquer interesse. Esse desdobramento do juízo do gosto Kant denomina juízo estético puro. “A beleza que abstraio da contemplação do objeto não advém do fato de ser o objeto realmente belo. Essa beleza está também na ordem de um sentimento de caráter subjetivo” (SANTOS, 2008, p. 6). Kant introduz ao resultado da contemplação desinteressada do objeto a sensação de prazer. Para ele, um objeto qualquer não pode ser belo se ele for aprazível apenas para o sujeito. O idealismo kantiano prevê que a formação do juízo de gosto ocorre quando um indivíduo sente prazer ao contemplar um objeto. No entanto, esse prazer não pode ser meramente subjetivo, é necessário que ele desperte prazer em qualquer um que o contemple livremente, ou seja, livre de todo interesse (SANTOS, 2008). Realizar a transmissão a outras pessoas das razões pelas quais vemos ou julgamos existir beleza em uma imagem, obra de arte ou qualquer outra coisa é impossível. Apresentar um julgamento sobre algo belo não é como dar explicações, transmitir ou esclarecer o conteúdo acerca de um conceito lógico (SANTOS, 2008, p. 6). Para Freitas (2003), o texto de Kant mostra que o prazer estético é diferente do prazer sensorial, por exemplo, ao sentir um perfume. Esse prazer também está vinculado a um sentido, assim como o prazer estético, mas o prazer estético depende de um tipo de experiência única: um prazer desinteressado, que é despertado em nós apenas mediante a relação entre a nossa mente e uma representação. Segundo Freitas (2003), no prazer desinteressado, nossas capacidades cognitivas relacionam-se de uma maneira incomum. Quando se percebe algo do mundo, utilizam-se conceitos prévios para a compreensão desse mundo. No caso da experiência estética, “nosso entendimento é incapaz de nos fornecer um conceito a respeito do que experienciamos, restando apenas um dado intuído sensorialmente” (SILVA, 2017, p. 105). É por causa dessa capacidade de nossas faculdades operarem intuitivamente e sem conceitos prévios que surge o prazer estético. “Por isso o belo é em nós um sentimento, mas um sentimento universal, possível de ser experimentado por outros que se abram ao mesmo tipo de experiência desinteressada que está na base do prazer estético” (SILVA, 2017, p. 105). A beleza torna-se a partir daí um ponto importante. Para Kant, o belo é o que vai forçar a universalização do juízo do gosto sem a necessidade de conceitos ou de alguma finalidade. “Sendo o belo o que agrada universalmente sem conceito e aquilo que não tem fim, isto é, uma finalidade sem fim, só ele é capaz de criar uma harmonia livre entre as faculdades (razão, sensibilidade e imaginação)” (NOYAMA, 2016, p. 129-130). Afirmando que o belo agrada universalmente, ele está criando a ideia do senso comum estético, uma vez que um sujeito gosta ou até precisa compartilhar com outra pessoa o seu juízo do gosto, ou, mais precisamente, compartilhar o prazer que o belo proporciona. Dessa forma, Kant pensa que, ao compartilhar um objeto que causa prazer, a outra pessoa tem uma sensação e um sentimento muito parecido com o primeiro indivíduo. Voltando à questão do conhecimento, Werle (2005) afirma que o termo estética para Kant significa o conhecimento sensível, estando esse termo então no campo da teoria do conhecimento. A estética trata das formas puras da intuição, o espaço e o tempo: “Sem sensibilidade nenhum objeto 32 Unidade I nos seria dado e sem entendimento nenhum objeto seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas” (KANT apud WERLE, 2005, p. 135). Kant (apud WERLE, 2005, p. 135) vê o conhecimento dividido em duas partes, como: dois troncos do conhecimento humano, que talvez decorram de uma raiz comum, para nós desconhecida, a saber, a sensibilidade e o entendimento; por meio da primeira nos são dados objetos, por meio da segunda eles são pensados. Na medida em que a sensibilidade tivesse de conter a priori representações, que constituem a condição segundo a qual nos são dados objetos, ela pertenceria à filosofia transcendental. A doutrina transcendental dos sentidos teria de pertencer à primeira parte da ciência elementar, pois as condições sob as quais unicamente são dados os objetos do conhecimento humano se passam neles, sob as quais eles são pensados. Para Kant, a sensibilidade é a capacidade (receptividade) de receber representações por meio do modo como somos afetados pelos objetos. Essa sensibilidade não pode ser confundida com o pensamento, e ele é claro nesse ponto: “Distinguimos a ciência das regras da sensibilidade em geral, isto é, a estética, da ciência das regras do entendimento, isto é, a lógica” (KANT apud WERLE, 2005, p. 136). Assim, a sensibilidade não é pensamento, nem uma qualidade das coisas. Ela pode se referir à qualidade do fenômeno – já vimos anteriormente que ele entende fenômeno como as coisas que aparecem para um indivíduo –, mas não pode se referir à qualidade da coisa em si. Kant, ao introduzir a explicação sobre o belo, mostra que este depende do gosto e é um juízo reflexivo estético. Sendo o gosto então relativo ao sujeito e à sua capacidade de julgar sobre o que lhe é dado, se o que lhe é dado lhe causa prazer. É um sentimento pautado na faculdade cognitiva do sujeito em relação ao objeto. Nesta explicação, o filósofo mostra que essa faculdade não pretende conhecer o objeto em si, mas ajuizar sobre o que sente, formando assim o juízo do gosto. Toda referência das representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê-lo a referência ao sentimento de prazer ou desprazer, pelo qual não é designado absolutamente nada ao objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação (KANT, 1993, p. 48). Para Rohden (1993), Kant trata da representação e do seu referente mostrando que no juízo reflexivo estético as representações dizem respeito só ao sujeito e ao seu sentimento. Dessa forma, como já foi dito anteriormente, o juízo “isto é belo” envolve imaginação e é indeterminado porque não tem a intenção de determinar nada em relação ao objeto, não pretende conhecer o objeto. 33 ESTÉTICA Para Noyama (2016), o sentimento do sublime elaborado por Kant é um pouco diferente do belo. Tanto o sublime quanto o belo dão prazer por si próprios e pressupõem o juízo reflexivo. Dessa forma, os dois não resultam de um juízo de sensação ou lógico-determinante. Vale ressaltar que o prazer relativo ao belo e ao sublime é diferente do mero prazer da sensação e do prazer do bom. Enquanto o belo só pode ser referido a um objeto com forma, o sublime pode ser provocado por um objeto sem forma. Isso faz o belo parecer um conceito determinado do entendimento, e o sublime, um conceito semelhante ao da razão, pertencendo, portanto, cada um a uma faculdade. Por fim, o belo é um sentimento ligado à promoção da vida, e o sublime, à inibição das forças vitais. Nesse sentido, eles se distanciam demais, pois o belo provoca uma contemplação positiva, e o sublime, admiração e respeito, que são, por assim dizer, sentimentos negativos (NOYAMA, 2016, p. 132). Trabalhando a ideia do sublime, Kant o divide em dois tipos: o sublime matemático (a ideia de infinito) e o sublime dinâmico (a ideia da grandeza física). Para Kant o sublime é o que é absolutamente grande. Fazendo com que o sublime seja um sentimento incomparável a qualquer outro, de modo que ele é a maior expressão possível, pois ultrapassa todo o padrão de medida que temos por meio dos sentidos. Isso nos faz entender por que o sublime pode provocar sentimentos negativos. A magnitude desse sentimento – seja intelectual, seja física – é bastante eloquente: “Todos nós já passamos por uma situação na qual a evidência de nossa pequenez nos fez respeitar ou temer algoabsolutamente maior que nós” (NOYAMA, 2016, p. 132). 4 HEGEL E O BELO NA ARTE A trajetória da discussão da relação entre estética e história humana passa de forma clara por Hegel (1770-1831). Ele foi, ao mesmo tempo, um dos filósofos mais influentes e complexos da filosofia. Teve uma vasta produção de obras e elaborou discussões com vários filósofos anteriores e contemporâneos a ele, tão importantes quanto o próprio Hegel, como Aristóteles e Kant. Hegel pretendeu reavaliar a história da filosofia e estabelecer um sistema que abrangesse problemas filosóficos de todas as esferas – religião, ciência, política, conhecimento, ética, direito e moral –, demonstrando como seu projeto era ambicioso (NOYAMA, 2016). O que o motivou na elaboração de tão vasto pensamento foi a existência da enorme diversidade de sistemas filosóficos contraditórios entre si, que buscavam uma única verdade. Para ele, o seu sistema filosófico seria o único que responderia satisfatoriamente a essa diversidade. “Nisso se apoia o argumento tão rasteiro que pretende, com ares de especialista, que história da filosofia seja estéril, uma filosofia em contradição com a outra, e que essa diversidade prove a inânia do empreendimento filosófico” (HEGEL apud REZENDE, 2009, p. 14). 34 Unidade I Observação Inânia é sinônimo de inanidade, que quer dizer esvaziamento de sentido, inconsistência, superficialidade. Apenas para enfatizar e mostrar a importância da obra de Hegel, vamos apresentar, a partir do texto de Rezende (2009), como o filósofo primeiramente debateu sobre o que merece de fato o título de filosofia para a partir daí elaborar seu próprio estatuto filosófico da totalidade. Consistiu em descrever a história da filosofia por analogia estética, como a apresentação em diversas formas de uma única e mesma ideia. Com isso, a crítica da arte também se torna o modelo da crítica filosófica: do mesmo modo que a obra de arte é representação/expressão (Darstellung) de uma verdade ideal numa forma sensível, assim também a tarefa da crítica consiste em desvendar a ideia, o significado sob o significante manifesto, que se distinguirá em cada sistema filosófico o seu núcleo racional – que deve ser o mesmo em todo aquele que mereça o título de filosofia. Portanto, somente a forma é variável, pois é determinada historicamente e dependente da cultura (Bildung) de cada época (REZENDE, 2009, p. 14). Mesmo considerando o seu sistema filosófico como importante para responder o contraditório da diversidade de sistemas filosóficos anteriores a ele, Hegel aponta para a tese de que não existiria uma verdadeira contradição entre os diversos sistemas, já que eles expressam a mesma ideia. A aparente contradição está na questão de que os filósofos discutem seus sistemas à luz de sua época (REZENDE, 2009). Figura 5 – Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) 35 ESTÉTICA Considerando a trajetória da arte, Rezende (2009, p. 12) afirma que: Para os antigos, a obra é entendida como um microcosmo – o que permite pensar que exista fora dela, no macrocosmo, um critério objetivo, ou melhor, substancial do belo – para os modernos, a obra só ganha sentido em referência à subjetividade, vindo a se tornar, para os contemporâneos, expressão pura e simples da individualidade: estilo absolutamente singular que não quer ser mais em nada um espelho do mundo, mas sim a criação de um mundo, o mundo no interior do qual se move o artista e no qual temos, sem dúvida, permissão para ingressar, mas que de modo algum se impõe a nós como um universo a priori comum. Hegel participa dessa evolução do pensamento de forma decisiva. Em relação à arte e à estética, suas principais reflexões foram registradas em suas aulas na Universidade de Berlin, entre 1820 e 1830; não são exatamente seus escritos, mas uma compilação de anotações de seu pensamento. Para Ferreira (2011), Hegel apresenta sua obra na contracorrente de todas as teorias da estética do sentimento e subjetivistas do gosto ao reafirmar a objetividade do belo e a possibilidade do reconhecimento racional dele. 4.1 A tese do fim da arte Um dos pontos que chama atenção em seus estudos sobre a arte é a discussão sobre a hipótese do fim da arte. Também fez essa sugestão hipotética para a história e para a filosofia. Mas não se tratava exatamente da extinção ou esgotamento dessas ideias. “Essa conclusão precipitada (do esgotamento e extinção) nos levaria a imaginar que Hegel decretou o fim da arte, da história e da filosofia. Mas não é tão simples como parece” (NOYAMA, 2016, p. 145). Vale lembrar que o sistema filosófico hegeliano é estabelecido na perspectiva histórico-dialética, em que todo fim implica um novo começo. Portanto, Hegel não pretende pôr fim à arte ou à produção artística. No início do percurso de sua obra filosófica sobre arte, Hegel preocupou-se em investigar a estética como ciência, pautada na tese de Baumgarten. A partir desse ponto e influenciado por Kant e Schiller, Hegel trouxe a discussão sobre a beleza para o campo da filosofia da história (NOYAMA, 2016). Hegel, segundo Ferreira (2011), reconhece de um lado, na filosofia kantiana, um avanço em relação a outras teorias estéticas, uma vez que Kant reconheceu a possibilidade de unificação entre espírito e natureza por meio da arte. De outro lado, pensa que é uma limitação, pois essa mesma teoria fica presa à contradição de sujeito e objeto. De um lado, Kant afirma que a beleza está ligada à subjetividade; por outro, Schiller credita a beleza no âmbito das ações humanas; e Hegel “radicaliza a perspectiva de Schiller ao admitir que o processo histórico-dialético é determinante para a construção do conceito de beleza” (NOYAMA, 2016, p. 146). 36 Unidade I Na obra de Hegel Fenomenologia do espírito, a ideia do belo (que para Hegel é a ideia de verdade) também será historicizada e apresentada na sua evolução interna. A diferença entre estética e filosofia será o fato de que a estética continuará sendo pensada como a ideia do verdadeiro numa forma exterior a ele, ao passo que a filosofia se tornará a expressão da ideia no pensamento, na forma mais pura. Para Hegel, o termo estética é insuficiente para tratar da beleza no âmbito da arte, e afirma que a ciência das sensações tem limites e que está restrita às sensações que um objeto artístico poderia provocar, mais precisamente: agrado, temor, piedade ou compaixão. Essa ciência tem limites porque ela não diferencia essas sensações provocadas pelo objeto artístico das sensações provocadas pela natureza, e isso seria então um problema para Hegel. Dessa forma, propõe uma nova nomenclatura: “A autêntica expressão para nossa ciência é, porém, filosofia da arte ou, mais precisamente, filosofia da bela arte” (NOYAMA, 2016, p. 146). Observação O belo é considerado como um momento essencial do desdobramento do espírito absoluto, no qual são expressas numa forma determinada a ideia e, portanto, a verdade. Assim, é intuitivo perceber que Hegel exclui o belo natural de suas investigações artísticas. Na sua estrutura filosófica, o belo artístico está acima do belo natural. É interessante a justificativa de Hegel para tal afirmação. Para ele o belo natural é produzido apenas pela natureza enquanto a beleza artística é nascida e renascida do espírito. Esse é um dos pontos de discussão na obra de Hegel sobre o tema, e essa discussão é vasta e não se pretende encerrá-la neste conteúdo. Essa ideia de superioridade da beleza artística e da sua relação com o espírito é resultado de todo o sistema filosófico do autor, e não apenas centrado no tema da estética. Ao citar que a beleza artística é nascida do espírito, Hegel pretende dizer que ela é uma construção e, como tal, tem como principal característica o fato de ser resultado de um processo de superação e conservação entre espírito e natureza, isto é, entre o homem e a realidade. Esse processo, necessariamente dialético, faz com que o espírito sempre acumule mais experiências
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