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Estes distúrbios se caracterizam pela mieloproliferação clonal da célula – tronco hematopoiética e por apresentarem propensão para evoluir para leucemia mieloide aguda (também chamada de NMP em fase blástica). A Policitemia Vera (PV) consiste em uma doença do sistema hematopoético que culmina na proliferação das 3 séries: eritrocitária, granulocítica e megacariocítica. EPIDEMIOLOGIA Trata-se de uma desordem mieloproliferativa neoplásica, de curso insidioso, que geralmente acomete indivíduos na faixa etária ente 50-80 anos, com discreto predomínio no sexo masculino. É a síndrome mieloproliferativa mais comum. PATOGÊNESE A policitemia vera se inicia após o surgimento de uma mutação genética específica, conhecida como “JAK-2”. A sigla JAK se refere à enzima Janus-Kinase, um segundo mensageiro na cascata de sinalização intracelular de vários receptores para fator de crescimento, como os receptores de eritropoietina e trombopoietina. Na vigência dessa mutação ocorre uma ativação constitutiva, ininterrupta, daquelas vias de sinalização intracelular, induzindo a célula progenitora a se proliferar mesmo na ausência do respectivo fator de crescimento. Em geral, a mutação é do tipo “pontual” no exon 14 do gene, mas outros polimorfismos também podem ter o mesmo efeito (ex.: no exon 12). O fato é que a JAK-2 pode ser identificada em mais de 95% dos casos de PV, sendo sua demonstração, na atualidade, considerada critério diagnóstico. É importante frisar que a JAK-2 também pode ser encontrada em outras síndromes mieloproliferativas, como a trombocitemia essencial e a mielofibrose, mas numa proporção menor de casos. Na P. vera, o clone neoplásico derivado da stem cell dá origem a progenitores da linhagem eritroide capazes de se proliferar mesmo na ausência de eritropoietina. A não dependência da eritropoietina permite uma proliferação excessiva e desregulada dos progenitores e precursores eritroides. A produção de hemácias aumenta, levando à eritrocitose progressiva. Esta, por sua vez, reduz o nível sérico de eritropoietina, que se encontra no limite inferior da normalidade ou abaixo dele. Além da expansão eritroide, a policitemia vera também pode cursar com a proliferação dos progenitores e precursores das outras linhagens de células hematológicas na medula, cursando frequentemente com aumento na contagem de granulócitos (neutrófilos, basófilos e eosinófilos) e trombocitose. Quando as três linhagens hematopoiéticas têm suas contagens elevadas no sangue, denominamos o quadro de pancitose. A única neoplasia hematológica que se apresenta com “pancitose” (aumento de hemácias, leucócitos e plaquetas) é a policitemia vera. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A policitemia vera geralmente é suspeitada em um paciente assintomático com eritrocitose a esclarecer. A morfologia das hemácias não se modifica pela doença. Hematócrito > 60% em pacientes com Sat. O2 > 92% quase sempre significam policitemia vera! Contudo, muitos pacientes se apresentam com valores de hematócrito mais baixos (principalmente mulheres) e o diagnóstico diferencial deve ser feito com outras patologias causadoras de eritrocitose. Os sintomas são provenientes do aumento da viscosidade sanguínea: cefaleia, tontura, turvação visual, parestesias. Como igualmente acontece em outras síndromes mieloproliferativas (devido à elevada taxa de metabolismo celular replicativo), queixas como fraqueza e perda ponderal, febre baixa e sudorese costumam ocorrer. A hipervolemia está presente e pode levar à hipertensão arterial sistêmica (70% dos pacientes têm PA sistólica > 140 mmHg). A hipervolemia, associada à hiperviscosidade sanguínea, sobrecarrega o coração, levando à congestão pulmonar e dispneia. O prurido é um achado frequente na policitemia vera, ocorrendo em quase 50% dos casos, provavelmente devido à basofilia e consequente hiper-histaminemia. De forma característica, o prurido é desencadeado pelo banho quente (“prurido aquagênico”). EXAME FÍSICO O exame físico do paciente revela pletora facial e esplenomegalia em 70% dos casos. A pletora facial (“vermelhidão”) é mais proeminente nas bochechas, nariz, lábios, orelhas e pescoço. A esplenomegalia geralmente não é de grande monta, como na LMC e na mielofibrose idiopática. Hepatomegalia está presente em 40% dos casos. A pletora conjuntival (ingurgitamento dos vasos da conjuntiva) e a eritrocianose das extremidades também são características da doença. Eritrocianose da extremidade. A mão da esquerda é de um paciente com policitemia vera, comparada à mão da direita, de uma pessoa normal. Os vasos da retina estão dilatados e pode haver hemorragias. Dilatação dos vasos retinianos e hemorragias. As equimoses são comuns, bem como as lesões urticariformes. A incidência de úlcera péptica e hemorragia digestiva está elevada na policitemia vera, por conta da basofilia e hiper-histaminemia (a histamina estimula a secreção gástrica de ácido). O sangramento gastrointestinal crônico pode levar à ferropenia. Em alguns casos, a ferropenia reduz o hematócrito, que pode ficar normal ou no limite superior da normalidade. Curiosamente, as hemácias estarão microcíticas, sendo esta combinação de achados (isto é, hematócrito normal com hemácias intensamente microcíticas) um indício clássico da coexistência de P. vera com ferropenia. DIAGNÓSTICO O laboratório do paciente pode mostrar leucocitose em 50% dos casos e trombocitose em 30%. A leucocitose pode chegar a valores acima de 50.000/mm3, confundindo o diagnóstico com a LMC. O aumento da fosfatase alcalina leucocitária e a presença da eritrocitose sugerem o diagnóstico da policitemia vera. A trombocitose pode chegar a valores acima de 1.000.000/mm3, confundindo o diagnóstico com a trombocitemia essencial. A hiperuricemia e a pseudo-hipercalemia são achados comuns. Os níveis de vitamina B12 costumam estar acima do normal devido à hipersecreção de transcobalamina III (proteína que carreia a vitamina B12 no sangue) pelos granulócitos originários do clone neoplásico. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE POLICITEMIA VERA Critérios pela OMS – 2016. CRITÉRIOS MAIORES: o HOMEM: hb > 16,5 g/dl OU ht > 49% MULHER: hb > 16,0 g/dl OU ht > 48% Ou aumento do volume celular eritrocítico ( >25% do volume normal esperado) o HIPERCELULARIDADE na biósia de medula óssea, com pancitose, incluindo megacariócitos maduros e pleomórficos (com diferentes tamanhos) o PRESENÇA DA MUTAÇÃO JAK-2 (V617F ou éxon 2) CRITÉRIOS MENORES: o EPO sérica abaixo do valor de referência DIAGNÓSTICO: requer os 3 critérios maiores ou os 2 primeiros maiores + critério menor. A maior dificuldade diagnóstica se dá nos pacientes que desenvolvem ferropenia (ex.: por sangramento digestivo crônico associado), pois podem não apresentar eritrocitose proeminente... A pista, nestes casos, é a coexistência de hematócrito normal ou levemente aumentado com microcitose significativa!!! ACHADOS LABORATORIAIS o Aumento dos valores do eritrograma: Contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. Volemia eritróide total aumentada; o Leucograma com neutrofilia e basofilia é comum de ser encontrado; o Trombocitose presente em metade dos pacientes; o Mutação JAK2 presente nos granulócitos em cerca de 97% dos pacientes; o Medula óssea hipercelular, com hiperplasia das três linhagens; o Eritropoetina sérica baixa; o Ácido úrico plasmático, normalmente, é encontrado aumentado, porém com desidrogenase láctica normal ou pouco aumentada; o Número de células progenitoras eritróides circulantes (unidades formadoras de colônia) aumentadas, além do crescimento in vitro, sem a adição de eritropoietina; o Anormalidades cromossômicas, que são encontradasna minoria dos pacientes. COMPLICAÇÕES As principais complicações da policitemia vera são os eventos trombóticos. A trombose pode ser arterial e/ou venosa e geralmente afeta órgãos nobres, por exemplo: AVE isquêmico, IAM, trombose enteromesentérica, trombose das veias supra-hepáticas e TVP de membros inferiores/embolia pulmonar. Os fenômenos tromboembólicos são responsáveis por boa parte dos óbitos (30%). Não há relação entre o grau de trombocitose e o risco de trombose. O principal determinante do risco de trombose é a eritrocitose (isso é, quanto maior o hematócrito, maior o risco de trombose). Apesar da forte associação com trombose, portadores de PV também têm risco aumentado de eventos hemorrágicos. Trata-se de uma forma adquirida da doença de von Willebrand que acontece quando a contagem de plaquetas fica muito aumentada. Com um aumento expressivo da plaquetometria começa a haver sequestro (por adsorção na superfície plaquetária) e proteólise do fvWb circulante, que assim tem seus níveis reduzidos. Logo, apesar de existir um grande número de plaquetas, a hemostasia primária encontra-se prejudicada, pois a deficiência do fvWb impede uma adequada adesão plaquetária. Existem ainda duas complicações que, na realidade, são inerentes a todas as síndromes mieloproliferativas: (1) mielofibrose com metaplasia mieloide; (2) Leucemia Mieloide Aguda. TRATAMENTO FLEBOTOMIA A base terapêutica da policitemia vera tem sido a flebotomia (“sangria”). Os pacientes devem ser submetidos inicialmente à retirada diária de 100- 500 ml de sangue, com o objetivo de atingir um hematócrito < 45% em homens e < 42% em mulheres. Cada 500 ml de sangue retirados de um adulto mediano reduz o hematócrito em cerca de 3%. Com o hematócrito dentro do alvo a flebotomia passa a ser realizada de forma periódica de acordo com a necessidade (ex.: a cada três meses). Pacientes coronariopatas ou com história de doença cerebrovascular podem retirar um volume menor de sangue, devendo a flebotomia ser acompanhada de reposição de cristaloides. Deve-se evitar a reposição de ferro medicinal, pela interferência na eficácia do programa de flebotomia. Uma dieta pobre em ferro não é necessária, mas, se for possível realizá-la, ela promove uma diminuição no requerimento de flebotomias. DROGAS MIELOSSUPRESSORAS Serão indicadas nas seguintes situações: o Dificuldade na realização de flebotomias regulares; o Alto requerimento de flebotomias; o Trombocitose > 1.000.000/mm3) e/ou história prévia de trombose; o Prurido intratável. A droga tradicional é a hidroxiureia, sua administração oral (500 a 1.500 mg/dia) reduz o hematócrito, a leucocitose e a trombocitose. O objetivo é controlar o hematócrito e manter as plaquetas < 500.000/mm3, evitando, contudo, uma queda na contagem de neutrófilos para < 2.000/mm3. A anagrelida também é um agente mielossupressor, e pode ser associada à hidroxiureia em casos refratários, ou substituí-la se houver intolerância. Sua posologia é 1-2 mg de 12/12h por via oral. O PEG-interferon alfa também se mostrou efetivo, porém, devido à elevada incidência de efeitos colaterais não é considerado agente de primeira linha, exceto em gestantes, já que hidroxiureia e anagrelida são teratogênicas. DROGAS ALTERNATIVAS O prurido pode melhorar apenas com o controle da doença pela terapia descrita acima. É recomendável evitar banhos quentes. Alguns pacientes se mostram refratários, e nestes casos devemos lançar mão de anti-histamínicos como a difenidramina, podendo associar antidepressivos como a doxepina ou mesmo a PUVA (psoralenos + exposição ao ultravioleta A) e o PEG-interferon- alfa. A aspirina em baixas doses é tradicionalmente feita para todos os pacientes sem contraindicações, com o intuito de prevenir trombose, ainda que alguns autores questionem a verdadeira eficácia dessa droga, haja vista que hoje já está claro que o fator mais importante para a trombofilia associada à PV é o aumento do hematócrito, e não das plaquetas. Os anticoagulantes (ex.: warfarin) são indicados apenas quando o paciente desenvolve trombose. O alopurinol (300 mg/dia) é recomendado na vigência de hiperuricemia, principalmente no paciente com história de nefrolitíase e/ou gota. CURIOSIDADE: Inibidores do JAK-2: O ruxolitinib (Jakavi) é um inibidor da proteína “doente” produzida pela mutação JAK-2. Recente estudo clínico publicado em 2015 mostrou eficácia significativa ‒ em comparação com o tratamento convencional ‒ no que tange ao controle do hematócrito, diminuição da esplenomegalia, dos sintomas constitucionais e do risco de trombose. A principal complicação foi um aumento na incidência de herpes-zoster, quadro observado em 6% dos pacientes. Até o momento, no entanto, não se recomenda a substituição da estratégia de flebotomias regulares pelo uso de inibidores do JAK-2. PROGNÓSTICO A sobrevida média do paciente com policitemia vera sintomática sem tratamento é de 18 meses (1,5 ano), mas o tratamento efetivamente prolonga a sobrevida. Em geral o prognóstico é bom, com sobrevida mediana acima de 10 anos. Trombose e hemorragias são os principais problemas clínicos/complicações, que acabam diminuindo a expectativa de vida. Além disso, em 30% dos casos, ocorre uma transição da policitemia vera para mielofibrose, e em 5% dos casos a progressão leva a uma leucemia mieloide aguda. A trombocitemia essencial (TE) é uma neoplasia mieloproliferativa crônica BCR-ABL1-negativa que envolve, primariamente, a linhagem megacariocitária e que se caracteriza por trombocitose sustentada no sangue periférico, aumento do número de megacariócitos maduros e grandes na medula óssea, e, clinicamente, por episódios de trombose e/ ou de sangramentos e fenômenos vasomotores. EPIDEMIOLOGIA A trombocitemia essencial é uma síndrome mieloproliferativa incomum, descrita inicialmente em 1934. Tipicamente acomete adultos velhos (50-60 anos), com predileção pelo sexo feminino. Uma forma infantil também é descrita. De todas as desordens mieloproliferativas, é a que acarreta melhor prognóstico. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA O clone neoplásico derivado da stem cell (célula – tronco) se diferencia preferencialmente em megacariócitos. Assim, o aumento na produção de plaquetas é o grande marco da doença. Trombocitose excessiva, especialmente quando acima de 1.000.000/mm3, predispõe não só aos eventos trombóticos, mas também à hemorragia (por um defeito qualitativo das plaquetas, por ex.: adsorção dos polímeros do fator de Von Willebrand = doença de Von Willebrand adquirida). O principal fator de crescimento da linhagem megacariocítica é a trombopoetina. Essa molécula tem similaridades estruturais com a eritropoetina, o G-CSF, o hormônio do crescimento e o Fator Inibitório da Leucemia (LEF). Por meio da ligação da trombopoetina com seu receptor, o c-MPL, essa citocina estimula a proliferação e a maturação dos megacariócitos, além da liberação das plaquetas por essas células. Outros fatores que estimulam a proliferação da linhagem megacariocítica são o GM-CSF, a IL-3, a IL-6, a IL-11, o fator da célula-tronco, o ligante do FLT, o FGF e a eritropoetina. O receptor da trombopoetina encontra-se intimamente ligado com a JAK2. De fato, a sinalização intracelular originada pela ligação da trombopoetina com o c-MPL é altamente dependente da ativação da JAK2. A JAK2 tem um importante papel na sinalização intracitoplasmática dos receptores das citocinas relacionadas à proliferação das células mieloides, como os receptores da eritropoetina, do G-CSF e da trombopoetina. Essa doença também ocorre por uma mutação na JAK2 na célula tronco hematopoiética, causando proliferação e maturação de magacariócitos e liberação de plaquetasindependente das citocinas. CAUSAS A trombicitemia essencial é, na verdade, uma causa rara de trombocitose (3% dos casos). As etiologias mais frequentes são: o Infecções (principal causa, respondendo por 20-30% dos casos); o Injúrias teciduais (politrauma, IAM, cirurgia); o Anemia ferropriva; o Sangramento agudo; o Pós-esplenectomia; o Em crianças, as anemias hemolíticas. Todas as síndromes mieloproliferativas podem cursar com trombocitose, eventualmente grave. Logo, o diagnóstico de trombocitemia essencial só pode ser dado após a exclusão dessas doenças... O fato é que, na prática, por serem desordens relativamente mais frequentes, as outras síndromes mieloproliferativas são causas mais comuns de trombocitose do que a própria trombocitemia essencial! MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A maioria dos pacientes com TE é assintomática e assim permanece por muitos anos. Contudo, muitos apresentam complicações que são debilitantes ou até mesmo fatais, relacionadas, principalmente, aos fenômenos vasculares e hemorrágicos. De fato, os eventos trombóticos, que são as manifestações clínicas mais frequentes na TE, são também a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com TE. EVENTOS TROMBÓTICOS Podem ser arteriais (mais comum) ou venosos. Exemplos típicos de trombose arterial: AVE isquêmico, AIT (ataque isquêmico transitório), IAM, trombose mesentérica e trombose femoral. No território venoso podemos ter: trombose iliofemoral, trombose dos seios venosos cerebrais e trombose da veia mesentérica. EVENTOS HEMORRÁGICOS Múltiplas e extensas equimoses, petéquias, hemorragia digestiva e sangramento grave no pós- operatório (sangramentos gengivais) são os principais exemplos. Os principais fatores de risco para os eventos hemorrágicos na TE são a contagem de leucócitos acima de 11.000/μL, a história de sangramento prévio e o uso de aspirina, especialmente em pacientes com contagem de plaquetas acima de 1.000.000/μL. EVENTOS VASOMOTORES Cefaleia, alterações visuais, tonteira, parestesias, acrocianose, úlceras cutâneas, eritromelalgia. EVENTOS OBSTÉTRICOS Aborto espontâneo no primeiro trimestre de gestação. ERITROMELALGIA Caracteriza-se pelo súbito aparecimento de dor, calor, rubor e disestesia nas extremidades, principalmente nos membros inferiores. Pode ocorrer isquemia digital. O episódio pode ser autolimitado, ou pode evoluir para gangrena. O mecanismo está relacionado à obstrução microvascular por agregados de plaquetas. Até 40% dos pacientes têm esplenomegalia palpável, ao passo que em outros pode haver atrofia esplênica em decorrência de infarto. DIAGNÓSTICO ESFREGAÇO DE SANGUE PERIFÉRICO As plaquetas variam em tamanho (anisocitose plaquetária), variando de plaquetas muito pequenas a gigantes. As hemácias são geralmente normocrômicas e normocíticas. A contagem de leucócitos é geralmente normal, mas pode estar levemente elevada. ASPIRADO E BIÓPSIA DA MEDULA ÓSSEA (MO) Mostra classicamente normocelularidade ou hipercelularidade moderada para idade e crescimento de linhagem com megacariócitos grandes a gigantes proeminentes com citoplasma maduro abundante e núcleos profundamente lobulados e hiperlobulados. Os megacariócitos estão localizados em toda a medula óssea, mas podem ocorrer em aglomerados frouxos. Os critérios diagnósticos sugeridos para trombocitemia essencial são: o Trombocitose persistente > 450 × 103/mL; o Presença de uma mutação adquirida patogenética (ex: em JAK2 ou CALR); o Ausência de outra neoplasia mieloide maligna: PV, MFP, LMC ou síndrome mielodisplásica; o Ausência de causa de trombocitose reacional e reservas normais de ferro; o Histologia de biópsia da medula óssea, mostrando número aumentado de megacariócitos com proeminência de formas grandes e hiperlobuladas. PROGNÓSTICO BAIXO RISCO Pacientes com menos de 40 anos. ALTO RISCO São considerados de “alto risco”, tanto para eventos trombóticos quanto para eventos hemorrágicos, os pacientes que possuem: 1. Idade > 60 anos; 2. Leucócitos > 11.000/mm3; 3. Contagem plaquetas > 1.500.000/mL; 4. História prévia de evento trombótico. Cerca de 10-15% dos indivíduos evoluem com mielofibrose secundária após um período de 15 anos. O risco de leucemização (geralmente LMA) é de aproximadamente 1-5% após 20 anos de doença. Pacientes sintomáticos têm sobrevida média de 15 anos. TRATAMENTO A estratégia terapêutica baseia-se principalmente na estratificação de risco trombótico e hemorrágico. BAIXO RISCO Para estes, o ácido acetilsalicílico é um tratamento suficiente. ALTO RISCO Para esses pacientes existe indicação de controle da plaquetometria, que deve ser mantida abaixo de 500.000/mm3. O tratamento é feito com agentes mielossupressores, como hidroxiureia e anagrelida. Esta última deve ser associada à hidroxiureia em casos refratários, ou substituí-la em caso de intolerância. O PEG- interferon-alfa também pode ser usado. Na vigência de trombose aguda, a anticoagulação plena está indicada. Em caso de evento hemorrágico grave, as plaquetas podem ser prontamente reduzidas através da plaquetaférese. O AAS costuma ser prescrito de forma rotineira na ausência de contraindicações (podendo ser associado à terapia mielossupressora se esta estiver indicada). A principal contraindicação é observada nos pacientes com tendência hemorrágica. A mielofibrose primária (MF) também é conhecida como metaplasia mieloide agnogênica, mieloesclerose, metaplasia mieloide idiopática e osteoesclerose. A doença é caracterizada pela mielofibrose precoce e hematopoiese extramedular (metaplasia mieloide). EPIDEMIOLOGIA É a terceira desordem mieloproliferativa em frequência (após PV e LMC), acometendo adultos velhos ou idosos (pico de incidência aos 60 anos), sem preferência por sexo. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA O clone neoplásico derivado da stem cell (células tronco) dá origem a megacariócitos e monócitos que secretam citocinas que atraem e estimulam fibroblastos, os quais sintetizam colágeno (fibrose). Entre as citocinas implicadas no processo fibrogênico destaca-se o PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas). Numa fase inicial existe hiperplasia medular (como em qualquer síndrome “mieloproliferativa”), porém, em questão de pouco tempo sobrevém um processo de mielofibrose progressiva, na medida em que o colágeno sintetizado se acumula. As células progenitoras hematopoiéticas ‒ assim como o próprio clone neoplásico ‒ precisam continuar se proliferando e se diferenciando. Essas células são então “expulsas” do microambiente da medula óssea, sendo lançadas na circulação (onde suas contagens atingem valores 10-20 vezes acima do normal). O destino dessas células “degredadas” será colonizar o baço e o fígado, órgãos com potencial de sustentar a hematopoiese (já que na vida fetal era basicamente neles que a hematopoiese acontecia). A consequência é que o parênquima desses órgãos (principalmente o baço) torna-se infiltrado por tecido hematopoiético, um fenômeno denominado metaplasia mieloide. Duas mutações capazes de estimular a proliferação celular podem ser encontradas em pacientes com mielofibrose idiopática: o mutação JAK-2, presente em cerca de 50% dos casos o mutação envolvendo o gene do receptor de trombopoietina (MPL), presente em cerca de 5%. Esta aparece mais na mielofibrose idiopática e na trombocitemia essencial, e menos na policitemia vera. O crescimento do baço resulta em esplenomegalia de grande monta, que tem como consequências mais importantes o hiperesplenismo (contribuindo para a anemia e plaquetopenia) e a ocupação do espaço intra-abdominal, justificando queixas como saciedade precoce, sensação de “plenitude” e dor em hipocôndrio esquerdo (esta última geralmentedecorrente de infartos esplênicos segmentares num baço absurdamente aumentado). A infiltração do parênquima hepático pode causar hipertensão portal, com todos os seus comemorativos (ex.: varizes esofagogástricas, circulação colateral no abdome, ascite). O hiperfluxo pela veia esplênica (decorrente da própria esplenomegalia) também contribui para a hipertensão porta. Casos muito avançados também podem evoluir com falência hepática (a infiltração maciça do parênquima pela metaplasia mieloide oblitera os sinusoides hepáticos). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Cerca de 25% dos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico. A maioria apresenta sintomas, tais como fadiga, astenia, perda ponderal, sudorese noturna e desconforto abdominal localizado no hipocôndrio esquerdo. EXAME FÍSICO O achado mais frequente no exame físico é a esplenomegalia de grande monta, que ocorre em quase todos os casos. Hepatomegalia está presente em metade dos pacientes. Outros achados menos frequentes são: petéquias, equimoses, adenopatia e a síndrome de hipertensão portal (presente em 5% dos casos na apresentação). Nesta última, o paciente cursa com ascite, varizes esofagogástricas, sangramento digestivo e até encefalopatia hepática, confundindo o diagnóstico com uma doença hepática primária. Em casos avançados, a hematopoiese extramedular também pode acontecer no espaço epidural da coluna vertebral, causando uma compressão extrínseca da medula espinhal que resulta numa síndrome de mielite transversa (paraplegia, nível sensitivo, distúrbios esfincterianos). Dor óssea (principalmente nas porções proximais dos membros inferiores) é outra queixa frequente nas fases mais tardias da doença. DIAGNÓSTICO ESFREGAÇO SANGUE PERIFÉRICO Apresenta uma tríade, que compõe o painel clássico da hematoscopia na mielofibrose idiopática. 1. Leucoeritroblastose; 2. Poiquilocitose com predomínio de Hemácias em Lágrima, ou Dacriócitos; 3. Plaquetas gigantes degranuladas (“fragmentos de megacariócitos”). LEUCOERITROBLASTOSE: É a presença no sangue periférico de células jovens da linhagem granulocítica: bastões, metamielócitos, mielócitos, promielócitos (às vezes até mieloblastos), representando um grande “desvio à esquerda”, e hemácias nucleadas (eritroblastos). A leucoeritroblastose indica que alguma patologia está “ocupando” a medula óssea. As células hematopoiéticas jovens são “expulsas” da medula para a corrente sanguínea. Leucoeritroblastose. Presença de formas muito jovens de hemácias e leucócitos (exemplo: hemácias nucleadas, ou eritroblastos; mielócitos, promielócitos). HEMÁCIAS EM LÁGRIMAS: A presença de múltiplas hemácias em lágrima no sangue periférico significa hematopoiese extramedular (metaplasia mieloide). A explicação é que as hemácias produzidas no fígado e no baço sofrem um tipo peculiar de lesão na membrana plasmática antes de serem liberadas para o sangue. Hemácias em lágrimas (dacriócitos). ACHADOS LABORATORIAIS Hiperuricemia, aumento da fosfatase alcalina leucocitária e da fosfatase alcalina sérica (devido à lesão óssea), aumento da LDH, dos níveis de vitamina B12 e hipoalbuminemia. Para confirmar o diagnóstico de mielofibrose idiopática é preciso demonstrar duas coisas: 1. a existência de fibrose da medula óssea e hiperplasia dos megacariócitos, que apresentam atipias celulares; 2. a ausência de outras doenças (a mielofibrose idiopática é um DIAGNÓSTICO DE EXCLUSÃO). Assim, é sempre necessário realizar uma biópsia de medula óssea!!! ASPIRADO E BIÓPSIA DA MEDULA ÓSSEA Confirma o diagnóstico. O aspirado de medula óssea é tipicamente seco (dry tap), isto é, quando puxamos o êmbolo simplesmente não vem material na seringa (devido ao excesso de tecido fibrótico). Nas fases iniciais da doença é comum encontrarmos apenas fibras de reticulina, que podem delimitar ilhas de hiperplasia medular (com aumento predominante do número de megacariócitos). Biópsia de medula óssea na mielofibrose idiopática. As linhas pretas representam as fibras de reticulina coradas pela prata. Nas fases mais avançadas, por outro lado, a medula se torna francamente hipocelular, ficando repleta de depósitos de colágeno denso. As fibras de reticulina são claramente evidenciadas na coloração pela prata. TRATAMENTO Não há tratamento específico para a mielofibrose idiopática e, nas fases iniciais oligo ou assintomáticas, nenhuma intervenção é indicada. Quando a anemia ou a trombocitopenia se exacerbam, tem se recomendado a associação de corticoide (prednisona) com talidomida em baixas doses. De acordo com a necessidade, na medida em que a doença progredir, o paciente deverá receber suporte transfusional. Não se faz esplenectomia de rotina no tratamento da mielofibrose idiopática, pois a chance de complicações pós-operatórias é muito alta. Cerca de 30% desses pacientes evolui com infecções, sangramentos e, principalmente, trombose de veias intra-abdominais. A realização de esplenectomia também aumenta o risco de transformação leucêmica!! Áreas de hematopoiese extramedular “sintomática”, como na compressão epidural da medula espinhal, por exemplo, podem ser controladas com radioterapia externa. A dor óssea também pode responder a este tratamento. Os inibidores do JAK-2, como o ruxolitinib (Jakafi), estão sendo utilizados na doença avançada. Este medicamento provoca uma discreta piora inicial nas citopenias do paciente (que posteriormente estabilizam), mas reduz o tamanho do baço e aumenta a sobrevida. Por fim, a única chance de cura da mielofibrose idiopática é o transplante halogênico de células hematopoiéticas, porém, poucos pacientes com mielofibrose idiopática preenchem os pré- requisitos para a realização desse procedimento (o principal é uma idade ≤ 55 anos, logo, o transplante tem sido reservado para pacientes mais jovens). PROGNÓSTICO A sobrevida média atual é de cinco anos. Na vigência de mielofibrose terminal, o paciente costuma morrer por causa de hemorragias graves (plaquetopenia extrema), infecções (leucopenia), falência hepática (metaplasia mieloide intensa no parênquima hepático, com bloqueio dos sinusoides) ou leucemização (evolução para LMA secundária).
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