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2 Didática Viviane Aparecia Bagio Maria das Graças do Espírito Santo Tigre Bagio, Viviane Aparecida B145 Didática/ Viviane Aparecida Bagio; Maria das Graças do Espírito Santo Tigre .[livro eletrônico]. Ponta Grossa : UEPG/NUTEAD, 2020. 83p. ; il.. E-book PDF Licenciaturas à Distância. Núcleo Comum. Universidade Estadual de Ponta Grossa. 1. Didática. 2. Organização - ensino. 3. Processo didático. 4. Sala de aula - gestão. I. Tigre, Maria das Graças do Espírito Santo. II. T. CDD : 378.17 Ficha catalográfica elaborada por Maria Luzia F. Bertholino dos Santos– CRB9/986 Ponta Grossa - 2020 CONTEXTUALIZAÇÃO DA DIDÁTICA • 1.1 - A DIDÁTICA EM SUAS ORIGENS: CONCEPÇÕES E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS • 1.2 - HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DA DIDÁTICA 1.2.1 - PRIMÓRDIOS DA DIDÁTICA: PERÍODO DE 1549/1930 1.2.2 - PERÍODO DE 1930/1945: A DIDÁTICA É TRADICIONAL, CUMPRE RENOVÁ-LA 1.2.3 - PERÍODO DE 1945/1960: O PREDOMÍNIO DAS NOVAS IDEIAS E A DIDÁTICA 1.2.4 - PERÍODO PÓS-1964: OS DESCAMINHOS DA DIDÁTICA 1.2.5 - ANOS 1980 E INÍCIO DA DÉCADA DE 1990: PERÍODO SINGULAR DA HISTÓRIA DA DIDÁTICA • 1.3 - O ENSINO COMO OBJETO DE ESTUDO DA DIDÁTICA E SUAS ABORDAGENS • 1.4 - O PAPEL DA DIDÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: OS SABERES DAS DOCÊNCIAS A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DIDÁTICO • 2.1 - AS DIMENSÕES DO PROCESSO DIDÁTICO NA AÇÃO DOCENTE • 2.2 - RELAÇÃO PEDAGÓGICA : ASPECTO VITAL DA DIDÁTICA - O PROFESSOR COMO MEDIADOR • 2.3 - PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM • 2.4 - NÍVEIS DE PLANEJAMENTO, PLANOS DE ENSINO E O TRABALHO COM PROJETOS NA SALA DE AULA • 2.5 - A AULA COMO FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO ENSINO • 2.6 - OBJETIVOS: SUA IMPORTÂNCIA E AS PROPOSIÇÕES PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO ESCOLAR • 2.7 - AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM: CONCEITOS, MODALIDADES E INSTRUMENTOS GESTÃO DA SALA DE AULA E A ORGANIZAÇÃO DO SEU ESPAÇO • 3.1- AS DIMENSÕES DA GESTÃO DA SALA DE AULA • 3.2 - ENSINO INDIVIDUAL, MÚTUO E SIMULTÂNEO NA DIDÁTICA ESCOLAR • 3.3 - O TRABALHO EM GRUPOS E AS ESTRATÉGIAS DE ENSINO NA SALA DE AULA REFERÊNCIAS NOTA SOBRE AS AUTORAS 4 unidade I Contextualização da Didática Na Unidade I, você terá uma introdução à Didática. Os conceitos apresentados aqui são baseados em concepções de vários autores e irão lhe ajudar a construir o seu próprio conceito e a perceber a Didática em ação no cotidiano escolar. Na sequência, uma retrospectiva histórica irá contextualizar as diversas perspectivas existentes sobre Didática. Você poderá observar que o ensino é uma ação historicamente situada e passível de ser questionado e reestruturado pelo professor através da mobilização dos seus saberes docentes. 1.1 A Didática em suas origens: concepções e pressupostos teóricos O que entendemos por Didática? Qual sua origem, sua história e como é concebida atualmente? Quais as contribuições da Didática para a formação e para o exercício profissional dos professores? Essas são questões importantes que irão desencadear nossas reflexões a respeito do assunto. A Didática é uma área de estudos da Pedagogia. Esta, enquanto ciência da educação, necessita, para fundamentá-la, do aporte de outras ciências, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a História, a Política Educacional, entre outras. Nos cursos de formação de professores, a Didática é concebida como uma das disciplinas de formação pedagógica e sua especificidade é o estudo da problemática do ensino-aprendizagem, tendo a escola, em todos os seus movimentos, como locus para a ação pedagógica. 5 “A Filosofia e a História da Educação ajudam a reflexão em torno das teorias educacionais, indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos da prática educativa. “A Sociologia da Educação estuda a educação como processo social e ajuda os professores a reconhecerem as relações entre o trabalho docente e a sociedade. Ensina a ver a realidade social no seu movimento, a partir da dependência mútua entre seus elementos constitutivos, para determinar os nexos constitutivos da realidade educacional. A par disso, estuda a escola como ‘fenômeno sociológico’, isto é, uma organização social que tem a sua estrutura interna de funcionamento interligada ao mesmo tempo com outras organizações sociais (conselhos de pais, associações de bairros, sindicatos, partidos políticos etc). A própria sala de aula é um ambiente social que forma, junto com a escola como um todo, o ambiente global da atividade docente organizado para cumprir os objetivos de ensino. “A Psicologia da Educação estuda importantes aspectos do processo de ensino e de aprendizagem, como as implicações das fases de desenvolvimento dos alunos conforme idades e os mecanismos psicológicos presentes na assimilação ativa de conhecimentos e habilidades. A Psicologia aborda questões como: o funcionamento da atividade mental, a influência do ensino no desenvolvimento intelectual, a ativação das potencialidades mentais para a aprendizagem, a organização das relações professor-alunos e dos alunos entre si, a estimulação e o despertar o gosto pelo estudo etc. [...] “A Estrutura e Funcionamento do Ensino inclui questões da organização do sistema escolar nos seus aspectos políticos e legais, administrativos, e aspectos do funcionamento interno da escola como a estrutura organizacional e administrativa, planos e programas, organização do trabalho pedagógico e das atividades discentes etc” (LIBÂNEO, 2013, p. 25-26, grifo nosso). Disciplina pedagógica de natureza teórico-prática, a Didática perpassa todo o processo de ensino e de aprendizagem dentro da escola: desde a organização do currículo, passando pelos métodos e pelas técnicas de ensino, pela relação teoria e prática e pelo planejamento, que compreende o planejamento de ensino realizado pelo professor (planos de aulas e planos de ensino), até o Projeto Político Pedagógico – documento maior da escola (CASTRO; REIS, 2018). Para Candau (2009, p. 46), a Didática “é uma matéria de estudo fundamental na formação profissional de professores e um meio de trabalho do qual os professores se servem para dirigir a atividade de ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos.” Portanto, a especialidade da Didática é tornar compreensível ao aluno aquilo que o professor pretende explicar, pois seu objeto é o processo de ensino e aprendizagem. Desse modo, a Didática é denominada por Libâneo (2013) a “teoria do ensino”, por investigar os fundamentos, as condições e as formas de realização do ensino. Segundo o mesmo autor: A ela cabe converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. [...] trata da teoria geral do ensino (LIBÂNEO, 2013, p. 25, grifo nosso). “A Pedagogia pode ser conceituada como a ciência e a arte da educação, a Didática é definida como a ciência e a arte do ensino” (HAYDT, 2006, p. 13). 6 A disciplina de Didática deve desenvolver a capacidade crítica dos professores em formação para que analisem de forma clara a realidade em que o ensino é desenvolvido. Articular os conhecimentos adquiridos sobre “como” ensinar e refletir sobre “para quem”, “o que” e o “por que” ensinar é um dos desafios daDidática (VEIGA, 2011). Uma vez que é papel do professor mediar intencionalmente, através do ensino, a relação entre o aluno e o conhecimento, a Didática é o elo comum da profissão professor. O professor didático é aquele que articula as dimensões humana, técnica e política na prática pedagógica escolar e assume que, como docente, é, ao mesmo tempo, um sujeito – com suas características pessoais –, um representante da escola e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano e suas experiências às gerações mais novas (CHARLOT, 2005). Vejamos mais algumas definições sobre o termo, elaboradas por renomados estudiosos do assunto: • “O objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendizagem. Toda proposta didática está impregnada, implícita ou explicitamente, de uma concepção do processo de ensino-aprendizagem” (CANDAU, 2009, p. 13, grifo nosso). • “Enquanto uma área da Pedagogia, a didática tem no ensino seu objeto de investigação. Considerá-lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva” (PIMENTA, 2015, p. 84, grifo nosso). • “A Didática é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia, que estuda o processo de ensino por meio dos seus componentes – os conteúdos escolares, o ensino e a aprendizagem – para, com o embasamento na teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos professores. É, ao mesmo tempo, uma matéria de estudo fundamental na formação profissional dos professores e uma ferramenta de trabalho da qual os professores se utilizam para dirigir a atividade de ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos conteúdos escolares pelo aluno” (LIBÂNEO, 2013, p. 53, grifo nosso). • “A Didática é uma disciplina que, tendo como ponto de partida a reflexão sobre uma prática, ou, mais especificamente, o processo de ensino- aprendizagem, busca, na compreensão deste, elementos que subsidiem a construção de projetos de ação didática” (AZZI; CALDEIRA, 1997, p. 97, grifo nosso). Veremos a seguir que a Didática, ao longo da história, nunca foi monolítica [definição em separado: obra construída em uma única pedra], mas sempre assumiu um caráter polissêmico e serviu a diversos interesses. Para Castro (1991, p. 21), tomar consciência de que a Didática: [...] oscila entre diferentes paradigmas pode ser algo muito auspicioso para a comunidade pedagógica [...] o exame crítico de seus contornos, e sobretudo do núcleo de sua contribuição à Educação, tem a obrigação de evitar que se peça a essa disciplina que dê mais do que lhe compete produzir, ou bem menos do que dela se espera: inchar ou encolher não são sintomas de boa saúde. 7 O termo didática é conhecido desde a Grécia Antiga, com significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando que seu objeto ou ação dizia respeito ao ensino, tanto no lar como na escola. Diversos procedimentos qualificados de didáticos tiveram lugar e são relatados na história da Educação. Portanto, a situação didática foi vivida e pensada antes de ser objeto de sistematização e de se constituir em referencial do discurso ordenado de uma das disciplinas do campo pedagógico. Somente no século XVII é que a Didática, na acepção que conhecemos hoje, foi sistematizada por Comênio. “A palavra Didática deriva da expressão grega techné didaktiké, que se traduz por arte ou técnica de ensinar. Foi apresentada oficialmente por Ratke, em 1617, na obra Introdução Geral à Didática ou Arte de Ensinar. A expressão foi, entretanto, consagrada por Comênio, quando escreveu a Didática Tcheca, obra esta que foi traduzida para o latim em 1633 com o título de Didactica Magna: tratado universal de ensinar tudo a todos (publicada em 1657). Essa obra é considerada um marco significativo no processo de sistematização da didática e popularizou-se na literatura pedagógica. O qualificativo Magna expressa o caráter universal das conquistas do homem no início da Idade Moderna. Já o termo tratado refere-se a um conjunto de princípios que orientariam o novo ensino. Arte em referência à imitação que os artesãos faziam, segundo os modelos da natureza. Universal no sentido de que a didática adquire a amplitude dos conhecimentos sociais para que fossem ensinados. Por fim, uma didática para ensinar tudo a todos (mulheres, homens, crianças e jovens, não privilegiando somente os filhos da nobreza)” (GASPARIN, 2004; OLIVEIRA, 1988 apud ZANON; ALTHAUS, 2009, p. 15, grifo do autor). Origem da palavra: Jan Amos Comenius (1592-1670) “Pai da Didática Moderna” Jan Amos Komenský é internacionalmente conhecido como Comenius e, em português, como João Amós Comênio. Foi um bispo protestante, educador, cientista e escritor tcheco. Como pedagogo, é considerado o fundador da Didática moderna (MARQUES, 2010). Para saber mais, assista ao vídeo sobre Comênio e a sua Didática Magna. Assista aos vídeos: - Comênio e sua Didática Magna https://www.youtube.com/watch?v=jOHSKZZmoWA - Didática Geral: a identificação da didática https://www.youtube.com/watch?v=pDMjytkuJJw Imagem disponível em: https://www.google.com/l?sa=i&sourc e=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQ jRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral. inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB- SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.youtube.com/watch?v=jOHSKZZmoWA https://www.youtube.com/watch?v=pDMjytkuJJw https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral.inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB-SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral.inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB-SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral.inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB-SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral.inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB-SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwj2heTK1b3lAhWfH7kGHTGIB0EQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.conhecimentogeral.inf.br%2Fcomenius%2F&psig=AOvVaw0whYts7K6touB-SPuTm7kV&ust=1572307891366957 https://www.youtube.com/watch?v=jOHSKZZmoWA https://www.youtube.com/watch?v=pDMjytkuJJw 8 1.2 Histórico e evolução da Didática As primeiras abordagens sobre a Didática surgiram a partir dos estudos de Comênio e Ratíquio (Ratke) no século XVII, os quais, pautados por ideais ético-religiosos, acreditavam ter encontrado um método de “como ensinar” de modo rápido e agradável. Segundo Castro (1991), a busca por uma instrução popular era essencial para aquele momento histórico devido à Reforma Protestante recém-implementada, cujo sucesso dependia de uma didática que possibilitasse “ensinar tudo a todos”. Comênio escreveu a sua Didática Magna baseando-se nos princípios preconizados pelos didatas da época (principalmente, Francis Bacon) de que a natureza era um “grande livro” e os seus processos deveriam ser um modelo a ser imitado no momento do ensino, seguindo sempre do fácil ao difícil, das coisas às ideias e do particular ao geral, tudo a seu tempo, sem pressa. Numa época em que o latim dominava, ele propunha iniciar o ensino pela língua materna e por meio de livros ilustrados. A obra Didática Magna, ou Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos, pretende ser um método seguro de instituir, em todas as comunidades, escolas para a formação de jovens, independente de sexo ou classe social. Nesse sentido a proposta de Comenius se constitui pioneira na democratização do ensino, onde mulheres e os menos favorecidos socialmente [...] também são incluídos (SILVA, 2006, p. 2,grifo do autor). “A Didática Magna de Comênio se assentava nos seguintes princípios: 1. A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito natural de todos. 2. Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características da idade e capacidade para o conhecimento. Consequentemente, a tarefa principal da Didática é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 3. A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a informação do professor, como reflexo num espelho. No ensino, em vez disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. 4. O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido” (LIBÂNEO, 2013, p. 60-61). Posteriormente, novas concepções surgiram em torno da Didática. Contribuíram para esse avanço as idéias de Rousseau, Pestalozzi, Herbart, dentre outros, que assentaram a base do pensamento educativo europeu, difundido depois para todo o mundo, caracterizando as concepções pedagógicas hoje conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. 9 Conheça um pouco da biografia e ideias de pensadores que contribuíram no processo histórico da Didática e da Educação como um todo: ROUSSEAU Jean Jacques Rousseau (1712-1778) – pensador francês, autor da segunda grande revolução didática. Não é um sistematizador da Educação, mas sua obra dá origem a um novo conceito de infância. Propôs uma nova concepção de ensino, baseada nos interesses e necessidades imediatas da criança. Transforma o método num procedimento natural, exercido sem pressa e sem livros. Suas ideias foram expressas no livro Emílio ou Da Educação, contrapondo-se ao pensamento vigente sobre a natureza humana: enquanto se dizia que a natureza do homem é má, necessitando que a educação a transforme, ele defendeu a tese de que o homem é bom e a sociedade é que o corrompe. As ideias mais importantes de Rousseau são: “A preparação da criança para a vida futura deve basear- se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar Ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e os sentimentos. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: são os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento” (LIBÂNEO, 2013, p. 62). PESTALOZZI Henrique Pestalozzi (1746-1827) – pedagogo suíço. Deu dimensões sociais à problemática educacional. Para ele, o aspecto metodológico da Didática encontra-se, sobretudo, em princípios, e não em regras, com foco nas condições para o desenvolvimento harmônico do aluno. Defendia o ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como o sentimento, a mente e o caráter. Valorizava também a psicologia da criança como fonte do desenvolvimento do ensino. Elaborou um método (intuitivo) que era a base da sua prática pedagógica: primeiro, apresentava o conhecimento da forma mais simples e prática; em seguida, utilizava a observação através dos sentidos e, por fim, exercitava o conhecimento de forma gradual para fixá-lo. A concepção de ensino de Pestalozzi era de que a criança se desenvolve de dentro para fora e, com isso, era necessário o professor ter conhecimento do nível de desenvolvimento de seu aluno, para oferecer uma educação direcionada às suas necessidades e características, tendo como método pedagógico a natureza. Tanto Rousseau como Pestalozzi consideravam o homem muito influenciado pelo meio, o que prejudicaria o seu crescimento natural. HERBART Johann Friedrich Herbart (1776-1841) – filósofo e psicólogo alemão. Criador da Pedagogia Científica. Defendia a ideia da "Educação pela Instrução". Destaca-se a relevância do aspecto metodológico em sua obra. Teve muitos discípulos e exerceu influência importante na Didática e na prática docente. O “método dos passos formais” celebrizou o autor, que o considerava próprio a toda e qualquer situação de ensino. O método de ensino proposto por ele consistia em provocar a acumulação de ideias na mente da criança a partir de conhecimentos anteriores, graças aos quais se aglutinam os novos; seguia ordem e sequência invariáveis. Foi o precursor da Pedagogia Tradicional, a qual deu origem à escola tradicional no Brasil. 10 DEWEY John Dewey (1859-1952) – educador americano cujas ideias influenciaram o movimento Escola Novista. Dewey defendia o predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico, colocando a criança como o centro do processo de ensino, considerando-a um ser ativo, que deve ter liberdade, iniciativa e autonomia. “Dewey e seus seguidores reagem à concepção herbartiana da educação pela instrução, advogando a educação pela ação. A escola não é uma preparação para a vida, é a própria vida; a educação é o resultado da interação entre o organismo e o meio através da experiência e da construção da experiência. A função mais genuína da educação é a de prover condições para promover e estimular a atividade própria do organismo para que alcance seu objetivo de crescimento e desenvolvimento. Por isso, a atividade escolar deve centrar-se em situações de experiência onde são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da criança. O currículo não se baseia nas matérias de estudo convencionais que expressam a lógica do adulto, mas nas atividades e ocupações da vida presente, de modo que a escola se transforme em um lugar de vivência daquelas tarefas requeridas para a vida em sociedade. O aluno e o grupo passam a ser o centro de convergência do trabalho escolar” (LIBÂNEO, 2013, p. 65). Imagens disponíveis em: https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjs1MuE1r3lAhXbILkGHUuMB6sQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia. org%2Fwiki%2FJean-Jacques_Rousseau&psig=AOvVaw0GZhBNVzhQ00aytB2ykc5G&ust=1572308039619314; https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjzrqip1r3lAhUsIbkGHWWiBXUQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia. org%2Fwiki%2FJohann_Heinrich_Pestalozzi&psig=AOvVaw3VnAWjS3UiNL3rMNEwkKu8&ust=1572308099897514; https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiEpJTK1r3lAhWMJ7kGHbUQB1oQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fdemonstre.com%2Fherbart-e- educacao%2F&psig=AOvVaw15rZw23oIJMGaviUQar9pJ&ust=1572308165292586; https://www.google.com/l?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwinmPeK173lAhWdJLkGHemOAMYQjRx6BAgBEAQ&url=%2Furl%3Fsa%3Di%26sou rce%3Dimages%26cd%3D%26ved%3D2ahUKEwirstL91r3lAhW3IrkGHTPKCVYQjRx6BAgBEAQ%26url%3Dhttps%253A%252F%252Fpt.wikipedia.org%252Fwiki%252FJohn_ Dewey%26psig%3DAOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt%26ust%3D1572308291661306&psig=AOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt&ust=1572308291661306 No artigo da professora Maria Odete Vieira Tenreiro (2019), você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre os autores clássicos da Didática e seus contemporâneos: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/1882À luz da ideia de Didática, como concebida desde o século XVII e mediante a recuperação de aspectos do seu percurso histórico no Brasil, é possível “evidenciarmos nuanças e problemáticas enfrentadas pela Didática ao longo dos anos, cujo conceito teria sido obscurecido pelo conceito de método, o qual, por sua vez, também acreditamos ter sido obscurecido pelo conceito de técnica” (CASTRO; REIS, 2018, p. 106). Na trajetória do pensamento pedagógico brasileiro, Veiga (2002) analisa o movimento da Didática e destaca cinco períodos, a partir de suas relações com o contexto político e social mais amplo em que se insere a educação. São eles o período de 1549 a 1930, que teve os jesuítas como principais protagonistas; o período de 1930 a 1945, marcado por grandes transformações políticas, sociais e econômicas; o período de 1945 a 1960, que preconizou a Didática com enfoque conservador- tecnicista; o período pós-1964 (Ditadura Militar), caracterizado pelos “descaminhos da didática” e pautado pela tendência tecnicista; e anos 1980 e início da década de 1990, em que as pesquisas na área buscam “respostas comprometidas” (MELO; PIMENTA, 2018), rompendo com a racionalidade técnica à qual a Didática estava alinhada. Veremos abaixo as principais características de cada período. 1.2.1 Primórdios da Didática: período de 1549/1930 No Brasil, os jesuítas foram os principais educadores de quase todo o período colonial, atuando aqui de 1549 a 1759. Para Veiga (2002, p. 26), “a ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento, contra o pensamento crítico”. As principais características desse período são: https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjs1MuE1r3lAhXbILkGHUuMB6sQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FJean-Jacques_Rousseau&psig=AOvVaw0GZhBNVzhQ00aytB2ykc5G&ust=1572308039619314 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjs1MuE1r3lAhXbILkGHUuMB6sQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FJean-Jacques_Rousseau&psig=AOvVaw0GZhBNVzhQ00aytB2ykc5G&ust=1572308039619314 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjzrqip1r3lAhUsIbkGHWWiBXUQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FJohann_Heinrich_Pestalozzi&psig=AOvVaw3VnAWjS3UiNL3rMNEwkKu8&ust=1572308099897514 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjzrqip1r3lAhUsIbkGHWWiBXUQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FJohann_Heinrich_Pestalozzi&psig=AOvVaw3VnAWjS3UiNL3rMNEwkKu8&ust=1572308099897514 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiEpJTK1r3lAhWMJ7kGHbUQB1oQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fdemonstre.com%2Fherbart-e-educacao%2F&psig=AOvVaw15rZw23oIJMGaviUQar9pJ&ust=1572308165292586 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiEpJTK1r3lAhWMJ7kGHbUQB1oQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fdemonstre.com%2Fherbart-e-educacao%2F&psig=AOvVaw15rZw23oIJMGaviUQar9pJ&ust=1572308165292586 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwinmPeK173lAhWdJLkGHemOAMYQjRx6BAgBEAQ&url=%2Furl%3Fsa%3Di%26source%3Dimages%26cd%3D%26ved%3D2ahUKEwirstL91r3lAhW3IrkGHTPKCVYQjRx6BAgBEAQ%26url%3Dhttps%253A%252F%252Fpt.wikipedia.org%252Fwiki%252FJohn_Dewey%26psig%3DAOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt%26ust%3D1572308291661306&psig=AOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt&ust=1572308291661306 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwinmPeK173lAhWdJLkGHemOAMYQjRx6BAgBEAQ&url=%2Furl%3Fsa%3Di%26source%3Dimages%26cd%3D%26ved%3D2ahUKEwirstL91r3lAhW3IrkGHTPKCVYQjRx6BAgBEAQ%26url%3Dhttps%253A%252F%252Fpt.wikipedia.org%252Fwiki%252FJohn_Dewey%26psig%3DAOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt%26ust%3D1572308291661306&psig=AOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt&ust=1572308291661306 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwinmPeK173lAhWdJLkGHemOAMYQjRx6BAgBEAQ&url=%2Furl%3Fsa%3Di%26source%3Dimages%26cd%3D%26ved%3D2ahUKEwirstL91r3lAhW3IrkGHTPKCVYQjRx6BAgBEAQ%26url%3Dhttps%253A%252F%252Fpt.wikipedia.org%252Fwiki%252FJohn_Dewey%26psig%3DAOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt%26ust%3D1572308291661306&psig=AOvVaw3FNz_vvU2MTnP9uvpoGKvt&ust=1572308291661306 https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/1882 https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/1882 11 • Sociedade: economia agrário-exportadora-dependente, explorada pela metrópole, na qual a educação não era valorizada. • Educação: voltada para a catequização e instrução dos indígenas. • Plano de instrução: Ratio Studiorum, cujo ideal era a formação do homem universal, humanista e cristão. Esses eram os alicerces da Pedagogia Tradicional na sua vertente religiosa. Ratio Studiorum Coletânea privada, publicada em 1598, que buscava instruir rapidamente todo jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as obrigações do cargo. Surgiu para unificar o procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados à “Companhia de Jesus”. O Ratio Studiorum constitui-se numa sistematização da pedagogia jesuítica, contendo 467 regras, cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino, e recomendava que o professor nunca se afastasse filosoficamente de Aristóteles e teologicamente de Santo Tomás de Aquino, que preconizavam a formação do homem universal, humanista e cristão. Os pressupostos didáticos diluídos no “Ratio” enfocavam instrumentos e regras metodológicas compreendendo o estudo privado, em que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário; as aulas ministradas de forma expositiva; a repetição visando decorar e expor em aula; o desafio, estimulando a competição; a disputa, outro recurso metodológico, vista como uma defesa de tese. Os exames eram orais e escritos, voltados para avaliar o aproveitamento do aluno. O enfoque sobre o papel da didática, ou melhor, da metodologia de ensino, como era denominada no código pedagógico dos jesuítas, está centrado no seu caráter meramente formal, tendo por base o intelecto; o conhecimento é marcado pela visão essencialista de homem. Imagem disponível em: https://www.google.com/ url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiYsI3k1b3lAhXJH7kGHRbTDuYQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia. org%2Fwiki%2FRatio_Studiorum&psig=AOvVaw1AwgA-NjUKJp21VBKcEAo5&ust=1572307970235894 • Ação pedagógica: marcada pelas formas dogmáticas de pensamento, contra o pensamento crítico e privilegiando o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio; ênfase no preparo dos padres-mestres. Após os jesuítas, não ocorreram no Brasil grandes movimentos pedagógicos. A reforma instituída por Marquês de Pombal representou um retrocesso pedagógico no sistema educativo, com a admissão de professores leigos para ministrar as “aulas régias”. Por volta de 1870: época da expansão cafeeira e da passagem de um modelo agrário-exportador para um urbano-comercial-exportador. O Brasil vive o seu período de “iluminismo”, com movimentos cada vez mais independentes da influência religiosa. No campo educacional: suprime-se o ensino religioso nas escolas públicas, passando o Estado a assumir a laicidade. Vertente pedagógica do período: Pedagogia Tradicional, caracterizada pela Didática centrada no intelecto, tendo o professor como centro do processo de ensino, o qual transmite aos alunos indistintamente a verdade universal e enciclopédica; relação pedagógica hierarquizada e verticalizada, na qual o aluno é concebido como um ser receptivo e passivo que segue a exposição do professor; método de ensino baseado nos cinco passos formais de Herbart, fórmula ainda muito utilizada por professores na atualidade. A disciplina é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem. https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiYsI3k1b3lAhXJH7kGHRbTDuYQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FRatio_Studiorum&psig=AOvVaw1AwgA-NjUKJp21VBKcEAo5&ust=1572307970235894 https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiYsI3k1b3lAhXJH7kGHRbTDuYQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FRatio_Studiorum&psig=AOvVaw1AwgA-NjUKJp21VBKcEAo5&ust=1572307970235894https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiYsI3k1b3lAhXJH7kGHRbTDuYQjRx6BAgBEAQ&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FRatio_Studiorum&psig=AOvVaw1AwgA-NjUKJp21VBKcEAo5&ust=1572307970235894 12 Conheça o método tradicional e seus passos formais: HERBART (alemão) Método Tradicional (cinco passos formais) 1. Preparação: o professor recorda alguma coisa que os alunos já sabem. 2. Apresentação: nova matéria. 3. Assimilação: o professor compara matéria nova com matéria antiga para que o aluno assimile o novo em termos do velho. 4. Generalização: apresentação de casos semelhantes para enunciar uma regra ou princípio. 5. Aplicação: da regra ou dos princípios (tarefas para realizar em casa). Concepção de didática para a Pedagogia Tradicional: A Didática é compreendida como um conjunto de regras, visando assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e sociedade. Uma Didática que separa teoria e prática (VEIGA, 2002, p. 28, grifo nosso). 1.2.2 Período de 1930/1945: a Didática é tradicional, cumpre renová-la Na década de 1930, a sociedade brasileira sofre profundas transformações socioeconômicas. A crise mundial da economia provoca no Brasil a crise cafeeira, que ocasiona a instalação do modelo econômico de substituição das importações. A Revolução de 30, desencadeada pelo movimento de reorganização das forças econômicas e políticas, constitui-se em um marco que indica uma nova fase na história da República do Brasil. No âmbito educacional, em 1930, Vargas cria o Ministério de Educação e Saúde Pública. Em 1932, é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Escola Nova), com ideias pautadas no pensamento de John Dewey: “O Manifesto explicitou a importância dos direitos dos cidadãos brasileiros no que se refere à educação, com ênfase na educação pública, na laicidade, gratuidade e obrigatoriedade da educação” (MELO; PIMENTA, 2018, p. 55). Os escolanovistas afirmavam que a pedagogia do ensino tradicional seria a grande responsável pelo insucesso da escola, a qual julgavam estar em descompasso com o mundo das ciências e da tecnologia, que eram o marco inovador da época. Os adeptos da Escola Renovada contestavam e se contrapunham às concepções da Escola Tradicional, por a considerarem antiga, advogando em favor de uma pedagogia pautada “em uma experiência aberta, em termos de programas e métodos, mas centrada em torno do ideal de uma ‘atividade espontânea, pessoal e produtiva’” (CASTRO, 1991, p. 20). Os anos de 1931 e 1932 foram marcados pela efetivação da Reforma Francisco Campos, com a organização do ensino comercial, a adoção do regime universitário para o ensino superior e a criação da primeira universidade brasileira (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo). 13 Em 1934, a Didática é incluída como disciplina em cursos de formação de professores para o ensino secundário, com o nome de “Metodologia do Ensino Secundário”. Em 1939, foi instituída como curso e disciplina, com duração de um ano (Decreto-lei nº 1.190/39). Em 1941, torna-se um curso independente, realizado após o término do bacharelado, no esquema “três mais um” (Padrão Nacional de cursos: três anos de estudos específicos – bacharel – e mais um ano de estudos pedagógicos – licenciado). A Didática passa a ser percebida como disciplina fundamental na formação do educador e absorve o ideário escolanovista, cujo foco está somente na dimensão técnica do processo ensino-aprendizagem e nos métodos de ensino, evidenciando uma justaposição entre teoria e prática. Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de grupos militantes e apoiado pela classe burguesa, Vargas implanta o Estado Novo (regime ditatorial que durou até 1945). Nesse período os debates educacionais são paralisados. Entre 1930 e 1945, há um equilíbrio entre as influências da concepção humanista tradicional (representada pelos católicos) e a concepção humanista moderna (representada pelos pioneiros da Educação Nova). A concepção humanista moderna centra sua visão de homem na existência, na vida, na atividade; nela há um predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo possui como principal característica a valorização da criança, vista como um ser dotado de poderes individuais, cuja liberdade, iniciativa, autonomia e interesses devem ser respeitados. Uma de suas principais limitações era preconizar que a solução dos problemas educacionais deveria se dar em uma perspectiva interna da escola, sem considerar os aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade brasileira. O problema educacional passa a ser uma questão escolar e técnica. A ênfase recai no ensinar bem, mesmo que para uma minoria. O ensino é concebido como um processo de pesquisa, partindo do pressuposto de que os assuntos de que trata são problemas. Os métodos e técnicas mais difundidas pela Didática Renovada são: “centros de interesse, estudo dirigido, unidades didáticas, métodos dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino, etc” (CANDAU, 1982, p. 22 apud VEIGA, 2002, p. 31). Conheça o método escolanovista: J. DEWEY (americano) (Método de problemas) Método Escolanovista 1. Atividade: ponto de partida. 2. Formulação do problema. 3. Coleta de dados. 4. Construção de hipóteses. 5. Experimentação Método de problemas: 1. A criança está empenhada em uma atividade. 2. Surgiu um problema. 3. Busca de dados para solucionar o problema. 4. Utilizando esses dados e informações, formula-se uma hipótese. 5. Põe-se a hipótese a funcionar a fim de comprová-la. Método usado no laboratório científico, transferido para sala de aula. 14 Concepção de Didática para a pedagogia escolanovista: A Didática é entendida como um conjunto de ideias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos e psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados na experiência e construídos em teoria, ignorando o contexto sócio-político- econômico. A didática, assim concebida, propiciou a formação de um novo perfil de professor: o técnico (VEIGA, 2002, p. 32). 1.2.3 Período de 1945/1960: o predomínio das novas ideias e a Didática A partir de 1945, o país sofre novas mudanças econômicas e políticas, e há uma aceleração e diversificação do processo de substituição de importações e penetração do capital estrangeiro. Instaura-se o Estado Populista Desenvolvimentista (representado por uma aliança entre o empresariado e setores populares, contra a oligarquia). No final desse período, ocorre uma polarização entre a tendência populista e a tendência antipopulista. Esse contexto se reflete na política educacional da época. Em 1946, o Decreto-Lei n°. 9.053 desobrigava o curso de Didática. Sob a vigência da Lei de Diretrizes e Bases, nº 4.024/61, o esquema de “três mais um” foi extinto pelo Parecer n°. 242/62, do Conselho Federal de Educação. A Didática perdeu seus qualificativos de geral e especial, e introduziu-se a prática de ensino sob a forma de estágio supervisionado. Entre os anos 1948 e 1961, desenvolvem-se lutas ideológicas em torno da oposição entre escola pública e particular. A disseminação das ideias novas ganha mais força com a ação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). As escolas católicas se inserem no movimento renovador, difundindo o método de Montessori e Lubienska. São disseminados também o Ginásio Orientado para o Trabalho (GOT), os Ginásios Pluricurriculares e os Ginásios Vocacionais. Paralelamente a essas iniciativas, outro direcionamento vinha sendo dado à Escola Renovada, fortemente marcada pela ênfase metodológica, que culminou com as reformas no sistema escolar brasileiro de 1968 a 1971. Na década de 1960, a crise da Escola Nova inaugura uma nova linha pedagógica: o enfoque “conservador-tecnicista”ou Tecnicismo, inspirado nas correntes pragmáticas, com foco nos processos de ensino, descontextualizados das dimensões políticas, sociais e econômicas (MELO; PIMENTA, 2018). O movimento escolanovista constitui-se no berço do Tecnicismo. Concepção de Didática na perspectiva tecnicista: O enfoque do papel da Didática a partir dos pressupostos da Pedagogia Tecnicista procura desenvolver uma alternativa não psicológica, situando-se no âmbito da tecnologia educacional, tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Essa Didática tem como pano de fundo uma perspectiva realmente ingênua de neutralidade científica (VEIGA, 2002, p. 35). Teoria e prática se distanciam cada vez mais, descaracterizando a Didática, e os professores passam a absorver esse novo ideário alterando o foco do processo de ensino-aprendizagem, cuja principal preocupação passa a ser com os métodos e técnicas de ensino. 1.2.4 Período pós-1964: os descaminhos da Didática A ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964, alterou a ideologia política e a forma de governo, refletindo na política educacional. O modelo 15 político-econômico tinha como característica fundamental um projeto desenvolvimentista que buscava acelerar o crescimento econômico do país, no qual a educação desempenhava importante papel na preparação de recursos humanos necessários ao pleno crescimento econômico e tecnológico da sociedade de acordo com a concepção economicista. O sistema educacional foi marcado pela influência dos Acordos MEC-USAID, que serviram de base para as reformas do ensino superior e posteriormente do ensino de 1º e 2º graus. O período entre 1960 e 1968 foi marcado pela crise da Pedagogia Nova e articulação da Tendência Tecnicista, assumida pelo grupo militar e tecnocrata. Os princípios defendidos pelo Tecnicismo, e que deveriam regular a escola, eram a neutralidade científica, a racionalidade técnica, a eficiência e a produtividade, tornando seu funcionamento semelhante ao de uma fábrica. A produtividade serviu como justificativa para a divisão do trabalho, propiciando a fragmentação do processo, acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa e evidenciando ainda mais os processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento. A Didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o contexto político-social, contribuindo para “acentuar o fosso entre a teoria professada nos cursos de formação de professores e a prática pedagógica escolar” (MELO; PIMENTA, 2018, p. 55). Concepção de Didática entre 1964 e o início da década de 1980: Na Didática Tecnicista, a desvinculação entre teoria e prática torna-se mais acentuada. O professor passa a ser um mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de ensino e de avaliação. Acentua-se o formalismo didático através dos planos elaborados segundo normas pré- fixadas. A Didática é concebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o processo ensino-aprendizagem (VEIGA, 2002, p. 36). Predomina uma visão unilateral do processo de ensino-aprendizagem, centrado na técnica pela técnica. O enfoque do papel da Didática a partir dos pressupostos da Pedagogia Tecnicista procura desenvolver uma alternativa não psicológica, situando-se no âmbito da tecnologia educacional, tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Neste enfoque, os conteúdos dos cursos de Didática centram-se na organização racional do processo de ensino, isto é, no planejamento didático formal, e na elaboração de materiais instrucionais, nos livros didáticos descartáveis. O processo é que define o que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão (VEIGA, 2002, p. 35). A partir de 1974, quando se inicia a abertura gradual do regime político autoritário instalado em 1964, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante, sua ideologia e o caráter reprodutor da escola, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político-pedagógico oficial. Surgem os estudos denominados por Saviani (2003) de “teorias crítico- reprodutivistas”, que, apesar de considerarem a educação a partir dos seus aspectos sociais, concluem e denunciam que sua função primordial é reproduzir as condições sociais vigentes. 16 Passam a predominar os aspectos políticos em detrimento das questões didático-pedagógicas, e a teoria passou a ser mais valorizada do que a prática. Candau (1982, p. 28 apud VEIGA, 2002, p. 36) afirma que “junto com esta postura de denúncia e de explicitação do compromisso com o ‘status quo’ do técnico aparentemente neutro, alguns autores chegaram à negação da própria dimensão técnica da prática docente.” Com a contraposição entre competência técnica e política, os cursos de formação de professores davam ênfase ao discurso sociológico, filosófico e histórico, secundarizando a dimensão técnica, comprometendo a construção da sua identidade, acentuando uma postura pessimista e de descrédito relativo à sua contribuição para a prática pedagógica. Contudo, se, por um lado, as teorias crítico-reprodutivistas geraram uma distorção na concepção de ensino, por outro, fizeram com que começasse a germinar a semente da “crítica” e, consequentemente, uma postura crítica por parte dos professores, que foram pressionados a rever a sua própria prática pedagógica a fim de torná-la mais coerente com esse novo discurso pedagógico, fazendo surgir as “teorias críticas da educação”. A Didática passa a ser questionada, e os movimentos em torno de sua revisão apontam para a busca de novos rumos, surgindo a necessidade e o desejo de romper com a “perspectiva da racionalidade técnica” com a qual, até então, a Didática esteve alinhada (MELO; PIMENTA, 2018). 1.2.5 Anos 1980 e início da década de 1990: período singular da história da Didática A década de 1980 foi cenário de lutas sociais e políticas pela redemocratização do país. A situação socioeconômica dificultava a vida do povo brasileiro, com inflação elevada, alto índice de desemprego, agravado pelo aumento da dívida externa e pela política recessionista, orientada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na primeira metade da década de 1980, instala-se a Nova República, iniciando nova fase de vida no país, com a ascensão de um governo democrático. A luta operária ganha força, e os professores se empenham para reconquistar o direito de participarem na definição da política educacional e na luta pela recuperação da escola pública. Um marco importante desse período foi a realização da I Conferência Brasileira de Educação, em 1980, espaço que discutiu e disseminou a concepção crítica (ou dialética) de educação. O seminário “A Didática em questão”, em 1982, foi um marco do movimento de educadores brasileiros, que questionavam a educação escolar, as políticas educacionais, as finalidades e compromissos sociais da escola. Para a concepção dialética de Filosofia da Educação, defendida pelos educadores na década de 1980, não existe um homem dado a priori. O interesse é pelo ser concreto. A tarefa da filosofia é explicitar os problemas educacionais e compreendê-los a partir de seu contexto histórico. A educação não está centrada no professor ou no aluno, mas na formação do homem e sua realização em sociedade. Essa pedagogia se compromete com os interesses das camadas desfavorecidas; a escola se organiza como espaço que nega a dominação, e não como mero instrumento reprodutor da estrutura social vigente. Nesse sentido, agir no interior da escola é contribuir para transformar a própria sociedade. A Didática, nesse contexto, precisa ir além de métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma, professor-aluno e contribuir para ampliar a visão do professor quanto 17 às perspectivas didático-pedagógicas mais coerentes com a realidade educacional. “Nesse momento histórico,as práticas pedagógicas e sua necessária contextualização passaram a se constituir objeto de análise crítica, do ponto de vista de sua dimensão política” (MELO; PIMENTA, 2018, p. 56). Na década de 1980, surgem os primeiros estudos em busca de alternativas para a Didática, a partir dos pressupostos da Pedagogia Crítica. Duas novas correntes pedagógicas buscavam contemplar esses ideais, a Pedagogia Libertadora (Paulo Freire) e a Pedagogia Histórico- Crítica (Dermeval Saviani). A Pedagogia Libertadora apresenta uma proposta de Educação Popular, priorizando temas sociais e políticos da realidade do aluno. O ensino não se centra em conteúdos sistematizados, mas no processo de diálogo e em ações práticas quanto à realidade social imediata. São valorizados os temas geradores, relatos de experiências e temas de interesse geral importantes na formação e na vida dos alunos. A Pedagogia Histórico-Crítica busca uma síntese superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova. Postula que a escola deve propiciar a todos os alunos o acesso e aquisição do conhecimento, por meio de conteúdos sistematizados, confrontando-o com as suas experiências e realidade. Os alunos devem ser capazes de interpretá-los e usá-los a favor dos interesses de sua classe social. Para a Pedagogia Histórico-Crítica, não bastam como conteúdo as questões sociais atuais, sendo necessário o domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas para que os alunos possam interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses. Defende, portanto, a formação de um aluno crítico. Os estudos, então, passaram a ter como eixo “as relações entre Didática, a prática pedagógica e sua finalidade social mais ampla, como possibilidades de transformação da realidade social” (MELO; PIMENTA, 2018, p. 56). SAVIANI/GASPARIN (brasileiros) Síntese adaptada realizada por Farias et al (2011): 1º Passo: Prática Social Inicial – Nível de desenvolvimento atual do educando 1 – O que o aluno já sabe sobre o conteúdo? 2 – O que precisa e gostaria de saber mais? 2º passo: Problematização 1 – Listagens dos conteúdos: tópicos e subtópicos. 2 – Transformação do conteúdo em questões desafiadoras nas dimensões científica, cultural, política, econômica etc. 3º passo: Instrumentalização 1 – Ações docentes e discentes para a construção do conhecimento. 2 – Indicação dos recursos necessários para o trabalho docente e discente. 4º passo: Catarse 1 - Elaboração e expressão do conhecimento construído. 2 – Avaliação formal e informal da aprendizagem. 5º passo: Prática social final 1 - Plano de ação que evidencie uma nova postura e prática diante da realidade. Para aprofundar sua leitura a respeito da Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica, veja também a proposta elaborada por Gasparin e Petenucci (2008): h t t p s : / / d r i v e . g o o g l e . c o m / a / e a d . u e p g . b r / f i l e / d / 1 - 7wBXPq8pMM1NNnNPv-lREnwnomwPFl-/view?usp=sharing https://drive.google.com/a/ead.uepg.br/file/d/1-7wBXPq8pMM1NNnNPv-lREnwnomwPFl-/view?usp=sharing 18 Em síntese, a Didática Crítica visa desenvolver um ensino atrelado aos objetivos sociopolíticos e pedagógicos, com conteúdos e métodos escolhidos e organizados mediante determinada postura em face do contexto das relações sociais vigentes na prática social. Segundo Veiga (2002, p. 39), ela: [...] auxilia no processo de politização do professor, levando-o a perceber a ideologia que inspirou a natureza do conhecimento usado e a prática desenvolvida na escola. Neste sentido, a Didática Crítica busca superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar os efeitos do espontaneísmo escolanovista, combater a orientação desmobilizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especificamente pedagógicas, desprestigiadas do discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade social onde está inserida a escola. Nesse contexto, Candau (2009) apontou uma possibilidade de ruptura com a didática limitada à dimensão exclusivamente instrumental, própria do Tecnicismo, ao apontar como possibilidade a sistematização de uma Didática Fundamental, substancialmente vinculada às relações e contradições presentes entre a educação e a prática social mais ampla. A concepção de Didática Fundamental pressupõe ainda uma correlação entre as dimensões humana, técnica, política e social. O desafio seria superar a visão reducionista, “dissociada ou justaposta da relação entre as diferentes dimensões” (CANDAU, 2011, p. 16), e considerar que as conexões entre elas podem se constituir no eixo balizador dos processos de ensino-aprendizagem. Ao assumir que o processo ensino-aprendizagem deve ser analisado a partir da articulação entre as diferentes dimensões, a autora propõe a multidimensionalidade do processo de ensinar e aprender, cujos princípios são a intrínseca e indissociável relação entre o humano, o político e o técnico, mediatizados pelo contexto social, por meio de uma prática pedagógica que considera a natureza e a finalidade dos conteúdos na formação dos estudantes (MELO; PIMENTA, 2018). DIMENSÕES DA DIDÁTICA FUNDAMENTAL HUMANA O processo educativo se realiza através de relações interpessoais (professor x aluno, aluno x aluno, professor x professor x alunos x equipe de gestão); o componente afetivo é essencial. TÉCNICA Ensinar é uma ação intencional e sistemática. É preciso que o professor organize condições adequadas que mais bem propiciem a aprendizagem do aluno; o ensino possui (sim!) um aspecto instrumental, mas não se resume a ele. POLÍTICA-SOCIAL A prática educativa não é um processo neutro e precisa ser discutida de forma concreta e contextualizada; o ensino é historicamente situado e acontece em um tempo e cultura específica. Figura 1: As dimensões da Didática Fundamental Fonte: Elaborado pelas autoras. 19 A partir da década de 1990, houve intensas mudanças em nível global em todos os setores da vida humana. O mundo contemporâneo é marcado pela hegemonia Neoliberal e pelo Modelo Econômico de Mercado Emergente. Observa-se a ampliação das formas de exclusão social e cultural, o individualismo e a ideologia de classe dominante através do neoliberalismo, que favorece fortemente uma nova versão da perspectiva modernizadora e instrumental da educação e da Didática, indo na contramão do que propôs o movimento da Didática Fundamental. Atualmente, o momento pedagógico é dos piores que já vivemos. Exige-se mais uma vez que a Didática seja ressignificada, em busca de uma transformação da visão do ensino que está posto de forma seletiva e excludente. Nessa direção, Franco e Pimenta (2016) apresentam, considerando princípios epistemológicos de pesquisas e processos formativos que foram realizados ao longo dos últimos 20 anos, uma nova proposta conceitual, denominada Didática Multidimensional, que procura articular os princípios da Didática Fundamental, cuja proposição continua atual, com as Didáticas Específicas das demais áreas do conhecimento. [...] uma Didática que tenha como foco a produção de atividade intelectual no aluno e pelo aluno, articulada a contextos nos quais os processos de ensinar e aprender ocorrem. Algo que se paute numa pedagogia do sujeito, do diálogo, cuja aprendizagem seja mediação entre educadores e educandos (FRANCO; PIMENTA, 2016, p. 3). Na visão das referidas autoras, soma-se a esses aspectos a necessidade de instituir práticas vigorosas de formação de professores, capazes de contribuir para a construção dos saberes profissionais e da identidade docente. “Assim, a Didática Multidimensional se constituiria como campo próprio de conhecimento em articulação com as didáticas específicas e demais disciplinas e áreas, considerando que a formação pedagógica docente abarca princípios que são indissociáveis” (MELO; PIMENTA, 2018, p. 59). Dentre eles: a práxis educativo-pedagógica, o diálogo, ensinar com pesquisa, construir processosde mediação e considerar que os saberes de várias áreas sejam mobilizados nesse processo. A concepção de Didática é forjada pelos professores no enfrentamento das contradições de suas práticas pedagógicas nas últimas décadas. O professor mobiliza os seus saberes docentes para problematizar as experiências pedagógicas vividas, buscando a superação dos problemas postos pela prática. E, ao mesmo tempo em que avançam na solução dos problemas postos pela prática, fornecem elementos para a sistematização/construção de novos conhecimentos, deixando de ser apenas consumidores de teorias produzidas por outros (pesquisa-ensino). Assim, a Didática contribui para a problematização e explicação de propostas concretas de ação. Aponta-se, portanto, para um modelo aberto de Didática, em busca de novas práticas, mas sem perder de vista o conhecimento pedagógico fundamental, “não limitada à dimensão instrumental e aplicacionista, mas sendo apropriada e desenvolvida também em sua plenitude técnica, porém social” (CASTRO; REIS, 2018, p. 107). 20 Contreras (1990, p. 130) destaca que a Didática deve buscar: [...] a construção de uma nova realidade. Não nos encontramos frente a um objeto científico definitivamente criado, mas em contínua construção. Construção que se faz sempre em algum sentido: ou se repete sua história passada ou se transforma conforme novos planos; mas estes não nos vêm previamente determinados, nem construídos. Não adianta esperar da Didática mais do que ela pode oferecer. Mas sim conhecê-la profundamente e tomar consciência dos seus limites e possibilidades, impedindo que mais uma vez ela se torne objeto de manipulação, de violação de direitos e de repetição do passado que acabamos de apresentar. 1.3 O ensino como objeto de estudo da Didática e suas abordagens Nas discussões apresentadas até o momento, foi possível observar que o processo de ensino-aprendizagem é o elemento central da Didática e que ressignificá-la passa pela busca de uma transformação da visão desses conceitos. O que nos leva a questionar: como é concebido o ensino e, por consequência, a aprendizagem, no contexto atual? Num sentido geral, o ensino pode ser considerado uma ação (sistemática e intencional) dirigida a promover a aprendizagem. É o compromisso entre duas pessoas: uma que possui algum conhecimento ou habilidade e outra que precisa deles. Acontece numa relação que inicialmente é assimétrica no que se refere ao conhecimento: cabe à primeira pessoa (o professor) mediar o conhecimento à segunda (o aluno), que teoricamente “não sabe”. O processo de ensino põe em movimento os elementos constitutivos da Didática. Segundo Libâneo (2013, p. 98-99, grifo nosso), a ação didática se explicita pela: [...] ação recíproca de três componentes – os conteúdos, o ensino e a aprendizagem – que operam em referência a objetivos que expressam determinadas exigências sociopolíticas e pedagógicas e sob um conjunto de condições de uma situação didática concreta (fatores sociais, organização escolar, recursos materiais e didáticos, nível socioeconômico dos alunos, seu nível de preparo e de desenvolvimento mental, relações professor-aluno, etc.). Segundo Roldão (2007, p. 98), a função de ensinar nas sociedades atuais é caracterizada: [...] pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o ato de ensinar só se atualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da ação, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada ação de ensinar). Nesses novos tempos, portanto, a função de ensinar não pode ser mais definida como a simples passagem do saber. A complexidade de ensinar está cada vez maior, e o papel do educador é ser mediador do conhecimento ao educando. Compreender o ensino como um processo de mediação requer uma redefinição do desempenho de papéis do professor e do aluno. O professor deve ser capaz de trazer ao aluno as informações e conhecimentos produzidos historicamente pela 21 humanidade (entretanto, não é um mero repasse), e os alunos devem apropriar-se crítica, criativa e significativamente desse conteúdo. Na atividade de ensinar como processo de mediação, o professor cria possibilidades para que o aluno chegue às fontes do conhecimento que estão à disposição na sociedade. Portanto, o professor resume, interpreta, valoriza a informação a transmitir. Sua ação é a de explicação do conteúdo científico, fazer perguntas sugestivas, dialogar, problematizar o conteúdo, indicar como o aluno deve iniciar e desenvolver as tarefas. A mediação pedagógica é definida por Masetto (2003, p. 21): [...] como sendo a atitude, o comportamento do professor que se coloca como um facilitador, incentivador ou motivador da aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem. O ensino por meio da mediação ocorre quando o professor: explica, organiza o trabalho a partir de um texto, mobiliza a classe para a construção de um mural, propõe situações-problema, passa exercícios, organiza a sala de aula (fila, círculo, grupos), faz perguntas, põe o pensamento do aluno em movimento, estimula os alunos a dialogarem. Melo e Pimenta (2018), citando Paulo Freire, ressaltam que aprender, ensinar e pesquisar são ações inerentes ao humano e suas relações com o mundo: Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco (FREIRE, 2016, p. 68 apud MELO; PIMENTA, 2018, p. 54). Refletindo a respeito dos conceitos acima apresentados, o que significa ensinar e aprender para você? Como professor, a elaboração de uma concepção sólida a respeito desses dois termos é imprescindível para o desenvolvimento da sua ação didática, pois a partir dessas concepções será desencadeado o processo de planejamento e as escolhas que irá fazer. Vale relembrar que toda proposta didática contempla – implícita ou explicitamente – uma concepção de ensino e de aprendizagem (CANDAU, 2009). Problematizar “O que é ensinar?”, “O que é aprender?”, “Quais conteúdos ensinar?”, “Como ensinar?” e “Para que ensinar?” leva, segundo Farias et al. (2011, p. 22), ao reconhecimento do professor e da professora como sujeitos criativos, reflexivos, políticos, “autores e produtores de uma trajetória individual e coletiva e não meros espectadores da história e consumidores cegos dos estoques de técnicas de última geração” (FARIAS et al., 2011, p. 22). Veja no quadro a seguir as concepções de ensino e aprendizagem nas diversas abordagens apresentadas: 22 VISÃO ABORDAGEM Tradicional ABORDAGEM Escolanovista ABORDAGEMTecnicista ABORDAGEM Libertadora ABORDAGEM Histórico-crítica/Crítico-Social dos Conteúdos Escola Único local apropriado para a transmissão de conhecimentos. Função de preparar os indivíduos para a sociedade. Enfatiza o ensino centrado no aluno. “Aprender a aprender”. Promove um ambiente desafiador favorável à motivação intrínseca do aluno. Papel de treinar os alunos e regular o comportamento humano. Agência educacional. Modelo empresarial aplicado à escola. Divisão entre quem planeja e quem executa. Deve ser organizada e estar funcionando bem, para proporcionar os meios para que a educação se processe em seus múltiplos aspectos. Instrumento de luta das classes populares. Deve possibilitar de forma sistemática a apropriação de conteúdos escolares básicos, concretos e indissociáveis das realidades sociais dos alunos. Ensino- aprendizagem Os objetivos educacionais obedecem à sequêncialógica dos conteúdos. Os conteúdos são baseados em documentos legais, selecionados a partir da cultura universal acumulada. A inteligência constrói-se a partir da troca do organismo com o meio, pelas ações do indivíduo. Baseado no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de problemas, facilitando o “aprender a pensar”. Ênfase nos trabalhos em equipe e jogos. Ênfase nos meios: recursos audiovisuais, instrução programada, tecnologias de ensino, ensino individualizado (módulos instrucionais), “máquinas de ensinar”, computadores, hardwares, softwares. Os comportamentos desejados são reforçados. Os objetivos educacionais são definidos a partir das necessidades concretas do contexto histórico- social no qual se encontram os sujeitos. Busca a consciência crítica. O diálogo e os grupos de discussão são fundamentais para o aprendizado. O aluno se reconhece nos conteúdos podendo ampliar sua própria experiência. O grau de desenvolvimento da aprendizagem depende tanto da prontidão do aluno quanto do professor e do contexto da sala de aula. Professor Detentor e transmissor do conhecimento; figura central do processo educativo, predomina como autoridade. É um facilitador da aprendizagem. Auxilia o desenvolvimento livre e espontâneo do aluno. Planeja e organiza as melhores técnicas para o ensino eficaz e competente. Relação pedagógica calcada na autonomia e reciprocidade. Mediada pelo diálogo. Professor e aluno são sujeitos do ato do conhecimento. Mediador. Intelectual. É o educador que direciona e conduz o processo ensino-aprendizagem. Relação centrada nos conteúdos de ensino. Aluno Visto como depósito de informações. Memoriza os conteúdos sem questionar. É um ser “passivo”. É um sujeito ativo, que aprende pela descoberta e por experiências de iniciativa pessoal. Aprende por meio de estímulos e reforço. É privado de senso crítico e deve seguir à risca manuais de instrução. Uma pessoa concreta, objetiva, que determina e é determinada pelo contexto histórico. Reconhece-se nos conteúdos. Ser concreto situado historicamente; determinado pelas condições socioeconômicas e culturais. Metodologia Aulas expositivas. Privilegia a lógica e a memorização. Repetição de exercícios enquanto maneira de garantir a memorização dos conteúdos. Respeita o ritmo individual de aprendizagem de cada aluno. Valoriza as experiências pessoais e o trabalho em grupo. Apresenta modelos a serem seguidos. O ensino é repetitivo e mecânico. Técnicas de ensino. Temas geradores extraídos da prática de vida dos educandos. Utilização de métodos que favoreçam a relação dos conteúdos com os interesses dos alunos. Problematização. Avaliação Busca respostas prontas. Impede o aluno de refletir e criar. É única e bimestral. Privilegia a autoavaliação e a busca de metas pessoais. Feita em duas etapas. Verifica o aluno antes e depois de aprender. O objetivo é alcançar metas. Avaliação da prática vivenciada entre estudante e professor no grupo. Autoavaliação realizada considerando os compromissos assumidos com a prática social. Deve ser permanente e contínua. Avaliando-se o aluno também se avalia o professor. Preocupação com a superação do senso comum para obtenção da consciência crítica. Quadro 1: Síntese das principais abordagens de ensino 23 1.4 O papel da Didática na formação de professores: os saberes da docência Partindo do pressuposto de que o ato de ensinar e aprender, em um contexto histórico e socialmente situado, é complexo, faz-se necessário que os professores construam e mobilizem diferentes saberes para que possam dar conta dessa tarefa. Pois, como foi possível perceber na análise do histórico da Didática, as competências exigidas dos professores não apenas se modificam, mas também se tornam cada vez mais complexas. Para atender a tantas demandas, que não param de surgir, a formação desses docentes merece ocupar um papel de destaque no cenário social, não somente educacional. Melo e Pimenta (2018, p. 65) salientam: No contexto da Didática Multidimensional o docente é valorizado como quem produz saberes e os mobiliza, intencionalmente, para alcançar os objetivos de ensino. Esta perspectiva afasta a ideia conservadora de que, os professores são consumidores apáticos de saberes produzidos por pesquisadores na academia. Segundo as autoras, os professores constroem, atribuem sentido e reelaboram seus saberes cotidianamente em função dos desafios postos pela prática pedagógica, sempre em construção. Por isso é muito importante oportunizar uma formação inicial e continuada consistente a esses professores, para que nesse contexto da formação os saberes sejam ampliados, confrontados e ganhem sentido. Segundo Freitas e Pacífico (2015, p. 3), com fundamento em Imbernón (2011): Os saberes docentes não se limitam ao conhecimento de conteúdos específicos, são variados e heterogêneos e se estendem a um conjunto muito mais amplo de conhecimentos relativos aos contextos social, econômico e político e à prática pedagógica, ou seja, compreendem um sentido mais amplo do saber fazer e saber ser. Devido a isso, “o docente raramente se prende a uma só teoria ou concepção pedagógica, pois o bom profissional, conforme as suas necessidade e dificuldades encontradas, busca as soluções em diferentes teorias” (FREITAS; PACÍFICO, 2015, p. 9). Segundo Tardif, mesmo que isso possa parecer contraditório para os pesquisadores da educação, para os professores, “sua relação com os saberes não é de busca de coerência, mas de utilização integrada no trabalho, em função de vários objetivos que procuram atingir simultaneamente” (TARDIF, 2010, p. 14). 24 Veja o quadro síntese dos saberes docentes necessário à prática pedagógica, propostos por Pimenta (2005), Tardif (2010), Gauthier et al. (1998). Conheça as diferentes compreensões sobre os saberes docentes. Para mais informações, sugerimos a leitura do artigo de Freitas e Pacífico (2015): “Formação docente e os saberes necessários à prática pedagógica” (disponível em: http://www.periodicos.unir.br/index.php/EDUCA/article/viewFile/1620/1481). Pimenta (2005) propõe que os saberes docentes específicos ao exercício profissional de professores são divididos em: • Científicos: corpo de conhecimentos específicos sobre a área que o professor ensina. • Pedagógicos: mobilizados pela reflexão dos conhecimentos educacionais, didáticos e pedagógicos. • Da experiência: construídos a partir das experiências vivenciadas. Tardif (2010) ᅮ Saberes da formação profissional: conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores. ᅮ Saberes disciplinares: conhecimento produzido pela ciência da educação. ᅮ Saberes curriculares: correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos. O professor os adquire ao longo da carreira. ᅮ Saberes experienciais: saber desenvolvido e criado pelo próprio professor ao pôr em prática a sua função docente. Gauthier et al. (1998) ᅮ Saberes disciplinares: ligado aos saberes acadêmicos, ou seja, produzidos pela ciência. ᅮ Saberes curriculares: refere-se às transformações dos saberes acadêmicos em programas escolares. ᅮ Saberes das ciências da educação: um conjunto de saberes relativos à escola: conhecimento sobre a sua organização estrutural, hierárquica e administrativa, conselho escolar, regimento interno e outros. ᅮ Saberes da tradição pedagógica: relativo à forma de como se dar aulas. ᅮ Saberes experienciais: relacionados às funções do exercício da docência e adquiridos através da experiência. ᅮ Saberes da ação pedagógica: saber experiencial, testado por meio das pesquisas em educação. http://www.periodicos.unir.br/index.php/EDUCA/article/viewFile/1620/1481 http://www.periodicos.unir.br/index.php/EDUCA/article/viewFile/1620/1481) 25 unidade II A organização do ProcessoDidático Nesta unidade, iremos nos dedicar a conhecer o que é o processo didático, bem como três aspectos que se associam a ele e que compõem o cotidiano docente: a relação pedagógica, a aula e o planejamento do processo de ensino e aprendizagem. 2.1 As dimensões do processo didático na ação docente Na unidade anterior, você aprendeu a respeito das origens da Didática e seu papel na formação docente e que o ensino é o objeto de estudo desse campo de conhecimento. Além disso, veremos que o processo de ensino envolve quatro aspectos: professor, aluno, conhecimento e situações didáticas (NADAL; PAPI, 2007). Para discutir o que é o processo didático, vamos ter como referência os sujeitos do ensino, respondendo às seguintes questões: a. Quem deve encaminhar o processo de ensino? b. Quem é o responsável por articular os sujeitos envolvidos no processo de ensino? c. Quem define a intencionalidade do processo de ensino? Se você respondeu “professor” para as três perguntas, você está no caminho certo em seu raciocínio didático! Como o processo de ensino, o processo didático só acontecerá se a ação docente aproximar o aluno da construção do conhecimento, numa intencionalidade que supera a aprendizagem mecânica e o ensino desenvolvido numa abordagem tradicional, pautado tão somente no processo de transmissão via aulas expositivas. 26 Veiga (2004), pesquisadora brasileira do campo da Didática nas Licenciaturas, afirma que o processo didático constitui-se de quatro dimensões: ENSINAR, APRENDER, PESQUISAR e AVALIAR; e “desenvolve-se mediante a ação recíproca e interdependente das dimensões fundamentais. Integram-se, são complementares” (VEIGA, 2004, p. 13). A autora destaca ainda que o processo didático é um “espaço-tempo em que se dão as relações diretas e imediatas do ensinar, aprender, pesquisar e avaliar, não existe em si mesmo e por si, mas na correlação, na dinâmica interna de sala de aula, lugar social” (VEIGA, 2004, p. 15). Realize a leitura do texto “O processo didático e suas dimensões”, de Ilma Veiga. Esse texto foi sintetizado para a Semana Pedagógica proposta pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/sem_pedagogica/ fev_2018/anexo1_professores_processo_didatico.pdf A figura 2 apresenta os quatro elementos do processo didático e também as conexões que devem ser feitas entre esses elementos. Perceba que, nesse sentido, ensinar, aprender, pesquisar e avaliar (e seus pares didáticos) são ações que devem ser realizadas tanto pelo professor quanto pelo aluno. Em outras palavras, tanto o professor as realiza como também deve estimular o aluno a realizá-las. Figura 2: Processo didático. Fonte: Veiga (2004, p. 14). http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/sem_pedagogica/fev_2018/anexo1_professores_processo_didatico.pdf http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/sem_pedagogica/fev_2018/anexo1_professores_processo_didatico.pdf http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/sem_pedagogica/fev_2018/anexo1_professores_processo_didatico.pdf 27 Sujeitos do processo de ensino Cada dimensão do processo didático possui pares didáticos. Exemplo: Avaliar o que se ensina; avaliar o que se pesquisa; avaliar o que se aprende; avaliar o que se avalia. Para aproximar duas dimensões há conexões que as aproximam. Em caso de dúvidas na identificação dos elementos, observe a figura com as marcações: Na figura 2, temos os pares didáticos e, no quadro 1, vamos observar uma síntese de cada um deles. É importante que você faça a leitura indicada acima, para compreender o que é cada dimensão e depois o modo como elas se relacionam nos pares didáticos: Quadro 2: Síntese sobre os pares didáticos. Par didático Contribuição ENSINAR a ensinar Orientar aprender Construir conhecimentos pesquisar Estimular a criatividade avaliar Desenvolver a dimensão crítica APRENDER a ensinar Capacidade de organizar e selecionar conhecimentos aprender Incorporar novas modalidades de aprendizagem pesquisar Incorporar novas experiências educativas avaliar Acompanhar sua aprendizagem PESQUISAR o que se ensina Elevar a qualidade do ensino aprende Ampliar o conhecimento pesquisa Pesquisar o que se produz e a partir do que se produziu avalia Reflexão constante AVALIAR o que se ensina Capacidade de reflexão (e autocrítica) aprende Fornecer diagnóstico para refletir sobre o processo pesquisa Exercício de compreensão avalia Para revisar processos Fonte: elaborado pelas autoras com base em Veiga (2004). 28 As conexões do processo didático são: desenvolver estratégias individuais de aprendizagem e investigação, além dos caminhos didático e investigativo e da relação pedagógica. As estratégias de aprendizagem e investigação são importantes elementos de conexão entre o APRENDER e o PESQUISAR, pois é com a “produção, apreensão e consolidação dos conhecimentos curriculares, [que o sujeito] por meio de sua própria atividade, organiza, elabora e produz o conhecimento” (VEIGA, 2004, p. 28). Assim, quando o professor estimula diferentes formas de aprendizado e de pesquisa, contribui de modo ímpar no desenvolvimento do aluno. Observe a figura neste quadro. Ela apresenta as oito inteligências múltiplas (linguística, lógico-matemática, espacial, corporal- cinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalista) apresentadas por Howard Gardner a partir de 1980. Apenas estimulando uma estratégia para a aprendizagem/ pesquisa, estaremos incluindo todos os nossos alunos com suas potencialidades e dificuldades? Link da imagem: http://tsukimi. com.br/inteligencias-multiplas/ Os caminhos didático e investigativo são importantes para desenvolver criticamente o processo de ensino como um todo. Nesse sentido, quando professor e aluno investigam a respeito da avaliação ou pesquisa, desenvolvem a crítica, a curiosidade e a criatividade sugerida por Freire (2016) e fortalecem todo o processo didático. O caminho didático não apenas aproxima o aluno do ensinar e do avaliar, mas aproxima essas dimensões que, por vezes, podem estar separadas. Por exemplo: um processo de ensino-aprendizagem ativo, participativo, porém com avaliação que cabe apenas ao professor, sem permitir que o aluno reflita, se autoavalie, aponte suas percepções ou seu olhar para determinada atividade. A última conexão do processo didático é a relação pedagógica, a qual é imprescindível para o desenvolvimento do processo didático e para nos tornarmos professores mediadores. Vamos discuti-la aprofundadamente na próxima seção. Convidamos você a fazer a leitura de um texto: “As dimensões do processo didático na ação docente”, de Ilma Veiga (2004), em que a autora discute detalhadamente sobre essa temática tão importante para a construção do conhecimento e desenvolvimento da dimensão crítica e criativa do professor e do aluno. https://drive.google.com/a/ead.uepg.br/file/d/1-DXQ8fIt5I8Vw- eyU9tBQzcWF_rT1-XO/view?usp=sharing http://tsukimi.com.br/inteligencias-multiplas/ http://tsukimi.com.br/inteligencias-multiplas/ https://drive.google.com/a/ead.uepg.br/file/d/1-DXQ8fIt5I8Vw-eyU9tBQzcWF_rT1-XO/view?usp=sharing 29 2.2 Relação pedagógica: aspecto vital da Didática – o professor como mediador Saint-Onge (2007, p. 211), pesquisador canadense dedicado às questões sobre o ensino, afirma que “ensinar é essencialmente trabalhar para estabelecer [...] uma relação que guia uma pessoa na aquisição de novas capacidades. A relação pedagógica estabelece-se graças a três relações distintas, mas em interação”. Observe a figura 2, que apresenta os componentes da relação pedagógica: Figura 3: Relação pedagógica. Fonte: Saint-Onge (2007, p. 212). Vamos compreender juntos o que significa cada relação que compõe a relação pedagógica e porque ela é um aspecto vital da Didática, conforme o título desta seção: Relação didática: se estabelece entre professor e conhecimento e “engendra um
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