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Universidade Aberta do Brasil - UFPB Virtual Curso de Licenciatura em Matemática Introdução à Álgebra Prof. Lenimar Nunes de Andrade e-mail: lenimar@mat.ufpb.br versão 1.0 – 22/fevereiro/2010 Sumário 1 Operações binárias 1 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.2 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.3 Exemplos de operações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1.4 Propriedades das operações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1.5 Exercı́cios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2 Grupos 12 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.2 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.3 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.4 Grupos de classes de restos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.5 Grupos de permutações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 2.6 Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.7 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.8 Homomorfismos de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.9 Núcleo de um homomorfismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.10 Isomorfismos de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.11 Potências e múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 2.12 Grupos cı́clicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.13 Classes laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.14 Subgrupos normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.15 Grupos quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.16 Grupos diedrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.16.1 Rotações e reflexões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.16.2 Simetrias de um quadrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.16.3 Simetrias de um triângulo equilátero . . . . . . . . . . . . . 39 2.16.4 Grupos diedrais e isomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.17 Exercı́cios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3 Anéis 44 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 i 3.2 Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.3 Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.4 Subanéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.5 Anéis comutativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.6 Anéis com unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.7 Anéis de integridade e corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.8 Homomorfismo de anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.9 Isomorfismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3.10 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.11 Anéis-quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 3.12 Exercı́cios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 4 Polinômios 61 4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 4.2 Sequências e polinômios sobre um anel . . . . . . . . . . . . . . . 62 4.3 Proposições básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 4.4 Grau de um polinômio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 4.5 Imersão de A em A[x] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.6 Notação usual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4.7 Divisão em A[x] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 4.8 Raı́zes de polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.9 Polinômios sobre um corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 4.10 Polinômios irredutı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 4.11 Funções polinomiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 4.12 Exercı́cios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 ii Capı́tulo 1 Operações binárias 1.1 Introdução O conceito de operação é dos mais básicos em Matemática. Desde os primeiros anos de escola que ouvimos falar de operações de adição, multiplicação, divisão, etc. A formalização desse conceito está nas seções a seguir. Uma operação binária é uma regra que permite associar dois elementos de um conjunto com um terceiro elemento. Pode ter várias propriedades tais como comu- tatividade, associatividade, elemento neutro, entre outras. Dado um conjunto e uma operação definida nele: • A ordem dos elementos é importante para a operação? • Se a operação for usada mais de uma vez em determinada expressão, então sempre devemos começar a operar com os primeiros elementos ou podemos começar também pelos últimos elementos? • Dada uma operação em um conjunto, existe algum elemento que tenha propri- edades especiais? • É possı́vel inverter todos os elementos do conjunto de acordo com a operação definida nele? 1.2 Definições Definição 1.1. Consideremos A um conjunto não vazio. Uma operação binária sobre A é uma função f : A × A −→ A. É comum denotar-se o valor genérico f (x, y) de uma operação por x ∗ y (lê-se: “x estrela y”). Dessa forma, uma operação binária sobre um conjunto A é uma lei que associa a cada par (x, y) um único elemento x ∗ y ∈ A. O elemento x ∗ y chama-se composto de x e y, x é denominado primeiro termo ou termo da esquerda e y é o segundo termo ou termo da direita. 1 Outras notações também são usadas para denotar uma operação sobre um con- junto A: • Notação aditiva – neste caso a operação é denotada por +, o composto x ∗ y é denotado por x + y e é chamado de soma, os termos são chamados de parcelas. • Notação multiplicativa – neste caso a operação é denotada por ·, o composto x ∗ y é denotado por x · y e é chamado de produto, os termos são chamados de fatores. • Notação de composição – neste caso a operação é denotada por ◦, o composto x ∗ y é denotado por x ◦ y e é chamado de composição. • Outros sı́mbolos para uma operação genérica também podem ser utilizados tais como ∆, ⋆, ∪, ∩, etc. 1.3 Exemplos de operações Exemplo 1.1. Consideremos a função f : � ×� −→ � definida por f (x, y) = x+y. Dados dois números reais x e y, f associa ao par (x, y) o número real x + y que é chamado a soma de x e y. Exemplo 1.2. Seja f : � × � −→ �, f (x, y) = x · y que associa a cada par de inteiros (x, y) o seu produto x · y. A função f é a operação de multiplicação sobre os inteiros. Exemplo 1.3. Sejam A , ∅ e E = ℘(A). As funções f : E × E −→ E, f (X, Y) = X ∩ Y e g : E × E −→ E, g(X, Y) = X ∪ Y são as operações de interseção e união sobre E. Exemplo 1.4. A função f : � × � −→ � definida por f (x, y) = x− y é a operação de subtração sobre �. Exemplo 1.5. Consideremos E = Mm×n(�) o conjunto de todas as matrizes m × n com elementos reais. A função f : E × E −→ E, f (X,Y) = X + Y é a operação de adição sobre E. Exemplo 1.6. Consideremos E = �� = conjunto de todas as funções de � em �. A função F : E × E −→ E, F( f , g) = f ◦ g é a operação de composição sobre E. 1.4 Propriedades das operações Consideremos ∗ uma operação sobre um conjunto A. 2 Definição 1.2 (Propriedade associativa). Dizemos que ∗ é uma operação associativa quando x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z para quaisquer x, y, z ∈ A. Exemplo 1.7. A adição é uma operação associativa sobre � porque x + (y + z) = (x + y) + z para quaisquer x, y, z ∈ �. A adição também é associativa sobre os conjuntos �, �, � e �. Exemplo 1.8. A multiplicação é associativa sobre� porque x · (y · z) = (x · y) · z para quaisquer x, y, z ∈ �. A multiplicação também é associativasobre os conjuntos �, �, � e �. Exemplo 1.9. A adição e a multiplicação de matrizes de Mn×n(�) também são asso- ciativas. Exemplo 1.10. A composição de funções de� em� é associativa porque f ◦(g◦h) = ( f ◦ g) ◦ h para quaisquer f , g, h ∈ ��. Exemplo 1.11. A potenciação sobre�∗ = {1, 2, 3, · · · } não é associativa porque, por exemplo, 4(3 2) , (43)2. Note que 4(3 2) = 49 e (43)2 = 46. Exemplo 1.12. A operação de divisão sobre �+ = {x ∈ �|x > 0} não é associativa porque, por exemplo, 4 = 8 : (4 : 2) , (8 : 4) : 2 = 1. Exemplo 1.13. Denotando por �3 o espaço tridimensional, a operação de produto vetorial em �3 não é associativa porque, por exemplo, i⃗ × ( i⃗ × j⃗︸︷︷︸ k⃗ ) ︸ ︷︷ ︸ − j⃗ , ( i⃗ × i⃗︸︷︷︸ 0⃗ ) × j⃗︸ ︷︷ ︸ 0⃗ . Observação. Quando uma operação é associativa, não há necessidade de parênteses ao escrevermos o composto de mais de dois elementos. Por exemplo, faz sentido escrevermos 2 + 3 + 5 porque tanto faz calcularmos (2 + 3) + 5 ou 2 + (3 + 5) que dão o mesmo resultado. No entanto, não faz sentido escrever algo como 25 : 5 : 5, porque, dependendo da ordem com que as divisões são feitas, o resultado pode ser 25 ou 1. Definição 1.3 (Propriedade comutativa). Dizemos que ∗ é uma operação comutativa quando x ∗ y = y ∗ x para quaisquer x, y ∈ A. Exemplo 1.14. A adição em� é uma operação comutativa porque x+ y = y+ x para quaisquer x, y ∈ �. A adição também é comutativa em outros conjuntos tais como �, �, �, � e Mm×n(�). Exemplo 1.15. A multiplicação em� é comutativa porque x ·y = y · x para quaisquer x, y ∈ �. A multiplicação também é comutativa em outros conjuntos numéricos como �, �, � e �. 3 Exemplo 1.16. A potenciação em�∗ não é comutativa porque, por exemplo, 25 = 32 e 52 = 25 o que implica 25 , 52. Exemplo 1.17. A multiplicação em M2×2(�) não é comutativa porque[ 1 1 1 0 ] [ 2 3 4 5 ] = [ 6 8 2 3 ] [ 2 3 4 5 ] [ 1 1 1 0 ] = [ 5 2 9 4 ] Exemplo 1.18. A composição de funções de � em � não é comutativa, porque se f (x) = x2 e g(x) = 3x + 1, então ( f ◦ g)(x) = f (g(x)) = f (3x + 1) = (3x + 1)2 e (g ◦ f )(x) = g( f (x)) = g(x2) = 3x2 + 1. Portanto, f ◦ g , g ◦ f . Definição 1.4 (Elemento neutro). Dizemos que e ∈ A é um elemento neutro à es- querda para a operação ∗ definida em um conjunto A quando e ∗ x = x para todo x ∈ A. De modo análogo, dizemos que e ∈ A é um elemento neutro à direita para ∗ quando x ∗ e = x para todo x ∈ A. Se e é simultaneamente elemento neutro à esquerda e à direita, então dizemos simplesmente que e é elemento neutro para essa operação. Observação. Se a operação for comutativa, então o elemento neutro à esquerda também é elemento neutro à direita e vice-versa. Exemplo 1.19. O número 0 (zero) é o elemento neutro da adição em � porque x + 0 = x = 0 + x para todo x ∈ �. O zero também é o elemento neutro das adições em �, �, � e �. Exemplo 1.20. O elemento neutro das multiplicações em�,�, �,� e � é o número 1 (um) porque x · 1 = x = 1 · x para todo x nesses conjuntos. Exemplo 1.21. O elemento neutro da multiplicação em M2×2(�) é a matriz identi- dade [ 1 0 0 1 ] porque[ 1 0 0 1 ] [ x y z w ] = [ x y z w ] = [ x y z w ] [ 1 0 0 1 ] para quaisquer x, y, z,w ∈ �. Exemplo 1.22. O elemento neutro da composição de funções em �� é a função identidade I� definida por I�(x) = x, porque I� ◦ f = f = f ◦ I� para toda f ∈ �� Exemplo 1.23. A divisão em �∗ admite 1 como elemento neutro à direita porque x : 1 = x para todo x ∈ �. No entanto, a divisão não possui elemento neutro à esquerda porque não existe e ∈ � que seja fixo (independente de x) e que e : x = x para todo x ∈ �. 4 Proposição 1.1. Se uma operação ∗ possuir elemento neutro, então ele é único. Demonstração. Vamos supor que e1 e e2 sejam dois elementos neutros para ∗. Então, como e1 é elemento neutro temos e1 ∗ e2 = e2 e, como e2 é elemento neutro temos e1 ∗ e2 = e1. Logo, e1 ∗ e2 = e2 = e1 de onde concluı́mos que e1 = e2, ou seja, o elemento neutro, se existir, é único. � Definição 1.5 ( Elementos invertı́veis ). Consideremos uma operação ∗ sobre um conjunto A que tenha elemento neutro e. Dizemos que x ∈ A é invertı́vel (ou sime- trizável) quando existir um elemento x′ ∈ A tal que x ∗ x′ = e = x′ ∗ x. O elemento x′ é chamado o inverso (ou o simétrico) para a operação ∗. Quando a operação é uma adição, o inverso de x costuma ser denotado por −x. Quando a operação é uma multiplicação, o inverso de x é indicado por x−1. Exemplo 1.24. Considerando a adição em �, temos que 5 é um elemento invertı́vel e seu inverso é o −5 porque (−5) + 5 = 0 = 5 + (−5). Exemplo 1.25. Considerando a multiplicação em �, temos que 3 é invertı́vel e seu inverso é 13 porque 1 3 · 3 = 1 = 1 3 · 3. Note que se a multiplicação fosse em �, então o 3 não seria invertı́vel porque não existe x′ ∈ � tal que x′ · 3 = 1 = 3 · x′. Exemplo 1.26. Considerando a multiplicação em M2×2(�), o elemento X = [ 5 4 1 1 ] é invertı́vel e seu inverso é X−1 = [ 1 −4 −1 5 ] porque [ 5 4 1 1 ] [ 1 −4 −1 5 ] = [ 1 0 0 1 ] = [ 1 −4 −1 5 ] [ 5 4 1 1 ] Agora, com a mesma operação, o elemento Y = [ −4 4 −1 1 ] não é invertı́vel porque a equação [ −4 4 −1 1 ] [ a b c d ] = [ 1 0 0 1 ] leva ao sistema linear −4a + 4c = 1 −4b + 4d = 0 −a + c = 0 −b + d = 1 que não tem solução. Exemplo 1.27. A função f (x) = x3 é uma bijeção de � em �, logo, possui uma inversa que é a função de � em � definida por g(x) = 3 √ x. Como f ◦ g = I� = g ◦ f , temos que f é invertı́vel e f −1 = g. 5 Proposição 1.2. Se a operação ∗ em A tem elemento neutro e, é associativa e um elemento x é invertı́vel, então o inverso de x é único. Demonstração. Consideremos x′ e x′′ elementos inversos de x. Como x ∗ x′ = e, temos que x′′ ∗ (x ∗ x′) = x′′ ∗ e, ou seja, (x′′ ∗ x︸︷︷︸ e ) ∗ x′ = x′′ o que implica x′ = x′′. Logo, o inverso é único. � Proposição 1.3. Consideremos ∗ uma operação com elemento neutro sobre A. Se x é invertı́vel, então o inverso x′ também é invertı́vel e (x′)′ = x (ou seja, o inverso do inverso de x é igual ao próprio x). Demonstração. Como x′ é o inverso de x, temos x ∗ x′ = e = x′ ∗ x. Isso mostra que x′ também é invertı́vel e seu inverso é x. � Proposição 1.4. Se ∗ é uma operação em A que é associativa, tem elemento neutro e, x e y são dois elementos invertı́veis, então x ∗ y é invertı́vel e (x ∗ y)′ = y′ ∗ x′. Demonstração. Devemos mostrar que (x ∗ y)∗ (y′ ∗ x′) = e e que (y′ ∗ x′)∗ (x ∗ y) = e: • Usando duas vezes a propriedade associativa, temos: (x ∗ y) ∗ (y′ ∗ x′︸︷︷︸ z ) = x ∗ (y ∗ (y′ ∗ x′︸︷︷︸ z )) = x ∗ ((y ∗ y′︸︷︷︸ e ) ∗ x′) = x ∗ (e ∗ x′) = x ∗ x′ = e. • De modo análogo: (y′ ∗ x′) ∗ (x ∗ y) = y′ ∗ ((x′ ∗ (x ∗ y)) = y′ ∗ ((x′ ∗ x) ∗ y) = y′ ∗ (e ∗ y) = y′ ∗ y = e. Logo, y′ ∗ x′ é o inverso de x ∗ y. � Definição 1.6 (Elementos regulares). Dizemos que um elemento a ∈ A é regular à esquerda com relação a uma operação ∗ sobre A quando para quaisquer x, y ∈ A temos que a ∗ x = a ∗ y⇒ x = y. De modo análogo, dizemos que a ∈ A é regular à direita com relação a ∗ quando para quaisquer x, y ∈ A tivermos x ∗ a = y ∗ a⇒ x = y. Se a for regular à esquerda e à direita, simultaneamente, então dizemos simples- mente que a é regular. Exemplo 1.28. 2 é regular para a adição em � porque 2 + x = 2 + y⇒ x = y para quaisquer x, y ∈ �. Esse elemento também é regular com relação à adição em outros conjuntos numéricos como �, �, � e �. 6 Exemplo 1.29. Considerando a operação de multiplicação em �, temos que 2 é regular com relação a essa operação porque 2 · x = 2 · y⇒ x = y para quaisquer x, y ∈ �. Note que 0 não é regular para essa operação porque 0 · 4 = 0 · 5, mas 4 , 5. Definição 1.7 (Propriedade distributiva). Consideremos um conjunto A no qual estão definidas duas operações∗ e ∆. • Dizemos que ∗ é distributiva à esquerda com relação a ∆ quando x ∗ (y∆z) = (x ∗ y)∆(x ∗ z) para quaisquer x, y, z ∈ A. • Dizemos que ∗ é distributiva à direita com relação a ∆ quando (y∆z) ∗ x = (y ∗ x)∆(z ∗ x) para quaisquer x, y, z ∈ A. Quando ∗ for distributiva à esquerda e à direita com relação a ∆, então diremos simplesmente que ∗ é distributiva com relação a ∆. Observação. Se ∗ for uma operação comutativa, então a distributividade à esquerda e à direita, se ocorrerem, ocorrem simultaneamente. Exemplo 1.30. Em � a multiplicação é distributiva com relação à adição porque x · (y + z) = x · y + x · z e, como a multiplicação em� é comutativa, deduzimos a partir da igualdade anterior que (y + z) · x = y · x + z · x para quaisquer x, y, z ∈ �. Exemplo 1.31. Se E for um conjunto não vazio qualquer e A = ℘(E), então a interseção de conjuntos em A é distributiva com relação à união porque X ∩ (Y ∪ Z) = (X ∩ Y) ∪ (X ∩ Z) e (Y ∪ Z) ∩ X = (Y ∩ X) ∪ (Z ∩ X) para quaisquer X, Y,Z ∈ A. 7 Exemplo 1.32. Em �∗ a divisão é distributiva à direita com relação à adição, porque (x + y)/z = x/z + y/z para quaisquer x, y, z ∈ �∗. No entanto, não é distributiva à esquerda porque, por exemplo, 1/(2 + 3) , 1/2 + 1/3 . Definição 1.8 (Parte fechada para uma operação). Consideremos um conjunto A , ∅ no qual está definida uma operação ∗ e X um subconjunto não vazio de A. Dizemos que X é uma parte fechada de A com relação à operação ∗ se, e somente se, x, y ∈ X ⇒ x ∗ y ∈ X para quaisquer x, y ∈ X. Exemplo 1.33. Consideremos a operação de multiplicação sobre os racionais �, A o conjunto dos racionais positivos e B o conjunto dos racionais negativos. Como A , ∅ e para quaisquer x, y ∈ A temos x, y ∈ A⇒ x · y ∈ A concluı́mos que A é parte fechada de � com relação à multiplicação. Como −2 ∈ B, −3 ∈ B e (−2)(−3) = 6 < B, temos que B não é parte fechada de � com relação à multiplicação. Definição 1.9 (Tábua de uma operação). Seja A = {a1, a2, . . . , an} um conjunto com n elementos. Uma operação sobre A é uma função que associa a cada par (ai, a j) o elemento ai ∗ a j. Uma tábua para a operação ∗ é uma tabela de n linhas por n colunas, cujo elemento da i-ésima linha e j-ésima coluna é o elemento ai ∗ a j, conforme mostrado a seguir: ∗ a1 a2 . . . a j . . . an a1 ... a2 ... ... ... ai . . . . . . . . . ai ∗ a j ... an Exemplo 1.34. Se A = {−1, 0, 1}, então a tábua de multiplicação sobre A é: · −1 0 1 −1 1 0 −1 0 0 0 0 1 −1 0 1 8 Se A = {{1}, {1, 2}, {1, 2, 3}, {1, 2, 3, 4}}, então a tábua da operação de união sobre A é: ∪ {1} {1, 2} {1, 2, 3} {1, 2, 3, 4} {1} {1} {1, 2} {1, 2, 3} {1, 2, 3, 4} {1, 2} {1, 2} {1, 2} {1, 2, 3} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3} {1, 2, 3} {1, 2, 3} {1, 2, 3} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3, 4} {1, 2, 3, 4} Exemplo 1.35. Se A = {1, 2, 3, 6}, então a tábua da operação mmc(x, y), o mı́nimo múltiplo comum de x e y, é: mmc 1 2 3 6 1 1 2 3 6 2 2 2 6 6 3 3 6 3 6 6 6 6 6 6 1.5 Exercı́cios propostos 1)) Mostre que a operação usual de subtração, definida sobre o conjunto dos números inteiros, não é comutativa, não é associativa e não tem elemento neutro. 2)) Consideremos a operação binária ∗ definida em E = {a, b, c, d, e} de acordo com a seguinte tábua: * a b c d e a a b c b d b b c a e c c c a b b a d b e b e d e d b a d c a) Calcule a ∗ b, d ∗ d e [(c ∗ a) ∗ e] ∗ a a partir da tábua; b) Calcule (a ∗ b) ∗ c e a ∗ (b ∗ c) a partir da tábua. A partir desses resultados, é possı́vel concluir se a operação é associativa? c) Calcule (b ∗ d) ∗ c e b ∗ (d ∗ c) a partir da tábua. A partir desses resultados, é possı́vel concluir se a operação é associativa? 3)) Consideremos dois inteiros dados a e b e a operação ∗ sobre � definida por x ∗ y = ax + by para quaisquer x, y ∈ �. Determine condições sobre a e b para que essa operação tenha a propriedade citada em cada um dos itens: 9 a) comutativa; b) associativa; c) comutativa e associativa; d) tenha elemento neutro. 4)) Verifique, em cada caso a seguir, se ∗ definida sobre � é comutativa, associativa ou se tem elemento neutro: a) x ∗ y = x + y + x2y b) x ∗ y = x + y − 3 c) x ∗ y = 3 √ x3 + y3 d) x ∗ y = |x||y| e) x ∗ y = max(x, y) 5)) Verifique, em cada caso a seguir, se ∗, definida sobre�∗+, o conjunto dos números reais positivos, é comutativa, associativa ou se tem elemento neutro: a) x ∗ y = xy1+xy b) x ∗ y = x+y1+xy c) x ∗ y = √ x2 + y2 10 Capı́tulo 2 Grupos 2.1 Introdução Os grupos são conjuntos especiais que têm grande importância na Matemática. São conjuntos que estão ligados a uma determinada operação e que satisfazem a várias propriedades: associatividade e existência do elemento neutro e do elemento inverso. Muitos conjuntos e operações familiares são considerados grupos. Por exemplo, o conjunto dos números inteiros, o conjunto dos números reais, o con- juntos das matrizes de determinada ordem, juntamente com a operação de adição usual definida em cada um desses conjuntos, podem ser considerados grupos. A definição de grupo surgiu no inı́cio do século XIX com o jovem matemático francês Évariste Galois (pronuncia-se como “Galuá”) estudando determinados ti- pos de equações algébricas. Após contribuições de outras áreas como Geometria e Aritmética, estabeleceu-se definitivamente como importante teoria matemática a partir de 1870. Grupos estão “por trás” de muitas outras estruturas algébricas impor- tantes tais como corpos e espaços vetoriais e são considerados importante ferramen- tas para o estudo de simetrias em geral. Têm várias aplicações à Fı́sica e também à Quı́mica. Neste capı́tulo, queremos explorar conteúdos relacionados com as seguintes per- guntas: • Como identificar se determinado conjunto com uma operação é um grupo? Há alguma importância na ordem na qual é realizada uma operação com dois de seus elementos? • O conjunto, sendo um grupo, pode conter subconjuntos que também são con- siderados grupos? Caso esses conjuntos sejam todos finitos, há alguma relação entre suas quantidades de elementos? • Dados dois grupos, existe alguma relação entre eles? Eles se comportam da mesma forma, com as mesmas propriedades algébricas? Para responder a esses questionamentos, desenvolvemos a seguir as noções de gru- pos, subgrupos, homomorfismos, isomorfismos, entre outras. 11 2.2 Definições Definição 2.1. Suponhamos que G seja um conjunto não vazio e ∗ uma operação sobre G. Dizemos que G é um grupo com relação à operação ∗ quando forem verifi- cadas simultaneamente as seguintes propriedades: • ∗ for associativa, ou seja, x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z para quaisquer x, y, z ∈ G; • ∗ possuir elemento neutro, ou seja, existir e ∈ G tal que x ∗ e = e ∗ x = x para todo x ∈ G; • todo elemento de G for invertı́vel (simetrizável) com relação a ∗, ou seja, para todo x ∈ G, existe x−1 ∈ G tal que x ∗ x−1 = x−1 ∗ x = e. Se, além das três propriedades acima, a operação ∗ for comutativa, ou seja, se x ∗ y = y∗ x para quaisquer x, y ∈ G, então dizemos que G é um grupo abeliano ou um grupo comutativo com relação à operação ∗. Observação. Quando a operação ∗ puder ficar subentendida, podemos dizer sim- plesmente que “G é um grupo” no lugar de “(G, ∗) é um grupo” ou no lugar de “G é um grupo com a operação ∗”. Observação. Se G for um grupo com relação à operação ∗, então ele deve ser fe- chado com relação a essa operação, ou seja, para quaisquer x, y ∈ G, devemos ter também que x ∗ y ∈ G. Observação. Quando a operação ∗ for uma adição, então diremos que G é um grupo aditivo; quando for uma multiplicação, diremos que é um grupo multiplicativo. 2.3 Exemplos Exemplo 2.1. Consideremos o conjunto dos números inteiros � com a operação de adição de inteiros. Temos as seguintes propriedades: • x + (y+ z) = (x + y)+ z, ∀x, y, z ∈ �, ou seja, a operação de adição de inteiros é associativa; • x + 0 = x e 0 + x = x, ∀x ∈ �, ou seja, o 0 (zero) é o elemento neutro da adição de inteiros; • x + (−x) = 0 e (−x) + x = 0, ∀x ∈ �, ou seja, todo elemento x de � possui um simétrico (inverso aditivo) que é o −x. Devido às três propriedades anteriores, dizemos que � é um grupo com relação à adição de inteiros que é o mesmo que afirmar que (�,+) é um grupo. Além das três propriedades anteriores, temos também uma quarta propriedade que é a seguinte: 12 • x + y = y + x, ∀x, y ∈ �, ou seja, a adição é comutativa. Por causa dessas quatro propriedades anteriores, dizemos que (�,+) é um grupo abeliano ou um grupo comutativo. Exemplo 2.2. Obtemos resultados análogos se trocarmos no exemplo anterior � por �,� ou �. Ou seja, (�,+), (�,+) e (�,+) também são grupos abelianos com relação à adição definidas nesses conjuntos. Note que o conjunto dos números naturais, �, não é um grupo com relação à adição porque um natural positivo x não possui simétrico −x que também pertença a esse conjunto. Exemplo 2.3. Consideremos o conjunto dos racionais não nulos, �∗, com a operação de multiplicação. As seguintes propriedades são verificadas: • (x · y) · z = x · (y · z), ∀x, y, z ∈ �∗; • x · 1 = x · 1, ∀x ∈ �∗; • x · x−1 = x−1 · x = 1, ∀x ∈ �∗, onde x−1 = 1x . Devido a essas propriedades, podemos afirmar que (�∗, ·) é um grupo. Como a seguinte propriedade • x · y = y · x, ∀x, y ∈ �∗ também é válida, temos que (�∗, ·) é um grupo abeliano. Note que é preciso que o 0 (zero) seja retirado do conjunto para poder ser válida a segunda propriedade anterior porque o 0 não tem inverso multiplicativo. Assim, (�, ·) não é um grupo multiplicativo. Exemplo 2.4. De modo semelhante ao exemplo anterior, temos que (�∗, ·) e (�∗, ·) também são grupos abelianos multiplicativos. Note que (�∗, ·) não é um grupo multiplicativo porque os únicos elementos in- vertı́veis de �∗ são 1 e −1. Exemplo 2.5. Vamos denotar por Mm×n(�) o conjunto de todas as matrizes de or- dem m × n com elementos inteiros. Consideremos a operação de adição de matrizes definida por: a11 . . . a1n ... . . . ... am1 . . . amn + b11 . . . b1n ... . . . ... bm1 . . . bmn = a11 + b11 . . . a1n + b1n ... . . . ... am1 + bm1 . . . amn + bmn A operação de adição assim definida é associativa (ou seja,(A+ B)+C = A+ (B+C) para quaisquer A, B,C ∈ Mm×n(�)), possui elemento neutro que é a matriz nula O = 0 . . . 0 ... . . . ... 0 . . . 0 13 e toda matriz X = a11 . . . a1n ... . . . ... am1 . . . amn possui um inverso aditivo −X = −a11 . . . −a1n ... . . . ... −am1 . . . −amn que é tal que X + (−X) = (−X) + X = O. Portanto, (Mm×n(�),+) é um grupo aditivo. A adição de matrizes de Mm×n(�) é comutativa, ou seja ∀X, Y ∈ Mm×n(�), X+Y = Y + X temos que o grupo (Mm×n(�),+) é abeliano. De modo análogo temos que (Mm×n(�),+), (Mm×n(�),+) e (Mm×n(�),+) também são grupos abelianos. Exemplo 2.6. Seja GLn(�) o conjunto de todas as matrizes quadradas n × n de ele- mentos reais cujos determinantes são diferentes de 0, ou seja, GLn(�) = {X ∈ Mn×n(�) | det(X) , 0}. Consideremos a multiplicação de matrizes definida por: a11 . . . a1n ... . . . ... am1 . . . amn · b11 . . . b1n ... . . . ... bm1 . . . bmn = c11 . . . c1n ... . . . ... cm1 . . . cmn onde ci j = ai1b1 j+ai2b2 j+ · · ·+ainbn j = ∑n k=1 aikbk j para quaisquer i, j ∈ {1, 2, . . . , n}. A operação de multiplicação assim definida é associativa (ou seja,(A·B)·C = A·(B·C) para quaisquer A, B,C ∈ Mm×n(�)), possui elemento neutro que é a matriz identidade I = 1 0 . . . 0 0 1 . . . 0 ... ... . . . ... 0 0 . . . 1 e toda matriz X ∈ GLn(�) possui um inverso multiplicativo X−1 que é tal que X · X−1 = X−1 · X = I. Portanto, (GLn(�), ·) é um grupo multiplicativo. GLn(�) é denominado grupo linear real de grau n e não é um grupo abeliano se n ≥ 2. Por exemplo, consideremos em GL2(�) os seguintes elementos: X = [ 1 2 0 1 ] e Y = [ 0 1 3 4 ] . Temos que X · Y = [ 6 9 3 4 ] e Y · X = [ 0 1 3 10 ] ; logo, X · Y , Y · X. De modo análogo, podem ser definidos o grupo linear racional de grau n GLn(�) e o grupo linear complexo de grau n GLn(�) – ambos são grupos multiplicativos não abelianos. 14 Definição: Se (G, ∗) for um grupo em que G é um conjunto finito com n elementos, então a ordem de G é definida como sendo o número de elementos distintos de G e é denotada por |G| ou por o(G). Se o conjunto G for infinito, então dizemos que, neste caso, a ordem de G é infinita. Exemplo 2.7. Consideremos A = {1,−1} e a operação de multiplicação definida nesse conjunto. A tábua de (A, ·) é a tábua da sua multiplicação: · 1 −1 1 1 −1 −1 −1 1 Neste caso, (A, ·) é um grupo abeliano de ordem 2, ou seja, |A| = 2. Exemplo 2.8. Se V for um espaço vetorial, então (V,+) é um grupo. Assim, todo exemplo de espaço vetorial também é um exemplo de grupo aditivo. 2.4 Grupos de classes de restos Exemplo 2.9. Sendo n > 1 um inteiro, consideremos �n = {0̄, 1̄, . . . , n − 1} o con- junto das classes de restos módulo n em que ā = {x ∈ � | x − a é múltiplo de n} = {a + kn | k ∈ �}. Definimos em �n a seguinte operação de adição: ∀x̄, ȳ ∈ �n, x̄ + ȳ = x + y. Essa operação assim definida possui as seguintes propriedades: • (x̄ + ȳ) + z̄ = x + y + z̄ = (x + y) + z = x + (y + z) = x̄ + y + z = x̄ + (ȳ + z̄) para quaisquer x̄, ȳ, z̄ ∈ �n; logo, a adição em �n é associativa. • x̄ + 0̄ = x + 0 = x̄ e 0̄ + x̄ = 0 + x = x̄, para todo x̄ ∈ �n; logo, a adição possui elemento neutro 0̄. • x̄ + n − x = x + (n − x) = n̄ = 0̄ e n − x + x̄ = (n − x) + x = n̄ = 0̄ para todo x̄ ∈ �n; logo, todo elemento x̄ ∈ �n possui inverso aditivo n − x. • x̄ + ȳ = x + y = y + x = ȳ + x̄ para quaisquer x̄, ȳ ∈ �n; logo, a adição é comutativa. Dessa forma, concluı́mos que �n é um grupo abeliano aditivo de ordem n que é denominado grupo aditivo das classes de restos módulo n. Por exemplo, quando n = 5 temos �5 = {0̄, 1̄, 2̄, 3̄, 4̄} onde • 0̄ = {5k | k ∈ �} = {. . . ,−15,−10,−5, 0, 5, 10, 15, . . . } • 1̄ = {1 + 5k | k ∈ �} = {. . . ,−14,−9,−4, 1, 6, 11, 16, . . . } 15 • 2̄ = {2 + 5k | k ∈ �} = {. . . ,−13,−8,−3, 2, 7, 12, 17, . . . } • 3̄ = {3 + 5k | k ∈ �} = {. . . ,−12,−7,−2, 3, 8, 13, 18, . . . } • 4̄ = {4 + 5k | k ∈ �} = {. . . ,−11,−6,−1, 4, 9, 14, 19, . . . } Observe que, neste caso, 5̄ = {5 + 5k | k ∈ �} = {5 (k + 1)︸ ︷︷ ︸ j | k ∈ �} = {5 j | j ∈ �} = 0̄ e também que 6̄ = 1̄, 7̄ = 2̄, 8̄ = 3̄, etc. A tábua de operação do grupo aditivo (�5,+) é: + 0̄ 1̄ 2̄ 3̄ 4̄ 0̄ 0̄ 1̄ 2̄ 3̄ 4̄ 1̄ 1̄ 2̄ 3̄ 4̄ 0̄ 2̄ 2̄ 3̄ 4̄ 0̄ 1̄ 3̄ 3̄ 4̄ 0̄ 1̄ 2̄ 4̄ 4̄ 0̄ 1̄ 2̄ 3̄ Exemplo 2.10. Seja p um número primo e �∗p = {1̄, 2̄, . . . , p − 1}. Consideremos nesse conjunto a seguinte multiplicação definida por x̄ · ȳ = x · y, ∀x̄, ȳ ∈ �∗p. Essa operação possui as seguintes propriedades: • (x̄ · ȳ) · z̄ = x · y · z̄ = (x · y) · z = x · (y · z) = x̄ · y · z = x̄ · (ȳ · z̄) para quaisquer x̄, ȳ, z̄ ∈ �∗p; logo, a multiplicação em �∗p é associativa. • x̄ · 1̄ = x · 1 = x̄ e 1̄ · x̄ = 1 · x = x̄, para todo x̄ ∈ �∗p; logo, a multiplicação possui elemento neutro 1̄. • x̄ · ȳ = x · y = y · x = ȳ · x̄ para quaisquer x̄, ȳ ∈ �∗p; logo, a multiplicação é comutativa. • Para todo x̄ ∈ �∗p, como p é primo, mdc(x, p) = 1 e daı́ existem inteiros a e b tais que a·x+b·p = 1 o que implica em a · x + b · p = a · x+b · p = ā· x̄+ b̄ · p̄︸︷︷︸ =0̄ = 1̄. Como, em �p, p̄ = 0̄, temos que ā · x̄ = 1̄ = x̄ · ā; logo, todo elemento x̄ ∈ �∗p possui inverso multiplicativo. Dessa forma, fica mostrado que �∗p é um grupo multiplicativo abelianode ordem p − 1, se p for primo. Por exemplo, se p = 7, a tábua de operação do grupo multiplicativo (�7, ·) é: 16 · 1̄ 2̄ 3̄ 4̄ 5̄ 6̄ 1̄ 1̄ 2̄ 3̄ 4̄ 5̄ 6̄ 2̄ 2̄ 4̄ 6̄ 1̄ 3̄ 5̄ 3̄ 3̄ 6̄ 2̄ 5̄ 1̄ 4̄ 4̄ 4̄ 1̄ 5̄ 2̄ 6̄ 3̄ 5̄ 5̄ 3̄ 1̄ 6̄ 4̄ 2̄ 6̄ 6̄ 5̄ 4̄ 3̄ 2̄ 1̄ Observação: Se n não for primo, então �∗n não é um grupo com relação à multipli- cação porque n pode ser fatorado na forma n = r · s e, daı́, r · s = r̄ · s̄ = n̄ = 0̄ e assim fica mostrado que existem elementos r̄, s̄ ∈ �∗n tais que r̄ · s̄ < �∗n, ou seja, �∗n não é fechado com relação a essa operação. 2.5 Grupos de permutações Exemplo 2.11. Consideremos E um conjunto não vazio e S E o conjunto de todas as funções bijetoras f : E −→ E. Em S E pode ser definida uma operação que associa a cada ( f , g) ∈ E × E a função composta f ◦ g. Essa operação possui as seguintes propriedades: • ∀ f , g, h ∈ S E, ( f ◦ g) ◦ h = f ◦ (g ◦ h), ou seja, a operação ◦ é associativa; • A função identidade I : E −→ E, I(x) = x, é o elemento neutro da operação ◦ porque I ◦ f = f ◦ I = f para toda f ∈ S E; • Toda função f ∈ S E é bijetora e possui uma função inversa f −1 ∈ S E tal que f ◦ f −1 = f −1 ◦ f = I. Logo, S E é um grupo com relação à operação ◦ de composição de funções que é conhecido pelo nome grupo de permutações sobre E. Observação: Quando o conjunto E possuir pelo menos três elementos, então po- demos verificar que S E não é abeliano. Para isso, sejam a1, a2, a3 ∈ E, dois a dois distintos, e definamos as seguintes bijeções: • f (a1) = a2, f (a2) = a3, f (a3) = a1 e f (x) = x se x ∈ E − {a1, a2, a3} • g(a1) = a1, g(a2) = a3, g(a3) = a2 e g(x) = x se x ∈ E − {a1, a2, a3} Neste caso, temos que f (g(a1)) = f (a1) = a2 e g( f (a1)) = g(a2) = a3 de onde concluı́mos que f ◦ g , g ◦ f . 17 Exemplo 2.12. Se n for um inteiro maior do que 1 e E = {1, 2, . . . , n}, então S E passa a ser denotado por S n e é denominado grupo de permutações de grau n. Um elemento f ∈ S n tal que f (i) = ai com i ∈ E costuma ser denotado por f = ( 1 2 3 · · · n a1 a2 a3 · · · an ) Com esse tipo de notação, a ordem das colunas não é importante, ou seja,( 1 2 · · · n a1 a2 · · · an ) = ( 2 1 · · · n a2 a1 · · · an ) = ( n 2 · · · 1 an a2 · · · a1 ) , etc. Se f = ( 1 2 · · · n a1 a2 · · · an ) e g = ( 1 2 · · · n b1 b2 · · · bn ) então a composta f ◦ g pode ser calculado da seguinte forma: para cada r ∈ {1, 2, · · · , n}, se f : br 7−→ abr , g : r 7−→ br, então f ◦ g : r 7−→ abr , ou seja, f ◦ g = ( 1 · · · br · · · n a1 · · · abr · · · an ) ◦ ( 1 · · · r · · · n b1 · · · br · · · bn ) = ( · · · r · · · · · · abr · · · ) e, para calcular o inverso de um elemento, é só inverter as linhas: f −1 = ( a1 a2 a3 · · · an 1 2 3 · · · n ) Por exemplo, em S 5, se f = ( 1 2 3 4 5 3 2 4 5 1 ) e g = ( 1 2 3 4 5 4 5 1 3 2 ) , então: • f ◦ g = ( 1 2 3 4 5 5 1 3 4 2 ) • g ◦ f = ( 1 2 3 4 5 1 5 3 2 4 ) • f −1 = ( 3 2 4 5 1 1 2 3 4 5 ) = ( 1 2 3 4 5 5 2 1 3 4 ) • g−1 = ( 4 5 1 3 2 1 2 3 4 5 ) = ( 1 2 3 4 5 3 5 4 1 2 ) Observação. Um elemento genérico de S n é f = ( 1 2 3 · · · n a1 a2 a3 · · · an ) onde a1, a2, · · · , an ∈ {1, 2, · · · , n}. O a1 pode ser escolhido de n maneiras. Como não pode haver repetição dos ai (porque f é uma função bijetora), o a2 pode ser escolhido de n−1 maneiras, o a3 de n−2 maneiras, etc. Desse modo, pelo Princı́pio Fundamental da Contagem existem n(n − 1)(n − 2) · · · 2 · 1 = n! possibilidades para f . Logo, a ordem de S n é igual a n!. 18 Exemplo 2.13. Sendo S 3 = {e, σ1, σ2, σ3, σ4, σ5}, onde e = ( 1 2 3 1 2 3 ) , σ1 = ( 1 2 3 1 3 2 ) , σ2 = ( 1 2 3 2 1 3 ) , σ3 = ( 1 2 3 2 3 1 ) , σ4 = ( 1 2 3 3 1 2 ) e σ5 =( 1 2 3 3 2 1 ) . A tábua de S 3 é: ◦ e σ1 σ2 σ3 σ4 σ5 e e σ1 σ2 σ3 σ4 σ5 σ1 σ1 e σ4 σ5 σ2 σ3 σ2 σ2 σ3 e σ1 σ5 σ4 σ3 σ3 σ2 σ5 σ4 e σ1 σ4 σ4 σ5 σ1 e σ3 σ2 σ5 σ5 σ4 σ3 σ2 σ1 e Note que a ordem de S 3 é igual a 3! = 6. 2.6 Propriedades As seguintes propriedades são consequências diretas das definições de um grupo (G, ∗). Algumas já foram demonstradas no capı́tulo anterior. • O elemento neutro e de G é único; • Para todo x ∈ G, existe um único inverso x−1 ∈ G; • Para todo x ∈ G, (x−1)−1 = x; • Se x, y ∈ G, então (x · y)−1 = y−1 · x−1; • É válida a lei do corte: para quaisquer a, b, x ∈ G temos que a ∗ x = b ∗ x⇒ a = b x ∗ a = x ∗ b⇒ a = b • Se a, b ∈ G, a equação a ∗ x = b possui uma única solução x ∈ G que é x = a−1 ∗ b. 2.7 Subgrupos Definição 2.2. Seja (G, ∗) um grupo. Um subconjunto não vazio H ⊂ G que seja fechado com relação à operação ∗ é denominado um subgrupo de G quando (H, ∗) também for um grupo. 19 Exemplo 2.14. Sejam G = (�,+) e H = (�,+); com a operação de adição, ambos são grupos. Como H é fechado com relação à adição (porque a soma de dois números inteiros sempre dá como resultado um número inteiro), podemos dizer, neste caso, que H é um subgrupo de G, ou seja, que � é um subgrupo de� com relação à adição usual. Exemplo 2.15. Todo grupo G admite pelo menos dois subgrupos: H1 = G e H2 = {e}, onde e é o elemento neutro de G. Esses são denominados subgrupos triviais de G. Proposição 2.1. Sendo (G, ∗) um grupo, um subconjunto não vazio H ⊂ G é um subgrupo de G se, e somente se, x ∗ y−1 ∈ H, ∀x, y ∈ H. Demonstração. (⇒) Suponhamos G e H grupos com relação à operação ∗ e sejam eG e eH os elementos neutros de G e H respectivamente. Como eH é o elemento neutro de H, temos eH ∗ eH = eH e, como eG é o elemento neutro de G temos que eH ∗ eG = eH. Portanto, eH = eH ∗ eH = eH ∗ eG e daı́, pela “lei do corte” temos eH = eG, ou seja, os elementos neutros de G e de H coincidem. Seja y ∈ H e sejam y−1H e y−1G os inversos de y em G e em H, respectivamente. Então, y ∗ y−1H = eH e y ∗ y−1G = eG. Como eH = eG, temos y ∗ y−1G = y ∗ y−1H e, daı́, y−1G = y −1 H , ou seja, os inversos de y em G e em H coincidem. Assim, se x, y ∈ H, então y−1H = y−1 ∈ H e daı́ x ∗ y−1 ∈ H. (⇐) Suponhamos agora que ∀x, y ∈ H ⇒ x ∗ y−1 ∈ H. Como H não é vazio, existe algum h ∈ H. Por hipótese, tomando x = h e y = h, temos que h ∗ h−1 ∈ H, ou seja, e ∈ H. Daı́, H possui elemento neutro. Usando a hipótese, com x = e, temos que, para todo y ∈ H, e ∗ y−1 ∈ H, ou seja, y−1 ∈ H. Usando novamente a hipótese, x, y−1 ∈ H ⇒ x ∗ (y−1)−1 ∈ H, isto é, x ∗ y ∈ H. Para quaisquer x, y, z ∈ H, temos x, y, z ∈ G e, como G é um grupo, x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z. Logo, a operação ∗ em H é associativa e, juntamente com as propriedades observadas anteriormente, fica mostrado que H é um grupo e, portanto, é um subgrupo de G. � Exemplo 2.16. Sejam G = (�∗, ·) o grupo multiplicativo dos racionais não nulos e H ⊂ G o conjunto de todas as potências de expoente inteiro de 3: H = {3t | t ∈ �} = {· · · , 1 27 , 1 9 , 1 3 , 1, 3, 9, 27, 81, · · · } Sejam x e y dois elementos genéricos de H. Então, x e y são potências de 3, ou seja, x = 3m e y = 3n com m, n ∈ �. Daı́, x · y−1 = (3m) · (3n)−1 = 3m · 3−n = 3m−n. Como m − n ∈ �, temos 3m−n ∈ H, de onde concluı́mos que H é subgrupo de G. Exemplo 2.17. Seja G = (�,+) o grupo aditivo dos inteiros e H = � ⊂ G o conjunto de todos os inteiros pares. Dados x, y ∈ �, então x = 2m e y = 2n com m, n ∈ �. 20 Daı́, x + (−y)︸ ︷︷ ︸ x∗y−1 = 2m − 2n = 2 (m − n)︸ ︷︷ ︸ ∈� ∈ �. Concluı́mos assim que � é um subgrupo de G. 2.8 Homomorfismos de grupos Definição 2.3. Dados dois grupos (G, ∗) e (J,△) uma função f : G −→ J é denomi- nada um homomorfismo de G em J quando f (x ∗ y) = f (x)△ f (y) para quaisquer x, y ∈ G. Exemplo 2.18. Sejam G = (�,+) e J = (�∗, ·). A função exponencial de base 2 definida por f : G −→ J, f (x) = 2x, é um homomorfismo de G em J porque para quaisquer x, y ∈ G temos f (x + y)︸ ︷︷ ︸ f (x∗y) = 2x+y = 2x · 2y = f (x) · f (y)︸ ︷︷ ︸ f (x)△ f (y) . Exemplo 2.19. Sejam G = �2 = � × � com a operação de adição (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e J = (�,+).Consideremos T : G −→ J, T (x, y) = 5x − 4y. Para quaisquer X = (x1, y1) e Y = (x2, y2) pertencentes a G temos que T (X + Y) = T ((x1, y1) + (x2, y2)) = T (x1 + x2, y1 + y2) = 5(x1 + x2) − 4(y1 + y2) = (5x1 − 4y1) + (5x2 − 4y2) = T (x1, y1) + T (x2, y2) = T (X) + T (Y) Portanto, concluı́mos que T é um homomorfismo de G em J. Proposição 2.2. Sejam (G, ∗) e (J,△) grupos, eG o elemento neutro de G, eJ o ele- mento neutro de J e f : G −→ J um homomorfismo de G em J. Temos as seguintes propriedades: a) f (eG) = eJ b) ∀x ∈ G, f (x−1) = [ f (x)]−1 c) Se H é subgrupo de G, então f (H) é subgrupo de J Demonstração. a) f (eG)△ f (eG) = f (eG ∗ eG) = f (eG) = f (eG)△eJ. Usando a “lei do corte” em f (eG)△ f (eG) = f (eG)△eJ, obtemos f (eG) = eJ. b) Para todo x ∈ G temos que f (x)△ f (x−1) = f (x ∗ x−1) = f (eG) = eJ e também que f (x−1)△ f (x) = f (x−1 ∗ x) = f (eG) = eJ. Logo, o inverso de f (x) é f (x−1), ou seja, [ f (x)]−1 = f (x−1). 21 c) Como eG ∈ H e f (eG) = eJ temos que f (H) não é vazio porque contém pelo menos o elemento eJ. Sejam x, y ∈ f (H); então, x = f (a) e y = f (b) com a, b ∈ H. Daı́, x△y−1 = f (a)△[ f (b)]−1 = f (a)△ f (b−1) = f (a ∗ b−1). Como a, b ∈ H, temos a ∗ b−1 ∈ H e assim f (a ∗ b−1) ∈ f (H) de onde concluı́mos que x△y−1 ∈ f (H). Fica mostrado dessa forma que f (H) é subgrupo de J. � Observação. A partir do item (c) da proposição anterior, usando H = G, concluı́mos que se f : G −→ J é um homomorfismo de grupos, então a imagem Im( f ) = f (G) é um subgrupo de J Proposição 2.3. Consideremos (G, ∗), (J,△) e (L,⊙) grupos. Se f : G −→ J e g : J −→ L são homomorfismos de grupos, então a composta g ◦ f : G −→ L também é um homomorfismo de grupos. Demonstração. Sejam x, y ∈ G. Então, (g ◦ f )(x ∗ y) = g( f (x ∗ y)) = g( f (x)△ f (y)) = g( f (x)) ⊙ g( f (y)) = (g ◦ f )(x) ⊙ (g ◦ f )(y) de onde concluı́mos que g ◦ f é um homomorfismo de G em L. � 2.9 Núcleo de um homomorfismo Definição 2.4. Sejam (G, ∗) e (J,△) grupos, eJ o elemento neutro de J e f : G −→ J um homomorfismo. O núcleo de f, denotado por N( f ) ou ker( f ), é definido como sendo o conjunto de todos os elementos de G cuja imagem pela função f é igual ao elemento neutro de J. N( f ) = {x ∈ G | f (x) = eJ} Exemplo 2.20. Sejam G = (�,+), J = (�∗, ·) e f : G −→ J tal que f (x) = 2x. O elemento neutro de J é igual a 1, e daı́, para determinarmos o núcleo de f , precisamos resolver a equação f (x) = 1, ou seja, 2x = 1 = 20. A única solução dessa equação é x = 0. Portanto, N( f ) = {0} Exemplo 2.21. Sejam G = (�2,+), J = (�,+) e f : G −→ J tal que f (x, y) = 5x−4y. Como o elemento neutro de J é 0, se um elemento (x, y) pertencer ao núcleo de f , devemos ter f (x, y) = 0, ou seja, 5x − 4y = 0 o que implica y = 54 x. Logo, o núcleo de f é: N( f ) = {(x, y) ∈ �2 | y = 5 4 x} = {(x, 5 4 x) | x ∈ �}. Observação. Muitas vezes, por questão de simplicidade de notação, vamos denotar a operação do grupo em estudo por um “ponto” ·. Assim, usaremos com bastante frequência um ponto · no lugar de outros sı́mbolos como ∗, △, ⊙, ⊗, ⋆, etc. 22 Proposição 2.4. Seja f : G −→ J um homomorfismo de grupos e eG o elemento neutro de G. a) O núcleo de f , N( f ), é um subgrupo de G; b) A função f é injetora se, e somente se, N( f ) = {eG}. Demonstração. a) Pelo que vimos anteriormente, f (eG) = u onde eG e u são os elementos neutros de G e J, respectivamente. Logo, eG ∈ N( f ) o que implica em N( f ) , ∅. Sejam x, y ∈ N( f ). Daı́, temos que f (x) = u e f (y) = u e aplicando-se f a x ·y−1, obtemos f (x · y−1) = f (x) · f (y−1) = f (x) · f (y)−1 = u · u−1 = u. Concluı́mos assim que x · y−1 ∈ N( f ) e, consequentemente, que N( f ) é um subgrupo de G. b) (⇒) Suponhamos que f seja injetora. Seja x um elemento qualquer do domı́nio de f tal que f (x) = u. Como f (eG) = u, temos f (x) = f (eG), e, como f é injetora, temos x = eG. Logo, N( f ) = {eG}. (⇐) Suponhamos agora N( f ) = {e} e que f (x) = f (y) onde x e y são elementos genéricos do domı́nio de f . Então, f (x) · [ f (y)]−1 = f (x) · [ f (x)]−1 = u o que implica f (x) · f (y−1) = f (x · y−1) = u. Logo, x · y−1 ∈ N( f ) = {e}, ou seja, x · y−1 = e⇒ (x · y−1) · y = e · y⇒ x = y e daı́, temos que f é injetora. � Exemplo 2.22. Pelo que mostramos nos exemplos 2.20 e 2.21 anteriores, usando a proposição 2.9, temos que f : � −→ �, f (x) = 2x é injetora (porque N( f ) = {0}). Por outro lado, f : �2 −→ �, f (x, y) = 5x− 4y não é injetora porque o N( f ) contém outros elementos além do elemento neutro (0, 0) de �2. 2.10 Isomorfismos de grupos Definição 2.5. Sejam G e J grupos. Um isomorfismo f : G −→ J é um homomor- fismo de grupos que é também uma função bijetora. Definição 2.6. Quando existir um isomorfismo de grupos f : G −→ J, diremos que G é isomorfo a J e denotamos por G ≃ J. Definição 2.7. Quando G coincidir com J, um isomorfismo f : G −→ G também é chamado de automorfismo de G. Exemplo 2.23. Sejam G = (�∗+, ·) o grupo multiplicativo dos números reais positivos e J = (�,+) o grupo aditivo dos números reais. A função f : G −→ J, f (x) = log(x) é um isomorfismo de grupos porque: • f é bijetora; 23 • f é um homomorfismo: f (x · y) = log(x · y) = log(x) + log(y) = f (x) + f (y). Portanto (�∗+, ·) ≃ (�,+). Observação. Quando dois grupos G e J são isomorfos, então eles têm as mesmas propriedades. Por exemplo, se um deles for abeliano, então o outro também será abeliano; se um deles for finito e de ordem n, então o outro também será finito e de ordem n, etc. As tábuas das operações de grupos isomorfos são muito parecidas uma com a outra. Proposição 2.5. Se f : G −→ J for um isomorfismo de grupos, então f −1 : J −→ G também é um isomorfismo. Demonstração. A inversa de uma função bijetora f também é bijetora. Dessa forma, resta mostrar aqui apenas que a inversa de um homomorfismo também é um homo- morfismo. Sejam y, z ∈ J dois elementos quaisquer do domı́nio de f −1 e a, b ∈ G tais que y = f (a), z = f (b). Daı́, temos que a = f −1(y), b = f −1(z). Como f (a·b) = f (a)· f (b) = y·z, temos que a·b = f −1(y·z), ou seja, f −1(y)· f −1(z) = f −1(y·z). Isso mostra que f −1 é um homomorfismo de grupos e, consequentemente, é um iso- morfismo. � Observação. Pelo que foi mostrado na proposição anterior, temos que se G ≃ J, então J ≃ G. Proposição 2.6. Se f : G −→ J e g : J −→ L são isomorfismos, então g◦ f : G −→ L também é um isomorfismo. A demonstração é imediata: basta usar a proposição 2.3 e o fato de que a com- posição de duas funções bijetoras resulta em uma função bijetora. Observação. A proposição anterior significa que G ≃ J e J ≃ L implicam em G ≃ L. 2.11 Potências e múltiplos Definição 2.8. Consideremos um grupo multiplicativo G com elemento neutro e, x um elemento de G e m um inteiro qualquer. A m-ésima potência de x é definida por: xm = e se m = 0 xm−1 · x se m ≥ 1 (x−1)−m se m < 0 Exemplo 2.24. No grupo (�∗7, ·), escolhendo-se x = 2̄, temos: • x0 = 1̄; • x1 = x1−1 · x = x0 · x = 1̄ · 2̄ = 2̄; 24 • x2 = x2−1 · x = x1 · x = x · x = 2̄ · 2̄ = 4̄; • x3 = x3−1 · x = x2 · x = 4̄ · 2̄ = 8̄ = 1̄; • x4 = x4−1 · x = x3 · x = 1̄ · 2̄ = 2̄; • x−1 = 2̄−1 = 4̄; • x−2 = (x−1)2 = 4̄2 = 2̄; • x−3 = (x−1)3 = 4̄3 = 4̄2 · 4̄ = 2̄ · 4̄ = 1̄. Exemplo 2.25. Sendo G o grupo multiplicativo GL2(�) e escolhendo o elemento x = ( 5 4 −1 −1 ) ∈ G, temos os seguintes exemplos de potências de x: • x0 = ( 1 0 0 1 ) • x1 = x1−1 · x = x0 · x = ( 1 0 0 1 ) · ( 5 4 −1 −1 ) = ( 5 4 −1 −1 ) • x2 = x2−1 · x = x1 · x = x · x = ( 5 4 −1 −1 ) · ( 5 4 −1 −1 ) = ( 21 16 −4 −3 ) • x3 = x3−1 · x = x2 · x = ( 21 16 −4 −3 ) · ( 5 4 −1 −1 ) = ( 109 68 −17 −13 ) • x−1 = matriz inversa de x = ( 1 4 −1 −5 ) • x−2 = (x−1)−(−2) = (x−1)2 = x−1 · x−1 = ( 1 4 −1 −5 ) · ( 1 4 −1 −5 ) = ( −3 −16 4 21 ) São consequências imediatas da definição as seguintes propriedades de potênciasde elemento em um grupo G : 1) ∀x ∈ G,∀m, n ∈ �, xm · xn = xm+n 2) ∀x ∈ G,∀m, n ∈ �, (xm)n = xmn 3) ∀x ∈ G,∀m ∈ �, x−m = (xm)−1 = (x−1)m A definição de potência de um elemento é usada em grupos multiplicativos. Se o grupo for aditivo, então no lugar de potências, usamos o conceito de múltiplo de um elemento cuja definição está dada a seguir. 25 Definição 2.9. Consideremos um grupo aditivo G com elemento neutro e, x um ele- mento de G e m um inteiro qualquer. O m-ésimo múltiplo de x é definido por: mx = e se m = 0 (m − 1)x + x se m ≥ 1 (−m)(−x) se m < 0 Exemplo 2.26. No grupo aditivo �5, tomando-se x = 2̄ temos que: • 0 · 2̄ = 0̄; • 1 · 2̄ = (1 − 1) · 2̄ + 2̄ = 0̄ + 2̄ = 2̄; • 2 · 2̄ = (2 − 1) · 2̄ + 2̄ = 1 · 2̄ + 2̄ = 2̄ + 2̄ = 4̄; • 3 · 2̄ = (3 − 1) · 2̄ + 2̄ = 2 · 2̄ + 2̄ = 4̄ + 2̄ = 1̄; • 4 · 2̄ = (4 − 1) · 2̄ + 2̄ = 3 · 2̄ + 2̄ = 1̄ + 2̄ = 3̄; • 5 · 2̄ = (5 − 1) · 2̄ + 2̄ = 4 · 2̄ + 2̄ = 3̄ + 2̄ = 0̄. 2.12 Grupos cı́clicos Definição 2.10. Um grupo multiplicativo G é denominado cı́clico quando existir um elemento x ∈ G tal que todo elemento de G seja igual a alguma potência de x, ou seja, G = {xk | k ∈ �}; neste caso, o elemento x é denominado um gerador de G. Notação: G = [x] ou G = ⟨x⟩. Exemplo 2.27. Seja G = { . . . , 14 , 1 2 , 1, 2, 4, 8, . . . } o grupo multiplicativo das potências de 2. Neste caso, G é um grupo cı́clico cujo gerador é o 2, ou seja, G = [2]. Note que neste caso temos que 12 também é gerador de G, ou seja, G = [ 1 2]. Exemplo 2.28. O grupo multiplicativo dos números reais positivos G = (�∗+, ·) não é cı́clico porque não é possı́vel encontramos um número real positivo cujas potências deem origem a todo o G. Observação. Se G for um grupo aditivo, então usamos o conceito de múltiplo no lugar de potência de um elemento do grupo. Neste caso, G é cı́clico quando existir x ∈ G tal que G = {kx | k ∈ �} = [x]. Por exemplo, o grupo (�,+) é cı́clico e � = [1]. Proposição 2.7. Todo grupo cı́clico é abeliano. Demonstração. Seja G um grupo multiplicativo cı́clico. Então, existe a ∈ G tal que todo elemento de G é igual a uma potência de a. Sejam x, y ∈ G. Existem m, n ∈ � tais que x = am e y = an e daı́: x · y = am · an = am+n = an+m = an · am = y · x. Logo, G é abeliano. � 26 Definição 2.11. Dado um elemento x de um grupo multiplicativo G, se existir um menor número inteiro positivo n tal que xn = e = elemento neutro de G então n é denominado a ordem (ou o perı́odo) do elemento x. Se não existir tal menor inteiro positivo tal que xn = e, então dizemos que x tem ordem zero. A ordem de um elemento x é denotada por o(x). Exemplo 2.29. No exemplo 2.24 vimos que 2̄1 = 2̄, 2̄2 = 4̄, 2̄3 = 1̄ = elemento neutro de G = �∗7. Portanto, o(2̄) = 3. Note que, neste caso, as potências de 2̄ se repetem de 3 em 3 (2̄4 = 2̄1, 2̄5 = 2̄2, 2̄6 = 2̄3, etc.) Exemplo 2.30. No grupo multiplicativo das potências de 2 no exemplo 2.27, observe que 21 = 2, 22 = 4, 23 = 8, 24 = 16, . . . e as potências não se repetem. Não existe um menor inteiro positivo n tal que 2n = 1; logo, neste caso, temos o(2) = 0. Proposição 2.8. Seja x um elemento de um grupo multiplicativo G cuja ordem é n > 0. Então [a] = {e, a, a2, · · · , an−1} é um grupo cı́clico de ordem n. Demonstração. Suponhamos que no conjunto {e, a, a2, · · · , an−1} haja repetição de elementos, ou seja, suponhamos ai = a j com 0 ≤ i < j < n. Então, isso implica em ai ·a− j = a j ·a− j = e, isto é, ai− j = e⇒ (ai− j)−1 = a j−i = e−1 = e, o que é um absurdo porque 0 < j − i < n e a ordem de a é igual a n. Logo, não existem potências de a repetidas nesse conjunto, o que significa que ele tem examente n elementos. Se m for um inteiro qualquer, dividindo-se m por n obtemos um quociente q ∈ � e um resto r ∈ � tal que 0 ≤ r < n. Logo, m = nq + r ⇒ am = anq+r = (an)q · ar = e · ar = ar, ou seja, qualquer potência de a coincide com alguma potência ar com 0 ≤ r < n. Fica mostrado dessa forma que se o(a) = n então existe um total de n potências distintas de a, ou seja, que a ordem do grupo [a] também é igual a n. � Proposição 2.9. Se G for um grupo cı́clico infinito, então ele é isomorfo ao grupo aditivo dos inteiros �. Demonstração. Seja a um gerador de G, ou seja, G = [a] = {as | s ∈ �}. Considere- mos f : � −→ G a função definida por f (s) = as. � = {· · · , −2, −1, 0, 1, 2, · · · } ↓ f ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ G = {· · · , a−2, a−1, e, a, a2, · · · } • Para quaisquer m, n ∈ � temos f (m+ n) = am+n = am · an = f (m) · f (n), logo, f é um homomorfismo de grupos; • Dado y ∈ G, temos y = as para algum s ∈ �. Daı́, f (s) = as = y de onde concluı́mos que f é sobrejetora; 27 • Seja x ∈ � tal que f (x) = e = elemento neutro de G. Temos que ax = e o que implica x = 0 (porque se fosse x , 0 então o(a) seria um número finito não nulo e daı́ G seria finito, o que contraria a hipótese). Fica mostrado assim que o núcleo de f é igual a N( f ) = {0} de onde concluı́mos que f é injetora (veja proposição 2.4). Pelo que foi visto, temos que f é um isomorfismo de � em G, ou seja, G ≃ �. � Proposição 2.10. Seja G um grupo cı́clico finito de ordem n. Então, G é isomorfo ao grupo aditivo �n. Demonstração. Seja a um gerador de G. Então, G = {e, a2, a3, · · · , an−1}. Conside- remos agora a seguinte função f : �n −→ G definida por f (x̄) = ax. �n = {0̄, 1̄, 2̄, · · · , n − 1} ↓ f ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ G = {e, a, a2, · · · , an−1} A função f é claramente sobrejetora. Dados x̄, ȳ ∈ �n, temos que x̄ = ȳ ⇔ x ≡ y (mod n) ⇔ x − y = nk, k ∈ � ⇔ ax−y = ank = (an)k = e ⇔ ax = ay, logo, f também é injetora. Além disso, f (x̄+ ȳ) = f (x + y) = ax+y = ax ·ay = f (x̄) · f (ȳ) e daı́, fica mostrado que f é um homomorfismo de grupos. Como f é bijetora, é também um isomorfismo de G em �n. � As duas proposições anteriores mostram que sempre que tivermos um grupo cı́clico, se ele for finito, então ele pode ser pensado como se fosse um grupo adi- tivo de classes de restos; se ele for infinito, então ele pode ser pensado como se fosse o grupo aditivo dos números inteiros. 2.13 Classes laterais Definição 2.12. Sejam H um subgrupo de um grupo (G, ∗) e x ∈ G um elemento qualquer. A classe lateral à esquerda, módulo H, definida por x, denotada por x ∗H, é definida como sendo o seguinte subconjunto de G: x ∗ H = {x ∗ h | h ∈ H} Para calcularmos uma classe lateral à esquerda definida por x, basta multiplicar- mos x por todos os elementos de H. Definição 2.13. A classe lateral à direita, módulo H, definida por x, denotada por H, é definida como sendo o seguinte subconjunto de G: H ∗ x = {h ∗ x | h ∈ H} 28 Observação. Se o grupo G for abeliano (comutativo), então é claro que os conceitos de classes laterais à esquerda e à direita coincidem, ou seja, x ∗ H = H ∗ x. Exemplo 2.31. Sejam G = (�6,+) e um subgrupo H = {0̄, 3̄}. As classes laterais à esquerda, módulo H, definidas pelos elementos 1̄, 2̄ e 3̄ são: 1̄ + H = {1̄ + 0̄, 1̄ + 3̄} = {1̄, 4̄}, 2̄ + H = {2̄ + 0̄, 2̄ + 3̄} = {2̄, 5̄}, 3̄ + H = {3̄ + 0̄, 3̄ + 3̄} = {3̄, 0̄}. Como G é abeliano, as classes laterais à direita coincidem com as classes à esquerda: H + 1̄ = 1̄ + H, H + 2̄ = 2̄ + H, H + 3̄ = 3̄ + H, etc. Observação. Em um grupo multiplicativo, é comum denotarmos as classes laterais por xH ou Hx no lugar de x · H ou H · x. Nas proposições a seguir, consideremos G um grupo multiplicativo e H um dos seus subgrupos. Proposição 2.11. A união de todas as classes laterais módulo H é igual a G. Demonstração. Basta observar que um elemento genérico x ∈ G pertence à classe xH. Isso é verdade porque H contém o elemento neutro e, e daı́, x = x · e ∈ xH. � Proposição 2.12. Para quaisquer x, y ∈ G, xH = yH se, e somente se, x−1 · y ∈ H. Demonstração. (⇒) Suponhamos xH = yH. Como y ∈ yH, temos y ∈ xH. Logo, existe h ∈ H tal que y = x · h⇒ x−1 · y = h ∈ H. (⇐) Suponhamos x−1 · y ∈ H. Logo, existe h1 ∈ H tal que x−1 · y = h1 ⇒ y = x · h1 ⇒ x = y· h−11 . Daı́, temos que a ∈ xH ⇒ a = x · h2 = (y · h−11 ) · h2 = y·(h−11 · h2︸ ︷︷ ︸ ∈H ) ∈ yH, logo, xH ⊂ yH. De modo análogo, podemos mostrar que yH ⊂ xH de onde concluı́mos que xH = yH. � Proposição 2.13. Se xH e yH são duas classes laterais módulo H, então elas são iguais ou disjuntas, ou seja, xH = yH ou xH ∩ yH = ∅. Demonstração. • Se não existir a que seja comum às classes xH e yH, então xH ∩ yH = ∅. • Se existir a comum às classes xH e yH, então a ∈ xH ∩ yH, e daı́ existem h1, h2 ∈ H tais que a = x · h1 = y · h2 que equivale a x−1 · y = h1 · h−12 ∈ H. Pela proposição 2.12, temos xH = yH. � Proposição 2.14. Toda classe lateral xH tem a mesma quantidade de elementos que H, isto é, existe uma função bijetora de H em xH. 29 Demonstração. Seja f : H −→ xH definida por f (h) = x · h. Temos que: • Se f (h1) = f (h2), então x · h1 = x · h2 ⇒ x−1 · x · h1 = x−1 · x · h2 ⇒ h1 = h2. Logo, f é injetora. • Se y ∈ xH, então existe h1 ∈ H tal que y = x · h1 e daı́ f (h1) = x · h1 = y. Logo, f é sobrejetora. Portanto, f definida do modo acima é uma função bijetora. � Observação. De modo análogo, também existe uma função bijetora de H em Hx. Definição 2.14. Sendo G um grupo finito e H um subgrupo de G, o ı́ndice de H em G é o número de classes laterais distintas módulo H em G e é denotado por (G : H). Exemplo 2.32. Sejam G = (�9,+) e H = {0̄, 3̄, 6̄}. As classes laterais módulo H são: 0̄ + H = {0̄, 3̄, 6̄}, 1̄ + H = {1̄, 4̄, 7̄} e 2̄ + H = {2̄, 5̄, 8̄}. As outras classes laterais (3̄ + H, 4̄ + H, etc.) coincidem com alguma das anteriores. Logo, existem apenas 3 classes laterais distintas e, por causa disso, (G : H) = 3. Teorema 2.1 (Teorema de Lagrange). Se G for um grupo finito e H for um subgrupo de G, então a ordem de H é um divisor da ordem de G e o(G) = o(H)(G : H). Demonstração. Pelo que foi mostrado nas proposições 2.11, 2.13 e 2.14, temos G = x1H ∪ x2H ∪ · · · ∪ xnH onde classes laterais distintas não têm elemento em comum e todas as classes têm a mesma quantidade de elementos de H e, daı́, • (G : H) = n • o(xkH) = o(H) para todo k ∈ {1, 2, · · · , n} • o(G) = o(x1H) + · · · + o(xnH) = o(H) + · · · + o(H)︸ ︷︷ ︸ n vezes = o(H) · n Portanto, o(G) = o(H)(G : H) que é equivalente a (G : H) = o(G)o(H) . � Corolário 2.1. Se x ∈ G e H = [x], então o(x)|o(G). Demonstração. Basta observar que o(H) = o(x) e que pelo Teorema de Lagrange temos o(H)|o(G). � Corolário 2.2. Se x ∈ G, então xo(G) = e. Demonstração. Seja H = [x]. Então o(H) = o(x) e, como o(G) = o(H)(G : H), temos o(G) = o(x)(G : H)⇒ xo(G) = xo(x)(G:H) = (xo(x))(G:H) = e(G:H) = e. � 30 Corolário 2.3. Todo grupo finito G de ordem prima é cı́clico e seus únicos subgrupos são {e} e G. Demonstração. Suponhamos o(G) = p primo e H um subgrupo de G. Como o(H) é um divisor de o(G), temos o(H) = 1 ou o(H) = p. Se o(H) = 1, então H = {e}; se o(H) = p, então H = G. Logo, os únicos subgrupos de G são os subgrupos triviais {e} e G. Se G = {e} = [e] então G é cı́clico e é gerado por e; se G contiver algum elemento x , e, então H = [x] ⇒ H , {e} ⇒ H = G, ou seja G = [x] é gerado por x. Em qualquer caso, G é cı́clico. � 2.14 Subgrupos normais Sendo G um grupo, um subgrupo N de G é denominado normal quando xN = Nx para todo x ∈ G. Neste caso, N subgrupo normal de G é denotado por N ▹G. Exemplo 2.33. É claro que se G for abeliano, então todo subgrupo de G é normal porque as classes laterais à esquerda e à direita coincidem. Por exemplo, se G = (�,+) e H = (�,+), então H ▹G. Exemplo 2.34. Sejam G = S 3 = {e, σ1, σ2, σ3, σ4, σ5} (veja Exemplo 2.13) e H = [σ3] = {e, σ3, σ4}. Podemos verificar que eH = He, σ1H = Hσ1, σ2H = Hσ2, σ3H = Hσ3, σ4H = Hσ4 e σ5H = Hσ5. Logo, H ▹G. Proposição 2.15. Se f : G −→ J for um homomorfismo de grupos, então N = núcleo de f = N( f ) é um subgrupo normal de G. Demonstração. Já vimos anteriormente que N é um subgrupo de G (veja proposição 2.4). Falta mostrar apenas que xN = Nx para todo x ∈ G. Se a ∈ xN, então a = x ·n com n ∈ N. Mas, x ·n é o mesmo que (x ·n · x−1) · x. Daı́, f (x · n · x−1) = f (x) · f (n) · f (x−1). Como n ∈ N temos f (n) = e = elemento neutro de J. Logo, f (x ·n · x−1) = f (x)e[ f (x)]−1 = e de onde temos que x ·n · x−1 ∈ N. Portanto, a = (x · n · x−1︸ ︷︷ ︸ ∈N ) · x ∈ Nx e fica mostrado assim que xN ⊂ Nx. De modo análogo, podemos mostrar também que Nx ⊂ xN e, portanto, xN = Nx⇒ N ▹G. � Definição 2.15. Sejam N um subgrupo normal de um grupo G e xN e yN duas classes laterais módulo N quaisquer. Definimos uma operação de multiplicação sobre o conjunto de todas as classes laterais módulo N do seguinte modo: (xN)(yN) = (xy)N Observação. Pode-se mostrar que para a definição anterior fazer sentido, ou seja, para que a multiplicação de classes laterais dê como resultado uma outra classe late- ral, é preciso que N ▹G. 31 2.15 Grupos quocientes Definição 2.16. Consideremos N▹G. O conjunto de todas as classes laterais módulo N com a operação definida em 2.15 é denominado grupo quociente de G por N e é denotado por G/N: G/N = {xN | x ∈ G}, (aN)(bN) = (ab)N. Note que (G/N, ·) é realmente um grupo com essa operação porque: • ∀a, b, c ∈ G, (aN)[(bN)(cN)] = (aN)[(bc)N] = a(bc)N = (ab)cN = [(ab)N](cN) = [(aN)(bN)](cN); logo, a multiplicação de classes é associativa. • Para todo a ∈ G, (eN)(aN) = (ea)N = aN e (aN)(eN) = (ae)N = aN; logo, eN é o elemento neutro de G/N. • Para todo a ∈ G, (aN)(a−1N) = (aa−1)N = eN e (a−1N)(aN) = (a−1a)N = eN; logo, o elemento inverso de (aN) é o elemento (a−1N). Se G for um grupo finito, então pelo Teorema de Lagrange, temos que o(G/N) = (G : N) = o(G) o(N) . Exemplo 2.35. Consideremos o grupo aditivo G = (�6,+) e N = {0̄, 3̄} um subgrupo de G. Como G é abeliano, temos N ▹G, logo, faz sentido a definição de G/N neste caso. Sendo o grupo aditivo, então as classes laterais são denotadas por x + N (em vez de xN). Calculando-se as classes laterais de N em G, observamos que tem apenas 3 classes distintas: 0̄ + N, 1̄ + N e 2̄ + N. As outras classes 3̄ + N, 4̄ + N, etc. coincidem com alguma dessas anteriores. Logo, G/N = {0̄ + N, 1̄ + N, 2̄ + N}. Lembrando que a operação de classes neste caso é definida por (x̄ + N) + (ȳ + N) = (x̄ + ȳ) + N, temos a seguinte tábua para a operação de adição em G/N: + 0̄ + N 1̄ + N 2̄ + N 0̄ + N 0̄ + N 1̄ + N 2̄ + N 1̄ + N 1̄ + N 2̄ + N 0̄ + N 2̄ + N 2̄ + N 0̄ + N 1̄ + N Note que 0̄ + N é o mesmo que N. 32 Teorema 2.2. (Teorema do Homomorfismo) Seja f : G −→ J um homomorfismo sobrejetor do grupo G no grupo J. Se N for o núcleo de f , então G/N ≃ J. Demonstração. Seja φ : G/N −→ J definida por φ(xN) = f (x). Temos as seguintes propriedades a respeito da função φ: • ∀a, b ∈ G, aN = bN ⇔ a−1b ∈ N ⇔ f (a−1b) = e = elemento neutro de J ⇔ f (a)−1 f (b) = e ⇔ f (a) = f (b) ⇔ φ(aN) = φ(bN). Logo, φ está bem definida e é uma função injetora. • ∀a, b ∈ G, φ((aN)(bN)) = φ((ab)N) = f (ab) = f (a) f (b) = φ(aN)φ(bN). Logo, φ é um homomorfismo de grupos. • ∀y ∈ J temos que existe a ∈ G tal que f (a) = y (porque f é sobrejetora). Daı́, o elemento aN ∈ G/N é tal que φ(aN) = f (a) = y. Logo, φ também é sobrejetora. Desse modo, fica mostrado que a função φ é um isomorfismo de grupos, ou seja, que G/N ≃ J. � Observação. O Teorema do Homomorfismo também pode ser enunciado de forma mais resumida: “Se f : G −→ J for um homomorfismo de grupos, então G/N( f ) ≃ Im( f )”, onde Im( f ) significa a imagem de f . 2.16 Grupos diedrais 2.16.1 Rotações e reflexões Definimos alguns grupos usando as transformações geométricas de rotação em torno de um ponto e de reflexão com relação a uma reta. Na figura a seguir, por exemplo, o ponto P′ foi obtido a partir da rotação de 45◦ (no sentido horário) em torno do ponto O. Fazer uma reflexão é semelhante a observar uma imagem em um espelho plano. Na figura seguinte,os pontos A′, B′ e C′ foram obtidos a partir de uma reflexão com relação à reta s dos pontos A, B e C, respectivamente. 33 2.16.2 Simetrias de um quadrado Consideremos um polı́gono regular com n lados com vértices numerados de 1 a n, n ≥ 3. Denotemos por r0, r1, · · · , rn−1 as rotações que se podem fazer em torno do seu centro de modo a não alterar a posição inicial do polı́gono. Cada rotação deve apenas trocar os números de alguns vértices e deve ser de um múltiplo de 360n graus. Por exemplo, quando n = 4, temos um quadrado com 4 rotações r0 = e, r1, r2 e r3 em torno do seu centro de ângulos 0◦, 90◦, 180◦ e 270◦, respectivamente, conforme ilustrado a seguir: 34 Consideremos também as reflexões f1, f2, · · · , fn com relação às retas que passam pelo centro do polı́gono de tal forma a não alterar sua posição inicial. Essas retas são mediatrizes de cada lado ou diagonais do polı́gono. Por exemplo, no caso de um quadrado de vértices numerados 1, 2, 3 e 4 • f1 é a reflexão com relação à mediatriz do lado ligando 1 a 4 • f2 é a reflexão com relação à mediatriz do lado ligando 1 a 2 • f3 é a reflexão com relação à diagonal ligando os vértices 1 e 3 • f4 é a reflexão com relação à diagonal ligando os vértices 2 a 4 conforme ilustrado a seguir: Quando cada reflexão é efetuada, o quadrado não muda sua posição inicial. Há apenas uma troca dos números dos vértices. 35 Seja Dn = {e, r1, r2, · · · , rn−1, f1, f2, · · · , fn}. Dados x, y ∈ Dn, definimos x ⊙ y (ou simplesmente xy) como sendo a aplicação de x, seguido imediatamente da aplicação de y ao polı́gono. Por exemplo, no caso do quadrado temos que D4 = {e, r1, r2, r3, f1, f2, f3, f4} e se x = r1 e y = r2, então x ⊙ y = rotação de 90◦ seguida imediatamente da rotação de 180◦ = rotação de 270◦, ou seja, r1 ⊙ r2 = r3. Outro exemplo: ainda com relação ao quadrado de vértices 1, 2, 3 e 4, conside- rando x = f2 e y = f2, então x ⊙ y = reflexão com relação à reta mediatriz do lado de vértices 1 e 2, seguida imediatamente de uma reflexão com relação à mesma reta = não fazer nada com o quadrado, ou seja, f2 ⊙ f2 = e. Dessa forma podemos realizar operações com todos os elementos de D4 tomados dois a dois. Os resultados obtidos estão resumidos na seguinte tábua: 36 ⊙ e r1 r2 r3 f1 f2 f3 f4 e e r1 r2 r3 f1 f2 f3 f4 r1 r1 r2 r3 e f4 f3 f1 f2 r2 r2 r3 e r1 f2 f1 f4 f3 r3 r3 e r1 r2 f3 f4 f2 f1 f1 f1 f3 f2 f4 e r2 r1 r3 f2 f2 f4 f1 f3 r2 e r3 r1 f3 f3 f2 f4 f1 r3 r1 e r2 f4 f4 f1 f3 f2 r1 r3 r2 e Note que a operação ⊙ assim definida não é comutativa porque, por exemplo, f1 ⊙ r1 , r1 ⊙ f1. Essas operações são efetuadas da seguinte maneira: • A partir do quadrado na sua posição inicial , aplicamos a reflexão f1 (com relação à reta horizontal) e obtemos ; daı́, aplicamos a rotação r1 (de 90◦ no sentido horário) e obtemos como resultado . Note que esse resultado final equivale a aplicar a reflexão f3 diretamente no quadrado em sua posição inicial. Portanto, f1 ⊙ r1 = f3. • A partir do quadrado na sua posição inicial , aplicamos a rotação r1 e obtemos ; daı́, aplicamos a reflexão f1 e obtemos como resultado . Note que esse resultado final equivale a aplicar a reflexão f4 direta- mente no quadrado em sua posição inicial. Portanto, f1 ⊙ r1 = f4. O conjunto D4 assim definido, juntamente com a operação ⊙, forma um grupo não abeliano de ordem 8. Em geral, (Dn,⊙) é um grupo não abeliano de ordem 2n denominado grupo diedral de ordem 2n. O grupo Dn é conhecido também como grupo de simetrias de um polı́gono regular de n lados. 37 Como r21 = r2, r 3 1 = r3, r1 ⊙ f1 = f4, r2 ⊙ f1 = f2 e r3 ⊙ f1 = f3, temos que o grupo D4 também pode ser escrito na forma D4 = {e, r1, r21, r31, f1, r1 f1, r21 f1, r31 f1}. Em geral, Dn também pode ser escrito em um formato parecido com esse. Onde existir algum tipo de simetria, seja em polı́gonos regulares ou em sólidos tridimensionais como cubos, tetraedros etc., é possı́vel estudar grupos de simetrias. Até mesmo em obras de arte, figuras, desenhos e fotografias existe tal possibilidade. É por isso que esses grupos têm várias aplicações à Fı́sica e à Quı́mica. Observação. Alguns autores preferem usar a notação D2n, no lugar do Dn que em- pregamos aqui. Assim, para esses autores, o grupo D4 descrito anteriormente é de- notado por D8. 2.16.3 Simetrias de um triângulo equilátero Consideremos um triângulo equilátero com vértices numerados com 1, 2 e 3. De- notemos por r0, r1, · · · , r2 as rotações que se podem fazer em torno do seu centro de modo a não alterar a posição inicial do triângulo, ou seja, são rotações em torno do seu centro de ângulos 0◦, 120◦ e 240◦, respectivamente. Consideremos também as reflexões f1, f2 e f3 com relação às retas que passam pelo centro do triânguloe que são mediatrizes de cada lado. • f1 é a reflexão com relação à mediatriz do lado ligando 2 a 3 38 • f2 é a reflexão com relação à mediatriz do lado ligando 1 a 3 • f3 é a reflexão com relação à diagonal ligando os vértices 1 e 2 conforme ilustrado a seguir: Dados dois elementos quaisquer x, y ∈ D3, calculamos x ⊙ y e organizamos os resultados obtidos na forma da seguinte tábua: ⊙ e r1 r2 f1 f2 f3 e e r1 r2 f1 f2 f3 r1 r1 r2 e f2 f3 f1 r2 r2 e r1 f3 f1 f2 f1 f1 f3 f2 e r2 r1 f2 f2 f1 f3 r1 e r2 f3 f3 f2 f1 r2 r1 e 2.16.4 Grupos diedrais e isomorfismos É possı́vel mostrar que todo grupo diedral Dn é isomorfo a um grupo de matrizes 2 × 2. Por exemplo, D4 é isomorfo ao grupo M = {R0, R1, R2, R3, S 0, S 1, S 2, S 3} onde R0 = [ 1 0 0 1 ] , R1 = [ 0 −1 1 0 ] , R2 = [ −1 0 0 −1 ] , R3 = [ 0 1 −1 0 ] , S 0 =[ 1 0 0 −1 ] , S 1 = [ 0 1 1 0 ] , S 2 = [ −1 0 0 1 ] , S 3 = [ 0 −1 −1 0 ] . Em geral, cada rotação de Dn equivale a uma matriz Rk = [ cos(2kπ/n) − sen(2kπ/n) sen(2kπ/n) cos(2kπ/n) ] , e cada reflexão a uma matriz S k = [ cos(2kπ/n) sen(2kπ/n) sen(2kπ/n) − cos(2kπ/n) ] . 39 Temos também que Dn é isomorfo a um subgrupo de permutações de S n. Por exemplo, D4 é isomorfo ao grupo G = {e, σ1, σ2, σ3, σ4, σ5, σ6, σ7} ⊂ S 4, onde e = ( 1 2 3 4 1 2 3 4 ) , σ1 = ( 1 2 3 4 1 2 3 4 ) , σ2 = ( 1 2 3 4 4 1 2 3 ) , σ3 = ( 1 2 3 4 3 4 1 2 ) , σ4 = ( 1 2 3 4 2 3 4 1 ) , σ5 = ( 1 2 3 4 4 3 2 1 ) , σ6 = ( 1 2 3 4 2 1 4 3 ) , σ7 = ( 1 2 3 4 1 4 3 2 ) . O grupo D3 é isomorfo ao grupo G = {e, σ1, σ2, σ3, σ4, σ5}, onde e = ( 1 2 3 1 2 3 ) , σ1 = ( 1 2 3 1 2 3 ) , σ2 = ( 1 2 3 1 2 3 ) , σ3 = ( 1 2 3 3 1 2 ) , σ4 =( 1 2 3 2 3 1 ) , σ5 = ( 1 2 3 3 2 1 ) . Note que G = S 3. Portanto, D3 ≃ S 3. 2.17 Exercı́cios propostos 1) Seja G um grupo multiplicativo e x, y, z ∈ G. Mostre que (x ·y · z)−1 = z−1 ·y−1 · x−1 e determine g ∈ G tal que z · y · g · x = y · z. 2) Mostre que um grupo G é abeliano se, e somente se, f : G −→ G definida por f (x) = x−1 é um homomorfismo. 3) Considere o grupo G = � × � com a operação (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d). Mostre que f : G −→ G, f (x, y) = (y − x, 0) é um homomorfismo e calcule o seu núcleo. 4) Dê exemplo de dois elementos x , y do grupo de permutações S 6 que sejam diferentes do elemento neutro e calcule xy, yx, x−1, y−1 e suas ordens o(x) e o(y). 5) Sejam G = S 5, e = ( 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 ) , x = ( 1 2 3 4 5 1 4 5 2 3 ) , y = ( 1 2 3 4 5 3 5 2 1 4 ) , H = {e, x}. Calcule as classes laterais à esquerda e à direita módulo H definidas por y e verifique se H ▹G. 6) Considere as permutações σ1 = ( 1 2 3 4 5 3 5 1 2 4 ) e σ2 = ( 1 2 3 4 5 1 4 2 5 3 ) do 40 grupo S 5. Determine uma solução x ∈ S 5 da equação σ−11 xσ1 = σ2. 7) Dê exemplo de dois subgrupos H1 e H2 de um grupo G de tal forma que H1 ∪ H2 não seja um subgrupo de G. 8) Considere G = � − {1} com a operação ∗ definida por x ∗ y = x + y − xy, ∀x, y ∈ G. Mostre que (G, ∗) é um grupo e verifique se H = 2� = {· · · ,−4,−2, 0, 2, 4, 6, · · · } é um subgrupo de G. 9)Sejam G = �8 e H = {0̄, 4̄}. Construa a tábua do grupo-quociente (G/H,+), identifique seu elemento neutro e os inversos (aditivos) de 1̄ + H e 4̄ + H. 10) Seja G um grupo e g ∈ G. Mostre que f : G −→ G definida por f (x) = gxg−1 é um isomorfismo de G em G. (OBS.: um isomorfismo de G em G é denominado um automorfismo de G.) 11) Considere os grupos (multiplicativos) GL3(�) das matrizes invertı́veis e S L3(�) das matrizes cujos determinantes são iguais a 1. Mostre que GL3(�)/S L3(�) ≃ (�∗, ·). (Sugestão: considere a função determinante de matrizes, calcule seu núcleo e use o Teorema do Homomorfismo.) 12) Dê exemplo de um grupo abeliano de ordem 4 que esteja contido no grupo não abeliano D4. 13) Calcule as ordens e os inversos de cada elemento de D3 e de D4. 14) Sejam r e f uma rotação e uma reflexão de D4, respectivamente. Mostre que ( f ⊙ r)2 = e e que f ⊙ r = r−1 ⊙ f . 41 Capı́tulo 3 Anéis 3.1 Introdução Um anel é um conjunto que está relacionado com duas operações, normalmente denominadas de adição e multiplicação, onde cada uma das operações combina dois elementos do conjunto para formar um outro elemento do conjunto. Para um con- junto ser um anel, a adição e a multiplicação têm que satisfazer várias propriedades: comutatividade da adição, associatividade da adição, existência de elemento neutro e elemento inverso na adição, associatividade da multiplicação e uma propriedade envolvendo as duas operações denominada distributividade. Um dos exemplos mais familiares de anéis é o conjunto dos números inteiros com as operações de adição e multiplicação de inteiros. Os anéis ocorrem em várias áreas da Matemática e suas aplicações e, por causa disso, são considerados importantes estruturas algébricas. O estudo de anéis iniciou-se no final do século XIX com os trabalhos de Richard Dedekind sobre polinômios e inteiros algébricos. O termo anel (Zahlring) foi criado por David Hilbert em 1897 e a primeira definição axiomática de anéis foi dada por Adolf Fraenkel em 1914. Neste capı́tulo, pretendemos explorar conteúdos que permitam responder às se- guintes perguntas: • Como identificar se determinado conjunto com duas operações é um anel? • O conjunto, sendo um anel, pode conter subconjuntos que também são consi- derados anéis? • Dados dois anéis, existe alguma relação entre eles? Eles se comportam da mesma forma, com as mesmas propriedades algébricas? Para responder a esses questionamentos, desenvolvemos a seguir as noções de anéis, subanéis, homomorfismos, isomorfismos, entre outros. 42 3.2 Definição e exemplos Definição 3.1. Consideremos um conjunto A , ∅ no qual estão definidas duas operações: uma adição (+) e uma multiplicação (·). Dizemos que (A,+, ·) é um anel (ou simplesmente que A é um anel) quando forem verificadas as seguintes pro- priedades: • A é um grupo abeliano com relação à adição, isto é: ◦ ∀x, y, z ∈ A, x + (y + z) = (x + y) + z ◦ ∀x, y ∈ A, x + y = y + x ◦ Existe 0 ∈ A tal que x + 0 = x, ∀x ∈ A ◦ Para todo x ∈ A, existe (−x) ∈ A tal que x + (−x) = 0 • A multiplicação é associativa, isto é: ∀x, y, z, (x · y) · z = x · (y · z) • A multiplicação é distributiva com relação à adição, ou seja, ∀x, y, z ∈ A, x · (y+ z) = x · y + x · z e (x + y) · z = x · z + y · z. Exemplo 3.1. O conjunto dos números inteiros� é um anel com relação às operações de adição e multiplicação de inteiros usuais. Também são anéis os seguintes: (�,+, ·), (�,+, ·) e (�,+, ·). Esses são considerados os exemplos clássicos de anéis. Exemplo 3.2. Seja n um inteiro positivo qualquer. O conjunto dos múltiplos de n, denotado por n�, é o conjunto n� = {nk | k ∈ �}. Como a soma ou o produto de dois múltiplos de n dá como resultado um múltiplo de n, temos que o conjunto n� é fechado com relação a essas operações. É imediato observar que as seis propriedades da definição de anel se verificam para n�. Logo, (n�,+, ·) é um anel para todo n > 0 inteiro. Exemplo 3.3. Dado n um inteiro positivo, o conjunto das classes de restos módulo n, �n = {0̄, 1̄, · · · , n − 1}, é um anel com relação às operações de adição e multiplicação definidas da seguinte forma: x̄ + ȳ = x + y e x̄ · ȳ = x · y, ∀x̄, ȳ ∈ �n. Exemplo 3.4. Dado n > 1 um inteiro, o conjunto Mn×n(�) das matrizes quadradas n × n com elementos em � é um anel com relação à adição e à multiplicação de matrizes definidas de forma usual. Também são anéis os seguintes conjuntos de matrizes: (Mn×n(�),+, ·), (Mn×n(�),+, ·), (Mn×n(�),+, ·) e (Mn×n(�m),+, ·). Exemplo 3.5. Dados dois anéis A e B, o produto cartesiano A× B também é um anel se forem definidas nele as seguintes operações: • Adição em A × B: (x1, y1) + (x2, y2) = (x1 + x2, y1 + y2) • Multiplicação em A × B: (x1, y1) · (x2, y2) = (x1 · x2, y1 · y2) 43 O anel assim construı́do é denominado produto direto de A por B. Por exemplo, quando A = B = �, então o produto direto é o anel � × �. O zero de � × � é o O = (0, 0), o inverso aditivo de um elemento (a, b) ∈ � × � é o elemento (−a,−b). Considerando agora os elementos particulares X = (−1, 2) e Y = (4, 5) de � × �, temos os seguintes exemplos de operações com esses elementos: X + Y = (−1 + 4, 2 + 5) = (3, 7) e X · Y = (−1 · 4, 2 · 5) = (−4, 10). Exemplo 3.6. Consideremos o conjunto de todas as funções de � em �, denotado por ��: A = �� = { f | f : � −→ �} no qual a soma f +g e o produto f ·g de duas funções f , g ∈ A quaisquer são definidos da seguinte forma: • f + g : � −→ �, ( f + g)(x) = f (x) + g(x) • f · g : � −→ �, ( f · g)(x) = f (x) · g(x) A adição e a multiplicação de funções assim definidas satisfazem às seguintes pro- priedades: 1) [( f +g)+h](x) = ( f +g)(x)+h(x) = [ f (x)+g(x)]+h(x) = f (x)+ [g(x)+h(x)] = f (x) + (g + h)(x) = [ f + (g + h)](x), ∀ f , g, h ∈ A 2) ( f + g)(x) = f (x) + g(x) = g(x) + f (x) = (g + f )(x), ∀ f , g ∈ A 3) Sendo O a função nula O : � −→ �, O(x) = 0, temos: ( f + O)(x) = f (x) + O(x) = f (x) + 0 = f (x), ∀ f ∈ A 4) Dada f ∈ A, a função (− f ) ∈ A definida por (− f )(x) = − f (x) é tal que [ f + (− f )](x) = f (x) + (− f )(x) = f (x) − f (x) = 0 = O(x) 5) [( f · g) · h](x) = ( f · g)(x) · h(x) = [ f (x) · g(x)] · h(x) = f (x) · [g(x) · h(x)] = f (x) · (g · h)(x) = [ f · (g · h)](x), ∀ f , g, h ∈ A 6) [ f · (g+h)](x) = f (x) · (g+h)(x) = f (x) · [g(x)+h(x)] = f (x) ·g(x)+ f (x) ·h(x) = ( f · g)(x) + ( f · h)(x) = ( f · g + f · h)(x), ∀ f , g, h ∈ A. De modo análogo: ( f + g) · h = f · h + g · h. Concluı́mos assim que (A,+, ·) é um anel de funções de � em � com as operações de adição e multiplicação de funções. Por motivos semelhantes, temos que (��,+, ·) , (��,+, ·) e (��,+, ·) também são anéis de funções. Definição 3.2. Em um anel A, a diferença entre dois elementos x e y de A é denotada por x − y e é definida por x − y = x + (−y). Definição 3.3. Se n for um inteiro positivo, a n-ésima potência de um elemento x de um anel A pode ser definida do seguinte modo: x1 = x e xn = xn−1 · x se n > 1. 44 Observação. Definimos apenas potência de expoente inteiro positivo porque, em geral, em um anel qualquer A pode não fazer sentido calcular x0, e nem x−1. Por exemplo se A for o anel 2� dos inteiros múltiplos de 2, então não se calculam nesse anel 20, e nem 2−1. 3.3 Propriedades Seja (A,+, ·) um anel com relação a uma adição + e uma multiplicação · . • Com relação à adição, (A,+) é um grupo abeliano. Logo: ◦ O zero 0 é único; ◦ Para cada x ∈ A, existe um único (−x) ∈ A tal que x + (−x) = 0; ◦ −(x + y) = (−x) + (−y), ∀x, y ∈ A; ◦ −(−x) = x, ∀x ∈ A; ◦ x + a = x + b⇒ a = b, ∀a, b, x ∈ A • x · 0 = 0 · x = 0, ∀x ∈ A Demonstração: x · 0 = x · (0 + 0) = x · 0 + x · 0⇒ x · 0 + (−x · 0)︸ ︷︷ ︸ =0 = (x · 0 + x · 0) + (−x · 0)⇒ 0 = x · 0 + (x · 0 + (−x · 0)︸ ︷︷ ︸ =0 ) = x · 0 + 0 = x · 0. Logo, x · 0 = 0.Analogamente, 0 · x = 0. • (−x) · y = x · (−y) = −(x · y), ∀x, y ∈ A Demonstração: (−x) · y + x · y = [(−x) + x] · y = 0 · y = 0, daı́, (−x) · y é o inverso aditivo de x · y, ou seja, (−x) · y = −(x · y). De modo análogo se mostra que x · (−y) = −(x · y). • (−x) · (−y) = x · y, ∀x, y ∈ A Demonstração: usando a propriedade anterior, temos que (−x) · (−y) = x · (−(−y)) = x · y. • x · (y − z) = x · y − x · z, ∀x, y, z ∈ A Demonstração: x·(y−z) = x·(y+(−z)) = x·y+x·(−z) = x·y+[−(x·z)] = x·y−x·z. 3.4 Subanéis Definição 3.4. Seja (A,+, ·) um anel e S , ∅ um subconjunto de A. Dizemos que S é um subanel de A quando (S ,+, ·) também for um anel com as operações de A restritas ao conjunto S . 45 Observação. Se S for um subanel de A, então S é fechado para as operações de A, ou seja, x + y ∈ S e x · y ∈ S para quaisquer x, y ∈ S . Exemplo 3.7. O conjunto dos múltiplos de 2, 2�, é um subanel de� com as operações de adição e multiplicação de inteiros usuais. Em geral, (n�,+, ·) é um subanel de (�,+, ·) para qualquer inteiro positivo n. Exemplo 3.8. O conjunto das matrizes quadradas n×n de elementos inteiros Mn×n(�) é um subanel do conjunto das matrizes quadradas n × n de elementos racionais Mn×n(�) com as operações de adição e multiplicação de matrizes usuais. Temos também que Mn×n(�),+, ·) é um subanel de Mn×n(�),+, ·) e que Mn×n(�),+, ·) é su- banel de Mn×n(�),+, ·). A proposição a seguir fornece um critério bastante útil para se determinar se um conjunto é subanel de um anel. Proposição 3.1. Sejam (A,+, ·) e S , ∅ um subconjunto de A. Então, S é um subanel de A se, e somente se, S for fechado com relação à subtração e à multiplicação de A, ou seja, se, e somente se, x − y ∈ S e x · y ∈ S para quaisquer x, y ∈ S . Demonstração. (⇒) Suponhamos S subanel de A. Como (S ,+) é um grupo, temos x − y ∈ S para quaisquer x, y ∈ S , ou seja, S é fechado com relação à subtração. Como S é subanel de A, ele é fechado com relação à multiplicação. Isso demonstra a primeira parte da proposição. (⇐) Suponhamos agora que S seja fechado com relação à subtração e à multipli- cação. • Sendo S fechado com relação à subtração, (S ,+) é um subgrupo de (A,+) (veja Proposição 2.1). Como (A,+) é abeliano, (S ,+) também é abeliano. • Como x · (y · z) = (x · y) · z é válida para quaisquer x, y, z ∈ A, temos que, em particular, também é válida para quaisquer x, y, z ∈ S . • Como x · (y+ z) = x · y+ x · z e (x+ y) · z = x · z+ y · z são válidas para quaisquer x, y, z ∈ A, temos que, em particular, também são válidas para quaisquer x, y, z ∈ S . Logo, S é subanel de A, o que demonstra a segunda parte da proposição. � Observação. Se tivéssemos trocado a subtração da proposição anterior pela adição, obterı́amos uma propriedade que, em geral, não seria verdadeira. Por exemplo, con- siderando os números naturais � com as operações de adição e multiplicação de inteiros, temos que ele é fechado com relação a essas operações, mas não é um su- banel de (�,+, ·). 46 Exemplo 3.9. Consideremos no anel A = (M2×2(�)),+, ·) o conjunto S = {[ x 0 y 0 ] | x, y ∈ � } . É claro que S , ∅ porque, por exemplo, [ 1 0 2 0 ] ∈ S . Além disso, dados dois elementos quaisquer de S , M = [ x 0 y 0 ] e N = [ z 0 t 0 ] , temos que M−N = [ x − z 0 y − t 0 ] ∈ S e M ·N = [ x · z 0 y · z 0 ] ∈ S . Usando a Proposição 3.1, concluı́mos que S é um subanel de A. 3.5 Anéis comutativos Definição 3.5. Um anel (A,+, ·) é denominado comutativo se a sua multiplicação for comutativa, ou seja, se x · y = y · x, ∀x, y ∈ A. Exemplo 3.10. O anel dos inteiros (�,+, ·) é um anel comutativo porque x · y = y · x, ∀x, y ∈ �. Também são comutativos os seguintes anéis: �, �, �, �m e �� com as operações usuais de adição e multiplicação definidas em cada um desses conjuntos. Exemplo 3.11. Consideremos o anel A = (M2×2(�),+, ·) das matrizes quadradas 2 × 2 com elementos inteiros. Sejam X = [ 1 1 2 0 ] e Y = [ 1 0 4 1 ] dois elementos desse anel. Como X · Y = [ 5 1 2 0 ] e Y · X = [ 1 1 6 4 ] , temos X · Y , Y · X. Assim, chegamos à conclusão de que A não é um anel comutativo. Em geral, Mn×n(�), Mn×n(�) Mn×n(�) e Mn×n(�) não são anéis comutativos se n ≥ 2. 3.6 Anéis com unidade Definição 3.6. Um anel com unidade é um anel A cuja multiplicação possui elemento neutro, denotado por 1A ou simplesmente por 1, e denominado a unidade do anel. Exemplo 3.12. O número 1 é a unidade dos anéis (�,+, ·), (�,+, ·),(�,+, ·) e (�,+, ·). Logo, esses são exemplos de anéis com unidade. Exemplo 3.13. Dado m ≥ 2 inteiro, (�m,+, ·) é um anel com unidade. Neste caso, a unidade é a classe 1̄. Exemplo 3.14. O anel A = (M2×2(�),+, ·) é um anel com unidade que é a matriz identidade I = [ 1 0 0 1 ] . Em geral, Mn×n(�), Mn×n(�) Mn×n(�) e Mn×n(�) também são anéis com unidade que é a matriz identidade de ordem n × n. Exemplo 3.15. Se S é um subanel de A, então são possı́veis vários casos: 47 • ambos podem ter unidades e essas unidades podem coincidir ou não; • um pode ter unidade e o outro não ter; • nenhum dos dois tem unidade. Por exemplo, � é subanel de �, ambos têm como unidade o número 1. Por outro lado, 2� é subanel de �, mas 2� não tem unidade. Exemplo 3.16. Sejam A = (M2×2(�)),+, ·) e S = {[ x 0 0 0 ] | x ∈ � } . Então, S é um subanel de A, a unidade de A é a matriz IA = [ 1 0 0 1 ] , enquanto que a unidade de S é a matriz IS = [ 1 0 0 0 ] . Portanto, neste caso temos que A e S são anéis com unidade, S é subanel de A, mas IS , IA. 3.7 Anéis de integridade e corpos Definição 3.7. Um anel comutativo com unidade A é denominado anel de integri- dade quando ∀x, y ∈ A, x · y = 0⇒ x = 0 ou y = 0. Definição 3.8. Dizemos que x , 0 e y , 0 em um anel A são divisores próprios de zero quando x · y = 0. Observação. De acordo com as definições anteriores, um anel de integridade é um anel comutativo com unidade que não tem divisores próprios do zero. Exemplo 3.17. No anel dos inteiros �, se x, y ∈ � são tais que x · y = 0, então temos que x = 0 ou y = 0. Logo, � é um anel de integridade. Também são anéis de integridade: �, � e �. Exemplo 3.18. Em �8, os elementos 2̄ e 4̄ são diferentes de 0̄, mas 2̄ · 4̄ = 8̄ = 0̄. Logo, 2̄ e 4̄ são divisores próprios do zero em�8 e, consequentemente, �8 não é anel de integridade. Em geral, �m é anel de integridade se, e somente se, m for primo. Exemplo 3.19. Em A = M2×2(�) consideremos os elementos X = [ 0 2 0 0 ] e Y =[ 0 3 0 0 ] . X e Y não são matrizes nulas, no entanto X · Y = [ 0 0 0 0 ] . Logo, X e Y são divisores próprios do zero e A não é anel de integridade. Exemplo 3.20. Em �� = { f | f : � −→ �} consideremos g : � −→ � definida por g(x) = { 0 se x < 0 x se x ≥ 0 48 e h : � −→ � definida por h(x) = { −x se x < 0 0 se x ≥ 0 É claro que g e h são funções não nulas e, no entanto, seu produto g · h é a função nula porque se x < 0, então (g · h)(x) = g(x) · h(x) = 0 · (−x) = 0 e, se x ≥ 0, então (g · h)(x) = g(x) · h(x) = x · 0 = 0. Logo, g e h são divisores próprios do zero no anel ��. Definição 3.9. Um anel comutativo com unidade K é denominado um corpo se todo elemento não nulo de K possuir inverso multiplicativo, ou seja, ∀x ∈ K, x , 0 ⇒ ∃x−1 ∈ K tal que x · x−1 = 1. Exemplo 3.21. Os anéis �, � e � são exemplos de corpos. No entanto, � não é um corpo, porque nem todo elemento de � possui inverso multiplicativo (por exemplo, 2 ∈ � e não existe y ∈ � tal que 2 · y = 1) Exemplo 3.22. Sejam p um inteiro primo positivo e A = �p. Como A é um anel comutativo com unidade 1̄, para A ser um corpo, basta que todo elemento não nulo de A tenha um inverso multiplicativo. Seja x̄ ∈ �p tal que x̄ , 0̄. Então, podemos considerar que 1 ≤ x ≤ p−1. Como p é primo, mdc(x, p) = 1 e, daı́, existem inteiros a, b tais que a · x + b · p = 1⇒ a · x + b · p = 1̄⇒ā · x̄ + b̄ · p̄︸︷︷︸ =0̄ = 1̄⇒ ā · x̄ = 1̄. Logo, (x̄)−1 = ā de onde podemos concluir que �p é um corpo. Proposição 3.2. Todo corpo é um anel de integridade. Demonstração. Seja K um corpo e x, y ∈ K tais que x · y = 0. Suponhamos que um deles, digamos y, seja diferente de 0. Como K é um corpo, existe y−1 ∈ K tal que y · y−1 = 1. Daı́, x · y = 0 ⇒ (x · y) · y−1 = 0 · y−1 ⇒ x · (y · y−1︸︷︷︸ =1 ) = 0 ⇒ x = 0. Logo, K não tem divisores próprios de zero, o que implica que ele é um anel de integridade. � Observação. A recı́proca da proposição anterior não é válida, ou seja, nem todo anel de integridade é um corpo. O exemplo mais conhecido dessa situação é o anel dos inteiros �. Exemplo 3.23. O anel das funções �� não é um corpo porque não é anel de integri- dade (veja Exemplo 3.20). Proposição 3.3. Todo anel de integridade finito é um corpo. Demonstração. Seja A = {a1, a2, · · · , an} um anel de integridade com n elementos e seja k ∈ A tal que k , 0. Consideremos f : A −→ A definida por f (x) = k · x. Se 49 a, b ∈ A são tais que f (a) = f (b), então k ·a = k ·b⇒ k ·a−k ·b = 0⇒ k · (a−b) = 0. Como k , 0 e A é anel de integridade, temos a − b = 0, ou seja, a = b. Logo, f de A em A é injetora. Como A é finito, temos que f também é sobrejetora. Se a1 = 1 for a unidade de A, então existe x ∈ A tal que f (x) = 1, ou seja, k · x = 1, o que significa que k−1 = x. Logo, todo elemento não nulo k ∈ A possui um inverso multiplicativo e, consequentemente, A é um corpo. � 3.8 Homomorfismo de anéis Definição 3.10. Uma função f : A −→ B de um anel A em um anel B é denominada homomorfismo de anéis quando forem verificadas as seguintes propriedades: • ∀x, y ∈ A, f (x + y) = f (x) + f (y); • ∀x, y ∈ A, f (x · y) = f (x) · f (y) Exemplo 3.24. Sejam A = �, B = � × � (produto direto) e a função f : A −→ B definida por f (x) = (0, x). Se x, y ∈ �, então f (x + y) = (0, x + y) = (0, x) + (0, y) = f (x) + f (y), e também f (x · y) = (0, x · y) = (0, x) · (0, y) = f (x) · f (y). Logo, f é um homomorfismo do anel A no anel B. Definição 3.11. O núcleo de um homomorfismo f : A −→ B, denotado por N( f ) ou por ker( f ), é definido como sendo o conjunto de todos os elementos de A cuja imagem pela f é igual ao zero do anel B: N( f ) = {x ∈ A | f (x) = 0B} Exemplo 3.25. Ainda com relação ao exemplo 3.24, vamos determinar o seu núcleo. Suponhamos a ∈ N( f ). Então pela definição de núcleo, f(a) = (0, 0) = zero do anel B. Como f (a) = (0, a), temos que (0, a) = (0, 0) de onde resulta que a = 0. Assim, o núcleo de f é o conjunto N( f ) = {0}. Seja f : A −→ B um homomorfismo de anéis. As seguintes propriedades podem ser verificadas: • f (0A) = 0B onde 0A representa o zero do anel A e 0B é o zero de B; • f (−x) = − f (x), ∀x ∈ A; • f (x − y) = f (x) − f (y), ∀x, y ∈ A; • f é uma função injetora se, e somente se, N( f ) = {0A}; • Se S é um subanel de A, então f (S ) é um subanel de B. 50 Lembrando que A e B sendo anéis, temos que (A,+) e (B,+) são grupos e as pro- priedades citadas acima são idênticas às que foram mostradas nas proposições 2.2 e 2.4. Proposição 3.4. Seja f : A −→ B um homomorfismo de anéis que seja uma função sobrejetora. Então: • Se A possuir unidade 1A, então o mesmo acontece com B e a unidade de B é 1B = f (1A); • Se A tem unidade e x é invertı́vel (com relação à multiplicação), então f (x) também é invertı́vel e f (x−1) = [ f (x)]−1. Demonstração. Seja y um elemento qualquer de B. Como f é sobrejetora, y = f (a) para algum a ∈ A e daı́ y · f (1A) = f (a) · f (1A) = f (a · 1A) = f (a) = y. De modo análogo se mostra que f (1A) · y = y. Assim, f (1A) é a unidade de B, ou seja, f (1A) = 1B. Seja x−1 o inverso de x ∈ A. Temos que x · x−1 = 1A ⇒ f (x) · f (x−1) = f (1A) = 1B. Analogamente, temos também que f (x−1) · f (x) = 1B. Logo, f (x−1) é o inverso de f (x), isto é, f (x−1) = [ f (x)]−1. � 3.9 Isomorfismo Definição 3.12. Um isomorfismo de um anel A em um anel B é uma função f : A −→ B que é um homomorfismo e bijetora. Observações. • Se existir um isomorfismo de anéis f : A −→ B, então f −1 : B −→ A também é um isomorfismo. • Quando existir um isomorfismo de A em B, então diremos que A e B são iso- morfos e denotamos isso por A ≃ B. • Se A e B forem anéis isomorfos, então eles têm as mesmas propriedades, a diferença entre eles é basicamente os nomes dos elementos. Exemplo 3.26. Sendo A um anel qualquer, então o anel A × {0} é isomorfo a A. Neste caso, a diferença entre eles é apenas de uma segunda coordenada nula que tem cada elemento de A × {0}. Para verificar que A e A × {0} são isomorfos, basta considerarmos uma função f : A −→ A × {0} definida por f (x) = (x, 0). Temos as seguintes propriedades a respeito de f : • f (x + y) = (x + y, 0) = (x, 0) + (y, 0) = f (x) + f (y), ∀x, y ∈ A; • f (x · y) = (x · y, 0) = (x, 0) · (y, 0) = f (x) · f (y), ∀x, y ∈ A; • Se f (x) = f (y), então (x, 0) = (y, 0)⇒ x = y, logo, f é injetora; 51 • Dado Y = (a, 0) um elemento genérico de A × {0}, o elemento a ∈ A é tal que f (a) = (a, 0) = Y , logo, f é sobrejetora. Portanto, f é um isomorfismo de A em A × {0}. Observação. De modo análogo, temos também que todo anel A é isomorfo ao anel {0} × A. 3.10 Ideais Definição 3.13. Em um anel comutativo A, um subconjunto não vazio I ⊂ A é um ideal em A quando ele satisfizer às seguintes propriedades: • x − y ∈ I, ∀x, y ∈ I; • a · x ∈ I, ∀x ∈ I e ∀a ∈ A Exemplo 3.27. Sejam A = � e I = 2� = conjunto dos inteiros pares. • É claro que I , ∅, porque 0 ∈ I; • Se x, y ∈ I, então x = 2m e y = 2n com m, n ∈ �. Daı́, temos que x − y = 2m − 2n = 2(m − n) ∈ I; • Se a ∈ A, então a · x = a · (2m) = 2(a · m) ∈ I. Portanto, fica mostrado dessa forma que 2� é um ideal em �. Em geral, temos que n� é um ideal em � para todo inteiro n. Exemplo 3.28. Seja A = �� = todas as funções de � em � e I = { f ∈ A | f (2) = 0} = funções de � em� cujos gráficos passam pelo ponto (2, 0). Temos as seguintes propriedades a respeito do conjunto I: • Consideremos, por exemplo, a função f : � −→ � definida por f (x) = x − 2. Como f (2) = 0 temos que f ∈ I o que significa que I , ∅; • Se f , g ∈ I, então f (2) = 0 e g(2) = 0. Daı́, se h = f − g, então h(2) = ( f − g)(2) = f (2) − g(2) = 0 − 0 = 0, logo, h ∈ I; • Se f ∈ I e g ∈ A, então f (2) = 0. Se j = f · g, então j(2) = ( f · g)(2) = f (2) · g(2) = 0 · g(2) = 0, logo, j ∈ I. Portanto, I é um ideal em A. Exemplo 3.29. Todo anel A possui pelo menos dois ideais: o próprio anel A e o conjunto unitário formado só pelo zero, o {0}. Esses são chamados os ideais triviais de um anel. 52 Exemplo 3.30. Seja f : A −→ B um homomorfismo de anéis e N = N( f ). A respeito de N, temos as seguintes propriedades: • Como f é homomorfismo, f (0) = 0. Isso significa que 0 ∈ N e, consequente- mente, N , ∅. • Se x, y ∈ N, então f (x) = 0 e f (y) = 0. Daı́, f (x − y) = f (x) − f (y) = 0 − 0 = 0⇒ x − y ∈ N; • Se x ∈ N e a ∈ A, então a · x é tal que f (a · x) = f (a) · f (x) = f (a) · 0 = 0 ⇒ a · x ∈ N. Com isso, fica mostrado que o núcleo N( f ) é um ideal em A. Observação. Note que um ideal em um anel A é um tipo particular de subanel de A. No entanto, nem todo subanel é um ideal em um anel A. Por exemplo, � é um subanel de�, mas não é um ideal em�: basta considerar 1 ∈ � e √ 2 ∈ � e observar que 1 · √ 2 < �. Proposição 3.5. Sejam A um anel comutativo e I um ideal em A. Então: a) 0 ∈ I; b) x ∈ I ⇒ −x ∈ I; c) x, y ∈ I ⇒ x + y ∈ I; d) Se 1 ∈ I, então I = A; e) Se I possui algum elemento invertı́vel, então I = A. Demonstração. a) Como I , ∅, então I contém algum elemento a. Então a − a ∈ I ⇒ 0 ∈ I; b) Como 0 ∈ I, temos que 0 − x = −x ∈ I; c) Como x, y ∈ I, então x, (−y) ∈ I ⇒ x − (−y) = x + y ∈ I; d) É claro que I ⊂ A. Seja x ∈ A. Como 1 ∈ I, temos x · 1 ∈ I, ou seja, x ∈ I. Portanto, A ⊂ I de onde concluı́mos que A = I; e)Se x ∈ I for invertı́vel, então x · x−1 = 1 ∈ I o que implica em I = A. � Definição 3.14. Sejam A um anel comutativo e a1, a2, · · · , an ∈ A, onde n ≥ 1 é um inteiro. O conjunto formado por todas as combinações do tipo x1 · a1 + x2 · a2 + · · ·+ xn · an, com x1, x2, · · · , xn ∈ A é um ideal em A que é denominado ideal gerado por a1, a2, · · · , an e é denotado por ⟨a1, a2, · · · , an⟩. 53 Observação. Usando-se a definição de ideal, é imediato verificar que I = ⟨a1, · · · , an⟩ é um ideal em A: • Tomando todos os xi = 0, obtemos 0 = 0 · a1 + · · · + 0 · an ∈ I; logo, I , ∅. • Sejam x, y ∈ I; então x = x1 · a1 + · · · + xn · an e y = y1 · a1 + · · · + yn · an, onde xi, yi ∈ A, ∀i ∈ {1, · · · , n}. Temos que x−y = (x1 − y1︸ ︷︷ ︸ ∈A )·a1+· · ·+(xn − yn︸ ︷︷ ︸ ∈A )·an ∈ I. • Se x ∈ I e a ∈ A, então a · x = a · (x1 · a1 + · · · + xn · an︸ ︷︷ ︸ =x ) = (a · x1︸︷︷︸ ∈A ) · a1 + · · · + (a · xn︸︷︷︸ ∈A ) · an ∈ I. Definição 3.15. Quando I = ⟨a⟩ = {x · a | x ∈ A} for um ideal gerado por um único elemento a de um anel comutativo A, então I é denominado ideal principal gerado por a. Exemplo 3.31. O conjunto dos números pares é um ideal principal de � porque é gerado pelo 2 ∈ �. Em geral, I = n� é um ideal principal de � e I = ⟨n⟩. Definição 3.16. Um anel de integridade no qual todos os ideais são principais é denominado anel principal. Exemplo 3.32. � é um anel principal. Para verificarmos isso, seja I um ideal de �. Se I = {0}, então I é principal porque I = ⟨0⟩ é gerado só pelo zero. Se I , {0} então existe um menor número positivo n que pertença a I (neste caso, I é formado por números positivos e negativos pois x ∈ I ⇔ −x ∈ I). Se m ∈ I for um elemento qualquer, então dividindo m por n, obtemos que m = q · n + r onde 0 ≤ r < n. Como r = m − q · n ∈ I, não podemos ter r > 0 porque senão r seria um elemento positivo de I e menor do que n, o que seria absurdo (n é o menor elemento positivo de I). Portanto, r = 0, o que significa que m = q · n. Concluı́mos então observando que I contém n e todo elemento de I é múltiplo de n, ou seja, I = ⟨n⟩ ⇒ I é ideal principal em �. Proposição 3.6. Seja A um anel comutativo com unidade. Então, A é um corpo se, e somente se, seus únicos ideais são os triviais A e {0}. Demonstração. (⇒) Suponhamos A um corpo e I um ideal de A tal que I , {0}. Então I contém um elemento não nulo x e, como A é um corpo, x é invertı́vel e, pelo item (e) da Proposição 3.5, temos que A = I. Logo, os ideais de A só podem ser o {0} ou o A. (⇐) Suponhamos que os únicos ideias de A sejam os triviais. Como A é um anel comutativo com unidade, então, para A ser um corpo, falta só que todo elemento x , 0 possua um inverso (multiplicativo). Considerando I = ⟨x⟩ temos que I , {0} e daı́ só pode ser I = A, ou seja, A = ⟨x⟩. Como 1 ∈ A, temos também que 1 ∈ ⟨x⟩, 54 isto é, existe a ∈ A tal que 1 = a · x⇒ a = x−1. Portanto, x possui inverso e daı́ A é um corpo. � Definição 3.17. Dados dois ideais I e J de um anel comutativo A, definimos as seguintes operações com eles: • Interseção: I ∩ J = {x ∈ A | x ∈ I e x ∈ J} • Adição: I + J = {x + y | x ∈ I e y ∈ J} Os conjuntos I ∩ J e I + J assim obtidos também são ideais de A. Proposição 3.7. Sejam I e J ideais em um anel comutativo A. Então: a) I ∩ J é o maior ideal que está contido em I e em J; b) I + J é o menor ideal que contém simultaneamente I e J. (Aqui, “menor” e “maior” se referem à ordem da inclusão de conjuntos). Demonstração. a) Seja K um ideal de A tal que K ⊂ I e K ⊂ J. Então K ⊂ I ∩ J. Isso mostra que I ∩ J é o maior ideal que está contido simultaneamente em I e J. b) Seja L um ideal de A tal que I ⊂ L e J ⊂ L. Se x ∈ I + J, então x = i + j onde i ∈ I e j ∈ J. Como i, j ∈ L, temos i + j ∈ L, isto é, x ∈ L. Logo, I + J ⊂ L o que mostra que I + J é o menor ideal que contém I e J simultaneamente. � Definição 3.18. Seja P um ideal de um anel comutativo A tal que P , A. Dizemos que P é um ideal primo quando ∀x, y ∈ A, x · y ∈ P⇒ x ∈ P ou y ∈ P. Exemplo 3.33. No anel A = �, consideremos P = 3� = inteiros múltiplos de 3. Então, se x, y ∈ A são tais que x · y ∈ P, então x · y ∈ 3� ⇒ 3|(x · y) ⇒ 3|x ou 3|y⇒ x ∈ P ou x ∈ P. Logo, P é um ideal primo. Exemplo 3.34. Por outro lado, o ideal J = 6� não é um ideal primo pois podemos considerar x = 2 ∈ � e y = 3 ∈ � para os quais x · y = 6 ∈ J, mas, x < J e y < J. Observação. Em geral, p� é um ideal primo de � se, e somente se, p é primo. Definição 3.19. Em um anel comutativo A, um ideal M , A é denominado ideal maximal quando o único ideal que contém M e é diferente dele é o próprio anel A. Exemplo 3.35. Sejam A = � e M = 2�. Se I for um ideal diferente de M e que contenha o M, então contém algum número ı́mpar x = 2n + 1 ∈ I. Como (2n) ∈ M ⊂ I, temos que 1 = x − (2n) ∈ I e daı́ concluı́mos que I = A. Logo, M é maximal. 55 Exemplo 3.36. Por outro lado, o ideal J = 8� não é maximal em A = � porque, por exemplo, o ideal L = 4� é diferente de J e diferente de A e, no entanto, J ⊂ L ⊂ A Observação. Pode-se mostrar que em um anel comutativo com unidade A, todo ideal maximal em A também é um ideal primo. 3.11 Anéis-quocientes Seja I um ideal em um anel comutativo A no qual consideramos a seguinte relação ∼: x ∼ y⇔ x − y ∈ I, ∀x, y ∈ A. Essa é uma relação de equivalência em A porque: • Como 0 ∈ I, temos x − x ∈ I ⇒ x ∼ x, ∀x ∈ A; • Se x ∼ y, então x − y ∈ I ⇒ −(x − y) ∈ I ⇒ y − x ∈ I ⇒ y ∼ x; • x ∼ y e y ∼ z⇒ x− y ∈ I e y− z ∈ I⇒ (x− y)+ (y− z) ∈ I ⇒ x− z ∈ I ⇒ x ∼ z. As classes de equivalência, neste caso, são os conjuntos x̄ = {x + i | i ∈ I} = x + I e o conjunto-quociente de A por ∼ é o conjunto A/∼ = {x̄ | x ∈ A} que é formado por todas as classes de equivalência da relação ∼. Neste caso, denotaremos A/∼ também por A/I. Definição 3.20. Seja I um ideal em um anel comutativo A. O anel quociente de A por I é o conjunto A/I = {x + I | x ∈ A} com as operações de adição e multiplicação definidas a seguir: • Adição: (x + I) + (y + I) = (x + y) + I, ∀x, y ∈ A • Multiplicação: (x + I) · (y + I) = (x · y) + I, ∀x, y ∈ A Observação. Pode-se mostrar que se I for um ideal de um anel comutativo A e se x1+I = x2+I e y1+I = y2+I, então (x1+y1)+I = (x2+y2)+I e (x1 ·y1)+I = (x2 ·y2)+I. Isso mostra que as operações de adição e multiplicação definidas em 3.20 estão bem definidas, ou seja, independem dos representantes das classes. Todas as propriedades mencionadas na definição de um anel podem ser verifica- das tais como: • A adição de classes é comutativa, porque (x + I) + (y + I) = (x + y) + I = (y + x) + I = (y + I) + (x + I), para quaisquer x, y ∈ I. • O elemento neutro do anel-quociente A/I é a classe 0 + I = I, porque (x + I) + (0 + I) = (x + 0) + I = x + I para todo x ∈ A. 56 • O inverso aditivo de x+ I é (−x)+ I porque x+ I+(−x)+ I = (x+(−x))+ I = 0+ I para todo x ∈ A. Teorema 3.1. Seja f : A −→ B um homomorfismo de anéis que seja também uma função sobrejetora. Se I for o núcleo de f , então A/I e B são anéis isomorfos. Demonstração. Já vimos que o núcleo I é um ideal de A; logo, podemos ter o anel- quociente A/I = {x + I | x ∈ A}. Seja φ : A/I −→ B definida por φ(x + I) = f (x). Essa função φ satisfaz às seguintes propriedades. Para quaisquer a, b ∈ A temos: • φ((a+ I)+ (b+ I)) = φ((a+b)+ I) = f (a+b) = f (a)+ f (b) = φ(a+ I)+φ(b+ I). • φ((a + I) · (b + I)) = φ((a · b) + I) = f (a · b) = f (a) · f (b) = φ(a + I) · φ(b + I). • φ(a + I) = φ(b + I) ⇔ f (a) = f (b) ⇔ f (a) − f (b) = 0B ⇔ f (a − b) = 0B ⇔ a − b ∈ I ⇔ a + I = b + I. • Dado y ∈ B, como f é sobrejetora, temos que existe a ∈ A tal que f (a) = b. Logo, a classe a + I é tal que φ(a + I) = f (a) = b. As duas primeiras propriedades verificadas acima mostram que φ é um homomor- fismo de anéis; as duas últimas, mostram que φ é uma função bijetora. Portanto, φ é um isomorfismode A/I em B. � Exemplo 3.37. Seja f : � −→ �5 definida por f (x) = x̄. Essa função é sobrejetora porque dado qualquer ā ∈ �5, então a ∈ � é tal que f (a) = ā. Além disso, ela é um homomorfismo de anéis pois para quaisquer x, y ∈ �, temos: • f (x + y) = x + y = x̄ + ȳ = f (x) + f (y) • f (x · y) = x · y = x̄ · ȳ = f (x) · f (y) Sendo f um homomorfismo de anéis, podemos calcular seu núcleo N( f ). Suponha- mos a ∈ N( f ). Então, pela definição de núcleo, f (a) = 0̄ = elemento neutro de �5 com relação à adição, o que implica em ā = 0̄. Dessa última igualdade, concluı́mos que (a−0) é um múltiplo de 5, ou seja, a é um múltiplo de 5. Como a é um elemento genérico de N( f ), chegamos à conclusão de que ele é igual ao conjunto de todos os múltiplos de 5, ou seja, N( f ) = 5�. Usando agora o Teorema do Homomorfismo (para anéis), obtemos que �/5� ≃ �5. De um modo geral, temos que �/n� ≃ �n. 57 3.12 Exercı́cios propostos 1) Considerando as operações ⊕ e ⊙ em � definidas por x ⊕ y = x + y − 3 e x ⊙ y = x + y − xy3 , mostre que (�,⊕,⊙) é um anel comutativo com unidade. 2) Verifique se (S ,+, ·) é um subcorpo de (�,+, ·) em cada um dos seguintes casos: a) S = {a + b √ 3 | a, b ∈ �} b) S = {a + b √ 3 | a, b ∈ �} c) S = {a √ 2 + b √ 3 | a, b ∈ �} d) S = {a + b 3 √ 3 | a, b ∈ �} (OBS.: S é um subcorpo de K quando ambos são corpos e S ⊂ K) 3) Verifique se o sistema { 3̄x + 4̄y = 1̄ 2̄x + y = 6̄ tem solução (x, y) ∈ �7 × �7. 4) Sendo A um anel de integridade, mostre com detalhes que se x ∈ A for tal que x2 = 1, então x = 1 ou x = −1. 5) Construa as tábuas de adição e multiplicação do anel-quociente �/5�. 6) Mostre que se f : � −→ � é um isomorfismo de anéis, então f é a função identidade. 7) Verifique se (I,+, ·) é um ideal do anel (A,+, ·) em cada um dos seguintes casos: a) I = �, A = �; b) I = 3�, A = �; c) I = { f : � −→ � | f (−1) = 0}, A = ��. d) I = { f : � −→ � | f (3) = f (4) = 0}, A = ��. 8) Verifique se �[ √ 5] = {a + b √ 5 | a, b ∈ �} e �[ √ 7] = {a + b √ 7 | a, b ∈ �} são anéis isomorfos (com as operações de adição e multiplicação usuais). 9) Seja A = {a + b √ 2 | a, b ∈ �}. Mostre que se f : A −→ A for um isomorfismo de anéis, então f ( √ 2) = √ 2 ou f ( √ 2) = − √ 2. 58 Capı́tulo 4 Polinômios 4.1 Introdução Um polinômio é uma sequência de elementos de um anel, onde, a partir de certa ordem, todos os termos da sequência são nulos. Na sua forma mais simples, são estudados desde o Ensino Fundamental. Se forem definidas operações de adição e multiplicação no conjunto dos polinômios, então podemos obter uma estrutura de anel. Costuma-se definir também outros conceitos envolvendo polinômios tais como grau, valor do polinômio em um elemento particular do anel, quociente de uma divisão, resto de uma divisão e máximo divisor comum. O estudo de polinômios está relacionado a um outro assunto muito importante que é o das equações polinomiais, também conhecidas como equações algébricas. Determinar raı́zes de polinômios, ou seja, resolver equações algébricas, é um dos problemas mais antigos e dos mais frequentes na Matemática e suas aplicações. Neste capı́tulo pretendemos desenvolver conteúdos que permitam responder a perguntas tais como: • Quais as operações usuais que podem ser feitas com polinômios? • Se um conjunto for um anel de polinômios, existem subconjuntos que também são anéis? • Quais os elementos de um anel de polinômios possuem inversos multiplicati- vos? • Dados dois polinômios, sempre existe um divisor comum a ambos? • Existem polinômios que têm propriedades parecidas com as dos números pri- mos no anel dos inteiros? • Os conceitos de polinômio e de função polinomial podem ser sempre confun- didos? 59 4.2 Sequências e polinômios sobre um anel Definição 4.1. Seja A um anel. Uma sequência de elementos em A é uma função f : � −→ A. Uma sequência costuma ser representada na forma f = (a0, a1, a2, · · · ), ou de forma mais simplificada f = (ai). Nesse formato, estamos representando f (k) por ak, para todo k ∈ �. O elemento ak ∈ A é denominado o k-ésimo termo da sequência. Definição 4.2. Consideremos duas sequências f = (ai) e g = (bi). • Igualdade: Dizemos que f = g quando ai = bi para todo i ∈ �. • Adição: A soma de f com g é uma sequência h = (ci) tal que ci = ai + bi para todo i ∈ �. • Multiplicação: O produto de f por g é uma sequência j = (di) tal que di = i∑ k=0 ai−kbk para todo i ∈ �. De acordo com a definição acima, o produto das sequências f = (ai) pela sequência g = (bi) é uma sequência h = (di) cujos termos são: d0 = a0b0, d1 = a1b0 + a0b1, d2 = a2b0 + a1b1 + a0b2, d3 = a3b0 + a2b1 + a1b2 + a0b3, · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · dk = akb0 + ak−1b1 + ak−2b2 + · · · + a0bk · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · Exemplo 4.1. Consideremos as seguintes sequências sobre �: f = (3,−2, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) e g = (4, 1, 5, 0, 0, · · · , 0, · · · ). A soma de f com g é a sequência h = (3 + 4,−2 + 1, 0 + 5, 0 + 0, · · · , 0 + 0, · · · ) = (7,−1, 5, 0, 0, · · · , 0, · · · ) e o produto de f por g é a sequência j = (di) onde: d0 = 3 · 4 = 12, d1 = 3 · 1 + (−2) · 4 = −5, d2 = 3 · 5 + (−2) · 1 + 0 · 4 = 13, d3 = 3 · 0 + (−2) · 5 + 0 · 1 + 0 · 4 = −10, d4 = 3 · 0 + (−2) · 0 + 0 · 5 + 0 · 1 + 0 · 4 = 0, dk = 0 para todo k ≥ 5, Logo, j = (12,−5, 13,−10, 0, 0, · · · , 0, · · · ). 60 Definição 4.3. Em um anel A, uma sequência (a1, a2, a3, · · · ) com ai ∈ A para todo i ∈ � é denominada polinômio sobre A quando existir um ı́ndice s ∈ � tal que ak = 0 para todo k > s. Observação. Uma sequência que é um polinômio tem todos os seus termos nulos a partir de certa ordem. Por isso, um polinômio também é denominado sequência quase-nula. Os termos de um polinômio também são chamados de coeficientes. Exemplo 4.2. • f = (5, 6, 9,−3, 0, 0, · · · , 0, · · · ), onde ak = 0 se k > 3 é um polinômio sobre o anel �; • g = ([ 1 2 3 4 ] , [ 0 2 1 0 ] , [ 0 0 1 −8 ] , [ 0 0 0 0 ] , · · · , [ 0 0 0 0 ] , · · · ) é um polinômio sobre o anel M2×2(�); • h = (1, 1, 1, 1, · · · , 1, · · · ), onde ak = 1 para todo k ∈ � não é um polinômio sobre �. • o = (0, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) é um polinômio sobre um anel A e é denominado polinômio nulo sobre A. 4.3 Proposições básicas Notação: Vamos denotar por A[x] o conjunto de todos os polinômios sobre o anel A. Proposição 4.1. A soma de dois polinômios sobre um anel A também é um polinômio sobre A, ou seja, A[x] é fechado com relação à adição. Demonstração. Sejam p = (ai) e q = (bi) dois polinômios de A[x]. Por definição, existem ı́ndices m, n ∈ � tais que ai = 0 se i > m e bi = 0 se i > n. Seja r = max(m, n). Se i > r, então i > m e i > n e daı́ ci = ai + bi = 0 + 0 = 0. Portanto, a sequência f = (ci) = p + q é um polinômio sobre o anel A. � Proposição 4.2. O produto de dois polinômios sobre um anel A também é um po- linômio sobre A, ou seja, A[x] é fechado com relação à multiplicação. Demonstração. Sejam p = (ai) e q = (bi) polinômios de A[x] e m, n ∈ � tais que ai = 0 se i > m e bi = 0 se i > n. Seja f = (ci) = f · g. Se k ≥ 1, então, por definição, cm+n+k = a0bm+n+k+a1bm+n+k−1+· · ·+ambn+k+am+1bn+k−1+am+2bn+k−2+· · ·+am+n+kb0. Como bm+n+k = bm+n+k−1 = · · · = bn+k = 0 e am+1 = am+2 = · · · = am+n+k = 0, temos que cm+n+k = 0. Logo, escolhendo r = m + n, temos ci = 0 se i > r. Isso mostra que f = p · q é um polinômio sobre A. � Proposição 4.3. Se A for um anel, então A[x] também é um anel. 61 Demonstração. Sejam f = (ai), g = (bi) e h = (ci) três polinômios genéricos em A[x]. • Se f + g = (ci) e g + f = (di), então ci = ai + bi = bi + ai = di, ∀i ∈ �; logo, f + g = g + f . • Se f +(g+h) = (ci) e ( f +g)+h = (di), então ci = ai+(bi+ci) = (ai+bi)+ci = di, ∀i ∈ �; logo, f + (g + h) = ( f + g) + h. • Seja o = (0, 0, 0,· · · , 0, · · · ) = (ei) tal que ei = 0 para todo i ∈ �. Temos então: f + o = (di) onde di = ai + ei = ai + 0 = ai, ∀i ∈ �. Logo, f + o = f , o que significa que o é o elemento neutro da adição (denominado polinômio nulo). • Seja − f = (di), onde di = −ai, ∀i ∈ �. Então, se f + (− f ) = (ei), então ei = ai + di = ai + (−ai) = 0, ∀i ∈ �; logo, f + (− f ) = o, e isso significa que − f é o inverso (aditivo) de f . • Sejam g · h = (di), f · (g · h) = (ei), f · g = (xi), ( f · g) · h = (yi). Para todo m ∈ �, temos: em = ∑ i+l=m aidl = ∑ i+l=m ai ∑ j+k=l b jck = ∑ i+ j+k=m ai(b jck) = ∑ i+ j+k=m (aib j)ck = ∑ k+n=m ∑ i+ j=n aib j ck = ∑ n+k=m xnck = ym. Fica mostrado assim que f · (g · h) = ( f · g) · h. • Sejam f · (g + h) = (di), f · g = (xi) e f · h = (yi). Para todo k ∈ �, temos: dk = ∑ i+ j=k ai(b j+c j) = ∑ i+ j=k (aib j+aic j) = ∑ i+ j=k aib j+ ∑ i+ j=k aic j = xk+yk. Portanto, f · (g+h) = f ·g+ f ·h. De modo análogo se mostra que ( f +g) ·h = f ·h+g ·h. Com essas 6 propriedades, fica mostrado que A[x] é um anel. � Proposição 4.4. Se A for um anel comutativo, então A[x] também é. Demonstração. Já foi mostrado em proposição anterior que A[x] é um anel. Falta mostrar apenas que a multiplicação de A[x] é comutativa. Consideremos os seguintes polinômios de A[x]: f = (ai), g = (bi), f · g = (ci), g · f = (di). Para todo k ∈ �, temos: ck = ∑ i+ j=k aib j = ∑ i+ j=k b jai = dk. Logo, f · g = g · f . � Proposição 4.5. Se A for um anel com unidade, então A[x] também é. Demonstração. Sejam f = (a0, a1, · · · , an, 0, 0, · · · ) e e = (1, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ). Então: f · e = f e e · f = f ; logo, e = (1, 0, 0, · · · , 0, · · · ) é a unidade de A[x] � Proposição 4.6. Se A for um anel de integridade, então A[x] também é. 62 Demonstração. Tendo em vista o que já foi mostrado em proposições anteriores, resta mostrar apenas que a multiplicação de dois polinômios não nulos dá como resultado um polinômio não nulo. Sejam f = (ai) e g = (bi) dois polinômios não nulos de A[x] e sejam m, n ∈ � tais que am , 0, ak se k > m e bn , 0, b j = 0 se j > n. Se f · g = (ci), vamos calcular o cm+n: cm+n = a0bm+n + a1bm+n−1 + · · · + ambn + · · · + am+n−1b1 + am+nb0 = ambn. Como am , 0, bn , 0 e A é anel de integridade, temos ambn , 0⇒ cm+n , 0⇒ f · g não é nulo. � 4.4 Grau de um polinômio Definição 4.4. Consideremos f = (ai) um polinômio não nulo. O grau de f é o maior ı́ndice dos termos não nulos de f , ou seja, é definido como sendo igual a n se an , 0 e ak = 0 para todo k > n. Neste caso, o termo an é denominado coeficiente dominante de f . O polinômio nulo o = (0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) não tem grau definido. Notação: O grau de um polinômio f é denotado por ∂ f ou por gr( f ). Exemplo 4.3. O termo não nulo de p = (5,−2, 1, 8, 0, 0, · · · , 0, · · · ) ∈ �[x] que tem o maior ı́ndice é o a3 = 8; logo, o grau de p é 3, ou seja, ∂p = 3. Exemplo 4.4. O termo não nulo de q = (2̄, 0̄, 0̄, 3̄, 1̄, 0̄, 0̄, · · · , 0̄, · · · ) ∈ �5[x] que tem o maior ı́ndice é o a4 = 1̄; logo, ∂q = 4. Exemplo 4.5. Em um anel A, se a ∈ A, então o polinômio do tipo c = (a, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) é um polinômio de grau 0 e é denominado polinômio cons- tante em A[x]. Proposição 4.7. Sejam A um anel e p = (ai), q = (bi) dois polinômios não nulos de A[x]. Temos as seguintes propriedades: a) Se p + q , 0, então ∂(p + q) ≤ max(∂p, ∂q); b) Se ∂p , ∂q, então ∂(p + q) = max(∂p, ∂q); c) Se p · q , 0, então ∂(p · q) ≤ ∂p + ∂q; d) Se o coeficiente dominante de p ou de q for regular, então ∂(p · q) = ∂p + ∂q. Demonstração. a) Sejam p+q = (ci) e r = max(∂p, ∂q). Então ci = ai+bi = 0 para todo i > r. Logo, ∂(p+q) é no máximo igual a r, isto é, ∂(p+q) ≤ max(∂p, ∂q); b) Suponhamos n = ∂p > ∂g. Sendo p + q = (ci), então ci = ai + bi = 0 para todo i > n. Logo, ∂(p + q) = n = max(∂p, ∂q). 63 c) Sejam ∂p = m, ∂q = n e p · q = (ci). Então ai = 0 se i > m e bi = 0 se i > n. Além disso, para todo k ≥ 1, temos cm+n+k = am+n+kb0 + am+n+k−1b1 + · · · + am+1bn+k−1 + ambn+k + · · · + a0bm+n+k = 0; logo, ∂(p · q) ≤ m + n = ∂p + ∂q. d) Sejam m = ∂p e n = ∂q. Se p · q = (ci), então cm+n = a0bm+n + a1bm+n−1 + · · · + am−1bn+1 + ambn + am+1bn−1 + · · · + am+nb0 = ambn. Como am , 0, bn , 0 e um dos dois é regular, temos ambn , 0 ⇒ cm+n , 0 e, consequentemente, ∂(p · q) = m + n = ∂p + ∂q. � Exemplo 4.6. Em�[x], se f = (2, 1, 4, 0, 0, · · · ) e g = (−3, 5, 0, 0, · · · ), então f +g = (−1, 6, 4, 0, 0, · · · , 0, · · · ) e f · g = (−6, 7,−7, 20, 0, 0, · · · , 0, · · · ). Neste caso, temos ∂ f = 2, ∂g = 1, ∂( f + g) = 2 = max(∂ f , ∂g) e ∂( f · g) = 3 = ∂ f + ∂g. Exemplo 4.7. Em �4[x], se p = (3̄, 1̄, 2̄, 0̄, 0̄, · · · ) e q = (0̄, 3̄, 2̄, 0̄, 0̄, · · · ), então p+q = (3̄, 0̄, 0̄, 0̄, 0̄, · · · ) e p ·q = (0̄, 1̄, 1̄, 2̄, 0̄, 0̄, 0̄, · · · ). Observe que ∂p = 2, ∂q = 2, ∂(p + q) = 0 < ∂p + ∂q e ∂(p · q) = 3 < ∂p + ∂q. 4.5 Imersão de A em A[x] Sendo A um anel, como A e A[x] são conjuntos com elementos distintos, então, a rigor, A não está contido em A[x]. No entanto, há um subconjunto de A[x] que se comporta como se fosse o próprio A, ou seja, existe um subanel L tal que A ≃ L ⊂ A[x]. Por causa disso, é aceitável afirmar que A ⊂ A[x]. Proposição 4.8. Se A é um anel, então L = {(a, 0, 0, 0, · · · ) | a ∈ A} é um subanel de A[x]. Demonstração. É claro que L , ∅ porque o = (0, 0, 0, 0, · · · ) ∈ L. Sejam p = (a, 0, 0, 0, · · · ) e q = (b, 0, 0, 0, · · · ) dois elementos de L. Temos: p − q = (a − b, 0, 0, 0, · · · ) ∈ L e p · q = (ab, 0, 0, 0, · · · ) ∈ L. Logo, L é um subanel de A[x]. � Observação. O subanel L assim definido é denominado conjunto dos polinômios constantes sobre o anel A. Proposição 4.9. Seja A um anel. Se L = {(a, 0, 0, 0, · · · ) | a ∈ A}, então A é isomorfo a L. Demonstração. Seja φ : A −→ L definida por φ(x) = (x, 0, 0, 0, · · · ). Definida desse modo, φ é um isomorfismo de anéis: • φ(a + b) = (a + b, 0, 0, 0, · · · ) = (a, 0, 0, 0, · · · ) + (b, 0, 0, 0, · · · ) = φ(a) + φ(b), ∀a, b ∈ A; • φ(a · b) = (a · b, 0, 0, 0, · · · ) = (a, 0, 0, 0, · · · ) · (b, 0, 0, 0, · · · ) = φ(a) · φ(b), ∀a, b ∈ A; 64 • φ(a) = φ(b)⇒ (a, 0, 0, 0, · · · ) = (b, 0, 0, 0, · · · )⇒ a = b; logo, φ é injetora; • Dado (y, 0, 0, 0, · · · ) ∈ L, temos que φ(y) = (y, 0, 0, 0, · · · ); logo, φ é sobrejetora. � Devido a esse isomorfismo, podemos identificar a ∈ A com o polinômio (a, 0, 0, 0, · · · ) ∈ A[x], ou seja, podemos escrever a = (a, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ). Em particular, 0 = (0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) e 1 = (1, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ). Note que se a = (a, 0, 0, 0, · · · ) ∈ A[x] for um polinômio constante e p = (p0, p1, p2, · · · , pn, 0, · · · , 0, · · · ) ∈ A[x] for um polinômio qualquer com ter- mos em um anel A, então a · p = (a, 0, 0, 0, 0, · · · ) · (p0, p1, p2, · · · , pn, 0, · · · ) o que implica a · p = (ap0, ap1, ap2, · · · , apn, 0, · · · ). 4.6 Notação usual Definição 4.5. Seja A um anel com unidade. O polinômio x = (0, 1, 0, 0, · · · , 0, · · · ) é denominado indeterminada sobre A. Usando a definição de produto de polinômios, temos: • x2 = x · x = (0, 0, 1, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) • x3 = x2 · x = (0, 0, 0, 1, 0, 0, · · · , 0, · · · ) • x4 = x3 · x = (0, 0, 0, 0, 1, 0, · · · , 0, · · · ) e, em geral, xn é um polinômio que tem todos os termos iguais a zero com exceção apenas de xn = 1. Dado um polinômio qualquer de A[x], f = (a0, a1, a2, · · · , an, 0, 0, · · · ), temos que f = (a0, 0, 0, 0, · · · , 0, 0, · · · ) + (0, a1, 0, 0, · · · , 0, 0, · · · )+ (0, 0, a2, 0, · · · , 0, 0, · · · ) + · · · + (0, 0, 0, 0, · · · , an, 0, · · · ) = a0(1, 0, 0, 0, · · · , 0, 0, · · · ) + a1(0, 1, 0, 0, · · · , 0, 0, · · · )+ a2(0, 0, 1, 0, · · · , 0, 0, · · · ) + · · · + an(0, 0, 0, 0, · · · , 1, 0, · · · ) = a0 + a1x + a2x2 + · · · + anxn. Assim, a notação f = a0 + a1x + a2x2 + · · · + anxn éconsiderada a usual para indicar um polinômio f . Exemplo 4.8. O polinômio p = (4, 5,−3, 2, 7, 0, 0, 0, · · · , 0, · · · ) ∈ �[x] é denotado na forma usual por p = 4 + 5x − 3x2 + 2x3 + 7x4. 65 4.7 Divisão em A[x] A partir deste ponto, vamos sempre considerar um polinômio sobre um anel co- mutativo com unidade. Definição 4.6. Sendo A um anel (comutativo com unidade), dados dois polinômios f e g em A[x], dizemos que f divide g quando existir h ∈ A[x] tal que g = f · h. Notação: Denotamos “ f divide g” por f | g e “ f não divide g” por f - g. Observação. f divide g é considerado o mesmo que: f é divisor de g ou g é divisı́vel por f ou g é múltiplo de f . Exemplo 4.9. Sejam f = −2+ x e g = 6−5x+ x2 = (−2+ x) · (−3+ x). Considerando h = −3 + x, temos que g = f · h e daı́ concluı́mos que f | g. A relação “ f divide g” no anel A[x] possui as seguintes propriedades: a) f | f , ∀ f ∈ A[x]; b) f | g e g | h⇒ f | h c) f | g⇒ f | (h · g), ∀h ∈ A[x]; d) f | g e f | h⇒ f | (p · g + q · h), ∀p, q ∈ A[x]. Demonstração. a) Sendo g = 1 (constante), temos f = g · f ⇒ f | f ; b) Existem p, q ∈ A[x] tais que g = p · f e h = q · g; logo, h = q · (p · f ) = ( q · p︸︷︷︸ ∈A[x] ) · f ⇒ f | h; c) Existe p ∈ A[x] tal que g = p · f ⇒ (h · g) = (h · p) · f ⇒ f | (h · g), ∀h ∈ A[x]; d) Existem a, b ∈ A[x] tais que g = a · f e h = b · f ⇒ p ·g+q ·h = (a · p+b ·q) · f ⇒ f | (p · g + q · h). � O teorema a seguir é conhecido como Algoritmo da Divisão ou Algoritmo de Euclides. Teorema 4.1. Considere f = a0+a1x+a2x2+ · · ·+anxn e g = b0+b1x+b2x2+ · · ·+ bmxm dois polinômios de A[x] tais que g não é o polinômio nulo e seu coeficiente dominante é invertı́vel. Então, existem polinômios q, r ∈ A[x] tais que f = g · q + r e r = 0 ou ∂r < ∂g. Demonstração. • Se f = 0, então basta considerar q = 0, r = 0. • Se f , 0 e ∂ f < ∂g, então basta tomar q = 0 e r = f . 66 • Se f , 0 e ∂ f ≥ ∂g, então vamos usar o Princı́pio de Indução para mostrar que o teorema é válido: ◦ Se ∂ f = 0, então ∂g = 0 e daı́ f = a0 e g = b0. Neste caso, basta tomar r = 0 e q = b−10 · a0. ◦ Suponhamos que ∂ f = n e o teorema é válido para todo polinômio de grau menor do que n (hipótese de indução). ◦ Consideremos o polinômio h = f − anb−1m xn−mg. Se h = 0 ou ∂h < ∂g, então basta considerar r = h e q = anb−1m x n−m. Caso contrário, ∂h ≤ n − 1 e ∂h ≥ ∂g. Pela hipótese de indução (aplicada a h), temos que existem q2, r2 ∈ A[x] tais que h = g · q2 + r2 e r2 = 0 ou ∂r2 < ∂g. Daı́, temos que f − anb−1m xn−mg︸ ︷︷ ︸ =h = gq2 + r2 o que implica em f = g(q2 + anb−1m x n−m) + r2 onde r2 = 0 ou ∂r2 < ∂g e isso prova o teorema. � Definição 4.7. No teorema anterior, o polinômio q é denominado quociente e r é o resto da divisão de f por g. Corolário 4.1. Se A for um anel de integridade, então existem um único q e um único r que satisfazem ao teorema anterior. Demonstração. Suponhamos que na divisão de f por g tivéssemos quocientes q1 e q2 e restos r1 e r2. Vamos mostrar que q1 = q2 e r1 = r2. Se f = gq1 + r1 e f = gq2 + r2 com r1 = 0 ou ∂r1 < ∂g e r2 = 0 ou ∂r2 < ∂g, então gq1 + r1 = gq2 + r2 o que implica em g(q1 − q2) = r2 − r1. Suponhamos r1 , r2. Então, como ∂(g(q1 − q2)) = ∂g + ∂(q1 − q2) = ∂(r2 − r1), temos que ∂(r2 − r1) ≥ ∂g o que é absurdo porque ∂r2 < ∂g e ∂r1 < ∂g ⇒ ∂(r2 − r1) < ∂g. Portanto, r1 = r2 ⇒ g(q1 − q2) = 0⇒ q1 − q2 = 0⇒ q1 = q2. � Corolário 4.2. Seja K um corpo. Dados dois polinômios f , g ∈ K[x], existe um único q ∈ K[x] e um único r ∈ K[x] tais que f = g · q + r e r = 0 ou ∂r < ∂g. Demonstração. Todo corpo é um anel de integridade e, por causa disso, basta usar o corolário anterior com A = K. � Exemplo 4.10. Em �[x], vamos determinar o quociente e o resto da divisão de f = 4 − 3x + 2x2 + 5x3 por g = 2 + x + x2. Como ∂ f = 3 e ∂g = 2, para obtermos f = g ·q+r devemos ter ∂q = ∂ f −∂g = 1 e ∂r < 2. Suponhamos q = a+bx e r = c+dx com a, b, c, d ∈ �. Então f = g ·q+ r ⇒ 4−3x+2x2+5x3 = (2+x+x2)·(a+bx)+(c+dx). Efetuando-se todas as multiplicações e adições indicadas, obtemos: 4−3x+2x2+5x3 = (2a+c)+(a+2b+d)x+(a+b)x2+bx3 67 e, comparando-se coeficientes, obtemos 2a + c = 4 a + 2b + d = −3 a + b = 2 b = 5 cuja solução é b = 5, a = −3, c = 10 e d = −10. Portanto, o quociente da divisão é q = −3 + 5x e o resto é r = 10 − 10x. 4.8 Raı́zes de polinômios Definição 4.8. Sejam A um anel comutativo com unidade, f = a0+a1x+ · · ·+anxn ∈ A[x] e s ∈ A. O valor de f em s, denotado por f (s), é o seguinte elemento de A: f (s) = a0 + a1 · s + a2 · s2 + · · · + an · sn. Quando f (s) = 0, diremos que s é uma raiz do polinômio f . Exemplo 4.11. Sejam f = 4 + x2 − x3, r = 2 e s = 3. Temos: f (r) = f (2) = 4 + 22 − 23 = 0 e f (s) = f (3) = 4 + 32 − 33 = −14. Portanto, r é uma raiz do polinômio f , mas s não é. Proposição 4.10. Sejam A um anel comutativo com unidade, f ∈ A[x] e g = x − s ∈ A[x]. a) O resto da divisão de f por g é igual a f (s); b) f é divisı́vel por g se, e somente se, f (s) = 0. Demonstração. a) Pelo Algoritmo da Divisão, existem polinômios q e r em A[x] tais que f = g · q + r onde r = 0 ou ∂r = 0. Logo, r é um polinômio constante (que pode ser nulo ou não). Assim, temos que f = (x − s) · q + r. Calculando- se o valor desses polinômios em s, obtemos f (s) = (s − s) · q(s)︸ ︷︷ ︸ =0 +r, de onde obtemos r = f (s). b) f é divisı́vel por g se, e somente se, o resto da divisão de f por g é 0 se, e somente se, f (s) = 0. � Observação. Ficou mostrado no item (b) da proposição anterior que se s ∈ A for uma raiz de um polinômio f ∈ A[x], então existe um polinômio g ∈ A[x] tal que f = (x − s) · g. Exemplo 4.12. Em �[x], dados f = x2 + 5x+ 3 e g = x− 4, então o resto da divisão de f por g é f (4) = 42 + 5 · 4 + 3 = 39. 68 Proposição 4.11. Se A for um anel de integridade e f for um polinômio não nulo de A[x] com m raı́zes, então m ≤ ∂ f . Demonstração. Se ∂ f = 0, então f é um polinômio constante e não tem raiz. Neste caso, m = 0 e m ≤ ∂ f . Suponhamos ∂ f = n > 0 e que (por hipótese de indução) a proposição seja verdadeira para todo polinômio de grau n − 1. Se f não possui raiz, m = 0, então, neste caso, a proposição é verdadeira (porque m < n). Caso contrário, seja r uma raiz de f . Como f é divisı́vel por (x − r), temos que existe q ∈ A[x] tal que f = (x − r) · q. Daı́, qualquer outra raiz de f (se existir), será também raiz de q. Como ∂q = n − 1, temos por hipótese que o número de raı́zes de q não ultrapassa n − 1. Juntando-se as raı́zes de q com r, obtemos as raı́zes de f . Logo, o número de raı́zes de f não ultrapassa (n − 1) + 1 = n e daı́, por indução, a proposição fica demonstrada. � Corolário 4.3. Se f e g forem dois polinômios de grau n sobre um anel de integri- dade A e existirem n + 1 elementos s0, s1, · · · , sn ∈ A tais que f (si) = g(si), ∀i, então f = g. Demonstração. Consideremos h = f − g. Então h = 0 ou ∂h ≤ n. Por hipótese, h(si) = f (si)− g(si) = 0, ∀i ∈ {0, 1, · · · , n}, ou seja, cada si é raiz de h⇒ h tem n+ 1 raı́zes. Se h , 0, h poderia ter no máximo n raı́zes. Portanto, h = 0 o que significa que f = g. � 4.9 Polinômios sobre um corpo Proposição 4.12. Seja K um corpo. Então, todo ideal de K[x] é principal (isto é, gerado por um único elemento). Demonstração. Seja I , ⟨0⟩ um ideal de K[x]. Seja g um polinômio de grau mı́nimo escolhido entre os polinômios não nulos de I. Como g ∈ I, temos ⟨g⟩ ⊂ I. Seja f ∈ I. Existem q, r ∈ K[x] tais que f = g · q + r, onde r = 0 ou ∂r < ∂g. Como r = f − g · q e f , g ∈ I, temos r ∈ I. Como g tem grau mı́nimo em I, devemos ter r = 0. Assim, f = g · q o que implica f ∈ ⟨g⟩; logo, I ⊂ ⟨g⟩. Dessa forma, fica mostrado que I = ⟨g⟩, ou seja, I é um ideal principal. � Definição 4.9. Seja K um corpo e f , g ∈ K[x]. Um polinômio d ∈ K[x] é denomi- nado máximo divisor comum de f e g quando • d | f e d | g; • ∀h ∈ K[x],h | f e h | g⇒ h | d. Exemplo 4.13. Sejam f = 3x + 3 e g = x2 − 1 dois polinômios de �[x]. Como f = 3 · (x+1) e g = (x+1) · (x−1), então d = x+1 é um bom “candidato” a máximo divisor comum de f e g. Vejamos: 69 • d | f e d | g; • Seja h ∈ �[x] tal que h | f e h | g. Como ∂ f = 1, temos que ∂h = 0 ou ∂h = 1. Se ∂h = 0, então h é um polinômio constante e, daı́, temos h | d. Se ∂h = 1, então h = ax + b com a, b ∈ �. Existe uma constante k ∈ �∗ tal que 3x+3 = k · (ax+b)⇒ 3 = k ·a e 3 = k ·b⇒ a = b. Logo, h = ax+a = a(x+1) e, daı́, também temos h | d. Portanto, d = x + 1 é máximo divisor comum de f e g. Observação. Em geral, o máximo divisor comum em A[x] não é único porque se d for um máximo divisor comum de f e g, então k · d também é, se k for um elemento invertı́vel de A. Proposição 4.13. Seja K um corpo e f , g ∈ K[x]. Existem polinômios a, b ∈ K[x] tais que d = a · f + b · g seja um máximo divisor comum de f e g. Demonstração. Consideremos I o ideal de K[x] gerado por f e g: I = ⟨ f , g⟩. Como todo ideal de K[x] é principal, existe d ∈ I tal que I = ⟨d⟩. Como f = f · 1 + g · 0 ∈ I ⇒ d | f . De modo análogo, podemos mostrar que d | g. Como d ∈ I, existem a, b ∈ A[x] tais que d = a · f + b · g e se h for divisor de f e g, então h também é um divisor de d. Logo, d é máximo divisor comum de f e g. � 4.10 Polinômios irredutı́veis Definição 4.10. Seja K um corpo e p ∈ K[x]. Dizemos que o polinômio p é irre- dutı́vel em K[x] (ou irredutı́vel sobre K) quando p não é um polinômio constante e, se existirem f , g ∈ K[x] tais que p = f · g, então f é constante ou g é constante. Um polinômio que não é irredutı́vel sobre K é denominado redutı́vel sobre K. Observação. Os polinômios redutı́veis sobre K são aqueles polinômios que podem ser fatorados, ou seja, escritos como produto de dois polinômios não constantes de K[x]. Exemplo 4.14. Todo polinômio de grau 1 é irredutı́vel em �[x]. Justificativa: se p fosse um polinômio de �[x] que tivesse grau 1 e fosse possı́vel escrevê-lo na forma p = f · g, com f , g ∈ �[x] e ∂ f ≥ 1 e ∂g ≥ 1, então ∂p = ∂ f + ∂g ≥ 2 (absurdo). Exemplo 4.15. f = x2 − 9 é redutı́vel em �[x] porque é possı́vel escrevê-lo como produto de dois polinômios não constantes: f = (x+3)(x−3). Note que essa fatoração não é única pois temos também f = (2x + 6)(12 x − 3 2), entre outras possibilidades. No anel dos polinômios sobre um corpo K[x], os polinômios irredutı́veis sobre K têm propriedades muito parecidas com as dos números primos no anel� dos inteiros. Um exemplo disso, é a seguinte proposição: 70 Proposição 4.14. Sejam K um corpo e p, f , g ∈ K[x] tais que p é irredutı́vel e p | ( f · g). Então p | f ou p | g. Demonstração. Suponhamos p - f . Como p é irredutı́vel, temos que os únicos polinômios que podem dividir simultaneamente p e f são os polinômios constantes. Então, o polinômio constante igual a 1 é um máximo divisor comum de p e f . Logo, existem a, b ∈ K[x] tais que 1 = a · p + b · f ⇒ g = (a · g) · p + ( f · g) · b. Como (a ·g) · p e ( f ·g) ·b são múltiplos de p, temos que g também é múltiplo de p, ou seja, p | g. � 4.11 Funções polinomiais Seja A um anel comutativo com unidade. A cada polinômio f ∈ A[x] podemos associar uma função fA : A −→ A dada por fA(a) = f (a) para todo a ∈ A. Desse modo, fA é uma lei que leva cada a ∈ A ao valor do polinômio f em a. Exemplo 4.16. Seja A = �3 = {0̄, 1̄, 2̄}. O polinômio f = 1̄+2̄x+x2 é a sequência f = (1̄, 2̄, 1̄, 0̄, 0̄, · · · , 0̄, · · · ) enquanto que a função polinomial que pode ser associada a f é fA : �3 −→ �3, fA(a) = 1̄ + 2̄a + a2 e é tal que fA : 0̄ 7−→ 1̄ + 2̄ · 0̄ + 0̄2 = 1̄, fA : 1̄ 7−→ 1̄ + 2̄ · 1̄ + 1̄2 = 1̄ e f : 2̄ 7−→ 1̄ + 2̄ · 2̄ + 2̄2 = 0̄. Seja P(A) o conjunto de todas as funções polinomiais que são associadas a algum polinômio sobre um anel A. Em P(A), temos uma adição de funções: ( fA + gA)(a) = fA(a) + gA(a), ∀a ∈ A e também uma multiplicação de funções: ( fA · gA)(a) = fA(a) · gA(a), ∀a ∈ A. Pode-se mostrar que se A for um anel de integridade infinito, então o conjunto das funções polinomiais P(A), com as operações de adição e multiplicação de funções, é um anel isomorfo ao anel dos polinômios A[x] sobre o mesmo anel A. Por causa desse isomorfismo, os conceitos de “polinômio” e “função polinomial” costumam ser confundidos em livros mais básicos, como os do Ensino Médio. Por exemplo, um polinômio sobre � pode ser definido como sendo uma função p : � −→ � tal que p(x) = a0 + a1x + a2x2 + · · · + anxn para algum n ∈ � e ai ∈ �. 4.12 Exercı́cios propostos 1) Determine o grau dos seguintes polinômios de A[x] em cada um dos seguintes casos: 71 a) f = (2 + x2)3(1 + x)4, A = �; b) g = (1̄ + 2̄x)4, A = �8; c) h = (1̄ + x + x2 + x3)2, A = �2 d) p = (3 + x − 2x2)5 − 32(1 + x − x10), A = � 2) Mostre que não existe f ∈ �[x] tal que f 2 = 1 + x + x3. 3) Seja A um anel de integridade e f , g ∈ A[x] tais que ∂( f 2) = 8 e ∂( f g) = 7. Determine ∂( f + g), ∂( f 2 − g2) e ∂( f g3). 4) Considere A = � × � o produto direto de � por �. Mostre que todo elemento (0, a) ∈ A é raiz do polinômio f = (3, 0)x2 + (2, 0)x ∈ A[x]. Dessa forma, um polinômio de grau 2 pode ter uma infinidade de raı́zes. Por que isso não contradiz a Proposição 4.11 ? 5) Sejam f = 3̄x3 − 5̄x + ā e g = x + 2̄ dois polinômios de �7[x]. Determine a para que a divisão de f por g seja exata (ou seja, com resto nulo). 6) Mostre que p = x2 + x + 1 é um polinômio irredutı́vel sobre �. 7) Mostre que f = x2 − 3 é irredutı́vel sobre �, embora seja redutı́vel sobre �. 8) Mostre que f = x4 + 4 é um polinômio redutı́vel sobre �. 9) No anel �4[x], mostre que o polinômio f = 2̄x+ 3̄ é invertı́vel. (Sugestão: calcule f 2) 10) Seja A = �3. Mostre que as funções polinomiais associadas aos polinômios f = x, g = x3 e h = x + 5̄x3 + x9 são iguais. 72 Referências Bibliográficas [1] Domingues, H. H., Iezzi, G., Álgebra Moderna, Atual Editora Ltda., São Paulo, 1979. [2] Gonçalves, A., Introdução à Álgebra, Projeto Euclides, Rio de Janeiro, 1979. [3] Monteiro, L. H. J., Elementos de Álgebra, Ao Livro Técnico S. A., Rio de Janeiro, 1969. [4] Fraleigh, J. B., A first course in Abstract Algebra, Addison–Wesley Publishing Company, Reading, 1966. [5] Herstein, I. N., Topics in Algebra, Ginn and Company, Waltham, 1964. [6] Ayres Jr, F., Jaisingh, L. R., Theory and Problems of Abstract Algebra, Schaum’s Outline Series, 2nd. edition, McGraw Hill, New York, 2004. 73