Buscar

Lazer e Sociedade

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 101 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 101 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 101 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

e s t u d o s d o
A
A coleção Estudos do Lazer destina-se a publicar
pesquisas, relatos de experiência e propostas de
atividades embasadas teoricamente que envolvam a
manifestação humana lazer, seus diversos conteúdos
culturais, nas suas relações com a sociedade,
incluindo políticas de intervenção, com ênfase na
realidade brasileira.
www.atomoealinea.com.br
V I S IT E N O S S O W E B S I T F, ISBN 978-85-751.6
7 8 8 5 7 5
Nelson Carvalho Marcellino | org.
LAZER 4
E S O C I E D A D E
M Ú L T I P L A S R E L A Ç Õ E S
i
3
rai_
o
£
TJ
LU
\ /
x
O conteúdo desta obra vem sendo aplicado
nas disciplinas de Sociologia do Lazer e Lazer e
Sociedade, em cursos de Ciências Humanas,
Administração, Turismo, Educação Física,
específicos da área, dentre outros.
Tem como objetivo fornecer elementos para
a compreensão das relações possíveis entre a
manifestação humana Lazer e aquelas
ocorridas nas áreas das obrigações como o
trabalho, a família, a educação e a religião, bem
como suas vinculações com aspectos sociais
importantes como saúde, inserção social, e
relações interpessoais, abordando questões
como fases da vida, gênero e qualidade de vida.
O lazer, cada vez mais, ganha, na
sociedade contemporânea, status de direito
social e importante elemento de inserção social.
É uma manifestação ligada ao prazer, à saúde, à
qualidade de vida e é fundamental na
construção da cidadania.
Pela amplitude e complexidade da temática,
tal empreendimento não poderia ficar sob a
responsabilidade de um único autor. E, por isso,
estendemos o convite a um grupo de pesqui-
sadores, de diferentes áreas, para darem, cada
um a partir do seu campo de atuação, suas
contribuições. As matrizes teóricas dos
trabalhos também são diferenciadas, o que
poderá fornecer aos leitores uma gama variada
de tendências na abordagem das questões
referentes ao lazer em relação à sociedade.
i e s t u d o s do
Lazer
e s o c i e d a d e
m ú l t i p l a s r e l a ç õ e s
organizador
Nelson Carvalho Marcellino
Alínea
E D I T O R A
A
T Y
Alínea
DIRETOR GERAL
Wilon Mazalla Jr.
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Willian F. Mighíon
COORDENAÇÃO DE REVISÃO
Helena Moysés
REVISÃO DE TEXTOS
Vera Luciana Morandim R. da Silva
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Fábio Cyrino Mortari
Fábio Diego da Silva
Tatiane de Lima
Warsten Mazalla
CAPA
Ivan Grilo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lazer e sociedade: múltiplas relações /
organizador Nelson Carvalho Marcellino. - -
Campinas, SP: Editora Alínea, 2008. - -
(Coleção estudos do lazer)
Bibliografia
1. Lazer 2. Turismo 3. Turismo - Aspectos
sociais 1. Marcellino, Nelson Carvalho.
II. Título. III. Série.
08-07681 CDD -306.3
índices para Catálogo Sistemático
1. Sociologia do turismo 306.3
ISBN 978-85-7516-283-5
Todos os direitos reservados à
Editora Alínea
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP
CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.2319
www.atomoealinea.com.br
Impresso no Brasil
Conselho Editorial
Prof. ür. Edmur Antônio Stoppa - USP
Prof. ür. Helder Ferreira Isayama - UF1V1G
Prof. ura. Maria Cristina Rosa - UFOP
Prof. ür. Nelson Carvalho IVlarcellino - UN1MEP
Prof. ür. Ricardo Ricci Uvinha - USP
Prof. ür. Victor Andrade de Melo - UFRJ
SUMARIO
Apresentação 7
Capítulo l
Lazer e Sociedade: algumas aproximações / 11
Nelson Carvalho Marcellino
Capítulo 2 v
Trabalho e Gestão de Pessoas:
o que lazer tem a ver com isso? 27
Valquíría Padilha
Capítulo 3
Lazer e Educação: desafios da atualidade 45
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Capítulo 4
Lazer e Religião: algumas aproximações 63
Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
Capítulo 5
O Lugar da Família nas Políticas de Lazer 83
Patrícia Zingoni
Capítulo 6
Lazer e Saúde: a sociedade e o social 105
Yara M. Carvalho
Capítulo 7
Estrutura Política Excludente,
Práticas Culturais Normalizadoras,
Políticas de Alívio à Pobreza: o lazer em questão.
Flávia Faissal de Souza
Capitulo 8
Gênero e Lazer: um binômio instigante.
Tânia Mara Vieira Sampaio
.121
.139
.155
Capítulo 9
O Lazer e as Fases da Vida.
Hélder Ferreira Isayama
Christianne Luce Gomes
Capítulo 10
Lazer e Qualidade de Vida: a corporeidade autônoma.
Wagner Wey Moreira
Regina Simões
Sobre os Autores 193
.175
APRESEMTAÇÃO
O entendimento do lazer de modo isolado, sem considerar as
mútuas influências que podem ocorrer, e certamente ocorrem, com
as várias esferas da vida social, tem provocado uma série de
equívocos quando se estuda a questão. Quanto mais complexa se
toma a sociedade, maiores são as necessidades de inter-relações
entre os vários componentes da vida social para o seu
entendimento. Não é diferente no caso do lazer, que guarda estreitas
ligações com o terreno das ações sociais ligadas ao campo das
obrigações por exemplo, e, na nossa sociedade, historicamente
situada, podemos dizer que o trabalho é a principal delas.
Embora não exista um consenso entre os vários autores que
estudam o assunto, a maioria concorda que o período de
consolidação dos processos de industrialização/urbanização é o
que marca com contornos mais nítidos os campos das obrigações,
sobretudo do trabalho e do lazer. É nesse cenário que devemos
entender o lazer, tal como se apresenta aos nossos olhos na vida
social contemporânea.
A observação da prática do lazer na sociedade contemporânea é
marcada por fortes componentes de produtividade. Valoriza-se a
performance, o produto e não o processo de vivência que lhe dá
origem; estimula-se a prática compulsória de atividades denotadoras
de moda ou status. Além disso, o caráter social requerido pela
produtividade confina e adia o prazer para depois do expediente, fins
de semana, períodos de férias ou, mais drasticamente, para a
aposentadoria.
No entanto, isso tudo não nos permite ignorar a ocorrência
historie? do lazer, inclusive como conquista da classe trabalhadora.
O lazer é uma problemática tipicamente urbana, característica
das grandes cidades, porém ultrapassa suas "fronteiras", uma vez que
os grandes centros urbanos levam essa problemática com as mesmas
características, por meio da mídia, para outras regiões do país, nem tão
grandes, nem tão urbanizadas.
Entender o lazer como um campo específico de atividade, em
estreita relação com as demais áreas de atuação humana, não
significa deixar de considerar os processos de alienação que
ocorrem em quaisquer dessas áreas. Entender o lazer como espaço
privilegiado para manifestação do lúdico, na nossa sociedade, não
significa absolutizá-lo ou, menos ainda, considerá-lo como único.
A meu ver, esse entendimento parece ser uma postura que contribui
para abrir possibilidades de alteração do quadro atual da vida
social, tendo em vista a realização humana, a partir de mudanças no
plano cultural.
Entretanto as transformações sociais não afetaram somente as
relações trabalho x lazer, mas também as outras esferas de atuação
humana como a família, a religião, a educação, que sofreram e sofrem
transformações profundas e rápidas com a vida moderna.
Por outro lado, é preciso ter presente que a prática das
atividades de lazer não é fruída da mesma forma pelos diferentes
segmentos da sociedade. Sempre tendo como pano de fundo as
condições socioeconômicas, podemos verificar a existência de um
todo inibidor para o seu desenvolvimento, constituído de barreiras
interclasses sociais (econômicas, sociais, de instrução), e intraclasses
sociais (faixa etária, gênero, violência, acesso a equipamentos,
estereótipos e outras).
Longe de constituir uma manifestação supérflua, o lazer cada
vez mais ganha seu status de direito social, e seu papel privilegiado,
porque ligado ao prazer, de elemento importante de qualidade de
vida, e de construção de cidadania, de saúde, em sentido amplo e de
inserção social.
O objetivo deste livro é fornecer elementos para a
compreensão das relações possíveis entre a manifestação humana
Lazer e aquelas ocorridas nas áreas das obrigações como o
Trabalho, a Família, a Educação e a Religião, bem comosuas
vinculações com aspectos sociais importantes como a saúde, a
inserção social e as relações interpessoais, abordando questões
como fases da vida, gênero e qualidade de vida.
Pela amplitude e complexidade da temática, tal empreendimento
não poderia ficar sob a responsabilidade de um único autor. E, para isso,
estendemos o convite a um grupo de pesquisadores, de diferentes áreas,
para darem, cada um a partir do seu campo de atuação, suas
contribuições. As matrizes teóricas dos trabalhos também são
diferenciadas, o que poderá fornecer aos leitores uma gama variada de
tendências na abordagem das questões referentes ao Lazer em relação à
Sociedade.
O conteúdo da obra vem sendo trabalhado nas disciplinas
Sociologia do Lazer e Lazer e Sociedade, em cursos de Ciências
Humanas, Administração, Turismo, Educação Física e específicos
da área, entre outros.
Esperamos que este livro possa contribuir com o debate.
O organizador
Capítulo 1
LAZER E SOCIEDADE
Algumas aproximações
Nelson Carvalho Marcellino
Quando se trabalha, dentro de uma mesma área, por mais de
três décadas, é praticamente impossível estabelecer novas relações
dentro dela, sem recorrer a trabalhos anteriores, sob pena, de não o
explicitando, faltar à verdade com aqueles quem nos lêem ou ouvem.
Dessa forma, correndo sempre riscos, e o que aqui se apresenta é o de
ser repetitivo, vou retomar, nesta fala, as conclusões de minha
dissertação de mestrado (Marcellino, 2004) e da tese de doutorado
(Marcellino, 2005) e, a partir delas, estabelecer algumas relações,
entre lazer e sociedade.
Ainda julgo ser necessário, nos meus escritos e falas,
explicitar o conceito de lazer, com o qual trabalho, para evitar mal
entendidos na sua discussão. Cada vez que o faço, acrescento novas
explicações, em decorrência de questionamentos que recebo, por
ocasião de suas colocações.
Muitas vezes o que constato é que se busca uma definição.
No entanto, trabalho com um conceito operacional do lazer
historicamente situado.
Deve-se salientar que, se originalmente lazer e recreação
apresentavam-se de forma distinta - o primeiro visto como o
tempo quando a segunda ocorria -, hoje, a recreação é um
componente do lazer - criar de novo, dar vida nova, com novo
vigor, como pode ser, também, de outras esferas de manifestação
humana (Dumazedier, s/d.).
12 Nelson Carvalho Marcellino
Dessa perspectiva, a consideração da recreação/lazer, cada vez
mais em nossa sociedade, deve levar em conta os seguintes pontos:
1) Cultura vivenciada (praticada, fruída ou conhecida), no
tempo disponível das obrigações profissionais, escolares, familiares,
sociais, combinando os aspectos tempo e atitude.
Digo, do concreto da sociedade contemporânea - como é, e
não do devir - como deveria ser, inclusive numa sociedade que eu
próprio considere mais justa.
Quando me refiro à cultura, não estou reduzindo lazer a um
único conteúdo, vendo-o a partir de uma visão parcial, como
geralmente ocorre quando se utiliza a palavra 'cultura', quase sempre
restringindo-a aos conteúdos artísticos, mas aqui abordando os
diversos conteúdos culturais.
E, finalmente, quando digo vivenciada, não estou restringindo o
lazer à prática de uma atividade, mas também ao conhecimento e à
assistência que essas atividades podem ensejar, e até mesmo à
possibilidade do ócio, desde que visto como opção, e nem confundido
com ociosidade, sem contraponto com a esfera das obrigações, no
nosso caso, fundamentalmente, a obrigação profissional;
2) O lazer gerado historicamente e dele podendo emergir, de
modo dialético, valores questionadores da sociedade como um
todo, e sobre ele também sendo exercidas influências da estrutura
social vigente.
A relação que se estabelece entre lazer e sociedade é dialética,
ou seja, a mesma sociedade que o gerou, e exerce influências sobre o
seu desenvolvimento também pode ser por ele questionada, na
vivência de seus valores;
3) Um tempo que pode ser privilegiado para vivência de
valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural,
necessárias para solapar a estrutura social vigente.
A vivência desses valores pode se dar numa perspectiva de
reprodução da estrutura vigente, ou da sua denúncia e anúncio -
pela vivência de valores diferentes dos dominantes - imaginar e
querer vivenciar uma sociedade diferenciada;
La/er e Sociedade 13
4) Portador de um duplo aspecto educativo - veículo e objeto de
ducação, considerando-se, assim, não apenas suas possibilidades de
descanso e divertimento, mas também de desenvolvimento pessoal e
social.
E aqui não se está negando o descanso e o divertimento, mas
simplesmente enfatizando a dimensão menos considerada do lazer,
a de desenvolvimento que o seu vivenciar pode ensejar.
Volto a repetir, como em outros escritos, que o lazer é
entendido, portanto, como a cultura, compreendida em seu sentido
mais amplo, vivenciada no tempo disponível. É fundamental como
traço definidor o caráter "desinteressado" dessa vivência. Ou seja, não
se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da
satisfação provocada pela própria situação. A disponibilidade de
tempo significa possibilidade de opção pela atividade ou pelo ócio
(Marcellino, 2004).
É importante ressaltar, também, que o entendimento do lazer
não pode ser efetuado "em si mesmo", mas como uma das esferas de
a Ison Carvalho Marcellinos ituada. Outras opções implicariam a
colocação apenas parcial e abstrata das questões relativas ao lazer.
É impossível, por exemplo, abordar as questões do lazer isoladas
das questões do trabalho, da educação etc.
A polêmica verificada quanto ao conceito permanece quando
se examina a questão da ocorrência do lazer na vida social, do ponto
de vista histórico. Alguns autores consideram que, se os homens
sempre trabalharam, também paravam de trabalhar, existindo assim
um tempo de não-trabalho, e que esse tempo seria ocupado por
atividades de lazer, mesmo nas sociedades tradicionais. Para outros,
o lazer é fruto da sociedade moderna urbano-industrial.
Não há, a rigor, um caráter de rejeição entre as duas correntes,
mas sim enfoques diferentes. A primeira aborda a necessidade de
lazer, sempre presente, e a segunda se detém nas características que
essa necessidade assume na sociedade moderna. Assim, o lazer
sempre existiu, variando apenas os conceitos sobre o que era e quais
os seus significados.
Em outros tipos de organização social, o que se verifica é o não
isolamento das atividades obrigatórias, das lúdicas, o que de modo
14 Nelson Carvalho Marcellino
algum significa a não existência do lúdico. E mais ainda, o que não nos
permite prever se essa divisão, verificada atualmente na sociedade
moderna, urbano-industrial, permanecerá efetivamente ou não.
Entender o lazer como um campo específico de atividade, em
estreita relação com as demais áreas de atuação do homem, não
significa deixar de considerar os processos de alienação que ocorrem
em quaisquer dessas áreas. Entender o lazer como espaço privilegiado
para manifestação do lúdico na nossa sociedade não significa
absolutizá-lo ou, menos ainda, considerá-lo como único. A meu ver,
esse entendimento parece ser uma postura que contribui para abrir
possibilidades de alteração do quadro atual da vida social, tendo em
vista a realização humana, a partir de mudanças no plano cultural.
O fator econômico é determinante desde a distribuição do tempo
disponível entre as classes sociais, até as oportunidades de acesso à
escola, e contribui para uma apropriação desigual do lazer. São as
chamadas barreiras interclasses sociais. Sempre tendo como pano de
fundo esse fator econômico, podemos distinguir uma série de aspectos
que inibem e dificultam a prática do lazer, fazendo com que se constitua
em privilégio. São chamadas de barreiras intra-classes sociais.
Uma delas é o gênero e, nesse aspecto, as mulheres são desfa-
vorecidas comparativamente aos homens, ou pela rotina do traba-
lho doméstico, ou pela dupla jornada de trabalho e, principalmente,
pelas obrigações familiares decorrentes do casamento, numa socie-
dadeque, apesar dos avanços nesse sentido, continua machista.
Outra delas é a faixa etária. Aqui as crianças e os idosos são
os esquecidos. A criança, por não ter ainda entrado no "mercado
produtivo", não é considerada como a faixa etária que deve ser
vivenciada, mas apenas como uma etapa de preparação para o
futuro. O idoso, por já ter saído do mesmo "mercado", também tem
dificuldades de participação nas atividades de lazer.
Além disso, no plano cultural, uma série de preconceitos
restringe a prática do lazer aos mais habilitados, aos mais jovens e
aos que se enquadram nos padrões estabelecidos de "normalidade".
Dessa forma, a classe social, o nível de instrução, a faixa
etária, o gênero, entre outros fatores, limitam as oportunidades de
prática do lazer. São indicadores indesejáveis e necessitam ser
Lazer e Sociedade 15
atacados por uma política que objetive a democratização do lazer
(Marcellino, 2006).
Democratizar o lazer implica democratizar o espaço. Muito
embora as pesquisas realizadas na área das atividades desenvolvidas
no tempo disponível enfatizem a atração exercida pelo tipo de
equipamento construído, deve-se considerar que, para a efetivação
das características do lazer, é necessário, antes de tudo, que ao tempo
disponível corresponda um espaço disponível. E se a questão for
colocada em termos da vida diária da maioria da população, não há
como fugir do fato: o espaço para o lazer é o espaço urbano.
Se procedermos à relação lazer/espaço urbano, verificaremos
uma série de descompasses, derivados da natureza do crescimento das
nossas cidades, relativamente recente, e caracterizado pela aceleração
e imediatismo. O aumento da população urbana não foi acompanhado
pelo desenvolvimento de infra-estrutura adequada, gerando desníveis
na ocupação do solo e diferenciando marcadamente, de um lado, as
áreas centrais, ou os chamados pólos nobres, concentradores de
benefícios, e de outro a periferia, com seus bolsões de pobreza,
verdadeiros depósitos de habitações. Mesmo quando nesses espaços
estão localizados equipamentos tais como shopping centers, a
população local, geralmente, não tem acesso privilegiado a eles.
Constata-se, principalmente, a centralização de equipamentos
específicos (teatros, cinemas, bibliotecas etc.),1 ou a sua localização
em espaços para públicos segmentados, o ar de "santuário" de que
ainda se revestem um bom número deles e as dificuldades para
utilização de equipamentos não-específicos - o próprio lar, bares,
escolas etc.
Requixa (1980) enfatiza a necessidade de integração, dentro de uma política de
lazer, de equipamentos privados e públicos, de um lado, e de outro, de
equipamentos específicos e não-específicos. Como equipamento não-específico
entende os que, em sua origem, não foram construídos para a prática das
atividades de lazer, mas que depois tiveram sua destinação específica alterada,
de forma parcial ou total, criando-se espaços para aquelas atividades. O autor
coloca que hoje os espaços das cidades precisam ser aproveitados de modo a se
tornarem polivalentes Entre esses equipamentos não específicos estão: o lar, a
rua, o bar, a escola etc. Já os equipamentos específicos são construídos com essa
finalidade, podendo ser classificados pelo tamanho, atendimento aos conteúdos
culturais ou outros critérios.
16 Nelson Carvalho Marcellino
Essa situação é agravada sobretudo se considerarmos que, cada
vez mais, as camadas mais pobres da população vêm sendo expulsas
para a periferia e, portanto, afastadas dos serviços e dos equipamentos
específicos; justamente as pessoas que não podem contar com as
mínimas condições para a prática do lazer em suas residências e para
quem o transporte adicional, além de economicamente inviável, é
muito desgastante. Nesse processo, cada vez menos encontramos
locais para os folguedos infantis, para o futebol de várzea, ou que
sirvam como pontos de encontro de comunidades locais.
Assim, aos espaços destinados ao lazer pouco restou. O lazer
também passou a ser visto pelos grandes investidores como uma
mercadoria.
Há muito a cidade deixou de ser basicamente um espaço
público, neutro, sem querer chamar a atenção. A própria
cidade é um produto a ser vendido para o desenvolvimento
de atividades lucrativas (Sassen, 2000, p. 120).
É preciso que o poder municipal entenda a importância dos
espaços urbanos de lazer nas cidades, antes que empresas os transfor-
mem em produtos acessíveis somente a classes sociais mais altas.
Se o lazer é colocado pela sociedade capitalista enquanto um
momento de consumo, o espaço para o lazer também é visto como um
espaço para o consumo. A constituição dos núcleos é primordialmente
assentada em interesses econômicos. Foram e são concebidos como locais
de produção, ou de consumo (Marcellino, 2006, p. 25). Dessa forma,
também os equipamentos de lazer, os espaços de convívio, seguem
uma tendência à privatização, incluindo aí as áreas verdes que, como o
próprio lazer, passam a ser "mercadorias".
Somos partidários da opinião de que a bela cidade constitui o
equipamento mais apropriado para que o lazer possa se desenvolver.
É aí onde se localizam os grandes contingentes da população, que a
produção cultural pode ser devidamente estimulada e veiculada,
atingindo um público significativo.
O crescimento desordenado, a especulação imobiliária, enfim,
uma série de fatores vem contribuindo para que o quadro das nossas
cidades não seja dos mais promissores, quer na defesa de espaços,
quer em termos da paisagem urbana, quando se fala da contemplação
Lazer e Sociedade 17
estética. Em nome da economia e da funcionalidade, muito se tem
feito "enfeiando" a paisagem urbana.
Mas, não somente a urbanização é regida pelos interesses
imediatistas do lucro. A visão utilitarista do espaço é determinante
também nos processos de renovação urbana, ou seja, nas modificações
do espaço já urbanizado, ditadas pelas transformações verificadas nas
relações sociais. Além da alteração da paisagem, fato mais facilmente
observado e que, pela ausência de critérios, geralmente contribui para
a descaracterização do patrimônio ambiental urbano e a conseqüente
perda das ligações afetivas entre o morador e o hábitat, há diminuição
dos equipamentos coletivos e o aumento do percurso casa/trabalho,
enfim, o favorecimento de pequenos grupos sociais em detrimento dos
antigos moradores.
É relativamente recente a preocupação com os efeitos nocivos
causados pelo processo de urbanização crescente para a estrutura de
nossas cidades. A ação predatória, motivada pelos interesses
imediatistas, ocasiona problemas muito sérios, que afetam a qualidade
de vida e o lazer das populações, contribuindo com a violência e a falta
de segurança, inclusive.
Todas as pesquisas dão conta de que a grande maioria da
população desenvolve suas atividades de lazer, prioritariamente, no
ambiente doméstico. O lar é o principal equipamento não específico
de lazer, ou seja, um espaço não construído de modo particular para
essa função, mas que eventualmente pode cumpri-la. Nessa mesma
categoria figuram os bares, as ruas, as escolas etc.
Quanto ao lar, ainda que possa oferecer condições satisfatórias
para uma minoria de privilegiados, constitui um dos poucos
equipamentos, disponíveis para grandes parcelas da população,
"empurradas" para dentro de suas casas, no tempo disponível para o
lazer. Exatamente essas pessoas são as que menos têm condições para
o desenvolvimento de lazer nas suas habitações. O espaço é exíguo,
quer se considerem as áreas construídas, ou os quintais e áreas abertas
coletivas, quando existem. Na maioria de nossas cidades há favelados
em barracos e também nas favelas de alvenaria, formadas pelas
autoconstruções de fins de semana, ou pelos cubículos dos programas
de habitação popular.
18 Nelson Carvalho Marcellino
No que diz respeito aos bares, muito preconceito ainda existe,
ligado ao consumo de bebidas alcoólicas. Por via de regra, o bar vem
perdendo a sua característica de ponto de encontro, muito embora
algumas iniciativas ocorram, no sentido de suatransformação em
espaço alternativo para outras atividades, como exposições,
lançamentos de livros, músicas ao vivo etc. A maioria dessas iniciativas
fica restrita aos chamados "barzinhos" e cafés freqüentados por jovens,
quase que na totalidade estudantes. Os tradicionais "botequins", onde se
"jogava conversa fora", são substituídos, nas áreas "nobres", pelas
lanchonetes, onde o consumo rápido desestimula a convivência.
As escolas contam com grandes possibilidades para o lazer,
em termos de espaço, nos vários campos de interesse: quadras,
pátios, auditórios, salas etc. Deve-se considerar, ainda, seus períodos
de ociosidade, em férias e fins de semana, e a existência de vínculos
com a comunidade próxima. No entanto, a tão propalada "abertura
comunitária" desses equipamentos não vem se verificando, talvez
pelo temor dos riscos de depredação. Já tive oportunidade de
desenvolver atividades de lazer em escolas, em trabalhos
comunitários e, ao contrário do que se possa imaginar à primeira
vista, uma ação bem realizada nesse sentido, só contribui para
aumentar o respeito das pessoas pelo equipamento, uma vez que, à
medida que o utilizam, vão desenvolvendo sentimentos positivos,
passando a colaborar na sua conservação. No entanto, o que se
verifica, na maioria das vezes, é a "abertura" desses equipamentos
apenas para "festas", cujo objetivo principal é a arrecadação de
fundos para a sua manutenção.
Com relação às ruas, e mesmo que se considerem as praças,
quase sempre são concebidas como locais de acesso, de passagem.
Transitá-las é uma aventura. Algumas iniciativas são tomadas por
grupos de moradores "fechando" espaços para festas juninas ou
"ruas de lazer". Mas são atitudes raras e efêmeras.
A precariedade na utilização dos equipamentos não
específicos coloca-nos três questões igualmente importantes:
l. A necessidade de desenvolvimento de uma política habi-
tacional, que considere, entre outros aspectos, também o
espaço para o lazer - o que não é fácil num país como o
Lazer e Sociedade 19
nosso, com alto déficit habitacional, e que deve estimular
alternativas criativas em termos de áreas coletivas;
2. A consideração da necessidade da utilização dos equipa-
mentos para o lazer, por meio de uma política de animação;
3. A preservação de espaços urbanizados "vazios".
Se o espaço para o lazer é privilégio de poucos, todo o esforço
para a sua democratização não pode depender unicamente da
construção de equipamentos específicos. Eles são importantes e sua
proliferação é uma necessidade que deve ser atendida. Mas a ação
democratizadora precisa abranger a conservação dos equipamentos já
existentes, sua divulgação, "dessacralização", e incentivo à utilização,
com políticas específicas, e preservação do patrimônio ambiental
urbano (Marcellino, 2006).
Mesmo quando superados todos os entraves para a participação
da população em atividades realizadas nos equipamentos específicos e,
particularmente, naqueles dirigidos às áreas de interesses intelectuais e
artísticos, caso de bibliotecas, museus, galerias de arte, teatros etc.,
freqüentemente essa participação é dificultada e inibida pelo ar de
santuário de que se revestem as construções e sua sistemática de
utilização, principalmente, quando são mantidos pelo poder público.
Talvez por nossa falta de tradição, fruto de uma história ainda
recente, e marcada por longo período de colonialismo, e ultimamente
do consumismo das obras da indústria cultural que, em última análise,
também representa uma forma de colonialismo, a necessidade de
preservação de bens culturais, até bem pouco tempo atrás, atingia um
pequeno número de especialistas e cultores, os quais, não raro,
adotavam atitudes que, aos olhos da maioria, assumiam características
de esnobismo.
Outro fator deu uma parcela bastante significativa, nesse sentido:
a crença na impossibilidade de conciliar tradição e progresso, e a própria
idéia do que seriam essa tradição e esse progresso.
Até bem pouco tempo era difundida uma falsa noção de
memória cultural, de sentido muito restrito e embebida na ideologia
dominante. Essa noção estava ligada ao conceito clássico de
patrimônio histórico e artístico, tal como definido no decreto de
criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
18 Nelson Carvalho Marcellino
No que diz respeito aos bares, muito preconceito ainda existe,
ligado ao consumo de bebidas alcoólicas. Por via de regra, o bar vem
perdendo a sua característica de ponto de encontro, muito embora
algumas iniciativas ocorram, no sentido de sua transformação em
espaço alternativo para outras atividades, como exposições,
lançamentos de liwos, músicas ao vivo etc. A maioria dessas iniciativas
fica restrita aos chamados "barzinhos" e cafés freqüentados por jovens,
quase que na totalidade estudantes. Os tradicionais "botequins", onde se
"jogava conversa fora", são substituídos, nas áreas "nobres", pelas
lanchonetes, onde o consumo rápido desestimula a convivência.
As escolas contam com grandes possibilidades para o lazer,
em termos de espaço, nos vários campos de interesse: quadras,
pátios, auditórios, salas etc. Deve-se considerar, ainda, seus períodos
de ociosidade, em férias e fins de semana, e a existência de vínculos
com a comunidade próxima. No entanto, a tão propalada "abertura
comunitária" desses equipamentos não vem se verificando, talvez
pelo temor dos riscos de depredação. Já tive oportunidade de
desenvolver atividades de lazer em escolas, em trabalhos
comunitários e, ao contrário do que se possa imaginar à primeira
vista, uma ação bem realizada nesse sentido, só contribui para
aumentar o respeito das pessoas pelo equipamento, uma vez que, à
medida que o utilizam, vão desenvolvendo sentimentos positivos,
passando a colaborar na sua conservação. No entanto, o que se
verifica, na maioria das vezes, é a "abertura" desses equipamentos
apenas para "festas", cujo objetivo principal é a arrecadação de
fundos para a sua manutenção.
Com relação às ruas, e mesmo que se considerem as praças,
quase sempre são concebidas como locais de acesso, de passagem.
Transitá-las é uma aventura. Algumas iniciativas são tomadas por
grupos de moradores "fechando" espaços para festas juninas ou
"ruas de lazer". Mas são atitudes raras e efêmeras.
A precariedade na utilização dos equipamentos não
específicos coloca-nos três questões igualmente importantes:
l. A necessidade de desenvolvimento de uma política habi-
tacional, que considere, entre outros aspectos, também o
espaço para o lazer - o que não é fácil num país como o
Lazer e Sociedade 19
nosso, com alto déficit habitacional, e que deve estimular
alternativas criativas em termos de áreas coletivas;
2. A consideração da necessidade da utilização dos equipa-
mentos para o lazer, por meio de uma política de animação;
3. A preservação de espaços urbanizados "vazios".
Se o espaço para o lazer é privilégio de poucos, todo o esforço
para a sua democratização não pode depender unicamente da
construção de equipamentos específicos. Eles são importantes e sua
proliferação é uma necessidade que deve ser atendida. Mas a ação
democratizadora precisa abranger a conservação dos equipamentos já
existentes, sua divulgação, "dessacralização", e incentivo à utilização,
com políticas específicas, e preservação do patrimônio ambiental
urbano (Marcellino, 2006).
Mesmo quando superados todos os entraves para a participação
da população em atividades realizadas nos equipamentos específicos e,
particularmente, naqueles dirigidos às áreas de interesses intelectuais e
artísticos, caso de bibliotecas, museus, galerias de arte, teatros etc.,
freqüentemente essa participação é dificultada e inibida pelo ar de
santuário de que se revestem as construções e sua sistemática de
utilização, principalmente, quando são mantidos pelo poder público.
Talvez por nossa falta de tradição, fruto de uma história ainda
recente, e marcada por longo período de colonialismo, e ultimamente
do consumismo das obras da indústria cultural que, em última análise,
também representa uma forma decolonialismo, a necessidade de
preservação de bens culturais, até bem pouco tempo atrás, atingia um
pequeno número de especialistas e cultores, os quais, não raro,
adotavam atitudes que, aos olhos da maioria, assumiam características
de esnobismo.
Outro fator deu uma parcela bastante significativa, nesse sentido:
a crença na impossibilidade de conciliar tradição e progresso, e a própria
idéia do que seriam essa tradição e esse progresso.
Até bem pouco tempo era difundida uma falsa noção de
memória cultural, de sentido muito restrito e embebida na ideologia
dominante. Essa noção estava ligada ao conceito clássico de
patrimônio histórico e artístico, tal como definido no decreto de
criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
20 Nelson Carvalho Marcellino
Assim, o decreto-lei n. 25, no seu artigo l, definia como patrimônio
artístico nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País
e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico ou artístico.
Historicamente, entre estudiosos e instituições voltadas para
a preservação, nota-se uma ampliação gradativa da abrangência do
conceito, com a idéia de excepcionalidade dando lugar à noção de
representatividade dos elementos a serem preservados. Dessa for-
ma, evoluiu-se para o conceito de Patrimônio Ambiental Urbano,
constituído por espaços, que inclusive transcendem a obra isolada e
que caracterizam as cidades, pelo seu valor histórico, social, cultu-
ral, formal, técnico ou afetivo.
Congressos e seminários mais recentes vêm ampliando ainda
mais a abrangência do conceito, incluindo usos e costumes. Para nós,
importa destacar que, enquanto a primeira noção era baseada em
atributos como a singularidade e a monumentalidade, o conceito mais
recente reconhece, inclusive, os elementos afetivos como critérios para
a preservação. Dessa perspectiva, a participação comunitária é
fundamental para o conhecimento do valor do ambiente e da cultura, e
para o incentivo a um comportamento destinado à preservação, à
valorização e à revitalização urbanas.
O lazer pode contribuir, de forma prazerosa, no processo de
valorização e preservação do patrimônio, desde que entendido da
perspectiva colocada anteriormente, e não como mero item da indústria
cultural. Cumpre importante papel, também, na revitalização dos
espaços e equipamentos. Assim, é muito importante a consideração dos
patrimônios artísticos, arquitetônicos e urbanísticos, que fazem parte da
memória das cidades como elementos de enriquecimento da paisagem
urbana. Esse Patrimônio Ambiental Urbano, desde que preservado e
revitalizado, pode e deve se constituir em novos equipamentos
específicos de lazer. Além disso, contribui de maneira significativa para
uma vivência mais rica da cidade, quebrando a monotonia dos
conjuntos, estabelecendo pontos de referência e mesmo vínculos
afetivos. Outro aspecto, não menos importante, é que preservando-se a
identidade dos locais, pode-se manter e, até mesmo, aumentar o
potencial turístico de nossas cidades.
Lazer c Sociedade 21
Toda essa questão do acesso aos equipamentos e espaços de
lazer deve ser vista não somente no âmbito municipal, com a formação
das chamadas Regiões Metropolitanas, em muitas áreas do país.
O termo "megalópole" é usado principalmente para
designar um fenômeno preponderante contemporâneo.
Baseia-se na superposição e interpenetração de áreas
metropolitanas anteriormente distintas, formando um setor
urbanizado contínuo. Onde havia cidades menores,
forma-se uma área urbanizada maior, na qual os centros
metropolitanos são as unidades básicas (Santini, 1993, p. 41).
Diante do novo quadro urbano que se desenha no país, com a
concentração das populações em regiões metropolitanas, e tendo em
vista que o lazer se configurou, historicamente, como uma
problemática essencialmente urbana, é imperioso que se trabalhe em
políticas públicas na perspectiva dessas regiões-consórcios. É
impossível ficar restrito aos âmbitos municipais, inclusive com a série
de impactos que políticas de lazer podem trazer para regiões inteiras.
A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (IBGE, 2001)
aponta que em quase metade da Região Metropolitana de Campinas.
(RMC) não há espaços culturais e de lazer construídos, embora o
perfil apresentado para a região esteja acima da média brasileira em
oferta de serviços de lazer e cultura. Ainda assim, as cidades
periféricas da região conseguem ter algum serviço de qualidade em
lazer, quando eles são da natureza, como lagos e cachoeiras. Mas,
mesmo aqueles mais democráticos, como parques, também são
muito pobres nas periferias. Dos municípios que integram a RMC
apenas um não tem clube ou associação recreativa e somente dois não
têm estádio ou ginásio poliesportivo, mas a pesquisa constata a alta
concentração dos serviços na cidade sede.
Segundo Rinaldo Bárcia Fonseca, coordenador do Núcleo de
Economia Social, Urbana e Regional (Nesur), do Instituto de
Economia, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
esses dados refletem o perfil tradicional das regiões metropolitanas,
que são caracterizadas por centro e periferia, onde a oferta de
serviços de qualidade está no centro (Costa, 2002).
22 Nelson Carvalho Marcellino r Lazer e Sociedade 23
Partimos do pressuposto de que o que ocorria antes com a
concentração dos equipamentos de lazer, no centro das cidades, e
que, com o decorrer do processo de urbanização e especulação
imobiliária, deslocou-se para outras áreas urbanizadas, hoje se dá
com relação ao centro de regiões metropolitanas, em relação às
cidades periféricas, dificultando o acesso da população.
Mesmo para os municípios sede das regiões metropolitanas,
onde há mais facilidade de acesso aos equipamentos, é preciso
verificar o grau de :'sacralização" de que muitas vezes eles são
revestidos, como fatores inibidores, do seu efetivo uso democrático
por parte da população.
Por outro lado, ao examinar as relações Lazer e sociedade, é
preciso verificar quais as ideologias que sustentam as diferentes
abordagens da questão. Comecei a estudar o assunto, por ocasião do
meu trabalho de mestrado. Naquela ocasião, distingui várias
nuanças de uma visão que poderia ser caracterizada como
"funcionalista" do lazer, e destacava que
em todas essas abordagens - romântica, moralista,
compensatória, ou utilitarista - pode-se depreender uma visão
"funcionalista" do lazer, altamente conservadora, que busca a
"paz social", a manutenção da "ordem", instrumentalizando o
lazer como fator que ajuda [...] a suportar a disciplina e as
imposições obrigatórias da vida social, pela ocupação do tempo
livre em atividades equilibradas socialmente aceitas e
moralmente corretas (Marcellino, 2005, p. 38).
Não é preciso muita perspicácia para perceber que é esta a
concepção de lazer, muitas vezes oculta, que é hegemônica na
orientação e formulação de políticas na área, ou a não formulação
explícita, que, ao final, acaba dando o mesmo resultado. E tomem
política de eventos: dia disso, dia daquilo, do desafio, de ações
globais, de lazer, de recreação etc. Muito embora as experiências de
administrações populares e democráticas tenham feito a diferença,
com uma concepção crítico-criativa de lazer, orientando um
modelo participativo de gestão.
Na mesma ocasião, em Lazer e educação, chamava a atenção
para a contraposição daquela visão de lazer que o concebe como
instrumento de dominação, diferentemente da que
o entende como gerado historicamente e do qual emergem
valores questionadores da sociedade como um todo, e sobre
o qual são exercidas influências da estrutura social vigente.
Assim, a admissão da importância do lazer, na vida moderna,
significa considerá-lo como um tempo privilegiado para a
vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem
moral e cultural. Mudanças necessárias para a implantação de
uma nova ordem social (Marcellino, 2004, p. 41).
Mas é preciso que se fale de uma visão crítica"míope",
também, que contribui para a manutenção do status quo que tenta
criticar, uma vez que leva ao imobilismo. Trata-se de uma visão
crítica fechada e cínica, como alguns estudiosos pregam: "Lazer e
capitalismo são incompatíveis", "A felicidade não está nem no
trabalho, nem no lazer, no nosso modo de produção" etc. E daí?
Vivemos o aqui e agora. O que fazer? Esperar a situação ideal para
agir? E enquanto isso não ocorre?
A psicanalista Maria Rita Kekl (2000), analisando o filme
Cronicamente inviável, de Sérgio Bianchi, faz uma interessante
reflexão sobre o pacto do cinismo da sociedade brasileira
contemporânea. O raciocínio caminha pela geração da cumplicidade,
devido ao "excesso de compreensão". Maria Rita conclui que há uma
passagem quase imediata da "realidade" ao "cinismo". Em seguida, e
completando seu belo raciocínio, contrapõe o filme de Bianchi, à
montagem de Marco Antônio Braz, de Bonitinha mas, Ordinária, e
especificamente à
demonstração genial de Nelson Rodrigues de que o efeito
de um discurso crítico fechado sobre si mesmo pode ser a
socialização do que ele pretende demolir... desautoriza
qualquer aposta em outra dimensão que não seja a
canalhice (Kekl, 2000, p. 31).
Que a análise da realidade e a tomada de conhecimento de
sua mísera crueza não nos sirvam de álibis para cinismo e canalhice.
Não que a crítica não deva existir, muito pelo contrário. É por
ela que as construções do novo começam. Ou deveriam começar. E
não dá para querer que se tenham as soluções prontas, acabadas,
principalmente em questões macro. Trabalhamos com a cultura,
24 Nelson Carvalho Marcellino
com a super-estrutura, e seria um absurdo irmos "para luta" com
modelos no plano cultural, estabelecidos apriori. Isso deve ser uma
construção coletiva.
O sonho precisa virar utopia. Mas, parece-me que criticidade
não deva ser desespero. E, muitas vezes, as críticas estão levando ao
imobilismo, ao invés de mobilizarem.
Há ainda no campo do lazer uma outra visão, ecológica
ingênua, que crê que o simples vivenciar dos valores, principalmente
os ecológicos, será suficiente para a mudança de situação não
havendo, assim, necessidade de intervenção do Estado, com o
estabelecimento de políticas públicas.
O lazer abre múltiplas possibilidades. É preciso ações que se
contraponham às da indústria cultural, na maioria das vezes,
exploradora do lazer mercadoria, do entretenimento na sua pior
conotação. Uma política setorial de lazer deve levar em conta as
limitações estruturais, mas também deve crer na especificidade da
ação no plano cultural como um dos instrumentos de mudança.
Somos partidários de uma corrente, que pode ser denominada
de crítico-criativa, que entende o lazer da perspectiva acima colocada.
Lazer sim, mas não qualquer lazer. Não o mero entretenimento,
não o "lazer-mercadoria". Cada vez mais, precisamos do lazer que leve
à convivencialidade, mesmo, por paradoxal que isso possa parecer,
sendo fruído individualmente. Convites à convivência significam, do
meu ponto de vista, minimizar os riscos da exacerbação dos próprios
componentes do jogo, tão bem colocados por Callois (1990), e aqui
por mim retomados, em interpretação livre: a competição que não leve
à violência, a vertigem que não leve ao risco não calculado de vida, a
imitação que não promova o fazer de conta imobilizante da pior
fantasia, sorte/azar que não provoque alheamento. E não se trata de
censura, ou coisa que o valha, sobre o que fazer, mas posições, ou
proposições, do como fazer.
Praticamente todos os autores, ligados ao estudo do lazer,
reconhecem seu duplo aspecto educativo. Trata-se de um
posicionamento baseado em duas constatações: a primeira, que o
lazer é um veículo privilegiado de educação; a segunda, que para a
prática das atividades de lazer são necessários o aprendizado, o
estímulo, a iniciação, que possibilitem a passagem de níveis menos
Lazer e Sociedade 25
laborados, para níveis mais elaborados, complexos, com o
rjqUecimento do espírito crítico, na prática ou na observação.
Verifica-se, assim, um duplo processo educativo - o lazer como
veículo e como objeto de educação.
Tratando-se do lazer como veículo de educação, é necessário
considerar suas potencialidades para o desenvolvimento pessoal e
social dos indivíduos. Tanto cumprindo objetivos consumatórios,
como o relaxamento e o prazer propiciados pela prática ou pela con-
templação, quanto objetivos instrumentais, no sentido de contribuir
para a compreensão da realidade, as atividades de lazer favorecem, a
par do desenvolvimento pessoal, também o desenvolvimento social,
pelo reconhecimento das responsabilidades sociais, a partir do agu-
çamento da sensibilidade ao nível pessoal, pelo incentivo ao
auto-aperfeiçoamento, pelas oportunidades de contatos primários e
de desenvolvimento de sentimentos de solidariedade.
Por outro lado, para o desenvolvimento de atividades no
"tempo disponível", de atividades de lazer, quer no plano da
produção, quer no plano do consumo não conformista e crítico, é
necessário aprendizado. Entretanto, quando a análise é dirigida ao
lazer como objeto de educação - o que implica a consideração da
necessidade de difundir seu significado, esclarecer a importância,
incentivar a participação e transmitir informações que tornem possível
seu desenvolvimento ou contribuam para aperfeiçoá-lo, entra-se numa
área polêmica e marcada por muitas interrogações.
A principal delas talvez seja: como educar para o lazer
conciliando a transmissão do que é desejável em termos de valores,
funções, conteúdos etc., com suas características de livre escolha e
expressão? Creio que a escolha será tão mais autêntica quanto
maior for o grau de conhecimento que permita o exercício da opção
entre alternativas variadas.
Além disso, as barreiras impostas pelos preconceitos e pelas
várias correntes ideológicas, verificadas no plano cultural, poderão
ser relativizadas com mais facilidade, à medida que o lazer vá sendo
convenientemente entendido em termos dos seus valores e funções.
E tal fato contribuiria para que a expressão por meio das atividades de
lazer adquirisse uma extensão muito maior. A própria passagem de
níveis elementares para superiores teria condições de se concretizar
26 Nelson Carvalho Marcellino
mais rapidamente, pela ação educativa para o lazer somada à sua
vivência, do que se dependesse unicamente da participação nas
atividades, ou seja, se se restringisse à educação pelo lazer.
A educação para o lazer pode ser entendida também como um
instrumento de defesa contra a homogeneização e internacionalização
dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa,
atenuando seus efeitos, com o desenvolvimento do espírito crítico.
Além do mais, a ação conscientizadora da prática educativa,
inculcando a idéia e fornecendo meios para que as pessoas vivenciem
um lazer criativo e gratificante, torna possível o desenvolvimento de
atividades até com um mínimo de recursos, ou contribui para que os
recursos necessários sejam reivindicados, pelos grupos interessados,
junto ao poder público (Marcellino, 2006).
Referências
CALLOIS, R. Os jogos e o homens. Liboa: Cotovia, 1990.
COSTA, M. T. Quase metade da RMC é carente de espaços culturais, 2002.
Disponível em: <http://www.cosmo.com.br/diversaoarte/2002/12/21/
materia_div_4/131.shtm>. Acesso em: 21 dez. 2002.
DUMAZEDIER, J. Questionamento teórico do lazer. Porto Alegre, GELAR, s/d.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa de Informações
Básicas Municipais, 2001. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10
dez. 2005.
KEKL, M.R. O pacto do cinismo. Folha de São Paulo, Caderno Mais, 04 jun.
2000,30-1.
MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. 11. ed. Campinas: Papirus, 2004.
. Pedagogia da animação. 1. ed. Campinas: Papirus, 2005.
. Estudos do lazer: uma introdução, 4. ed. Campinas: Autores Associados,
2006.
REQUIXA, R. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer, São
Paulo: SESC, 1980.
S ANTINI, R. de C.G. Dimensões do lazer e da recreação, São Paulo: Angelotti, 1993.SASSEN, S. A cidade e a indústria global do entretenimento. In: Lazer numa sociedade
globalizada: Leisure in a globalized society, São Paulo: SESC/WLRA, 2000.
Capítulo 2
TRABALHO E GESTÃO
DE PESSOAS
O que lazer tem a ver com isso?
Valquíria Padilha
Neste capítulo tratamos especialmente das relações existentes
entre duas categorias sociológicas importantes que delimitam tempos
e espaços distintos, nas sociedades contemporâneas industriais e
capitalistas: o trabalho e a o lazer. Aparentemente antagônicas e
independentes, são categorias profundamente interligadas, como
pretendemos demonstrar neste texto (cf. Padilha, 2003, p. 243-6).
Entendemos que o trabalho tem caráter plural e polissêmico que
exige um conhecimento multidisciplinar. Além disso, a atividade
laborai é fonte de experiência psicossocial, sobretudo dada a sua
centralidade na vida das pessoas: é indubitável que o trabalho ocupa
uma parte importante do espaço e do tempo em que se desenvolve a
vida humana contemporânea. Assim, ele não é apenas valor
econômico; é também meio de auto-estima, de desenvolvimento das
potencialidades humanas, de alcançar sentimento de participação nos
objetivos da sociedade. Como exemplo, basta lembrar que a população
de um lugar é objeto de classificação em função de sua situação
laborai. Profissão (ainda) é senha de identidade.
Compreendemos que as pessoas, apesar das transformações
profundas que testemunhamos hoje no mundo do trabalho,
continuam ancorando sua existência na atividade laborai, mesmo
aquelas que se encontram em situação de desemprego. Na verdade,
essas transformações (reestruturação produtiva, produção enxuta,
terceirização, flexibilização da produção, inovação tecnológica,
trabalho em domicílio, desemprego, dentre outras) (cf. Heloani,
28 Valquíria Padilha r
2002; Antunes; Silva, 2004; Sennet, 1999) estão provocando a
necessidade de uma re-organização do tempo na vida das pessoas.
A centralidade do trabalho dá-se não só na esfera econômica
(o trabalho é a fonte de renda da maioria da população mundial)
como também na esfera psíquica - o que, certamente, representa um
paradoxo, uma vez que o trabalho ainda parece ser a principal fonte
de saúde psíquica (tanto que sua ausência, seja pelo desemprego,
seja pela aposentadoria é causa de abalos psíquicos) ao mesmo
tempo em que se registram cada vez mais pesquisas que evidenciam
o trabalho como causa de doenças física, mental e até de mortes
(cf. Seligmann-Silva, 1994). Mas, é preciso perguntar: que tipo de
trabalho adoece corpo e mente e até mata? Certamente, não é o tipo
de trabalho que deveria ser central na vida das pessoas, para se
manterem criativas, produtivas e mentalmente saudáveis.
Quando afirmamos ser o trabalho central na vida das pessoas,
estamos partindo primeiramente da compreensão de trabalho como
atividade de transformação da natureza pelo homem para criar coisas
úteis para a sociedade; trata-se do trabalho como ponte de
relacionamento entre natureza e ser humano. Essa atividade não pode
deixar de existir na vida das pessoas porque o humano do homem se
realiza apenas quando ele é criativo e produtivo de coisas e idéias úteis
socialmente.1 O trabalho não apenas coloca em relação homem com
natureza mas também homem com outros homens. Historicamente,
essa atividade laborai vai ganhando contornos diferentes, atrelados ao
modo de organização da sociedade e da economia.
Com o desenvolvimento do capitalismo nos últimos duzentos e
cinqüenta anos, o trabalho deixou de realizar-se apenas visando suprir
as necessidades pessoais e familiares e passou a ser propriedade
privada dos donos dos meios de produção: os capitalistas. Assim,
quem possui a capacidade de trabalhar, a mão-de-obra, passa a
vendê-la em troca de salário. Poucos são os que podem comprar
l. Marx (1989, p. 208) afirmou: "O processo de trabalho, [...], é atividade dirigida
com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às
necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o
homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem
depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas
as suas formas sociais".
Trabalho e Gestão de Pessoas 29
trabalho e muitos são os que precisam vendê-lo para poder sobreviver.
A história do capitalismo é basicamente a história da venda e compra
do trabalho e da complexa rede de fenômenos que se tece a partir daí
(cf. Albomoz, 1988; Sandroni, 1985; Catani, 1984).
Com o capitalismo, o trabalho passa a ser alienado e
alienante, pois os trabalhadores não mais produzem apenas por
prazer ou por necessidade de usar o produto do seu trabalho. Os
trabalhadores produzem objetos (e até mesmo idéias, como no caso
de publicitários, professores e outras profissões) sob encomenda
dos capitalistas e muito raramente vêem na sua atividade laborai
oportunidade de ser criativo e autônomo. Assim, o trabalhador não
se reconhece mais no produto do seu trabalho, pois ele não lhe
pertence. Ele não mais se sente em casa no trabalho...
Foi o desenvolvimento do trabalho industrial capitalista que
separou o tempo e o espaço para trabalho e para lazer. Os trabalhadores
da indústria perderam não só a autonomia da criação mas também o
controle sobre seu tempo. Talvez o símbolo da Revolução Industrial
tenha sido menos a máquina à vapor e mais o relógio e a imposição do
tempo da máquina.
Nesse sistema, o mundo é regido pela lógica financeira do
lucro privado, ou seja, a racionalidade econômica é a razão que rege a
existência humana social. Pensando com Latouche (2001), que
afirmou ser o "homo oeconomicus um idiota racional", podemos
perguntar: em busca desse comportamento racional que leva ao lucro
máximo, o homem moderno, manipulando a natureza sem limites,
está encontrando a felicidade para todos? Quando os princípios
econômicos e financeiros passam a ser medida de todas as coisas em
detrimento do social e do humano, como o é na sociedade industrial
capitalista, que tipo de pessoas está sendo formado e que tipo de
organização social elas estão ajudando a formar?
Conforme declarou Maar (apud Padilha, 2005), vivemos
uma situação paradoxal, pois até quem é desempregado vive num
mundo que é medido em termos de tempo de trabalho. Nem o
desempregado consegue fugir do peso da economia e do tempo
fiscal. Maar cita uma expressão de Roberto Schwartz (1999) que
disse que a maior parte da população brasileira é sujeito monetário
desprovido de dinheiro.
30
Valquíria Padilha Trabalho e Gestão de Pessoas 31
Mesmo sem dinheiro para gastar, nós temos sujeitos
monetários, ou seja, são pessoas completamente imersas
num mundo de consumo, de produção, de interesses
econômicos, de padrões fiscais e contábeis (Maar apud
Padilha, 2005, p. 142).
No capitalismo, grande parte dos trabalhadores pergunta se
vive para trabalhar ou se trabalha para viver. Por que dedicamos tanto
tempo e esforço para esse trabalho que não possuímos, cujo fruto não
é nosso e que geralmente não nos dá prazer? Nesse sentido, vale
perguntar: se nossa fonte principal e lícita de dinheiro não fosse o
trabalho, estaríamos sujeitos a ele da mesma forma? Acreditamos
que não... Na verdade, o trabalho aliado ao dinheiro é uma das
principais razões para fazer dos trabalhadores pessoas alienadas,
escravizadas, Sísifos da modernidade2. O trabalho deveria ser fonte
de realização, prazer e criatividade, independentemente de ser fonte
de dinheiro. Mas o capitalismo monetariza tudo e todos, condiciona
todas as pessoas a quererem viver para e pelo dinheiro. Alguém
consegue imaginar hoje como seria a vida sem o dinheiro permeando
todas as nossas relações? Que outro(s) valor(es) poderia(m) estar em
seu lugar?
Temos como hipótese que é a necessidade de dinheiro criada
pela lógica do capital que prende as pessoas à obrigação desse
"trabalho dominado". É a grande indústria e sua racionalidade que
torna o trabalho insuportável ao trabalhador (pelo menos a maior
parte dos trabalhadores, uma vez que são exceções as pessoas que
2. "Sísifo. Filho de Éoloe rei de Corinto, na mitologia grega. Era arguto e suas
artimanhas intrigavam até os próprios deuses. Certa vez venceu em argúcia o
próprio Hades, deus dos mortos. O deus Zeus havia ordenado a Hades que
punisse Sísifo por intromissão. Sísifo ludibriou Hades e amarrou-o com
correntes. Ninguém morreria enquanto Hades estivesse acorrentado. O deus
Ares libertou Hades e lhe deu o poder de atuar sobre Sísifo. Sísifo secretamente
pediu a sua mulher que o enterrasse sem os ritos funerários usuais. Depois que
morreu e se encaminhou para os infernos, queixou-se a Hades de que não havia
sido sepultado corretamente. Pediu para voltar a fim de punir sua esposa.
Depois que Hades lhe deu permissão para retornar à Terra, Sísifo se recusou a
voltar para os infernos. O deus Hermes finalmente capturou Sísifo. Como
castigo eterno, Hades ordenou a Sísifo que rolasse uma grande pedra ao topo de
uma colina. Mas, cada vez que Sísifo atingia o topo da colina, a pedra caía de
novo, e assim era obrigado a rolá-la outra vez para cima" (Enciclopédia
Koogan-Houaiss Digital, 2002).
podem dispor de trabalhos autônomos e criativos). Assim, o
capitalismo cria uma rede de dependência do dinheiro: o trabalho
vendido é insuportável mas é esse trabalho que possibilita ao
homem ter dinheiro e é o dinheiro que faz do homem alguém visível
aos olhos da nossa sociedade. Quanto mais dinheiro se tem, mais
coisas pode-se comprar, mais visível se é socialmente.
Marx, analisando a anatomia do dinheiro (a forma universal
das mercadorias) no capitalismo, cita uma passagem de Sófocles,
em Antígona:
Nada suscitou nos homens tantas ignomínias como o
ouro. É capaz de arruinar cidades, de expulsar os homens de
seus lares; seduz e deturpa o espírito nobre dos justos,
levando-os a ações abomináveis; ensina ao mortal os caminhos
da astúcia e da perfídia, e o induz a realizar obras amaldiçoadas
pelos deuses (Sófocles apud Marx, 1989, p. 147).
É também por isso que Marx desejava ver o fim do capitalismo
(e da propriedade privada) e a construção de uma sociedade em que
as pessoas pudessem dispor livremente de seu tempo para viver. São
suas as impactantes palavras:
Fica desde logo claro que o trabalhador durante toda a
sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo
seu tempo disponível é por natureza e por lei tempo de
trabalho, a ser empregado no próprio aumento do capital.
Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o
desenvolvimento intelectual, para preencher funções
sociais, para o convívio social, para o livre exercício das
forças físicas e espirituais, para o descanso dominical
mesmo no país dos santificadores de domingo. Mas em seu
impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho
excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e
morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve
pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde
do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar
puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado
às refeições para incorporá-lo sempre que possível ao
próprio processo de produção, fazendo o trabalhador
32 Valquíria Padilha
ingerir os alimentos, como a caldeira consome carvão, a
maquinaria, graxa e óleo, enfim, como se fosse mero meio
de produção (Marx, 1989, p. 300-1).
Perceber o quanto trabalho, tempo e dinheiro estão relacionados
sob a lógica do capital é fundamental pára a compreensão das idéias
expostas neste capítulo. O controle do tempo no trabalho é muito mais
que um mero detalhe e não pode passar despercebido nas reflexões que
desenvolvemos nesse texto. Os relatos de Simone Weil, francesa,
professora de filosofia que corajosamente optou trabalhar como operária
na fábrica para sentir (literalmente) na pele o sofrimento do trabalhador3,
descrevem sensações interessantes e muitas delas estão ligadas ao
controle do tempo. Ela afirmou que
o primeiro detalhe que, cada dia, torna a servidão sensível é
o relógio de ponto. O caminho da casa à fábrica está
dominado pelo fato de que é preciso chegar antes de um
segundo mecanicamente determinado (Bosi, 1996, p. 157).
Em outro momento disse que quem obedece assim se ressente
então brutalmente por ver que seu tempo está incessantemente à
disposição de outrem (Bosi, 1996, p. 159).
A respeito do controle que o dinheiro exerce sobre nós na
sociedade capitalista, Weil afirmou:
todos nós sofremos uma certa deformação decorrente de
nossa vida na atmosfera da sociedade burguesa, e até nossas
aspirações em prol de uma sociedade melhor trazem a sua
marca. A sociedade burguesa está atacada de uma mania
única: a monomania da contabilidade. Para ela nada tem
valor se não pode ser registrado em francos e centavos.
Nunca hesita em sacrificar vidas humanas a cifras que
3. Respondendo a uma amiga porque ela se sujeitou ao árduo trabalho fabril, Weil
afirmou que não poderia dizer nem metade do que dizia dos trabalhadores e da
fábrica enquanto professora universitária se não tivesse vivido a experiência de ser
operária. E ela explica o que a vida na fábrica fez com ela: "[...] E não creio que
tenham nascido em mim sentimentos de revolta. Não, muito ao contrário. Veio o que
era a última coisa do mundo que eu esperava de mim: a docilidade. Uma docilidade
de besta de carga resignada. Parecia que eu tinha nascido para esperar, para receber,
para executar ordens - que nunca tinha feito senão isso -, que nunca mais faria outra
coisa. Não tenho orgulho em confessar isso. É a espécie de sofrimento de que
nenhum operário fala; dói demais, só de pensar" (Bosi, 1996, p. 79).
Trabalho e Gestão de Pessoas 33
impressionam no papel, cifras do orçamento nacional ou de
balanços industriais. Todos nós sofremos um pouco do
contágio dessa idéia fixa, deixamo-nos igualmente
hipnotizar por números (Bosi, 1996, p. 137).
Será que o fato de as empresas introduzirem práticas e espaços
de lazer como política de Recursos Humanos (ou de gestão de
pessoas) reflete uma tentativa de amenizar esse esforço e esse tempo
perdidos pelos trabalhadores? Quando as empresas percebem que
seus funcionários perdem a vida no trabalho tentando ganhar a vida
procuram transformar o local de trabalho de modo a torná-lo, ao
menos aparentemente, mais agradável? O que isso significa?
Passamos a analisar as relações crescentes entre lazer na
empresa e gestão de qualidade de vida no trabalho. Interessa-nos
partir das condições de trabalho - que são: contrato, ambiente
físico, ambiente social, segurança e higiene, tarefa, papel, processo,
tempo, clima organizacional4 - para entender como mudanças nas
condições de trabalho repercutem na vida cotidiana das pessoas e
suas famílias conferindo novos significados à experiência laborai.
Então, as condições de trabalho incidem sobre a qualidade de vida,
saúde, bem-estar, motivação, satisfação, rendimento, disfunções
organizacionais (acidentes de trabalho, absenteísmo, rotatividade).
As políticas de gestão de pessoas afetam diretamente as condições
de trabalho e o clima organizacional das empresas. Partimos da
compreensão da empresa como uma organização que proporciona
elementos de inteligibilidade do funcionamento do mundo do
trabalho e da vida dos trabalhadores e vice-versa.
Partimos também do princípio de que o tempo livre e o trabalho
são, cada vez mais, estruturados-estruturantes (no sentido de Bourdieu,
4. 'Clima organizacional' é um termo da área da administração de empresas e é a
percepção coletiva que as pessoas têm da empresa, através da experimentação
de práticas, políticas, estrutura, processos e sistemas e a conseqüente reação a
essa percepção. Para conhecer o clima organizacional de uma empresa faz-se
uma pesquisa de clima, que é um instrumento voltado para análise do ambiente
interno a partir do levantamento de suas necessidades. Objetiva mapear ou
retratar os aspectos críticos que configuram o momento motivacional dos
funcionários da empresa através da apuração de seus pontos fortes,
deficiências, expectativas e aspirações.
34 Valquíria Padilha
1996) das experiências da vida humana nas sociedadesatuais e de que,
por isso, a busca de suas relações pode ser fundamental para a
compreensão, conhecimento e desenvolvimento de nossa sociedade e
suas organizações em vários aspectos.
Vale lembrar da experiência de pesquisa realizada por Jahoda,
Lazarsfeld e Zeisel, em 1933 (apud Ribas, 2003). Quando se deu o
fechamento de uma fábrica têxtil numa cidade da Áustria, esses
pesquisadores estudaram o fenômeno do desemprego em massa
causado na comunidade. Estudaram vários indicadores, desde taxas
de matrimônios até cartas infantis ao Papai Noel. Observaram que o
tempo livre desligado do trabalho não era utilizado pelos
desempregados; eles nem mesmo conseguiam relatar o que faziam
no seu tempo livre. Os resultados dessa pesquisa inédita nos anos 30
mostraram ainda que o desemprego no grupo investigado provocou
queda no nível e qualidade de vida, empobrecimento da dieta
alimentar, deterioração da saúde física, aumento de tensões
intrafamiliares, aumento de taxa de transtornos psíquicos,
diminuição dos interesses quanto a atividades sociais e culturais,
desafiliação a partidos políticos e organizações sindicais e
desestruturação do tempo cotidiano individual e familiar. Essa
pesquisa nos mostra não só as profundas relações entre trabalho e
lazer mas também a centralidade do trabalho na vida das pessoas.
O termo "tempo livre" é entendido como o tempo em que as
pessoas estão liberadas das atividades obrigatórias que não são
exercidas por opção mas por necessidade, como o tempo de trabalho
(remunerado ou não) ou de busca por trabalho, por exemplo. Nesse
tempo liberado as pessoas encontram-se relativamente "livres" para
escolherem o que fazer: atividades de lazer, de cultura, esporte ou
descanso, turismo, ócio ou contemplação. Nesse sentido, tempo livre
é um conceito genérico que é compreendido pela cultura (numa
concepção ampla do termo)5, mas que compreende o lazer e o ócio.
5. A palavra "cultura" possui inúmeros significados e discuti-los aqui seria inviável.
Então, fazemos a opção de considerar o sentido amplo do termo "cultura" como o
que corresponde ao sentido antropológico, ou seja, ao entendimento de cultura
como um conjunto de valores, crenças, hábitos, gestos, linguagens e normas que
caracterizam a forma de existência de um grupo. Assim, não seria lógico afirmar
Trabalho e Gestão de Pessoas 35
Assim, quando se usa a palavra lazer, pensa-se em ocupação do
temp° livre com atividades culturais (no sentido restrito do termo),
esportivas, recreativas e turísticas (cf. Padilha, 2004).
Há uma tendência aparentemente recente de as empresas
investirem em espaços e atividades de lazer, esporte, cultura e saúde
para os seus funcionários, objetivando aumentar a qualidade de vida
no trabalho (QVT). Assim, cada vez mais, os trabalhadores acabam
permanecendo no ambiente da empresa ou com colegas do trabalho
(em seus espaços de lazer, em clubes, campeonatos, festas etc.).
No contexto atual de globalização da economia e aumento de
competitividade do mercado, a qualidade de vida no trabalho (QVT)
é um tema que vem ganhando espaço para o bem-estar
organizacional. Segundo Limongi-França e Arellaho (2002, p. 296),
qualidade de vida no trabalho é o conjunto das ações de uma empresa no
sentido de implantar melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e
estruturais no ambiente de trabalho. Ainda segundo as autoras, os
conhecimentos e segmentos que estariam diretamente ligados à
QVT, fora e dentro do ambiente de trabalho, são:
• Saúde - integridade física, psicológica e social do ser humano;
• Ecologia - o homem é ator do desenvolvimento sustentável;
• Ergonomia - estuda as condições de trabalho ligadas à
pessoa;
• Psicologia - importância da satisfação de necessidades
individuais para o envolvimento com o trabalho;
• Sociologia - dimensão simbólica e múltiplas influências da
sociedade e empresa;
• Economia - os bens são fmitos e a sua eqüitativa
distribuição é direito social;
• Administração - aumenta capacidade de mobilizar recursos;
que alguém pode ter ou não ter cultura, uma vez que a cultura não é um objeto que
se possua mas sim um processo do qual todos participamos quotidianamente. O
sentido restrito de cultura é o que a considera como sendo um conjunto de
atividades culturais e artísticas, ou seja, formas de manifestar a cultura no seu
sentido amplo. Então, cinema, teatro, museu, revista, livro, pintura, música, dança,
por exemplo, são "cultura" no seu sentido restrito, pois são algumas das formas de
materialização e expressão da cultura maior (cf. Bosi, 1997).
36 Valquíria Padilha
• Engenharia - organização do trabalho, controle de processos
e uso da tecnologia.
Segundo Walton (apud Limongi-França; Arellano, 2002,
p. 297), existem oito categorias para avaliar QVT nas organizações,
quais sejam:
1. Remuneração justa e adequada;
2. Segurança e salubridade do trabalho;
3. Oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades;
4. Oportunidade de progresso e segurança no emprego;
5. Integração social na organização;
6. Leis e normas sociais;
7. Trabalho e vida privada (as condições de crescimento na
carreira não devem interferir no descanso nem na vida
familiar do empregado);
8. Significado social da atividade do empregado. Para a ela-
boração deste capítulo, preocupou-nos enfocar as rela-
ções entre trabalho e vida privada, uma vez que aí estão
também as relações específicas entre trabalho e lazer.
Para escrever este capítulo, fizemos uma pesquisa a fim de
perceber se as melhores empresas brasileiras escolhidas pela revista
Exame nos últimos anos desenvolvem ou estimulam atividades de lazer,
esporte ou cuidados com a saúde nas suas práticas de gestão de pessoas.
Foram examinadas as edições de 2002,2003 e 2004 do Guia Exame -
As melhores empresas para você trabalhar6. Das 100 melhores
empresas selecionadas pela revista, em 2002 e 2003, e das 150
selecionadas em 2004, apresentamos as 3 primeiras melhores empresas
em cada ano e destacamos as informações que aparecem no item
"equilíbrio entre trabalho e vida pessoal" (apontados pelos funcionários
que responderam aos questionários enviados pela Exame). Do total de
350 empresas selecionadas, nos anos de 2002,2003 e 2004, observamos
que a grande maioria das empresas consideradas atraentes enquanto
locais para se trabalhar inclui, dentre outros itens, lazer, esporte e saúde
como preocupação das políticas de gestão de pessoas e de qualidade de
vida no trabalho.
•T Traif rabalho e Gestão de Pessoas 37
6. O Guia Exame é publicado pela editora Abril (cf. também http:// www.exame.com.br).
As informações selecionadas são as seguintes:
/. Guia Exame As 100 melhores empresas para você trabalhar -
2002.
Io lugar: Siemens Metering - No meio da fábrica está instalada
uma praça de eventos com direito a banca de revistas, máquinas
de café, caixas eletrônicos e mesas de jogos. Há também um palco
no qual acontecem apresentações de funcionários-calouros e de
artistas convidados.
2° lugar: McDonald'* - Há Sala de Break, um espaço com com-
putadores e recursos audiovisuais para treinamento e descanso
dos funcionários. Sabático de 60 dias para funcionários de média
gerência que completam dez anos de casa.
3° lugar: Magazine Luiza - Possui grêmio com piscina, campo
de futebol e playgmund.
II. Guia Exame As 100 melhores empresas para você trabalhar
- 2003.
l ° lugar: Magazine Luiza - Há clube com quadra, piscina e
lazer. As equipes têm verba para comemorar conquistas.
2° lugar: Redecard - Estimula o pessoal a desenvolver ativida-
des voltadas para a saúde física e mental. A Redecard não per-
mite que as pessoas fiquem na empresa após as 19 horas.
3° lugar: Todeschini -A empresa disponibiliza ginásio de espor-
tes, clube campestre, consultório médico e odontológico em sua
sede e aulas de ioga com custo subsidiado.
///. Cuia Exame As 150 melhores empresas para você trabalhar
- 2004.
l ° lugar: Todeschini - Sua fazenda de reflorestamento pode ser
usada para o lazer do colaborador e sua família. Para ir lá, a
empresa oferece transporte e motorista gratuitose ainda os
recebe com jantar ou almoço campeiro, feitos com a especiali-
dade da casa: ovelha.
2° lugar: Tigre - A empresa promove três festas anuais: a de fim
de ano, a junina e a do Dia das Crianças. A sede social é supere-
quipada. A academia de ginástica acabou de passar por uma
reforma e está maior e mais equipada.
3° lugar: Landis+Gyr - A sede da empresa é arborizada e tem
38 Valquíria Padilha
espaço para caminhadas em meio à natureza. Na praça de leitura
instalada na fábrica, sem divisórias, há jornais, revistas, livros,
jogos e computador com acesso à internet.
Parece que as empresas de hoje procuram transformar-se em
grandes "centros de bem-estar", como se fossem "shopping centers
híbridos" (cf. Padilha, 2006), ou seja, querem criar espaços especiais,
bonitos, artificiais e atraentes que diluem o lazer e o esporte no meio dos
sacrifícios do trabalho. Algumas descrições das melhores empresas
apresentadas pelo Guia da revista Exame (muitas acompanhadas de
fotografias) mostram academias de ginástica, galerias com lojas,
massagens durante o expediente, espaços de "convivialidade" que se
assemelham às praças internas dos shopping centers.
As matérias que acompanham os referidos guias da Exame
destacam o quanto esses espaços anexados às empresas modernas
tornam-se o "plus", o diferencial, a "qualidade de vida levada a
sério". No guia Exame de 2000, De Mari (2000, p. 18) afirma: Quer
saber qual o segredo das "dez mais"? Elas cuidam, cuidam e cuidam do seu
pessoal. Como retorno, têm funcionários que confiam, confiam e confiam
em seus líderes. Em artigo de Levering (1998, p. 28), aparece em
destaque a seguinte afirmação: Todos ganham quando se investe no
ambiente de trabalho. Os funcionários ficam motivados, produzem mais e
as empresas aumentam os lucros.
Mas, o que hoje recebe rótulos modernos já existiu no
começo do século passado, como passamos a rever agora. Quando
hoje se prega que "trabalhadores felizes produzem mais", não há
nada de novo nisso. Está-se, na verdade, resgatando um dos
principais lemas do Departamento da Beleza do Trabalho,
organização implantada nas fábricas pelo governo nazista em 193 3.
Os slogans desse departamento eram: "Boa iluminação - Bom
trabalho"; "Homens limpos em uma fábrica limpa" e "A felicidade
na fábrica aumenta a produtividade". O que se pretendia era
convencer os trabalhadores de que a racionalização do trabalho -
leia-se taylorismo ou organização científica do trabalho (Rago;
Moreira, 1986) - era necessária e boa para todos.
Os regimes fascista (na Itália de Mussolini) e nazista (na
Alemanha de Hitler) levaram às últimas conseqüências a glorificação
Gestão de Pessoas 39
. técnica, da racionalidade e da produtividade no trabalho
centrando aliados na estética (embelezamento das fábricas) e no
lazer. As melhorias (indubitavelmente necessárias) que foram
alcançadas com as políticas desse Departamento da Beleza do
Trabalho na indústria alemã - como melhor ventilação e iluminação, a
construção de refeitórios, lavabos, sanitários, a reforma e pintura de
paredes, a criação de parques e jardins floridos em volta das fábricas -
tinham como maior objetivo compensar o aumento da exploração e da
intensificação do trabalho fabril sob os rígidos princípios tayloristas.
De Grazia (1978) conta a história das estratégias docilizadoras
adotadas pelo casamento do taylorismo com o fascismo/nazismo. Na
Itália, entre 1925 e 1927, foram criados os chamados dopolavoro, ou
seja, "depois do trabalho", que nada mais eram do que uma forma de o
governo fascista aliado aos empresários organizarem o tempo de lazer
dos operários. Foi Mario Giani (que morreu em 1930) quem implantou
o dopolavoro na Itália, trazendo experiências dos Estados Unidos, país
onde ele havia realizado seus estudos. Visava criar nos operários uma
disciplina adequada ao trabalho ao mesmo tempo em que eles se
tomariam leais e fiéis aos seus patrões. Organizado em maio de 1925
num órgão governamental chamado Opera Nazionale Dopolavoro
(OND), criava clubes operários e grupos recreativos. Nas palavras de
De Grazia (1978, p. 213), o dopolavoro deveria ser aos lazeres o que era a
administração científica ao trabalho: ambos tendiam a maximizar a produtividade,
um fora do trabalho, outro no espaço do trabalho.
O dopolavoro correspondia plenamente à ideologia fascista
de Mussolini que afirmava:
Os capitalistas inteligentes [...] não tiram nenhum lucro
da miséria: é por isso que eles se preocupam não somente
com os salários, mas também com a habitação, as escolas,
os hospitais e os espaços de esporte para seus operários
(apud Dê Grazia, 1978, p. 214-5).
Esse discurso vai ao encontro do que hoje se chama de
"responsabilidade social" das empresas e das políticas modernas de
gestão de pessoas. O que se prega atualmente - como se fosse
novidade - é que as pessoas devem estar no centro da administração
de empresas. Por isso, é comum ver a expressão "capital humano"
40 Valquíria Padilha
como referência aos empregados (ou "colaboradores") hoje em dia.
Mas, na verdade, a essência dessa idéia que hoje ganha nova
roupagem nasce na Itália fascista dos anos 1920-30.
A idéia de que investir em bem-estar ou qualidade de vida
dos trabalhadores é investir no próprio lucro dos empresários já
vinha sendo defendida naquela época, como nos mostra a citação
seguinte:
a indústria deveria estar convencida que o bem-estar
crescente do seu pessoal traria repercussões favoráveis no
rendimento, da mesma maneira que os cuidados da fábrica e
das máquinas tenderiam a aumentar a eficácia da produção.
[...] Se a fábrica precisava de cuidados, para a força de
trabalho valia o mesmo. [...] O relaxamento e os programas
recreativos "amarrariam" o trabalhador "a seus superiores
hierárquicos pelos laços de solidariedade": ele teria orgulho
de se descobrir como "parte viva, atuante, do grande
mecanismo industrial no qual ele trabalha, intelectualmente
ou manualmente", e seria mais inclinado a "dar provas
tangíveis de seu savoir-faire (De Grazia, 1978, p. 215).
Observamos então que a preocupação com o fator humano -
ainda que disfarce de uma estratégia de docilização - entra na indústria
pelo lazer ou, como chamou De Grazia, pela "taylorização dos lazeres
operários". Foi o início de um processo de gestão das pessoas pela
persuasão que se estende até hoje. O desafio da direção de pessoas na
empresa é, e era nos anos 30, envolver os funcionários nas atividades
da empresa não apenas dando ordens, mas persuadindo e
conquistando. Henry Ford, na mesma época, nos Estados Unidos,
conseguiu fazer isso principalmente com política de aumento de
salário. Na Itália fascista, como as condições do capitalismo e do
desenvolvimento econômico não eram as mesmas que nos Estados
Unidos, a oferta de lazer parecia ser uma estratégia mais interessante e
inovadora.
Destacava-se claramente que o dopolavoro teria uma
importante contribuição na elevação do rendimento das indústrias e
7. As citações contidas nessa passagem são de M. Giani, Quaderni dei
Dopolavoro H, Roma, 1925.
Gestão de Pessoas 41
potencial educativo na medida em que levaria os trabalhadores
restaurarem sua dignidade, aumentarem sua auto-estima e a terem
vontade de colaborar com as outras classes (De Grazia, 1978, p. 220)8.
Mas, diante disso, resta-nos perguntar: que tipo de trabalho faz com
ue Q trabalhador perca sua integridade e sua auto-estima? Por que
uma política de gestão de pessoas baseada na oferta de lazer,
esporte e embelezamento da fábrica devolveria integridade (física e
moral) e auto-estima aos trabalhadores?
A questão que se coloca, inevitavelmente, é saber se é
possível permanecer alienado durante oito horas e recuperar
sua identidade em seguida, num outro local. Numerosas
observações clínicas sugerem que isto não é factível e que
esta fragmentação entra em contradição radical com os
processos psíquicos inconscientes. Certas pessoas,
entretanto, se esforçam para recuperar sua identidade fora
do trabalho, recorrendo a uma atividade privada. Porém,
muitos fracassam

Continue navegando