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RECREAÇÃO E LAZER PROFESSOR Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel RECREAÇÃO E LAZER 2 Coordenador(a) de Contéudo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Agnaldo Ventura, Ana Claudia Salvadego, Qualidade Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Helen Braga do Prado; Ludiane Aparecida de Souza, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; BITTENCOURT GABRIEL, Oldrey Patrick. Recreação e Lazer. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel. Maringá - PR.:UniCesumar, 2016. Reimpressão - 2020 170 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Recreação. 2. Lazer. 3. Educação. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0837-1 CDD - 22ª Ed. 701.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação Kátia Coelho, Diretoria de Pós-Graduação Bruno do Val Jorge, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas, Gerência de Contratos e Operações Jislaine Cristina da Silva, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD boas-vindas Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência 6 autor Professor Mestre Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel Mestre em Educação Física na área de Pedagogia do Movimento, Corporeidade e Lazerpela UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba (2004). Especialista em Educação Física pela UEM - Universidade Estadual de Maringá na área de Lazer e Qualidade de Vida (2003). Graduado em Educação Física pela UEM - Universidade Estadual de Maringá (2000) e Bacharel em Teologia pelo STAGS - Seminário Teológico Reverendo Antonio de Godoy Sobrinho (2009). Atual- mente é professor da UNICESUMAR - Centro Universitário de Maringá, atuando principalmente nos cursos de Educação Física, Teologia e Administração, com ênfase nas seguintes áreas: ciência política, políticas públicas, lazer, psicologia do esporte e educação física escolar. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse seu currículo disponível no endereço a seguir: <http://lattes.cnpq.br/4353021635497581>. apresentação RECREAÇÃO E LAZER Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel Cara(o) aluna(o), é com muita alegria que apresento a você o livro da disciplina Recreação e Lazer. Quan- do ingressei no curso de Educação Física, movido, principalmente, pelo interesse em lazer e recreação, devido ao meu envolvimento desde a adolescência com acampamentos e outras atividades de lazer, não imaginava a riqueza que permeava esta temática. A paixão fomentou um desejo de conhecer e me apro- fundar nas discussões sobre esta área tão essencial para a vida humana. É muito comum que aqueles que ingressam no curso de Educação Física esperem que as disciplinas sejam mais “práticas” e menos “teóricas”. Coloco estes dois termos entre aspas, pois acredito que estas duas esferas do conhecimento são indissociáveis. Quando as separamos, o teórico torna-se, na ver- dade, um discurso vazio, pois perde a sua dimensão real, prática. Já o prático torna-se uma espécie de “tarefismo”, ou seja, um fazer pelo fazer, mera téc- nica, apenas aplicações de receitas, sem nenhuma reflexão mais aprofundada. Talvez com esta disciplina não seja diferente. Muitos, quem sabe, esperam que ela seja uma oficina na qual se ensine jogos, brinquedos, brincadeiras e, de preferência, mais o como fazer do que o porquê. Obviamente que estas atividades são extremamente importantes ao(à) futuro(a) professor(a), e devem ser tratadas com a mesma seriedade e profundidade. Contudo é de suma importância que compreendamos como o lazer surge no modelo de sociedade em que vivemos e como ele pode ser compreendido à luz do que denominamos teoria do lazer. O ideal é que a vida como um todo, e não apenas a vida acadêmica, se desenvolva num movimento de ação, reflexão e nova ação, e assim sucessivamente. Precisamos compreender o porquê fazemos o que fazemos e como se deu esta construção tão complexa que é a vida da humanidade nas suas mais variadas facetas; e uma dessas nuanças da vida humana é justamente o lazer. Por isso, em nossa primeira unidade, priorizei as reflexões em torno de um conceito operacional de lazer, que permita situar a articular nossa temática principal aos conceitos de cultura, tempo e atitude na contemporaneidade. Destas discussões iniciais e basilares, para nossos estudos, emergem discussões como o processo de surgimento de uma classe ociosa, como ela ostenta tal posição e como isso se relaciona com as barreiras ao lazer, que geraram movimentos de reivindicação ao longo da história, como o de luta pelo “direito à preguiça”. Na Unidade II, proponho que reflitamos sobre a relação do lazer com o trabalho e as demais obrigações sociais. Estas relações são fundamentais para a com- preensão do lazer em toda a sua complexidade, pois no lazer e no trabalho corre o mesmo sangue social. Neste contexto, surge a figura do animador sociocultural, que pode atender inúmeras demandas e ideologias, bem como apresentar variadas características. Na unidade seguinte passamos a discutir o duplo processo educativo no lazer. Tema de grande relevância para a formação de qualquer educador, pois, em geral, estamos condicionados a pensar na escola como for- madora apenas de valores para o mundo do trabalho e pouco para o mundo do lazer. Contudo ambos são importantes e relevantes socialmente. Ao analisarmos o lazer como espaço/tempo privilegiado para o lúdico, somos, imediatamente, remetidos à necessidade de repensar a sua relação com a cultura de maneira mais ampla e também com nossos modelos e culturas, por isso a nossa reflexão sobre estas relações. Outra temática que está muito presente nas discus- sões da Educação Física é a qualidade de vida, razão pela qual dedico a Unidade IV à aproximação entre lazer e qualidade de vida à luz dos conceitos que tratei nas unidades anteriores. Nesta aproximação emergem muitos outros temas, mas, devido à impossibilidade de discutirmos todos ele nesta fase, elegemos a cor- poreidade e a questão dos espaços e equipamentos específicos e não-específicos de lazer para nossas dis- cussões sobre lazer e qualidade de vida. Por fim, em nossa última unidade, apresento uma proposta de elaboração de um repertório de atividades em recreação e lazer. Com isso, entendo que a relação teoria e prática pode ser garantida na medida que temos um pano de fundo conceitual profundo sobre o lazer, prevenindo a tentação de simplesmente reproduzirmos atividades por meio de receitas prontas, sem nenhum senso crítico e emba- samento do a ação profissional. A construção de um repertório pessoal de atividades é fundamental para a atuação profissional, e será mais eficaz na medida que represente uma compreensão aprofundada das peculiaridades de faixas etárias e ambientes que de- mandem ações específicas. Portanto, caro(a) acadêmico(a), espero que este material contribua na sua formação, e que você avance cada vez mais nas suas reflexões e ações profissionais. Há muitos outros assuntos que poderiam ser tratados aqui, mas elenquei aqueles que considero fundamen- tais para este momento de sua formação acadêmica. São inúmeras as possibilidades de aprofundamento neste universo de conhecimento, que vão desde a lei- tura de bons livros, como por exemplo os utilizados neste material, como o contato com outras institui- ções de ensino que se dedicam a pesquisas no campo do lazer, inclusive com reconhecidos programas de pós-graduação - tanto latu sensu quanto strictu sensu / mestrado e doutorado -, e, ainda, a participação em eventos (congressos, simpósios, encontros, semanas acadêmicas etc.) relacionadas ao lazer e à recreação. Não deixe de se aprofundar nesta temática. Ela não está relacionada apenas à sua vida profissional, mas à sua vida pessoal e daqueles que você ama e quer bem. Sucesso e paz em sua jornada! sumário UNIDADE I INTRODUÇÃO AO LAZER E À RECREAÇÃO 14 Conceito operacional de lazer 18 Lazer, cultura, tempo e atitude 24 Classe ociosa, emulação pecuniária e barreiras ao lazer 28 O direito ao trabalho e o direito à preguiça UNIDADE II LAZER, RECREAÇÃO, TRABALHO E OBRIGAÇÕES 44 Lazer, trabalho e obrigações 54 Lazer, animação sociocultural e recreação UNIDADE III LAZER, LÚDICO E EDUCAÇÃO 74 Lazer e o duplo processo educativo 78 Lazer como espaço para o lúdico 84 A cultura, o lúdico e a escola UNIDADE IV LAZER E QUALIDADE DE VIDA 108 Conceitos, valores e parâmetros em lazer e qualidade de vida 114 Qualidade de vida, corporeidade e lazer 124 Lazer, espaço e equipamentos UNIDADE V REPERTÓRIO DE ATIVIDADES EM RECREAÇÃO E LAZER 146 Considerações gerais sobre repertório de atividades em recreação e lazer 152 Exemplo de repertório de atividades em rec- reação e lazer 170 Conclusão Geral Professor Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Conceito operacional de lazer • Lazer, cultura, tempo e atitude • Classe ociosa, emulação pecuniária e barreiras ao lazer • O direito ao trabalho e o direito à preguiça Objetivos de Aprendizagem • Descrever o processo de construção de um conceito operacional de lazer na sociedade contemporânea. • Articularos conceitos lazer, cultura, tempo e atitude para a compreensão do lazer e da recreação na contemporaneidade. • Definir e descrever o surgimento do conceito de classe ociosa, sua relação com a emulação pecuniária e as barreiras ao lazer. • Apresentar o processo de desenvolvimento histórico de reivindicação pelo direito ao trabalho em concomitância com a busca pelo direito à preguiça. INTRODUÇÃO AO LAZER E À RECREAÇÃO I unidade INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), iniciaremos nossos estudos com o objetivo principal de estabe- lecer uma série de elementos teóricos que proporcionem um entendimento sobre a teoria do lazer e algumas interlocuções já realizadas com a recreação. O foco principal de construção e seleção dos conceitos a serem aborda- dos inicialmente são as contribuições de certos aspectos que a teoria pode trazer para a ação profissional do(a) professor(a) de Educação Física na escola e em outros ambientes. A relevância desta unidade é o destaque de aspectos que considero impor- tantes para a compreensão das relações entre o lazer e o trabalho, historicamente situados no modo de produção capitalista, visto que é o sistema no qual estamos inseridos, com todas as particularidades de uma sociedade contemporânea. É importante para essa compreensão que apresentemos um conceito operacional de lazer, que perpassará todas as nossas discussões neste livro. A articulação do conceito operacional de lazer com a cultura, num sentido mais amplo, necessariamente, passa pela compreensão da atitude no tempo dis- ponível. Este tempo ganhou, ao longo da história, uma possibilidade de status so- cial, pois, em muito, casos, só é possível desfrutar de mais tempo livre com uma condição econômica mais abastada ou tendo alguém que trabalhe para você. Por isso nossa discussão sobre a emulação pecuniária às barreiras ao lazer. Historicamente a luta pelo trabalho esteve atrelada à luta pelo lazer, por isso é de suma importância a compreensão dos fundamentos históricos que possibilitam o emergir do lazer como fenômeno tal qual o conhecemos hoje. Esses fundamentos históricos não podem ser esgotados neste momento, haja visto que se trata de estudos introdutórios sobre o lazer e a recreação, mas vale o destaque para os movimentos que conquistaram uma série de direitos às classes menos favorecidas. Esperamos que todas as ideias apresentadas contribuam para este pri- meiro contato com o lazer e a recreação. Bons estudos! RECREAÇÃO E LAZER 14 Para formar uma base de análise ao lazer e a recre- ação e sua relação com as possibilidades de atuação profissional do(a) professor(a) de Educação Física, é necessário estabelecer, primeiramente, uma dis- cussão acerca do lazer, pois a opção por uma com- preensão específica deste tema determinará toda a trajetória de raciocínio. Serão destacados conceitos relativos ao lazer ba- seado em nosso foco de estudo, pois acredito que este tema, enquanto área de pesquisa e atuação, permite várias abordagens. É muito importante reafirmar que as bases para a compreensão do lazer estão nas rela- ções que se estabelecem no chamado mundo do tra- Um Conceito Operacional de Lazer balho e na questão do tempo (cotidiano), tendo como pano de fundo o modo de produção capitalista. Em primeiro lugar, acredito na necessidade de estabelecer o conceito que será base a todas as refe- rências feitas neste estudo do lazer, pois conforme Marcellino (2002, p. 21) “a incorporação do tema ‘lazer’ ao vocabulário comum é relativamente re- cente e marcada por diferenças acentuadas quanto ao seu significado”, situação esta que acredito gerar muitas confusões quando se busca estabelecer uma abordagem e relações com outras esferas da dinâmi- ca social, como a recreação, mais especificamente no âmbito da Educação Física. 15 EDUCAÇÃO FÍSICA Deste modo, me aproprio de um conceito opera- cional de lazer e não propriamente de uma defini- ção de lazer, mesmo que este conceito seja transitó- rio. Este conceito, do lazer historicamente situado, é apresentado por Marcellino (2001, p. 15-17) da seguinte forma: 1- Cultura vivenciada (praticada, fruída ou conhecida) no tempo disponível das obriga- ções profissionais, escolares, familiares, sociais, combinando os aspectos tempo e atitude. Falo do concreto da sociedade contemporânea – como é, e não do devir, como deveria ser - in- clusive de uma sociedade que eu próprio con- sidere mais justa. Quando me refiro à cultura, não estou reduzindo o lazer a um único conte- údo, considerando-o a partir de uma visão par- cial, como geralmente ocorre quando se utiliza a palavra cultura, quase sempre restringindo-a aos conteúdos artísticos. Aqui abordo os diver- sos conteúdos culturais. E, finalmente, quando vivenciada, não estou restringindo o lazer à prática de uma atividade, mas também ao co- nhecimento e à assistência que essas atividades podem ensejar, e até mesmo à possibilidade do ócio, desde que visto como opção, e não com a esfera das obrigações, no nosso caso, funda- mentalmente, a obrigação profissional. 2- O lazer gerado historicamente e dele poden- do emergir, de modo dialético, valores ques- tionadores da sociedade de um modo geral, e sobre ele também sendo exercidas influências da estrutura social vigente. A relação que se es- tabelece entre lazer e sociedade é dialética, ou seja, a mesma sociedade que o gerou, e exerce influências sobre o seu desenvolvimento, tam- bém pode ser por ele questionada, na vivência de seus valores. No nosso caso específico, é o próprio sistema econômico [...] que gerou a possibilidade de lazer que temos, sendo cons- tantemente adaptado, até mesmo pelos valores vivenciados no próprio lazer. Até mesmo a tentativa acadêmica de estabelecer uma definição de lazer torna-se tarefa complexa na medida que não consegue abarcar todas as variáveis da vida. Entretanto, enfatizo a contribuição de de- terminados teóricos, no sentido de deflagrar e de- senvolver as discussões acadêmicas sobre a temática. Um exemplo dessa tentativa é o conceito de lazer es- tabelecido por Dumazedier (1975, p. 34): [...] conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para re- pousar, seja para divertir-se, recrear-se e entre- ter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social volun- tária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. Apesar de fomentar outras discussões para o desen- volvimento conceitual de lazer, é possível estabele- cer críticas pertinentes a esta conceituação. Uma delas é feita por Faleiros (1980, p. 61) ao destacar que o conceito estabelecido por Dumazedier esbar- ra numa visão funcionalista e, ao tentar conceitu- ar o lazer, não dá conta de toda a dinâmica social, sendo uma ferramenta que supre determinadas necessidades, mas cria muitas outras. O conceito de lazer de Dumazedier é identificado, portanto, da seguinte maneira: [...] um invólucro vazio para ser preenchido com as atividades que são desenvolvidas em função de determinadas necessidades, desde que realizadas distintamente de certas obriga- ções institucionalizadas. Esse conceito de lazer histórico parece buscar o seu conteúdo orga- nizando no mundo da aparência (FALEIROS, p. 61, 1980). RECREAÇÃO E LAZER 16 3- Um tempo que pode ser privilegiado para vivências de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural, neces- sárias para solapar a estrutura social vigente. A vivência desses valores pode se dar de uma perspectiva de reprodução da estrutura vigen- te ou da sua denúncia e do seu anúncio - por meio da vivência de valores diferentes dos do- minantes -, imaginar e querer vivenciar uma sociedade diferenciada. 4- Portador de um duplo aspecto educativo – veículo e objeto de educação, consideran- do-se, assim, não apenas suas possibilidades de descanso e divertimento, mas de desenvol- vimento pessoal e social.E aqui não se está negando o descanso e o divertimento, mas simplesmente enfatizando a dimensão menos considerada do lazer, a de desenvolvimento que o seu vivenciar pode ensejar. A citação apresentada, ao contrário do que pode parecer, pela sua densidade conceitual, descom- plica uma série de questões ao estabelecer um ar- cabouço, um esqueleto, uma estrutura básica para situarmos qualquer outra discussão que se deseja fazer em torno do lazer. Portanto, nela considero estarem presentes os principais elementos que caracterizam o la- zer sob uma determinada visão de mundo, e que nos auxiliam na compreensão do nosso papel en- quanto professores(as) de Educação Física den- tro e fora da escola. Lembre-se que, como destaca o autor, não se tra- ta de um conceito fechado sobre o lazer, mas é aber- to e, portanto, dinâmico, na medida que deve pres- supor um constante processo de diálogo, inerente à própria dialética. É o que ele denomina de conceito operacional, pois visa a intervenção, a operacionali- zação de reflexões e ações em torno do lazer. 17 EDUCAÇÃO FÍSICA Os primeiros trabalhos sobre a questão do lazer produzidos no Brasil são marcados, na sua maioria, pela falta de “autenticida- de”, principalmente se for levada em conta a legitimidade da ligação com a realidade social concreta. O que se verifica, em gran- de número, é a simples “filiação” a esta ou aquela corrente de pensamento, tomando como critério a análise dos argumentos dos seus autores, pertencentes a sociedades al- tamente desenvolvidas tecnologicamente, ou portadoras de sólida tradição cultural. A Universidade brasileira iniciou, significativa- mente, suas investigações sobre o assunto somente a partir da década de 70. Entre os anos 80 e 90 cresceu, de forma considerável, o número de teses defendidas nesse campo, principalmente relacionadas à educação e à produção cultural. Sugiro a todos aqueles que têm interesse em conectar-se a uma comunidade em torno do lazer e em conhecer os trabalhos atuais, que participem do ENAREL - Encontro Nacional de Recreação e Lazer que ocorre anualmente em diferentes regiões do país com o objetivo de difundir os estudos de atuação no lazer e recreação. Fonte: adaptado de Marcellino (2000, p. 5). SAIBA MAIS RECREAÇÃO E LAZER 18 A compreensão do lazer, a partir do conceito opera- cional apresentado anteriormente, está atrelada ao entendimento do conceito de cultura em um sentido mais amplo. Portanto, a cultura deve ser entendida como um “conjunto de modos de fazer, ser, interagir e representar que, produzidos socialmente, envolvem simbolização e, por sua vez, definem o modo pelo qual a vida social se desenvolve” (MACEDO, 1982, 1984, p. 35). Além da estreita ligação com o trabalho, o lazer possui, portanto, uma relação determinante com as outras esferas de obrigações humanas, pois todas elas são parte da mesma cultura. Lazer, Cultura, Tempo e Atitude Com relação ao aspecto temporal, há a neces- sidade de situar-se no aqui e agora, e não em pro- jeções futuras. Isso não significa que não devemos buscar uma perspectiva ideal de mundo e lutar para o triunfo deste ideal. Significa, sim, que a busca das explicações, reflexões e análises da sociedade são ba- seadas em fatos materiais, concretos e não em supo- sições e conjecturas sobrenaturais. Esta historicidade, para a análise e entendimen- to do lazer na sociedade contemporânea, deve levar em conta as relações advindas do trabalho no modo de produção capitalista. É necessário destacar este 19 EDUCAÇÃO FÍSICA A Revolução Industrial, como afirma Galbraith (1982), constituiu-se em um conjunto de transfor- mações, que a partir da metade do século XVIII, passou a alterar, primeiramente, a vida da Europa ocidental e, de forma acelerada, espalhou-se por todo o mundo. Estas transformações estão ligadas principalmente à substituição do trabalho artesanal, que utilizava basicamente as mãos e ferramentas, pelo trabalho assalariado, com o predomínio do uso de máquinas. aspecto, pois uma discussão que não situe o lazer historicamente pode caminhar para rumos diver- gentes de análise da temática. É necessário, ainda, destacar que não há uma oposição entre o lazer e o trabalho, mas uma dependência. O desaparecimento de um significaria a ex- tinção do outro, pois é justamente a dinâmica do trabalho nas sociedades capitalistas que permite a compreensão do lazer da forma como o conceito operacional o descreve. Analisar o lazer num modo de produção escra- vista ou feudal possibilitaria entendimentos diferen- tes do que seria o lazer hodierno, visto que as re- lações estabelecidas entre os seres humanos seriam outras, bem como as relações com o tempo, o que, consequentemente, determinariam outras atitudes diante desta estrutura temporal. Até o século XVII, a vida humana, com exceção de uma restrita elite de privilegiados, tinha suas ra- zões primárias em elementos básicos da vida econô- mica. A alimentação, vestimenta e moradia eram o que havia de mais essencial à vida humana. Galbrai- th (1982, p. 2) descreve a provisão destas necessida- des da seguinte forma: [...] e tudo provinha da terra. O alimento, é claro. E da mesma forma, as peles de ani- mais, a lã e as fibras vegetais. E as casas, na- quela época, vinham da floresta próxima, da pedreira ou da olaria. Até o advento da Re- volução Industrial, e em muitos países muito tempo depois dela, toda a economia era uma economia agrícola. Desta forma, podemos perceber dois estágios distin- tos para análise, mas que ocorrem de forma contí- nua, ou que, segundo Marcellino (2003, p. 20-21), são contemporâneos e representativos de dois estilos de vida diferentes. RECREAÇÃO E LAZER 20 1º) [...] sociedade tradicional, marcadamente rural, e mesmo nos setores urbanos pré-in- dustriais, não havia separação entre as vá- rias esferas da vida do homem. [...] O binô- mio trabalho/lazer não era caracterizado e as ações se desenrolavam como na representa- ção de uma peça teatral, com os “atores” atu- ando de forma integrada e linear, dominando toda a história de seus personagens; 2º) Na sociedade moderna, marcadamente urbana, a industrialização acentuou a divisão social do trabalho, que se torna cada vez mais especia- lizado e fragmentado, obedecendo ao ritmo da máquina e a um tempo mecânico, afastan- do os indivíduos da convivência nos grupos primários e despersonalizando as relações. [...] Caracteriza-se o binômio trabalho/lazer e as ações se desenvolvem como na gravação de um filme, onde os “atores” participam de cenas estanques, sem conhecer a história de seus personagens, cenas essas frequentemente interrompidas para serem retomadas em se- quências totalmente diferenciadas. Marcellino (2003) afirma, ainda, que a industria- lização é o divisor de águas entre os dois estágios (sociedade tradicional e moderna). Este proces- so de mudança gera modificações significativas no comportamento das pessoas, bem como no meio-ambiente. Esta quebra espaço-temporal, advinda de um novo modo de produção, gerou novas atitudes por parte dos trabalhadores, pois as relações com as várias obrigações sociais também foram trans- formadas. Destaco que houve uma ruptura, por exemplo, do tempo/espaço de trabalho. Até então o locus de trabalho estava intimamente ligado à festa, ao lúdico, ao prazer. Ao passar por esta ci- são, a alegria e o lúdico, que estavam presentes na mesma esfera, passam a existir como possibilida- des em espaços/tempos diferentes. Cria-se uma pequena janela temporal em que poderiam ser realizadas atividades virtuosas, dife- rentes das pesadas e alienantes cargas do trabalho industrial. É “a partir do momento que marca o iní- cio da transição do estágio tradicional para o mo- derno que se verifica a ruptura entre a vida como um todo e o lazer, fazendo com que este adquira signifi- cação própria” (MARCELLINO, 2003, p. 20). Ainda, acerca da gênese do lazer em sua concre- tude histórica, oautor afirma que: [...] a gestação do fenômeno lazer, como esfe- ra própria e concreta, dá-se, paradoxalmente, a partir da Revolução Industrial, com os avanços tecnológicos que acentuam a divisão do traba- lho e a alienação do homem do seu processo e do seu produto. O lazer é resultado dessa nova situação histórica – o progresso tecnológico, que permitiu maior produtividade com menos tem- po de trabalho. Nesse aspecto, surge como res- posta às reivindicações sociais pela distribuição do tempo liberado de trabalho, ainda que, num primeiro momento, essa partilha fosse encarada apenas como descanso, ou seja, recuperação da força de trabalho (MARCELLINO, 2003, p. 14). 21 EDUCAÇÃO FÍSICA Para Marcellino (2003, p. 11), a deterioração da qualidade e do significado da vida, a problemática das relações sociais, movidas pela lógica da produ- tividade e acumulando os indivíduos em “fábricas, bancos, grandes edifícios de escritórios e ruas, onde a funcionalidade imediata constitui a maior preocu- pação” gera o afastamento de si próprio, do outro e da natureza, ocasionando, por exemplo, as várias formas de violência urbana. Neste sentido, há a atribuição de uma grande importância ao que é produtivo (gerador de bens de consumo ou mercadorias). Deixam-se oculto os resultados que este tipo de produtividade acarreta para a expressividade humana. As pessoas, neste contexto, são apenas engrenagens na lógica produ- ção/consumo. A lógica deste processo está baseada em valores imediatistas e utilitaristas. Trabalha-se para consumir e consome-se para trabalhar, e, as- sim, sustenta-se o mercado de produção. Na perspectiva de um lazer que seja instrumento de dominação, reduzindo ou extinguindo o confli- to social - visto como reforço e não como reação à alienação do homem contemporâneo, e mais ainda como uma fonte de grandes rendas por meio da in- dústria do lazer, de forma a alimentar o mercado - podemos notar os altos graus de imposição advindos de uma urgente necessidade do sistema econômico, ou seja, seus membros além de produtores, têm que se tornar também os consumidores. Outras características que devem ser conside- radas no processo gestacional do lazer é a redução do aspecto tempo de trabalho, nascido das reivin- dicações sociais, e a progressiva redução do tempo dedicado a outras obrigações, tais como familiares, sociais, religiosas e políticas. Além do aspecto tem- po, houve uma progressiva redução da dominação destas instituições sociais no que diz respeito à ati- tude, não que tenham se extinguido. O lazer da sociedade industrial e pós-industrial não é, portanto, o mesmo lazer dos gregos da antiguidade, mas um lazer gerado dialeticamente no modo de produção capitalista e dele dependente. Ao mesmo tempo que este lazer foi gerado por uma certa dinâmica do modo de produção capitalista, ele é o locus privilegiado para geração de valores questionadores dessa própria sociedade. O trabalho industrial privou a possibilidade de en- tretenimento, da presença do lúdico no ambiente de trabalho, como era possível, por vezes, no trabalho rural, no qual as necessidades e anseios poderiam ser supridos até mesmo em meio à lida diária, numa dinâmica social mais humana. Camargo (1986, p. 144) faz a seguinte observação sobre esta transição: RECREAÇÃO E LAZER 22 [...] nas danças tradicionais, em quase todas as culturas, os gestos do trabalho na terra, na madeira, com os companheiros, são incorpo- rados e estilizados, demonstrando a ligação efetiva e lúdica. Isso é impossível na linha de montagem, onde a menor distração de um ele- mento prejudica a produtividade dos demais. A própria organização do espaço de trabalho inibe qualquer tentação de diversão e entrete- nimento. Enfim, as longas jornadas de traba- lho no início da industrialização, apenas dei- xavam tempo para o sono. O processo de industrialização representou, efeti- vamente, uma quebra temporal que, com as novas atitudes e necessidades, criaram um novo padrão de vida. A exploração, via longas jornadas de trabalho, impelia ao trabalhador, num primeiro momento, a mera necessidade de descanso, no tempo liberado do trabalho. Entretanto, neste tempo não era pos- sível vivenciar qualquer outra possibilidade além da recuperação para a próxima jornada. A busca por um modo de vida melhor, com o advento da Revolução Industrial, exigia uma dedica- ção exclusiva à vida nas fábricas. Este tipo de traba- lho preservou apenas a característica de longas jor- nadas nos períodos de safras, inerentes ao trabalho rural, no qual a grande maioria dos trabalhadores estavam inseridos. Entretanto, uma característica que era fundamental para um trabalho mais huma- no havia sido perdida: [...] o contato com a natureza, com os animais, com a família. Ainda hoje, a linha de montagem, implacável, não obedece a um ritmo natural de trabalho e repouso. O relógio de ponto marca o início dos turnos. Os gestos exigidos são artifi- ciais, repetitivos. A única pausa, para a refeição, não respeita os limites de cada um; é coletiva e determinada pelas necessidades da produção. Mais: rompe-se a relação entre tempo de traba- lho e produto do trabalho. O trabalho passou a ser fragmentado, de difícil compreensão, dada a sua complexidade tecnológica. [...] a um tem- po natural, humano, uno, integral, do campo, a indústria opôs um tempo artificial, alienado da produção, que não se integra nem à dinâmica familiar [...] (CAMARGO, 1986, p. 144). Uma reivindicação dos trabalhadores, em virtude do nascimento de um tempo artificial que determi- nou a realização de atividades lúdicas compartimen- talizadas e imprimiu nestas uma característica do próprio trabalho alienado (veja mais sobre isso na Leitura Complementar), foi a tentativa da redução da jornada de trabalho. Esta reivindicação nasceu devido a ausência de um tempo de lazer na lógica de racionalização do tempo instituída pelo capitalismo. Nos primórdios da industrialização “trabalhava-se cinco mil horas por ano, o que significava jornada diária de dezes- seis horas, de segunda a domingo, quase todos os dias do ano” (CAMARGO, 1986, p. 145). 23 EDUCAÇÃO FÍSICA De acordo com Camargo (1986), aos dez anos de idade se dava início a vida útil de um ser humano para o trabalho, tendo fim apenas com a morte do trabalhador. Neste sentido, o capitalismo emergente preservava os traços do feudalismo ao sustentar o ócio aristocrata por meio de uma dinâmica de traba- lho caracteristicamente escravo, características que ainda são preservadas, de forma desenvolvida nos tempos modernos. RECREAÇÃO E LAZER 24 O filósofo, com estudos em sociologia, Thorstein Veblen, num texto escrito em 1899, realizou uma análise econômica da sociedade sob uma perspecti- va sociológica. Seu objetivo principal foi o de provar que a classe ociosa surge pela emulação pecuniária, ou seja, pela competição ou a demonstração de força por meio do dinheiro. Apesar de não fazer uso espe- cificamente do termo lazer, Veblen (1965) aborda al- guns conceitos que contribuem para a compreensão do lazer na sociedade capitalista. Dentre os vários conceitos que esta obra traz como contribuição à teoria do lazer, destaco a sua consideração de que ao longo da história, o ser hu- mano procurou demonstrar o seu poder por meio de alguns meios. Dentre eles a força física (proeza); a pecúnia (dinheiro); o ócio e consumo conspícuo (ostentatório); e o ócio e consumo vicário. O ócio e consumo conspícuo seriam uma de- monstração notável do poder por meio da própria possibilidade que o indivíduo possui de desfrutar do tempo disponível e das possibilidades de aquisição por intermédio do poder financeiro. Já o ócio e con- sumo vicário seriam uma demonstração notável das possibilidades do ócio e do consumo baseado em uma capacidade, ou poder alheio. A Classe Ociosa, a Emulação Pecuniária e Barreiras ao Lazer 25 EDUCAÇÃO FÍSICA Neste sentido, a sustentação da vivênciae consu- mo no lazer estaria relacionada à capacidade que de- terminado indivíduo ou grupo social possui de man- ter uma massa de trabalhadores ao seu dispor para realizar um trabalho que lhe sustente e que, conse- quentemente, seja favorável ao ócio e ao consumo. A tese de Veblen (1965, p. 14) consiste em afirmar que: [...] pessoas acima da linha da mera subsistên- cia nesta época, e em todas as épocas anterio- res, não aproveitam o excesso que a sociedade lhes deu visando primordialmente a propósitos úteis. Não buscam elas expandir suas próprias vidas, viver com mais sabedoria, mais inteli- gência e mais compreensão, mas buscam im- pressionar as outras pessoas pelo fato de serem possuidoras desse excesso. Os processos e maneiras para gerar estas impres- sões são denominados por este autor de “consumo conspícuo”. A característica básica desta dinâmica é o dispêndio de dinheiro, tempo e esforço, quase de todo inutilmente, na busca de expandir o ego. Um clássico exemplo dessa dinâmica de con- sumo conspícuo na sociedade industrial foi o au- tomóvel. A escolha de um carro deixou de lado as questões exclusivamente funcionais, pois passou a ter fundamentos na manutenção ou aumento do prestígio diante da comunidade. De acordo com a obra A teoria da classe ocio- sa, de Veblen (1965), as pessoas superiores, ge- ralmente com o maior poder financeiro, domi- nam seus inferiores em pecúnia mediante gastos supérfluos. Já as menos favorecidas buscam, de todas as formas, alcançar o nível social dos pri- meiros, esgotando todas as suas energias e posses. A descrição da classe ociosa é feita da seguinte forma, pelo autor: [...] compreende as classes nobres e as clas- ses sacerdotais e grande parte de seus agre- gados. [...] Estas ocupações não-industriais das classes altas são em linhas gerais de quatro espécies – ocupações governamen- tais, guerreiras, religiosas e esportivas. [...] Estas quatro formas de atividade dominam o esquema de vida das classes altas - reis ou chefes –, estas são as únicas formas de ativi- dades permitidas pelo costume ou pelo bom senso da comunidade. Na verdade, quando o esquema é definido já nitidamente, até mes- mo os esportes não se consideram atividade legítima para os membros da classe mais alta (VEBLEN, 1965, p. 20-21). Outro aspecto importante destacado por Veblen (1965) é que as características das atividades ou fun- ções industriais se desenvolveram de tarefas que, primitivamente, nas sociedades bárbaras, cabiam às mulheres. Este fato revela a valorização social, tendo como parâmetro principal o conceito laboral atrela- do ao gênero masculino, pois até mesmo em socie- dades industrializadas, as atividades antes relegadas ao gênero feminino passam a ser desempenhadas pelos trabalhadores de ambos os gêneros, que sus- tentam a possibilidade de ócio de uma classe supos- tamente mais elevada. RECREAÇÃO E LAZER 26 Para Veblen (1965, p. 37), a diferença primária da distinção entre classe ociosa e classe trabalhadora é “[...] o trabalho feminino e o trabalho masculino, existente nos primeiros estágios do barbarismo”. Destaco, por meio deste raciocínio, uma das facetas ligadas às barreiras para o lazer. Na sociedade contemporânea ainda podemos per- ceber uma dificuldade maior por parte das mulheres para usufruírem do lazer, fator gerado principalmen- te pela dupla jornada de trabalho. Elas, além de ter de exercer determinada profissão, têm, em sua grande maioria, de realizar as tarefas, ainda, caracterizadas na sociedade contemporânea como sendo apenas para mulheres: as tarefas domésticas. Portanto, acentua-se, ainda, as diferenças históricas com relação aos gêneros. Há, além destas explicações, outras dinâmicas envolvidas que podem dar sustentação ao entendi- mento destas barreiras que limitam o acesso às ativi- dades de lazer de maneira tanto quantitativa quanto qualitativamente. O fator econômico é considerado, hodiernamente, o mais determinante para o acesso ao lazer. As pesquisas realizadas sobre este tema, ape- sar de muito restritas, demonstram, de acordo com Marcellino (2000), que o acesso à recreação - ativi- dades relacionadas aos conteúdos culturais do lazer - é realizado preponderantemente por jovens, com instrução e condições acima da média da população. O fator econômico é determinante desde a dis- tribuição do tempo disponível entre as classes sociais, até as oportunidades de acesso à Escola, e contribui para uma apropriação desigual do lazer. São as barreiras interclasses sociais (Mar- cellino, 2000, p. 23). Com relação ao surgimento desta classe ociosa, Ve- blen (1965) afirma que os valores e costumes cultu- rais das sociedades/comunidades, em baixo estágio de desenvolvimento, apontam para um desenvol- vimento gradativo da classe ociosa, no período de transição da selvageria primitiva para o barbarismo. A característica desta transição seria uma mudança da passividade nas relações sociais passando a uma relação de lutas, de guerra. Você já parou para analisar a quantidade de bens e serviços que consumimos que são “ne- cessidades desnecessárias”? Qual o impacto disso nas relações humanas? REFLITA Estas barreiras seriam os entraves que inibiriam de- terminada parte da população para a vivência do lazer. Dentre estas barreiras estão presentes as de ca- ráter econômico, de faixa etária, de instrução, aque- las de acesso aos espaços e equipamentos, e ainda as relacionadas à violência e à questão do gênero. Com relação aos espaços e equipamentos de lazer, vale destacar o seu aspecto de sacralização e, ainda, as dificuldades para utilização por parte dos deficientes físicos, por exemplo. 27 EDUCAÇÃO FÍSICA O surgimento da classe ociosa seria, deste modo, uma conjunção temporal ao início da propriedade privada. Esta interposição presente no processo de desenvolvimento cultural seria necessária em virtu- de das duas instituições terem origem por meio do mesmo conjunto de forças econômicas. “Onde quer que se encontre a instituição da propriedade privada, mesmo sob forma muito embrionária, o processo econômico tem o cará- ter de uma luta entre os homens pela posse de bens” (VEBLEN, 1965, p. 38) Ao contrário da economia clássica que considera apenas a luta pela subsistência. [...] somente os indivíduos de temperamento ex- cepcional conseguem, diante da desaprovação da comunidade conservar em última análise a pró- pria estima. Aparentemente, existem exceções a esta regra, especialmente entre pessoas de fortes convicções religiosas; mas estas exceções aparen- tes não se podem considerar como exceções re- ais, porque tais pessoas se apoiam usualmente na aprovação presumível de alguma testemunha so- brenatural de suas ações (VEBLEN, 1965, p. 43). Portanto, é uma construção sociocultural de fundo econômico que possibilitou o surgimento de uma classe ociosa imprimindo uma outra dinâmica à vida social. Veblen (1965) demonstra um certo pessimis- mo ao afirmar que a forma como a sociedade se de- senvolveu e onde ela chegou não suprem as necessida- des individuais, pois a base destas necessidades estão no desejo, que por sua vez, está contaminado com a necessidade de se impor e sobressair sobre outrem. Portanto, as explicações da economia clássica para a busca por satisfação de subsistência ou de conforto físico são insuficientes para explicar a justificativa de políticas voltadas ao progresso. A busca pela honra e pelo reconhecimento torna-se uma luta constante. Neste processo, a comparação geraria um mal enorme à humanidade e, neste contexto, seria praticamente impossível atingir uma realização definitiva e plena. Portanto, a reflexão sobre uma classe privilegia- da com o ócio ou atividades de lazer revela que ape- sar de um fundo econômico por detrás das ações, esta não se justifica por si só, mas pela possibilidade que tais recursos têm de obter e conservar a consi- deração de outros membros da comunidade. A ri- queza possuída deve ser patenteada, sendo expostaaos olhos alheios, pois sem uma demonstração aos outros, não seria possível a atribuição de valor, con- sideração e, consequentemente, de uma possível ele- vação do status social de quem a possui. Uma questão que poderia surgir é quanto ao motivo pelo qual os membros de uma determinada socie- dade sucumbem à pressão de ostentar determinadas proezas, posses e o ócio, com as possibilidades a eles relacionadas. Destaco, dentre outros argumentos utilizados pelo autor, o de caráter psicossocial, com relação à emulação: RECREAÇÃO E LAZER 28 Na obra O direito à preguiça, publicada original- mente em forma de panfleto revolucionário em 1880, Paul Lafargue demonstra inquietação pelo fato de os trabalhadores perceberem que sustentam o ócio de uma classe privilegiada que os explora, mas que ao lutar pelos seus direitos ao trabalho, sem se darem conta, estão perdendo direitos ao tempo disponível. Lutam tanto pelo trabalho, que se esqueceram da importância de usufruírem das O DIREITO AO TRABALHO E O DIREITO À PREGUIÇA benesses do lazer, com as possibilidades de desfru- tar das virtudes daquilo que Lafargue, intencional- mente, denomina preguiça, como forma de criticar um dos setes pecados capitais. Lafargue deixa claro que os trabalhadores de sua época não tinham possibilidades de acesso aos mesmos direitos e privilégios da “preguiça” de seus patrões, mas que deveriam se atentar para tal explo- ração, desigualdade e injustiça. 29 EDUCAÇÃO FÍSICA Para Matos (2003, p. 8), Lafargue manifesta seu pio- neirismo, principalmente, ao tratar do processo de libertação do operariado (proletário) não apenas num processo de luta pela extinção do capital e de seus detentores, mas em “permitir ao operário li- vrar-se de sua alma, que é o princípio redobrado de sua própria sujeição”. A obra principal de Paul Lafargue consiste em uma apresentação paradoxal e polêmica da aliena- ção no modo de produção capitalista. Publicada no Jornal Socialista L’Égalité, em uma sequência de ar- tigos, de 16 de junho a 4 de agosto de 1880, foi edi- tada em conjunto em 1881, revista e concluída no cárcere de Sainte-Pélagie em 1883. Segundo Chaui (1999, p. 16), “O Direito à Preguiça teve sucesso sem precedentes, comparável apenas ao Manifesto Comunista, tendo sido traduzido para o russo antes mesmo deste último”. O direito à Preguiça, para Matos (2003, p. 7), pode ser classificado como um manifesto filosófico por seu tom interpelativo e mobilizador, pois: [...] antecipando Walter Benjamin, procede à genealogia da religião capitalista, sua ética protestante que exige abnegação ao trabalho, prometendo ascese mundana na produção de mercadorias. ‘Uma estranha loucura’, escreve Lafargue, ‘dominou as classes operárias das na- ções onde reina a civilização capitalista’. Essa loucura traz como consequência misérias in- dividuais e sociais que há séculos torturam a triste humanidade. A crítica à sociedade moderna é o elemento pre- cursor da obra de Lafargue. A tirania do mercado e do trabalho alienado são confrontados pelo autor a partir das necessidades de uma vida que encon- tre sentido em valores de autonomia e liberdade. A busca da transformação do cotidiano é evidente em sua linguagem retórica, objetivando atingir o âmago das emoções do leitor, com uma variedade de senti- mentos, advindos de suas descrições da sociedade. Como afirma Chaui (1999, p. 31), Lafargue: [...] não apenas sabe que a oralidade é essencial num panfleto revolucionário, mas sabe também que poderá obter um efeito de grandes propor- ções se constituí-lo de maneira retórica, operan- do em seu campo com muitas gamas e tonalida- des de emoções, a fim de comover e persuadir. Essa preocupação com a retórica textual é expressa de imediato com a escolha do título da série de pan- fletos. O título original do panfleto foi: O Direito à Preguiça. Refutação da Religião de 1848. A escolha do termo “preguiça”, segundo Chaui (1999), não foi acidental. Ao contrário, teve uma intenção clara de RECREAÇÃO E LAZER 30 reportar-se incisivamente às questões religiosas. Tal escolha “[...] não é uma irreverência ‘materialista’ de um ateu empedernido e sim a crítica materialista do trabalho assalariado ou do trabalho alienado, pois este é o objeto de O Direito à Preguiça” (CHAUI, 1999, p. 30). Lafargue, inteligentemente, constrói sua retórica em forma de incisiva paródia aos ser- mões religiosos, seguindo suas regras. Ao escolher e propor como um direito um pe- cado capital, o autor visa diretamente ao que denomina “religião do trabalho”, o credo da burguesia (não só francesa) para dominar as mãos, os corações e as mentes do proletariado, em nome da nova figura assumida por Deus, o Progresso. Esta escolha é duplamente con- sistente. Em primeiro lugar, é consistente com as obras de Lafargue nesse período, quando se ocupa com a origem das religiões, da cren- ça num deus pessoal transcendente, na alma e sua imortalidade, na vida futura de salvação ou danação. Por que a burguesia crê em Deus e na imortalidade da alma?, indaga ele em vários es- critos. Por que dessa crença ela chega às ideias de justiça, caridade e bem? Porque, responde ele, a burguesia tolerou e patrocinou o desen- volvimento das ciências da natureza (pois isso era necessário para o capital), mas não tolera e sim reprime toda tentativa de conhecimen- to científico da realidade social (pois sabe que tal conhecimento a desmascara e enfraquece) (CHAUI, 1999, p. 24). A ideia de Progresso como um deus é desenvolvida em A religião do Capital, também de autoria de La- fargue, sempre de forma irreverente e contundente. A obra deixa evidente uma busca de rompimento com a realidade calcada na exploração da e na acei- tação desta dominação por parte dos trabalhadores, que buscam cada vez mais trabalhar e servir à reali- dade criada pelo capital. Neste sentido, Matos (2003, p. 13) afirma que Lafargue foi um dos pioneiros a “romper com o caráter sadomasoquista da civilização contem- porânea”. A autora afirma ainda que O direito à preguiça é uma descrição antecipada das realida- des vividas na contemporaneidade, pois faz uma incisiva crítica à lógica de mercado, da indústria, ciência e técnica, afirmando que sua ética é an- ti-humana e que, portanto, sua moral precisa ser negada e substituída por outra na qual o ser hu- mano esteja efetivamente no controle. Segundo Chaui (1999, p. 33), as obras de maior influência para Lafargue foram: Manuscri- tos Econômicos de 1844 e o primeiro volume de O Capital, ambos de seu sogro Karl Marx. O pressu- posto principal de O direito à preguiça, segundo a autora, é o “significado do trabalho no modo de produção capitalista, isto é, a divisão social do tra- balho e a luta de classes”. Neste sentido, De Masi (2001, p. 29) afir- ma que Lafargue não estabelece uma apologia à preguiça que vai contra o trabalho, defendendo “o direito ao ócio como única forma de equi- líbrio existencial [...]”. A forma utilizada pelo autor é a contraposição a “[...] outros direitos, então defendidos para os operários: o direito ao trabalho, reivindicado pelos revolucionários de 1848 [...]”. Este é um dos pontos de severas 31 EDUCAÇÃO FÍSICA críticas à obra de Domenico De Masi: a utiliza- ção e/ou tradução indevida de termos que ori- ginalmente expressavam uma clara intenciona- lidade do autor. Neste sentido, ao referir-se ao “Direito ao ócio”, entendo que deva permanecer a terminologia original do autor, “Direito à pre- guiça”, pela sua clara intencionalidade. Platão e Aristóteles, esses pensadores gigantes [...], queriam que os cidadãos de suas Repúbli- cas ideais vivessem na maior ociosidade, pois, acrescentava Xenofonte, ‘o trabalho tira todo o tempo e com ele não há nenhum tempo livre para a República e para os amigos’. Segundo Plutarco, o grande título de Licurgo, ‘o mais sábio dos homens, para admiração da poste- ridade, era ter concedido a ociosidade aos ci- dadãos da República, proibindo-osde exercer qualquer trabalho’. Obviamente, a ociosidade destes cidadãos da Repú- blica era sustentada pelo trabalho escravo de uma outra classe. Por isso, a historicidade é fator sempre presente nos textos de Lafargue, que se preocupa em salientar aquilo que considera como determinante no desenvolvimento da sociedade: a economia ca- pitalista. Esta economia, ao imprimir o ritmo frené- tico da produção industrial, reduzia os operários a praticamente nada. De Masi (2001, p. 30) apresenta um quadro com basicamente três tipos de indivídu- os que compunham a sociedade na qual Lafargue elaborava seu texto: [...] de um lado a classe dos operários, cada vez mais imprensados pelos ritmos da produção industrial, dilacerados na própria carne e com os nervos arrebentados, obrigados ao ‘papel de máquina fornecedora de trabalho sem trégua nem remissão’, intelectualmente degradados e fisicamente deformados pelo esforço e absti- nência a eles impostos. De outro lado estava a classe dos capitalistas ‘condenados ao ócio e ao prazer forçado, à improdutividade e ao super- consumo’. No meio havia a estupidez astuta dos mexeriqueiros encarregados do desperdício vistoso dos ricos. A crítica a este mundo dominado por injustiças so- ciais é descrita por Lafargue, por meio de um humor contundente. Ao descrever o capitalismo como uma nova forma de religião, apresenta operários embru- tecidos pelos dogmas do trabalho, os quais produ- zem sua própria destruição. Reivindica uma nova redistribuição do tempo para que se possa desfrutar de outras virtudes que a vida oferece, pois, devido a uma dinâmica de trabalho exploradora e desme- dida, os trabalhadores são privados desse usufruto. A inspiração para esta recuperação das virtudes da preguiça é encontrada por Lafargue, segundo Matos (2003, p. 12), “nas tradições grega e romana - a skolé e o ótium”. RECREAÇÃO E LAZER 32 Este quadro delineia parte do quadro que levava Lafargue a utilizar um tom de indignação em seu discurso, pois não aceitava que a preguiça dos ricos fosse garantida pelo trabalho desmedido dos po- bres, num regime de trabalho, em média, de quinze horas por dia, de forma insalubre. Chaui (1999, p. 16) afirma que O Direito à Preguiça é um retrato da organização social burguesa, que almejava atingir a consciência mais profunda do proletariado enquan- to classe social. Portanto, “é a crítica da ideologia do trabalho, isto é, a exposição das causas e da forma do trabalho na economia, ou o trabalho assalariado”. Quando você ouve a palavra preguiça, ela lhe soa mais positivamente ou negativamente? Não é interessante que Paul Lafargue tenha optado pelo uso de um termo tão controverso para defender o lazer para classe proletária? REFLITA A obra O Direito à Preguiça é, portanto, uma ten- tativa de recuperar uma esfera da dinâmica hu- mana que havia sido perdida pelos trabalhadores contemporâneos a Paul Lafargue. A busca por mais dignidade no trabalho havia posto de lado uma outra esfera da vida humana que, para o autor, era tão importante quanto o próprio trabalho, sob uma perspectiva diferente da que os trabalhadores vi- nham experimentando. Neste sentido, esta obra é de grande relevância para a compreensão do lazer como um direito so- cial, inclusive garantido pelo Artigo 6º da Constitui- ção brasileira de 1988. Toda tentativa de usurpar os direitos dos trabalhadores a uma melhor qualidade de vida, com dignidade e justiça ganha resistência na compreensão histórica de luta pelo direito à pregui- ça, ou direito ao ócio, ou de forma mais ampla, como considero neste texto, direito ao lazer. 33 considerações finais C aro(a) aluno(a), procurei, nas primeiras reflexões deste estudo, abor- dar alguns conceitos que considero necessários para a compreensão do lazer e da recreação, situando-os historicamente. Entendo que existam outros aspectos relativos ao lazer que não foram discutidos, no entanto, justifica-se pelo próprio objetivo do estudo que exige o entendimento do lazer sob uma ótica específica. O conceito operacional de lazer adotado em nossas discussões ajuda-nos a situar os debates em torno do tema. Há outros conceitos de lazer, e a opção por um deles, obviamente, demonstra uma certa visão de mundo e um projeto de sociedade da qual o lazer faz parte e tem grande relevância. A existência de uma classe ociosa e os embates em torno das jornadas de tra- balho sempre estarão presentes em sociedades que têm como base a exploração do trabalho alheio. Neste sentido, a atuação dos diferentes profissionais no lazer requer um entendimento do seu papel ou como legitimador, distrator, crítico, ou transformador de uma determinada realidade da qual o lazer faz parte, mas que é entendido, apenas, como uma parte da cultura mais ampla da sociedade. As lutas históricas para a melhoria da qualidade de vida do trabalhador, da qual O Direito à Preguiça faz parte, devem sempre ser compreendidas à luz da forma como a sociedade está estruturada. Certamente haverá grupos que vão desejar manter seu status quo, porque isto lhes convém. Como educadores, mais especificamente como professores, devemos entender nosso papel neste processo de conscientização, que, apesar de estar nas mais diferentes áreas da vida, estão galgadas na mesma infraestrutura concebida historicamente. Portanto, nestas reflexões iniciais, deve ficar claro o potencial transforma- dor que o lazer possui. Para muitos, ele pode ser considerado uma área de me- nor relevância. Contudo, não é isso o que percebemos quando nos aprofunda- mos na teoria do lazer. O mesmo sangue que corre no mundo do trabalho é o que corre no lazer e, neste sentido, a mesma importância que se dá ao trabalho deve ser dada ao lazer. 34 atividades de estudo 1. Em vez de definir o lazer, Marcellino (2001) apresenta um conceito ope- racional de lazer e não especificamente de uma definição. Apresente os quatro elementos fundamentais deste conceito operacional de lazer. 2. No contexto industrial há uma redução significativa da possibilidade de divertimento durante o tempo de trabalho. O lúdico no ambiente de traba- lho dá lugar à pressão da produção e ao paulatino processo de alienação e desumanização. Não mais o instrumento serve ao ser humano, mas o ser humano serve à máquina. Assim, de que forma Camargo (1986) descre- ve a transição do trabalho rural para o trabalho industrial? 3. O filósofo Thorstein Veblen publicou em 1899 uma análise econômica da sociedade, sob uma perspectiva sociológica com vistas a demonstrar que a “classe ociosa” nasce pela emulação pecuniária. Ao longo da história, o ser humano procurou demonstrar o seu poder por meio de alguns meios, tais como a força física (proeza), a pecúnia (dinheiro), o ócio e consumo conspícuo (ostentatório), e o ócio e consumo vicário. Defina emulação pecuniária, ócio e consumo conspícuo, e ócio e consumo vicário. 4. Paul Lafargue escreveu em 1880 uma série de artigos que deu origem à sua obra O direito à Preguiça, que ganhou status de um manifesto filosó- fico por seu caráter interpelativo e mobilizador. Qual a razão para Paul Lafargue escolher o termo “preguiça” para compor o título de sua principal obra? 5. Por que o trabalho alienado é caracterizado como desumanizante? 35 LEITURA COMPLEMENTAR O que é o trabalho alienado? Para entendê-lo, é preciso, primeiro, lembrar que, para Marx e Lafargue, o trabalho, em si mesmo, é uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por ele que dominamos as forças da natureza e é por ele que satisfazemos nossas ne- cessidades vitais básicas e é nele que exteriorizamos nossa capacidade inventiva e cria- dora – o trabalho exterioriza numa obra a interioridade do criador. Ou, numa lingua- gem vinda da filosofia de Hegel, o trabalho objetiva o subjetivo, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. Para que o trabalho se torne alienado, isto é, para que oculte, em vez de revelar, a essência dos seres humanos e para queo trabalhador não se re- conheça como produtor das obras, é preciso que a divisão social do trabalho, imposta historicamente pelo capitalismo, desconsidere as aptidões e capacidades dos indivídu- os, suas necessidades fundamentais e suas aspirações criadoras e os force a trabalhar para os outros como se estivessem trabalhando para a sociedade e para si mesmos. Em outras palavras, sob os efeitos da divisão social do trabalho e da luta de classes, o trabalhador individual pertence a uma classe social - a classe dos trabalhadores -, que, para sobreviver se vê obrigada a trabalhar para uma outra classe social - a burguesia -, vendendo sua força de trabalho no mercado. Ao fazê-lo, o trabalhador aliena para um outro (o burguês) sua força de trabalho que, ao ser vendida e comprada, se torna uma mercadoria destinada a produzir mercadorias. Reduzido à condição de mercadoria que produz mercadorias, o trabalho não realiza nenhuma capacidade humana do próprio trabalhador, mas cumpre as exigências impostas pelo mercado capitalista. [...] Em suma, não as percebe como objetivação de sua subjetividade humana, mas como algo que parece não depender de trabalho algum para existir - o produto apa- rece como outro que o produtor. Além disso, as condições impostas pelo mercado de trabalho são tais que os trabalhadores vendem sua força de trabalho por um preço muito inferior ao trabalho que realizam e por isso se empobrecem à medida que vão produzindo riqueza . Fonte: Chaui (1999, p. 33-35). RECREAÇÃO E LAZER 36 Por meio deste documentário é possível compreender como e porque a Revolução Industrial foi na deflagrada na Inglaterra. A compreensão deste momento histórico é significativa para o entendimento de como o trabalho foi se estruturando no modo de produção capitalista e, consequente, gerando o que conhecemos hoje como lazer. Documentário BBC - Revolução Industrial na Inglaterra Para saber mais, acesse o site disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RZL- SYKmWrjw>. O direito à preguiça Paul Lagargue Editora: Hucitec/Unesp Sinopse: o Direito à Preguiça (em francês, Le Droit à la Paresse) foi um panfleto revolucionário que trata das questões relativas ao tra- balho na sociedade capitalista urbano-industrial e da luta por melhores condições de tra- balho, principalmente no que tange às jornadas excessivas. Na época em que foi escrito, as jornadas de trabalho tinham em média 12 horas e poderiam exceder em muito este tempo. O dogma de que o trabalho dignifica o homem é criticado de forma severa por Lafargue. A santificação do trabalho e a demonização da preguiça (ócio) é algo destrutivo ao ser humano na opinião do autor. Com este panfleto, muitas conquistas trabalhistas são alcançadas ao redor do mundo. Comentário: para as discussões em torno do lazer esta é uma obra clássica e fundamental. Nelas estão expostas as bases que justificam a luta pelo lazer como um direito social. Qual- quer ação política em torno do lazer requer o conhecimento desta obra como elementos revelador de um período histórico marcado por profunda exploração e desumanização do trabalho e, consequentemente, do lazer. 37 EDUCAÇÃO FÍSICA Tempos Modernos Ano: 1936 Sinopse: Chaplin trabalha em uma fábrica e em virtude de um tipo de trabalho repetitivo, extenuante e praticamente escravo sucum- be a um colapso nervoso. Em virtude deste quadro, é internado em um hospício. Ao retornar à “vida normal” encontra a fábrica fechada. Tem contato, então, com uma jovem que realiza furtos para sobreviver. Chaplin se envolve numa confusão em uma manifestação e é tomado como o líder comunista por ter levantado uma bandeira ver- melha, dando a entender que ele estava liderando uma greve e acaba sendo preso. Após ser solto, consegue um emprego numa outra fábrica, mas logo os operários entram em greve novamente e ele se envolve novamente em confusão. É preso novamente, por acertar, sem querer, uma pedra na cabeça de um policial. A jovem que conhecera nas ruas consegue tra- balho como dançarina num salão de música e consegue um emprego de garçom para Cha- plin. Mas novamente as confusões voltam a acontecer. Então os dois seguem, numa estrada, rumo a mais aventuras emocionantes e divertidas para eles. Comentário: este é filme é um marco ao retratar de forma cômica a alienação no mundo do trabalho. Para as discussões no campo do lazer e recreação é um ótimo retrato de como o trabalho na sociedade urbano-industrial se estruturou e suas implicações para o tempo livre. 38 referências CAMARGO, L. O. L. O que é lazer. São Paulo: Círculo do Livro, 1986. CHAUI, M. S. Cultura de democracia: o discurso competente e outras falas. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1997. ______. Introdução. In: LAFARGUE, P. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec/ Unesp, 1999. DE MASI, D. (org.). A economia do ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. DUMAZEDIER, J. Questionamento teórico do lazer: Porto Alegre: Centro de estudos do Lazer e Recreação/PUC-RGS, 1975. FALEIROS, M.I.L. Repensando o lazer. In: Perspectivas, n. 3, p. 51-65, 1980. GALBRAITH, J. K. A era das incertezas. São Paulo: Pioneira, 1982. LAFARGUE, P. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec; Unesp, 1999. MACEDO, C. C. Algumas observações sobre a cultura do povo. In: VALLE, E.; QUEIROZ, J. (Org.) A cultura do povo. 2. ed. São Paulo: EDUC. 1982. MARCELLINO, N. C. Estudos do lazer: uma introdução. 2. ed. Campinas: Au- tores Associados, 2000. ______. (org.) O lazer na empresa: alguns dos múltiplos olhares possíveis. In: ______. Lazer & Empresa: múltiplos olhares. Campinas: Papirus, 2001. p. 3-22. ______. Lazer e educação. 9. ed. Campinas: Papirus, 2002. ______. Lazer e humanização. 7. ed. Campinas: Papirus, 2003. MATOS, O. A dignidade da preguiça, a dignidade humana (prefácio). In: LA- FARGUE, P. O direito à preguiça. São Paulo: Claridade, 2003. VEBLEN, T. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Pioneira, 1965. 39 gabarito 1. • Cultura vivenciada (praticada, fruída ou conhecida) no tempo disponível das obrigações profissionais, escolares, familiares, sociais, combinando os aspectos tempo e atitude. • O lazer gerado historicamente e dele podendo emergir, de modo dialético, valo- res questionadores da sociedade de um modo geral, e sobre ele também sendo exercidas influências da estrutura social vigente. • Tempo privilegiado para vivências de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural, necessárias para solapar a estrutura social vigente. • Portador de um duplo aspecto educativo – veículo e objeto de educação, consi- derando-se, assim, não apenas suas possibilidades de descanso e divertimento, mas de desenvolvimento pessoal e social. 2. Ele afirma que no ambiente rural era possível, apesar de toda dureza inerente ao trabalho, conciliar elementos lúdicos, como as danças tradicionais, com os gestos do trabalho na terra, na madeira, com os companheiros. Este eram incorporados e estilizados, demonstrando a ligação efetiva e lúdica. Na linha de montagem da Era Industrial isso não seria mais possível, pois a menor distração de um elemento pre- judica a produtividade dos demais, além de ser um perigo para o indivíduo e seus companheiros de trabalho. A organização do espaço industrial dificulta a diversão e entretenimento, além do que, no início do processo de industrialização, com as longas jornadas de trabalho, só restava tempo para o descanso, e não para diverti- mento e desenvolvimento pessoal e social. 3. Emulação pecuniária é a competição ou a demonstração de força por meio do di- nheiro. O ócio e consumo conspícuo são demonstrações de poder por meio da frui- ção do tempo disponível e das possibilidades de aquisição neste tempo por meio do poder financeiro. O ócio e consumo vicário são demonstrações de possibilidades do ócio e do consumo baseados em uma capacidade, ou poder alheio, ou seja, a vivên- cia e consumo no lazer estaria relacionada à capacidade que determinado indivíduoou grupo social possui de manter uma massa de trabalhadores ao seu dispor para realizar um trabalho que lhe sustente e, consequentemente, este seja favorável ao ócio e ao consumo. 4. A escolha do termo preguiça reporta-se às questões religiosas. Lafargue constrói sua retórica em forma de incisiva paródia aos sermões religiosos, seguindo suas regras. Preguiça é um dos sete pecados capitais e o que ele objetivou foi um ataque ao “credo da burguesia”, ao que denomina “religião do trabalho”, cujo o deus seria o Progresso. Ao descrever o capitalismo como uma nova forma de religião, apresenta operários embrutecidos pelos dogmas do trabalho, os quais produzem sua própria destruição. Reivindica uma nova redistribuição do tempo para que se possa desfru- tar de outras virtudes que a vida oferece e que, devido a uma dinâmica de trabalho exploradora e desmedida, priva os trabalhadores deste usufruto. A preguiça seria o que hoje denominamos de lazer, com suas possibilidades de descanso, divertimento e desenvolvimento. 5. No trabalho não alienado, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. No traba- lho alienado, a essência do ser humano é ocultada, e o trabalhador não se reconhe- ce como produtor das obras. A divisão social do trabalho desconsidera as aptidões e capacidades dos indivíduos, suas necessidades fundamentais e suas aspirações criadoras. O trabalhador individual não é mais subjetivo, humano, pertencente a ele mesmo, mas a uma outra classe, a quem vende sua força de trabalho no mercado. Quando o trabalhador aliena para um outro (o burguês) sua força de trabalho, se torna uma mercadoria destinada a produzir mercadorias, portanto desumanizado, coisificado. Professor Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Lazer, trabalho e obrigações • Lazer, animação sociocultural e recreação Objetivos de Aprendizagem • Esclarecer as relações entre lazer, trabalho e as demais obrigações humanas na sociedade atual. • Compreender o surgimento do animador sociocultural no processo de desenvolvimento histórico do lazer e do trabalho. LAZER, RECREAÇÃO, TRABALHO E OBRIGAÇÕES II unidade INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), Em nossa segunda unidade, buscaremos compreender um pouco mais sobre a relação do lazer como mundo do trabalho, bem como com as demais obriga- ções sociais. Além disso, é necessária a compreensão de como se dá o surgimento do animador sociocultural neste processo de desenvolvimento do lazer até ca- racterizar-se na sociedade contemporânea. O tema do profissional do lazer, ou animador sociocultural, como adotaremos em nossas discussões, será abordado especificamente em nossa última unidade, mas se faz necessária, neste momento a abordagem para fins de compreensão do desenvolvimento histórico do lazer. Não é possível lançar as bases para uma real compreensão do lazer sem que estabeleçamos uma relação com o mundo do trabalho. O mesmo sangue social que corre no trabalho corre no lazer. Qualquer alteração em um, certamente afe- tará o outro. O que se deseja é que o profissional que atue em qualquer campo do lazer tenha uma base consistente para compreender e perceber o potencial transformador que possui o lazer. Tido por muitos como “coisa não séria”, o lazer tem, em si, brechas que podem questionar modelos sociais desumanizadores e fomentar ações de mudança. A compreensão do lazer deve ser feita também na relação com demais obri- gações sociais. Assim como o trabalho tem relação direta com o lazer, há tam- bém uma relação direta entre as obrigações religiosas, sociais, político-par- tidárias e familiares na determinação do que acontece no tempo disponível, pois tais obrigações também são geradoras de valores. Esperamos que, com as reflexões propostas nesta unidade, você seja ins- tigado a, ao menos, questionar a realidade na qual está inserido(a), anali- sando e verificando se cada um dos argumentos apresentados são coeren- tes diante das suas vivências pessoais. Caso você esteja vislumbrando uma atuação no campo do lazer, estas reflexões certamente propiciarão uma formação diferenciada como animador sociocultural. Bons estudos! RECREAÇÃO E LAZER 44 Tratar do lazer é abordar necessariamente o tempo de trabalho e as obrigações religiosas, sociais, polí- tico-partidárias e familiares, conforme Marcellino (2000, p. 7-9). Lembre-se de que as obrigações estu- dantis são uma categoria de trabalho. Com relação à questão das obrigações sociais, vale destacar que: [...] para se caracterizar uma determinada práti- ca social como obrigação é necessário analisá-las a partir dos aspectos tempo e atitude. As obriga- ções religiosas, por exemplo, podem ser caracte- rizadas desta forma ao estarem presas a um tem- po pré-determinado e uma atitude que está de acordo com um anseio intrínseco do indivíduo. A religião, neste sentido, pode ser caracterizada como lazer desde que não seja obrigatória e es- teja respondendo a ao menos um dos conteúdos do lazer (MARCELLINO, 2000, p. 17-19). Lazer, Trabalho e Obrigações As lutas para reivindicação de novas jornadas de trabalho, bem como para a humanização deste, foram marcadas pelo sofrimento em todo o mun- do. Camargo (1986) descreve o processo históri- co de reivindicação aos direitos trabalhistas afir- mando que as primeiras lutas foram sangrentas, pois havia uma constante repressão policial às manifestações. Na Europa, na metade do século XIX, foram conquistados os primeiros resultados das reivindicações trabalhistas. Com a chegada de trabalhadores europeus já treinados no Brasil, formando uma nova cultura do trabalho em solo brasileiro, herdou-se, também, a consciência de classe “com consciência sobre os rumos da luta pela redução da jornada de trabalho” (Camargo 1986, p. 146). 45 EDUCAÇÃO FÍSICA Para se ter uma ideia da fragilidade que permeia as discussões sobre a redução da jornada de trabalho, é necessário perceber, por exemplo, que no Brasil a industrialização ocorreu aceleradamente no fim do século XIX. Em 1901 houve a primeira grande gre- ve brasileira, reivindicando uma jornada de traba- lho de onze horas, em São Paulo. Em 1902, no Rio de Janeiro, e em 1905, em Sorocaba, tiveram greves que reivindicavam redução das jornadas vigentes de quinze a dezesseis horas. Em 1903, no Rio de Ja- neiro, consegue-se a redução da jornada diária para nove horas e meia. Embora as lutas para redução das jornadas de trabalho datem do início do século, é a partir de 1930 que se passou a cuidar entre nós, de ma- neira sistemática, da elaboração de leis sociais, protetoras do trabalho, incluindo o aumento do tempo liberado diário, nos fins de semana e nos fins de ano (férias). Essas leis foram uma con- quista dos movimentos de trabalhadores, ape- sar da propaganda estadonovista querer camu- flar a situação (MARCELLINO, 2003, p. 35). Em 1891, ocorreu o Congresso Internacional do Trabalhadores, em Bruxelas, cuja a síntese foi a luta em direção à jornada diária de trabalho de oito ho- ras. Este congresso impulsionou os congressos ope- rários em todo o mundo. No Brasil, o primeiro con- gresso foi em 1892, constando a luta pela jornada de trabalho de oito horas. Faltava ainda um amadureci- mento para tais discussões e ações efetivas. Apenas em 1907, com um número de 3.258 em- presas e 150.841 funcionários, ocorre a grande greve brasileira, em primeiro de maio, nas principais ca- pitais do país e nas cidades de Sorocaba, Santos e Campinas. A partir deste momento, paulatinamen- te, as conquistas pela redução da jornada de traba- lho vão sendo conquistadas (CAMARGO, 1986). Várias manifestações repressivas ocorrem, subsi- diadas pelo capital. A concepção dos detentores do capital, os grandes industriais, era que o tempo de lazer poderia desvirtuar mais a sociedade. Em 1917, por exemplo, o parecer ao primeiro projeto de lei que regulamentava a jornada de trabalho de oito ho- ras, foi tachado
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