Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Recreação e Lazer Anísio Calciolari Júnior © 2019 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidência Rodrigo Galindo Vice-Presidência de Produto, Gestão e Expansão Julia Gonçalves Vice-Presidência Acadêmica Marcos Lemos Diretoria de Produção e Responsabilidade Social Camilla Veiga Gerência Editorial Fernanda Migliorança Editoração Gráfica e Eletrônica Renata Galdino Supervisão da Disciplina Mateus Betanho Campana Revisão Técnica Mateus Betanho Campana Thamiris Mantovani CRB-8/9491 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Calciolari Jr, Anísio C144r Recreação e lazer / Anísio Calciolari Jr. – Londrina : Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2019. 184 p. ISBN 978-85-522-1599-8 1. Jogo. 2. Recreação. 3. Lazer. I Calciolari Jr, Anísio. II. Título. CDD 796 Sumário Unidade 1 Conceitos e definições .................................................................................. 7 Seção 1 O fenômeno lazer ............................................................................... 9 Seção 2 Concepções históricas do lazer .......................................................22 Seção 3 Recreação e ludicidade .....................................................................35 Unidade 2 Posicionamentos teóricos sobre o lazer ....................................................51 Seção 1 Principais linhas de estudo do lazer ...............................................52 Seção 2 Principais autores .............................................................................66 Seção 3 Perspectivas teóricas do lazer ..........................................................79 Unidade 3 Equipamentos e espaços de lazer ..............................................................95 Seção 1 Espaços, agentes e sociabilidades ...................................................96 Seção 2 Espaços públicos ............................................................................109 Seção 3 Espaços privados ...........................................................................122 Unidade 4 Lazer e cotidiano ......................................................................................137 Seção 1 Lazer e atividade física ..................................................................138 Seção 2 Lazer e cultura ................................................................................150 Seção 3 Lazer e natureza .............................................................................164 Palavras do autor Caro aluno, seja bem-vindo ao universo de estudos do lazer, da recreação, da ludicidade, do prazer em poder, enquanto profis-sional formado em Educação Física, ser capaz de conhecer, pensar, elaborar e executar práticas e momentos para a vivência e fruição do lazer. Sabe-se que o Lazer é uma das maiores e mais relevantes dimensões da vida do homem na sociedade moderna. Em uma sociedade que cada vez mais consome o tempo dos cidadãos em seu cotidiano, principalmente na dimensão do trabalho, está cada vez mais difícil pensar em um momento para a vivência do lazer. Esse fenômeno se apresenta de formas distintas em cada grupo social, em cada sociedade, sempre relacionado aos valores sociais e culturais de um povo. Ao estudar sobre o lazer e a recreação, você não estará se apropriando, apenas, de um campo de conhecimento e intervenção que está presente, historicamente, na Educação Física, mas também estará se apropriando de um referencial teórico-metodológico para compreender as relações humanas em sociedade, seus valores, suas tradições, sua cultura e suas lutas a fim de preservar ou transformar as práticas de lazer historicamente constituídas e inseridas no cotidiano da população. Assim, conhecer as dimensões teóricas do lazer e da recreação é fazer um mergulho no campo da dimensão cultural e das práticas corporais utilizadas como forma de vivência do lazer, sendo capaz de atuar na promoção do lazer em seus diversos campos de atuação da Educação Física. Unidade 1 Anísio Calciolari Júnior Conceitos e definições Convite ao estudo Você talvez já deva ter falado ou pelo menos ouvido a seguinte frase, de autoria de Benjamin Franklin, “Lembre-se que tempo é dinheiro”. Essa frase é um marco em uma sociedade onde somos regrados pelo tempo. Muitas pessoas simplesmente não conseguem se desvincular da lógica do tempo regrado, do tempo cronológico regido pelo relógio: tempo para acordar, para ir trabalhar, para entrar no trabalho, para almoçar, para sair e voltar do trabalho, para dormir, enfim, estamos constantemente “presos” ao tempo. E qual parte do seu tempo você reserva para brincar, para se divertir ou para simplesmente fazer nada? Os conhecimentos e saberes abordados nessa primeira unidade do livro estão relacionados às origens e discussões teóricas sobre o lazer e a recreação. Esses fenômenos, presentes no cotidiano, precisam ser compre- endidos a partir de um olhar histórico e conceitual, possibilitando a você, aluno, compreender suas complexidades e dimensões conceituais desde suas origens. O objetivo desta unidade é construir, com você, conhecimentos necessá- rios para ser capaz de identificar as matrizes teóricas do lazer e da recreação. Nesta unidade, Antônio e Alice, formados em Educação Física (Bacharelado) há mais de 10 anos, possuem uma empresa de assessoria no campo do lazer, da recreação e das práticas físico corporais. Com grande conhecimento sobre os aspectos teóricos de seu campo de atuação, eles irão auxiliar Raul, jovem recém-formado em Educação Física, na elaboração de um projeto de intervenção profissional no campo do lazer e da recreação em uma comunidade. Raul, desde a sua formação, estagiou e trabalhou na área do lazer e da recreação. Agora, ele pretende implantar um projeto de lazer e recreação na sua comunidade. No entanto, ao pensar a proposta, Raul percebeu que seus conhecimentos teóricos sobre esses fenômenos precisavam ser aprofundados para que fosse possível estabelecer, da melhor maneira, as relações com o campo teórico e prático. Na assessoria para a elaboração do projeto, esse é o ponto focal que Antônio e Alice precisarão atuar junto de Raul. Os conteúdos que serão a base para a nossa jornada perpassarão pela relação entre o lazer, a recreação e o lúdico; pelas diferentes manifestações e usos do tempo (ócio, trabalho e lazer); pelos mitos do prazer, do tempo livre e da produtividade; e pela relação do lazer com as práticas corporais. Bons estudos! 9 Seção 1 O fenômeno lazer Diálogo aberto Nesta seção, abordaremos as dimensões teóricas do Lazer, recreação e lúdico e como utilizamos nosso tempo para as práticas de lazer. Também conheceremos os mitos do prazer, do tempo livre e da produtividade e a relação do Lazer com as práticas corporais. Em nosso percurso de trabalho e estudo, Antônio e Alice, que possuem uma empresa de assessoria no campo do lazer, da recreação e das práticas físico corporais, irão auxiliar Raul, jovem recém-formado, na elaboração de um projeto de intervenção profissional no campo do lazer e da recreação em uma comunidade. Na primeira reunião de diagnóstico e trabalho, Antônio e Alice identi- ficaram que os saberes apreendidos por Raul estavam no campo da inter- venção prática, na elaboraçãoe aplicação de atividades. Por sua vez, Raul tinha dificuldade em compreender que todas as atividades de lazer que desenvolvia tinham uma base histórica e conceitual e que, para ampliar seus conhecimentos sobre o lazer e a recreação, precisaria ir além do campo prático. Para tal, algumas questões são importantes: quando surgiu o lazer e a recreação? Quais períodos históricos e dimensões conceituais são necessá- rios apreender para ressignificar o olhar de Raul sobre o lazer e a recreação? Não pode faltar Assumir como princípio fundante que o lazer está presente no cotidiano do cidadão é se colocar diante de uma reflexão sobre a sociedade moderna, sobre o trabalho, sobre as mais distintas formas de se divertir, de brincar, de jogar, de praticar esportes, atividades físico-esportivas, culturais e artís- ticas. Nesse sentido, é conhecer sobre a subjetividade humana e como ela se manifesta de diversas formas nas práticas culturais de lazer. Lazer e trabalho A advento do lazer deve ser pensado a partir da relação que historica- mente estabelece com o trabalho. Assim, deve-se pensar as relações dialéticas e contraditórias existentes entre esses dois fenômenos marcantes da socie- dade moderna, pois, da maneira como se apresenta no cotidiano, o trabalho interfere na constituição das atividades do lazer e as práticas de lazer também interferem na própria lógica do mundo do trabalho. 10 O surgimento e a consolidação da sociedade capitalista foram baseados nas dimensões sociais e econômicas que emergiam a partir do mundo do trabalho. O trabalho foi colocado, pela sociedade capitalista, como a condição central de vida do homem em sociedade, da sua própria organização social, econômica e cultural. Essa mudança no campo da subjetividade humana insere-se de maneira significativa no campo da moral, das regras, das normas sociais. Ou seja, o homem passa a ser visto e valorado pelo que ele produz, pelo capital que ele acumula. Diante desse cenário, na sociedade capitalista, o trabalho é a força de sua evolução, sendo elemento central da organização da vida em socie- dade. Assim, nas sociedades capitalistas inseridas na revolução industrial, principalmente onde prevalece o pensamento liberal de forma hegemônica, o trabalho tem sido sistematicamente exaltado. Frases como “o trabalho enobrece o homem” e “o ócio é o pai de todos os vícios” marcam significativa- mente como esses valores estão inseridos nas sociedades capitalistas. Assimile O capitalismo industrial surge a partir do século XVIII, com a transformação do sistema de produção, que passa de produtos manufaturados para a produção de mercadorias em grande escala. O trabalho artesanal sede lugar para a produção realizada pelas máquinas, o que alcança seu ponto máximo com o desenvolvimento industrial da sociedade inglesa. O ponto central nesse processo de avanço do capitalismo foi a separação entre os que detêm os meios de produção e os que vendem sua força de trabalho, o qual passa a ser assalariado, sendo esse salário apenas uma parcela do valor do trabalho produzido, gerando a mais-valia, que é apropriada pelo proprietário dos meios de produção sob a forma de lucro. Diante dessa sociedade do trabalho que se consolida com a Revolução Industrial, surge um fator de grande relevância para a compreensão e surgi- mento do lazer: o tempo. Antes da Revolução Industrial, especificamente até o final do século XIII e o início do século XIV, não existia uma separação marcante na forma como o tempo era utilizado. O tempo que regia a vida era o tempo natural, determinado pelos fenômenos e ciclos da natureza. Já os tempos de trabalho, de lazer e de repouso eram controlados pelo próprio trabalhador a partir de seu ritmo, de sua subjetividade. Esse tempo natural foi passando por transformações na sociedade moderna à medida que a sociedade industrial via a necessidade de regrar e medir o tempo cotidiano, quantificando o tempo de uma maneira que passasse a ser comercializado como uma forma de mercadoria, passando a 11 ter valor econômico. O marco histórico e material dessa mudança deu-se com a criação do relógio. Tempo livre e lazer Para ampliar os conhecimentos teóricos sobre a categoria tempo, Cornelius Castoriadis (1982), aponta que o tempo se caracteriza como uma das dimensões da sociedade moderna, sendo que cada sociedade estabelece um modo próprio de se relacionar e viver o tempo. O autor afirma que o tempo pode ser vivido em duas dimensões: o identitário e o de significação. Dentro da dimensão do tempo identitário, o tempo é demarcado, regrado. Esse é o tempo das medidas, do calendário, do relógio. Já o tempo compre- endido como imaginário, permeado por símbolos e significações, refere-se a uma dimensão temporal constituída de sentidos, afetos, valores. É o tempo que é dimensionado pelo significado que ele possui, ou seja, não está preso à marcação cronológica formal, mas a maneira como nos ligamos, no campo simbólico, a uma atividade. Para Castoriades (1982), existe uma relação inerente e recíproca entre o tempo significativo (ou imaginário) com o tempo identitário, real. Assim, o tempo identitário constitui-se como tal porque é referido ao tempo imaginário que lhe irá atribuir um significado e, ao mesmo tempo, o tempo imaginário nada seria se fosse constituído fora do tempo identitário. Exemplificando Quando remetemos essa relação ao campo do Lazer, podemos pensar sobre como o “tempo voa” quando estamos realizando uma atividade que possui forte vinculação no campo da significação, no campo imagi- nário. Um exemplo para refletirmos juntos é uma partida de futebol que está aos 40 minutos do segundo tempo. Se o seu time do coração estiver ganhando, aqueles minutos finais parecerão, muito provavel- mente, uma “eternidade”. Caso contrário, se seu time estiver perdendo, aqueles minutos finais irão “voar”. Essa relação entre o tempo identi- tário e o tempo imaginário que torna tal momento apreensível e signi- ficante. Marco da sociedade moderna e da revolução industrial, o relógio favoreceu a criação e elevação do controle sobre o homem e sobre o trabalho produzido. Nesse sentido, o tempo natural, controlado pelo ritmo da vida, passa a ser controlado pelo relógio, pela lógica e princípio da produtividade. Diante desse fato, pode-se perceber uma mudança significativa no cotidiano 12 dos cidadãos, sendo a vida em sociedade agora ajustada pelo trabalho nas fábricas, onde jornadas de trabalho de mais de 16 horas diárias são comuns. Neste cenário da sociedade capitalista, a força de trabalho do homem passa a ser explorada pelas condições materiais e subjetivas de trabalho, pelos baixos salários, pelas longas jornadas de trabalho e pelo próprio ritmo de vida na sociedade contemporânea que sujeitam o trabalhador a longas jornadas para garantir sua sobrevivência material e subjetiva, comprometendo, assim, seu tempo de lazer, de descanso, de repouso. Essa relação com o tempo de trabalho gerou, historicamente, nas sociedades capitalistas, uma forte tensão sobre o uso do tempo, seja para o trabalho, para o lazer ou o ócio. A partir das lutas e tensões geradas nas relações entre capital e trabalho na sociedade capitalista, o tempo livre deve ser considerado como uma conquista e não uma “boa ação” do capital, das classes dominantes às classes dominadas. Nesse sentido, o tempo livre é uma construção social, síntese da produção histórica de uma sociedade. Abordando agora, especificamente, o tempo livre, cabe ressaltar que não há uma única visão, olhar e conceito sobre tal categoria. As dimensões conceituais sobre o tempo livre são construídas a partir de uma perspectiva cultural, social e ideológica, relacionadas aos mais distintos instrumentais teóricos no campo de estudo do lazer e áreas afins. Diante das possibilidades teóricas apresentadas, o tempo livre pode se caracterizar como o tempo que sobra para o homem após realizar suas obrigações do trabalho, o tempo que nelenão se materializa nenhum tipo de obrigação social, e que pode ser ocupado e vivido de forma livre. Entre as diversas possibilidades de olhar e conceituar o tempo livre, há uma singula- ridade fortemente presente em boa parte delas, que é a leitura do fenômeno tempo livre como um tempo vivido como sendo do não trabalho, ou seja, o tempo que nega o trabalho, que a ele se opõe. E é nesse tempo, o tempo livre, que se torna possível o homem buscar vivenciá-lo a partir de sua capacidade livre e criadora, buscando formas de expressar sua subjetividade individual e coletiva. É o tempo da realização pessoal, o tempo da busca pelo prazer. Para Jofree Dumazedier (1976), o tempo livre é caracterizado como todo o tempo de não trabalho dedicado ao estudo, destinado às tarefas domés- ticas, às obrigações cívicas, familiares, religiosas, políticas, sociais, etc., bem como reservado às atividades de lazer ou ócio. Portanto, o tempo livre signi- fica aquele tempo de não trabalho, no qual não existe uma ação imposta e que o homem possa, de maneira livre, escolher com o que deseja ocupar-se, ou, simplesmente, fazer fazer. Chega-se então a um ponto fundamental de nosso 13 estudo, o de que o lazer é, assim como o tempo livre, uma conquista histórica e social diretamente relacionada ao mundo do trabalho. Reflita Em muitos casos, a partir do conhecimento do senso comum, que é um conhecimento prático que ajuda as pessoas a tomarem decisões em seu cotidiano, as palavras lazer e tempo livre são utilizadas como sinônimos. Dentro de uma perspectiva conceitual e epistemológica, pode-se dizer que o lazer se materializa no tempo livre do cidadão, como uma forma de viver e se ligar a esse tempo. Nesse sentido, você já parou para pensar como o tempo livre se materializa para você? Como você ocupa seu tempo livre? Quais práticas realiza nesse tempo? Seu tempo livre é realmente livre das pressões e determinismos de consumo da socie- dade contemporânea? Você sabe, ou seja, foi educado para ocupar seu tempo livre? No entanto, em uma sociedade que transforma o tempo em mercadoria, seria o tempo livre realmente livre? Na obra Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito (2017), Valquíria Padilha aponta que, inserido na sociedade capitalista e fruto dessa própria sociedade, portando seus valores, o tempo de não trabalho não pode ser caracterizado, necessariamente, com um tempo realmente livre, de pleni- tude, de manifestação da individualidade, pois o tempo livre acaba não possi- bilitando a emancipação humana, pois está inserido em uma sociedade que não permite essa emancipação. Assim, o lazer, inserido nesse contexto, acaba se transformando em mais uma possibilidade de consumo, de mercadoria, de produto, ou seja, o tempo livre e o lazer acabam sendo apropriados e trans- formados em consumo. No entanto, de forma contraditória, o lazer pode ser considerado uma prática social e culturalmente construída que possibilita a ruptura do cotidiano, mesmo que momentaneamente, uma prática potencial para a reflexão e transformação da própria realidade individual e coletiva. Assimile Agora trazemos um conceito de lazer para ampliar seu olhar e conheci- mento. Para Mascarenhas (2000, p. 34) “O lazer se constitui como um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia”. Nesse sentido, podemos perceber o lazer como um campo de lutas e forças entre as formas de organização da sociedade, que 14 se materializa em vivências lúdicas. É um constante campo de tensão entre os valores capitalistas e as possibilidades de vivências de práticas “livres” desses valores. Ócio, tempo livre e lazer O que você pensa da palavra ócio e quais valores vêm a sua cabeça? Como a sociedade constrói esses valores, inculcados de tal maneira em nossa formação, que dificilmente conseguimos não associar o ócio a um campo pejorativo, depreciativo, negativo? Qual relação entre o ócio e o lazer na sociedade moderna? A origem da palavra ócio é derivada do latim otium, que significa fruto das horas vagas, do descanso, do repouso, da tranquilidade. Além disso, possui sentido de ocupação suave e prazerosa. No entanto, justamente por portar uma ideia de repouso, muitas vezes as pessoas confundem ócio com ociosidade. Na constituição do significado do lazer na sociedade capitalista, o ócio passou a ser considerado uma prática questionada, pois foi a ele atribuído, socialmente, um sentido negativo. Foi justamente esse fator, por exemplo, que determinou que muitas sociedades passassem a pensar uma forma de organizar e controlar a vida dos trabalhadores a partir das práticas que reali- zavam em seu tempo livre. Não se pode deixar de afirmar que o ócio é tão antigo quanto o próprio trabalho. É na sociedade grega que se pode encontrar o ideal clássico de ócio, que está associado ao ócio contemplativo, da liberdade da necessidade de trabalhar. O ócio possui um sentido de ação, de algo ativo, pois está associado à capacidade de pensar, de contemplar. E o pensamento é algo ativo, é movimento, é uma vida contemplativa que possibilita a felicidade. Para os filósofos Platão e Aristóteles, a contemplação era um caminho para se chegar à verdade, à sabedoria. Mas é a partir da Revolução Industrial, com a nova organização do trabalho e o surgimento de um novo tempo, o tempo livre, e também do lazer, que um novo significado para o conceito de ócio passou a ser forjado. Com o advento da sociedade capitalista o trabalho passou a ser elemento central. O trabalhador agora precisa dedicar seu tempo ao trabalho como forma de sobrevivência, e não mais como um modo de vida. O tempo passa a ser quantificado e valorado, e o ócio passa a ser uma prática a ser comba- tida: como já vimos, o ócio passa a ser o “pai de todos os vícios”. De todos os valores e práticas que se opunham ao da nova sociedade. O ócio não produz. O trabalho produz. São esses os valores presentes e impregnados na 15 sociedade contemporânea. Somos educados para o trabalho, para pensar o ócio de forma depreciativa como aquilo que se opõe ao valor maior, o próprio trabalho. Dessa forma, o trabalho passa a ser a fonte de todas as virtudes. É nesse sentido que o lazer entra em cena. Ele passa a ser uma prática lícita, permitida. Não é ociosidade, mas sim um fenômeno que emerge a partir da relação entre o conceito de trabalho, de ócio e tempo livre, tornan- do-se um fenômeno com uma dimensão singular, não podendo ser compre- endido como o tempo fora do trabalho, como sinônimo de tempo livre, ou como algo negativo por ser “improdutivo”, assim como o ócio é definido hoje. Tais reflexões sobre o lazer são necessárias não somente para você, aluno, compreender a origem e evolução do lazer, mas também para ser capaz de analisar e compreender as formas de organização da vida em sociedade e como cada uma, a partir do lugar que o lazer ocupa, das transformações no campo da cultura, dos valores, das mentalidades, influenciam e determinam as formas de ocupação de tempo livre e práticas de lazer. Lazer, recreação e o lúdico O lazer possui um grande potencial lúdico, pois pode ser compreendido como um espaço em que as possibilidades de criação e escolha são maiores que as existentes em uma linha de produção (MAGNANE, 1998). De modo marcante ainda nas sociedades tradicionais, as atividades lúdicas, como os jogos e as danças, podem ser consideradas as origens, as raízes do lazer, manifestando-se, também, em outros aspectos da vida em sociedade, como na educação e no trabalho. No entanto, prezado aluno, lazer e lúdico não são sinônimos, não possuem os mesmos significados. É comum os equívocos conceituais e sobreposições quando se trata de conceitos como lazer, lúdico e recreação. Por mais que as interfaces desses fenômenos dialoguem, se materializam de forma conjunta, suas dimensõesteóricas devem ser respeitadas, até mesmo para o fortaleci- mento da própria Educação Física. O lúdico se constitui de uma atmosfera de liberdade e autonomia, onde as amarras das regras sociais estão mais livres, e o prazer, a alegria, a liber- dade, a angústia e a tensão constituem novas formas de viver o cotidiano, a vida em sociedade. É um momento marcada pela emoção, pelos sentidos e sentimentos diversos. Portanto, a vivencia do lúdico cria uma nova forma de se ligar e se apropriar do momento vivido. Muitas vezes o lazer e a recreação foram tratados de formas sobrepostas, e no senso comum, no cotidiano das pessoas, esse pensamento ainda é muito 16 marcante. Há até mesmo uma justificativa para que isso tenha ocorrido no Brasil. No início dos anos 1940, como forma de controlar a ocupação do tempo livre do trabalhador, o Governo Federal criou o Serviço de Recreação Operária, dentro do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A visão que se tinha da recreação era de que possibilitava restaurar o equilíbrio bioló- gico entre o espírito e o corpo, colaborando com a saúde da população e, assim, auxiliando no processo produtivo da nação, ou seja, uma recreação organizada que fosse saudável, educativa e socialmente útil. Diante desse cenário, o uso da recreação de forma utilitarista era uma forma de controlar o lazer dos trabalhadores e suas famílias, mas também um instrumento pedagógico de formação de uma sociedade que apresen- tasse boa saúde biológica e social, disciplinando o corpo para e nas práticas de ocupação do tempo livre. Ainda no campo pedagógico da prática da recreação, a tendência pedagó- gica da Escola Nova, que se instaurou no Brasil a partir dos anos 1930, deu ênfase ao jogo e a ginástica como componentes fundamentais da formulação da personalidade, da civilidade, da disciplina e da liberdade, e a recreação, tanto para crianças, jovens e adultos, servia como forma de controle do corpo. Outro fator que colaborou com a sobreposição conceitual entre lazer e recreação foi o próprio conceito de lazer de Joffre Dumazedier, que impactou significativamente o campo dos estudos sobre o lazer no Brasil a partir dos anos 1970. Para esse autor, o lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo poderia se entregar, após livrar-se de obrigações de diversas naturezas. Nesse sentido, delimitando e reduzindo o lazer a determinadas atividades, seu significado fica muito próximo do significado de recreação construído no país. Assim, a recreação passou a ser vista como sinônimo de atividades realizadas nas horas de lazer. A palavra recreação deriva da palavra recreare, que significa “criar de novo”, estando relacionada com atividades lúdicas. O verbo recrear também significa trazer alegria, satisfazer, aliviar o outro do trabalho árduo, ter tempo de folga, entre outros significados. Com características de liberdade, de escolha e a atitude de prazer no fazer da recreação, o prazer está inerente na atividade, que não deve buscar ser útil ao lucro, porém, apenas alegrar. Como pode perceber, mesmo estando entrelaçados, a recreação e o lazer, a partir de sua trajetória e experiência no campo das chamadas ativi- dades lúdicas, podem construir as marcas identitárias que os distinguem e os relacionam, criando possibilidades de participação e democratização às práticas culturais de lazer. 17 Você já pensou como a Educação Física pode colaborar com esse processo? As práticas corporais culturalmente instituídas constituem nosso campo de intervenção. Manifestações como o jogo, o esporte, a dança, a brincadeira, a recreação, as atividades de aventura (urbana e na natureza), atividades culturais e artísticas, as lutas, enfim, as mais diversas formas da cultura corporal que, historicamente, tornaram-se campo de estudo e conhe- cimento da Educação Física podem e devem ser apropriadas. Não existe um “receituário” de práticas de lazer e recreação. As mais diversas dimensões do movimento humano podem ser utilizadas como vivência e fruição do lazer. Foi nesse sentido e caminho histórico percorrido pela Educação Física no Brasil que o lazer se tornou objeto de estudo e campo de intervenção para o Profissional de Educação Física. Pesquise mais Neste texto, você terá acesso a uma interessante discussão sobre as possibilidades de vivencia do corpo, do movimento humano, das práticas corporais no tempo de Lazer. BRUHNS, H. T. Relações entre a educação física, a cultura e o lazer. Revista de Educação Física/UEM, v. 9, n. 1, p. 61-66, 1998. Sem medo de errar Então, prezado aluno, você pôde perceber com o passar dos estudos nessa seção que os conhecimentos e saberes práticos relacionados ao lazer e à recre- ação, tão relevante para a prática profissional na Educação Física, não são suficientes para compreender esses fenômenos em toda a sua complexidade. Antônio e Alice agora já podem ajudar Raul com toda uma base de conhe- cimentos que perpassam as dimensões históricas, sociológicas e culturais da sociedade moderna onde o lazer e a recreação se inserem, se relacionam. Nesse sentido, Raul passa a ressignificar seu olhar sobre o lazer e a recre- ação a partir da aproximação, estudos e leituras sobre as dimensões teóricas do lazer e da recreação. Para tanto, eles podem lançar mão: 1. Dos conhecimentos que perpassam a constituição da sociedade indus- trial e do capitalismo, com a instituição de uma nova ordem social em torno do trabalho, do capital. 18 2. Da compreensão de que o trabalho, o lazer e o tempo livre não são sinônimos, e de que a apropriação conceitual dessas categorias é funda- mental para a construção da identidade do profissional de Educação Física que atua no campo do lazer. 3. Da própria pratica e experiência profissional de Raul para que ele compreenda e identifique as diferenças conceituas entre lazer, lúdico e recre- ação, pensando essas práticas dentro de uma abordagem de práticas corpo- rais que são relevantes para a construção de uma sociedade democrática. Avançando na prática As práticas recreativas como campo elemento educacional Maria está trabalhando em um espaço de recreação para crianças em um Shopping Center. Ao vivenciar dia a dia seu trabalho, ela começa a se questionar e refletir sobre as práticas oferecidas às crianças. Na visão de Maria, as práticas oferecidas são apenas “passatempo” para as crianças a fim de que os pais e familiares possam passear pelo Shopping e realizar suas compras com mais tranquilidade. Maria, então, relata suas inquietações para sua supervisora, afirmando que aquele espaço poderia ter um potencial educativo, de construção de conhecimento, de vivência de práticas praze- rosas que fossem significativas para as crianças, e não apenas um local para deixá-las brincando livremente. Com base nesse contexto descrito, gostaríamos de convidar você para ajudar a resolver esta situação problema, apontando que a recreação possui um potencial educativo em sua prática. Resolução da situação-problema O conceito e a prática da recreação estão associados, dentro do senso comum, apenas à realização de uma atividade, seja ela livre ou direcionada. Esse olhar sobre a recreação remonta sua própria dimensão histórica-concei- tual. No entanto, os valores presentes nas práticas recreativas são de muita relevância para a construção da identidade das crianças. A ludicidade que envolve todo esse momento possibilita a dimensão do prazer, da alegria, da vivencia de valores significativos quando pensamos em uma sociedade mais justa. A incorporação de valores educativos à prática da recreação, sendo essa 19 cada vez mais diversificada, colabora com a superação do estigma de ela ser controlada apenas por equipamentos, como os brinquedos, principalmente quando pensamos nos espaços existentes nos Shoppings Centers. Oficinas que envolvam trabalhos em grupos, atividades corporais, motoras, artísticas e culturais também devem se fazer presentes não com o simples intuído de diversificação,mas de reconhecimento do potencial valorativo e educativo de tais práticas, sendo pensada, organizada e promovida pelos saberes constru- ídos historicamente no campo da Educação Física. Faça valer a pena 1. Com a Revolução Industrial uma nova ordem se estabelece na sociedade. O trabalho passa a significar a própria objetivação do homem no mundo, a maneira como ele será valorizado e olhado por essa sociedade. Nesse novo processo de reestru- turação do trabalho, os trabalhadores eram submetidos a longas jornadas de trabalho, de muitas vezes até 16h de trabalho diário. Com as lutas trabalhistas travadas ao passar dos tempos, esse tempo de trabalho foi diminuindo, surgindo, então, um novo tempo, o tempo livre. Tendo como referência os fatores que possibilitaram a surgimento do tempo livre na sociedade moderna, assinale a opção correta. a. A longa jornada de trabalho era uma opção do trabalhador, que muitas vezes adotava esse caminho por possuir boas condições de trabalho, bom salário e reconhecimento profissional. b. O tempo livre foi uma condição dada pelo capital, pelos donos das empresas às classes operárias, visando melhorar ainda mais suas condições objetivas e subjetivas de vida. c. O tempo livre é uma construção social, síntese da produção histórica de uma sociedade, resultado das lutas e tensões geradas nas relações entre capital e trabalho, é uma conquista do trabalhador. d. Tempo livre, tempo de trabalho e tempo de lazer são sinônimos, pois todos são tempo produtivos em que o trabalhador está inserido no campo da produção e do consumo. e. O tempo livre sempre foi, historicamente, livre em sua plenitude, e o traba- lhador nunca sofreu nenhum tipo de interferência no modo como ocupava esse tempo. 20 2. Leia a seguir o poema O Tempo, de Mário Quintana. A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas. (QUINTANA, 1980, p. 38) Para Castoriades, existe uma relação inerente e recíproca entre o tempo significativo (ou imaginário) e o tempo identitário, real. Assim, o tempo identitário constitui-se como tal porque é referido ao tempo imaginário que lhe irá atribuir um significado e, ao mesmo tempo, o tempo imaginário nada seria se fosse constituído fora do tempo identitário. Tomando como referência os conceitos de tempo de Castoriades, especificamente sobre o tempo identitário e o tempo imaginário, assinale a alternativa correta. a. Na dimensão do tempo imaginário, o tempo é demarcado, regrado. Esse é o tempo das medidas, do calendário, do relógio. b. A dimensão do tempo identitário é permeada por símbolos e significações, refere-se a uma dimensão temporal constituída de sentidos, afetos, valores. c. No poema, a frase “Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio”, a palavra relógio está relacionada ao tempo imaginário. d. A expressão bastante utilizada no poema, “Quando se vê”, remete ao tempo imaginário, a maneira como nos ligamos, vivemos e percebemos o tempo cronológico, identitário. e. Para Castoriades, a criação das duas dimensões do tempo, identitário e imagi- nário, possibilita a distinção entre esses dois tempos, sendo que um não se relaciona com o outro. 21 3. Fenômenos conceituais como o lazer, a recreação, o lúdico e o ócio devem estar presentes e consolidados na formação do Profissional de Educação Física. Saber sobre as dimensões conceituais de cada um deles não é o desafio maior, mas sim compreender suas interfaces, suas relações, mas sem sobrepor conceitos, sem esvaziar a dimensão conceitual que se faz relevante para uma intervenção profissional com qualidade no campo do lazer. Sobre as dimensões conceituais do lazer, da recreação, do lúdico e do ócio, julgue as afirmativas a seguir em (V) Verdadeiras ou (F) Falsas. ( ) A tendência pedagógica da Escola Nova, que se instaura no Brasil a partir dos anos de 1930, deu ênfase ao jogo e a ginástica como componentes fundamentais da formulação da personalidade, da civilidade, da disciplina e da liberdade, enquanto a recreação, tanto para crianças, jovens e adultos, servia como forma de controle do corpo. ( ) Presentes em diversas manifestações nas sociedade tradicionais, as atividades lúdicas, como os jogos e as danças, podem ser consideradas as origens, as raízes do lazer, manifestando-se, também, em outros aspectos da vida em sociedade, como na educação e no trabalho. ( ) A sociedade contemporânea ainda preserva o clássico sentido de ócio da socie- dade grega, incentivando-o como algo contemplativo, da liberdade da necessidade de trabalhar. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a. F – V – V. b. V – V – V. c. V – F – V. d. F – V – F. e. V – V – F. 22 Seção 2 Concepções históricas do lazer Diálogo aberto Caro aluno, você já parou para pensar como era o lazer em outros tempos históricos? Será que realmente o lazer só pode ser atribuído à prática existente no seio da sociedade moderna? Nessa seção conheceremos o lazer em outros períodos históricos, como na Grécia e Roma antigas, e como ele foi sendo (re)significado de acordo com a evolução histórica da sociedade. Outra coisa importante antes de iniciarmos: já parou para pensar o porquê você não realiza práticas de lazer distintas da que habitualmente realiza? Antônio e Alice foram convidados por Raul para conhecer a comunidade em que ele pretende concretizar o projeto de lazer e recreação. Raul acredita que as atividades diversificadas poderão atingir a todos que simplesmente queiram realizar as atividades. No entanto, Antônio e Alice, como possibili- dade de organização do projeto, apresentaram os diferentes conteúdos cultu- rais do lazer e suas novas configurações na atualidade e também perceberam a existência de algumas barreiras para o usufruto da comunidade em geral. Assim, Raul precisará assimilar esses temas. Não pode falar Olhar um fenômeno a partir de uma perspectiva histórica é fazer um difícil exercício de reflexão sobre como uma realidade, como um todo, acaba sendo produtora e produto das dimensões dessa sociedade. Ou seja, olhar o lazer em uma perspectiva histórica é uma tarefa complexa, pois cada socie- dade possui características e elementos distintos que se fazem presentes na própria concepção e prática de lazer em cada tempo histórico. Da antigui- dade a atualidade, o olhar deve ser sempre, na medida do possível, o mais contextualizado possível. Retirar um fenômeno de seu contexto e isolá-lo em um processo de análise é um grande risco metodológico. Dimensões históricas do lazer Um fenômeno tão complexo como o lazer, que se apresenta de formas distintas em cada período histórico, é capaz de gerar muito debate sobre suas origens, sobre sua história. Uma pergunta, que se apresenta inicialmente simples, é difícil de ser respondida: quando surgiu o lazer? 23 Como você pode perceber e apreender ao decorrer da leitura de nossa primeira seção, o lazer está, hoje, diretamente associado ao surgimento da sociedade moderna, urbana e industrial, com suas interfaces com o trabalho e o tempo livre. Há também, no âmbito das discussões e estudos sobre o lazer, uma vertente que parte do princípio de que o Lazer sempre existiu, estando presente de diferentes formas e com diferentes papéis nas sociedades mais antigas. Ao tomarmos como princípio a existência do lazer nas sociedades antigas, um princípio deve ser básico: não podemos olhar para as práticas de lazer nessas sociedades nem mesmo sua concepção a partir do olhar e saberes produzidos sobre o lazer na atualidade. Ou seja,o conceito moderno de lazer pouco ajuda a olhar o lazer nas sociedades antigas. Para Gomes (2004), seria um risco definir com exatidão em que momento histórico, em que época, em que data o lazer se configura na sociedade ocidental. Seguindo essa linha, a autora afirma que o exercício de conhecer sobre outras realidades, que não seja somente na perspectiva da sociedade moderna, pode colaborar para compreendermos o processo de constituição do lazer. Um importante passo nesse processo é conhecer com mais profundi- dade a origem etimológicas da palavra lazer, tomando como referência seu contexto e momento histórico. Para os gregos, a palavra “schole” é impor- tante nesse percurso histórico e tem como significado, etimologicamente, parar ou cessar; que origina a ideia de se ter repouso ou paz. Posteriormente, ela passou a ter significado atribuído a ação de se ter tempo desocupado, de se ter tempo para si mesmo. Ou seja, esse tempo, a partir da cultura grega, era ocupado por atividades ideais, como a reflexão filosófica, a vida contem- plativa, o ócio. A concepção grega de lazer baseava-se na existência de se ter tempo para si, que era um estado ou uma condição, sem preocupações nem a necessi- dade de trabalhar, uma vez que o trabalho era algo desprezado, realizado por escravos e uma ação indigna para os homens livres. Para o filósofo Platão, a vida era essencialmente contemplação, e o dever do homem (livre) era o de eximir-se do contato com o mundo material como um obstáculo à contem- plação. Não se pode deixar de ter como referência que as condições sociais da sociedade grega apresentavam uma divisão de classes sociais baseada na produção escravista. Nesse sentido, para os gregos, o lazer era importante para o aprimoramento da sabedoria, da sensibilidade, das virtudes. Portanto, lazer aparece como um contraponto do trabalho. Para os romanos e sua incorporação de muitos aspectos da vida e da cultura grega, verifica-se, também, um desprezo e desvalorização do trabalho e, consequentemente, valorização do tempo livre, do ócio. A partir da leitura 24 dos filósofos gregos, para os romanos, o sentido da palavra é atribuído à noção romana de “otium” (ócio). Nessa perspectiva romana, o significado do lazer remete ao não fazer nada, ao tempo dedicado de forma total ao ócio, sendo fortemente predo- minante a concepção de tempo livre como sendo descanso e diversão, fruto das horas vagas, da tranquilidade. Uma forte marca na sociedade romana é a desvalorização do trabalho, porém, não necessariamente esse valor estava associado à contemplação, assim como era para os gregos. Reflita A prosperidade econômica e a conquista de novos territórios trouxeram a Roma um clima de bem-estar que permitiu aos romanos o usufruto do ócio, do lazer e da diversão. Claro, isso a uma pequena parcela da população. Para a plebe romana, o século I da nossa era foi o século de panem et circenses, o denominado Pão e Circo, uma metáfora que signi- fica, “comida e divertimento” para o povo. Especialmente no tempo do Império, foram construídas arenas onde eram realizados espetáculos, como os combates entre gladiadores, animais ferozes, corridas de bigas, quadrigas, acrobacias, espetáculos com palhaços, artistas de teatro, corridas de cavalos, entre outros. O Coliseu de Roma é um dos princi- pais símbolos da política do pão e circo, onde ocorriam as grandes lutas dos gladiadores. Chegavam a ser realizados espetáculos por mais de 180 dias no ano. Era uma forma da classe dominante conter e controlar a população pobre, uma forma de lazer e diversão como controle social. A política do Pão e Circo muitas vezes aparece utilizada nos dias atuais como forma pejorativa, negativa, então, como oferecer uma ação de lazer e divertimento que supera a visão já instituída pelo Pão e Circo? Veja, pode-se perceber, até agora, que a compreensão da própria natureza do trabalho é determinante para as dimensões históricas-conceituas sobre o lazer e seus significados em diferentes períodos históricos. E isso não foi diferente conforme a sociedade e o pensamento ocidental evoluíram. O que você, aluno, perceberá agora, é uma processual mudança significativa na dimensão do trabalho e também do ócio. No início do cristianismo e durante quase todo o período da Idade Média, esteve presente de forma hegemônica e predominante a concepção de valorização do trabalho e desvalorização do tempo livre. Portanto, se na antiguidade clássica havia um nobre valor atribuído ao ócio, com a ascensão do cristianismo e início da Idade Média, houve uma significativa mudança 25 nesse significado. O ócio passou a ter o significado relacionado à vadiagem, tempo desperdiçado, libertinagem, desordem. De acordo com o ideal hegemônico da época, ou seja, a visão cristã, o trabalho seria como um castigo imposto e o caminho para a busca da redenção e purificação. O trabalho tornou-se, então, o remédio para os males que a ociosidade poderia instaurar na sociedade. No entanto, havia também a valorização de atividades manuais, artísticas, mas sobre todas elas prepon- derava a contemplação e a exaltação do Divino. Durante a Idade Média, por meio dos sinos e badalos das igrejas, ocorreu uma ruptura na dimensão de tempo, o primeiro rompimento com o ciclo da natureza como determinante das ações dos homens. Os sinos passaram a controlar o tempo humano de trabalho e o tempo do não trabalho, que era, principalmente, os dias santos. Nesse período, os momentos de lazer estavam associados ao sagrado, como momentos de encontros, festas, celebrações (as Quermesses – kerkmiss – são exemplos desses momentos que foram preva- lecendo com o passar dos tempos e ainda podem ser encontradas em algumas cidades). O lazer e o trabalho passam a ter significados e práticas relacionadas à presença de Deus. O lazer deveria estar associado a práticas vivenciadas que buscassem elevar a alma à Deus, impregnando os valores morais, sobretudo os essenciais ao mundo do trabalho, à estruturação da família e à Igreja. Ou seja, lazer e trabalho passam a ser utilizados como forma de controle da população. Assimile Caro aluno, em síntese, podemos aprender que na Grécia Antiga o ócio era um privilégio destinado apenas a alguns homens livres e que possuía o significado relacionado a um modo de vida contemplativa, a busca da verdade e reflexão sobre os supremos valores da época. Assim, o trabalho não possibilitava essa ação contemplativa, o ócio sim. No período Romano, a concepção e significado de ócio estava relacionado ao descanso do corpo e à recreação do espírito. Surge, então, o lazer, o ócio para as massas como um instrumento de controle e despolitização. Assim, o ócio começa a assumir um significado relacionado ao que era vivenciado fora dos horários destinados às atividades produtivas, ao trabalho. Já na Idade Média, o ócio passa a ser vinculado como a repulsa e negação ao trabalho. O que até então era algo que remetia a um privi- légio, e de poucos, passa a ser marcado como algo negativo. 26 Então, se durante toda a Antiguidade Clássica e boa parte da Idade Média o ócio era algo valorizado quando confrontado com a visão negativa existente sobre o trabalho, com o declínio do sistema feudal a realidade sobre as categorias e dimensões da vida, como o trabalho e o ócio, passam por significativas transformações e rupturas. O capitalismo mercantil e o novo binômio instaurado, a relação entre trabalho/tempo livre passam por uma inversão histórica relacionada às trans- formações econômicas e sociais que estavam ocorrendo, como a ascensão da burguesia mercantil, o declínio do poder da igreja e dos regimes absolutistas, assim como o crescimento do comércio internacional e o surgimento do Estado moderno. Nesse novo contexto instaurado, há uma nova dinâmica na relação entre trabalho e tempo livre. Com o advento da Revolução Industrial, o crescimento da produtividade e dos mercados consumidores, com o crescimento e desenvolvimentotecno- lógico inserido na dinâmica produtiva, não foi possível perceber, de maneira imediata, um aumento nem presença significativa da existência de um tempo ocioso, de um tempo livre. O tempo, até então sacralizado, passa a ser mensu- rado de forma exata. Não é mais o badalar dos sinos das igrejas, mas agora o que determinado a relação entre homem, trabalho e tempo é a exatidão do relógio. É a própria ideia e processo histórico de dessacralização do tempo. Com o desenvolvimento tecnológico, a máquina surge também com esse papel de regrar e racionalizar o tempo do trabalho e o tempo do não trabalho. Assim, o tempo fora das ações produtivas do trabalho era denominado de tempo do não trabalho, tendo uma relação direta com a atividade produtiva. A categoria “livre” passa a ter valor na medida em que esse tempo tinha como função a recuperação das forças produtivas. Tomando como referência de análise esse contexto, muitos autores concebem o lazer como um fenômeno moderno, ou seja, que surgiu a partir das novas estruturas sociais criadas pela Revolução Industrial, afastando-o da reflexão a partir do ócio e relacionando-o às discussões sobre trabalho na sociedade moderna. Nessa linha de pensamento, Mascarenhas (2000, p. 34) afirma que o “lazer se constitui como um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia”. O clássico pensador Jofree Dumazedier (1975) também ressalta que o lazer é um fenômeno moderno, um novo valor social traduzido por um novo direito social, o do indivíduo dispor de um período determinado de tempo para a realização de atividades que visam à autossatisfação. Seguidor 27 da linha teórica de Dumazedier, Camargo (1989) conceitua o lazer como um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses físicos, culturais, intelectuais, manuais, artísticos e associativos. Essas ações são realizadas em um tempo livre, que foi conquis- tado historicamente a partir da jornada de trabalho profissional e doméstica, e interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Reflita Há uma real e possível associação do lazer com o desenvolvimento do sujeito, com a educação e a cultura, ou seja, seu potencial formativo. No entanto, na sociedade contemporânea, onde cresce cada vez mais a apropriação do fenômeno lazer como consumo, como mercadoria, será que seu potencial formativo não estaria sendo esvaziado? Como se dá essa relação presente, hoje, nas práticas enquanto mercadoria e direito social? Os conteúdos culturais do lazer O sociólogo francês Joffre Dumazedier, um dos maiores influenciadores da constituição do pensamento brasileiro sobre o lazer, principalmente na Educação Física no Brasil, estabeleceu cinco categorias, conteúdos culturais das atividades de lazer, que expressam, de forma predominante, os interesses das pessoas nessa área. São eles: físicos, artísticos, intelectuais, práticos/ manuais e sociais. 1. Interesse físico: é representado principalmente pela prática de ativi- dades físicas de modo geral. As práticas esportivas, os passeios, a pesca, a ginástica, realizadas em espaços específicos (academias, ginásios) e não específicos (ruas, residências), são exemplos repre- sentativos dos interesses físicos. De um modo especial, o interesse físico-esportivo é um dos grandes campos de atuação e vinculação do lazer com a Educação Física. O esporte é um fenômeno sociocultural que faz parte das manifestações culturais do homem, assim, pode ser praticado como forma de lazer. 2. Interesse artístico: extremamente abrangente, relaciona-se com diversas manifestações artísticas, como o cinema, o teatro, as artes plásticas. Nos interesses artísticos, o predomínio é o estético, o imagi- nário, as emoções e os sentimentos. É uma forma de linguagem e de educação da sensibilidade, de possibilidade de vivenciar novas lingua- gens e novas vivências. 28 3. Interesse manual ou prático: representado pela capacidade de manipulação, exploração e transformação de objetos/materiais. Relaciona-se, também, com o cuidado e trato de elementos naturais e/ou animais. Para exemplificar, podemos citar o artesanato, a jardi- nagem, a bricolagem e o cuidado com os animais. 4. Interesse intelectual: a predominância é na busca de informações objetivas, no conhecimento vivido e experimentado. Busca-se o contato com as informações/conhecimento, explicações racionais, por meio da leitura, de cursos e de estudos. 5. Interesse social: é quando se procura o contato, o estar com outras pessoas, o relacionamento e convívio social, como festas de aniver- sário, confraternizações, bailes, cafés, bares e outros momentos dessa natureza. O próprio processo de desenvolvimento da sociedade transforma os fenômenos que a constitui. E o lazer, como fenômeno tão presente na socie- dade contemporânea, está sujeito às transformações. Assim, hoje, pode-se atribuir mais dois interesses ao campo do lazer: o turismo e o virtual. O interesse turístico ressalta a busca por vivenciar e conhecer novas culturas, novos lugares, a quebra da rotina temporal ou espacial. A categorização do interesse virtual envolve a computação, ecologia, psicologia e outras áreas que possibilitam uma ampla escala de interpretações, com a participação humana. O interessante e até mesmo curioso é que as novas gerações já nascem inseridas no uso das tecnologias, como o computador, o videogame e a televisão. São elementos que perpassam o cotidiano e que acabam sendo utilizados como forma de vivência do lazer. É importante ressaltar que os conteúdos culturais possuem o predomínio de uma área sobre a outra, ou seja, não são excludentes uns dos outros. Uma atividade pode ter nela mais de um interesse incluso, pois um não exclui os outros, visto que todos se complementam. No campo da Educação Física, conteúdos culturalmente abordados pela área, como o esporte, os jogos, as brincadeiras, as danças, as lutas, as recrea- ções, enfim, são práticas culturais que podem ser vivenciadas tanto no tempo de lazer ou com outros objetivos. Exemplificando Jogar futebol, por exemplo, tanto pode ser uma prática de lazer como propriamente uma profissão, um dever, um trabalho. É justamente 29 essa possibilidade, e até mesmo potencialidade, que faz das práticas e interesses do lazer algo complexo. Nesse sentido, caro aluno, que deve-se aprender muito bem os conceitos fundantes da área, como o lazer, o esporte, a saúde, os jogos e brincadeiras, a atividade física, o exercício físico, entre outros. Assim, será possível analisar as práticas sociais de acordo com o significado que elas possuem para o sujeito e não sob uma única luz e perspectiva teórico-conceitual de análise. Quando pensamos a multiplicidade de práticas e vivências possíveis do lazer na sociedade contemporânea, é possível que essa classificação proposta por Dumazedier não consiga abarcar todas, ou seja, é fato que ela possui limitações. No entanto, essa classificação tem seu mérito por ter sido pensada com o objetivo de compreender melhor as diversas e diferentes experiências de lazer. Quando se olha para os conteúdos culturais do lazer, é possível perceber que, justamente por fazerem parte da dinâmica da cultura de uma sociedade, eles não são exclusivos do lazer, pois estão inseridos, possuem e emanam valores da própria cultura que o produz. Barreiras para o acesso ao lazer Caro aluno, você sabia que o lazer é um direito social assegurado pela Constituição Federal? O seu artigo 6º estabelece que o Estado possa propor- cionar a todos a satisfação desse direito. Assim, tanto quanto o direito ao trabalho, não é diferente ao trabalhador, ao cidadão, que seja permitido o direito ao lazer. A reflexão que devemos enfrentar está assentada nas dimen- sões prioritárias tanto do Estado como do próprio sujeito,o cidadão. O conhecimento e o reconhecimento do direito social do lazer pelo cidadão possibilitam uma maior expansão do ser humano na sua essencia- lidade em seu convívio familiar e com amigos, bem como a prática de ativi- dades físico-esportivas, lúdica, culturais, com as artes e suas mais diversas formas, possibilitando crescimento pessoal, familiar e social. No entanto, mesmo relacionado ao campo do direito social, o lazer ainda é uma prática muito distante do cotidiano da maioria das pessoas. Um dos fatores que interferem nessa realidade são a existência de barreiras para o acesso ao lazer. A barreira é um constructo que é derivado do Modelo de Crença na Saúde e pode ser entendida como aspecto que dificulta ou impede a reali- zação de um comportamento que possui relação com a saúde, sobretudo, se 30 ela ultrapassa os benefícios percebidos. Portanto, barreiras podem ser enten- didas como os fatores que impossibilitam um maior número de pessoas de terem acesso ao lazer. Quando associamos o lazer na sociedade contemporânea ao campo do consumo, como mercadoria, os aspectos econômicos aparecem como barreiras significativas a serem superadas. A barreira econômica acaba limitando e até mesmo impossibilitando o acesso ao lazer, que só é possível às pessoas que possuem melhores condições financeiras. Exemplificando Um exemplo que possibilita reflexão sobre esse aspecto são as vivên- cias do lazer em espaços como cinemas, teatros, museus e outros do gênero que são vivenciados por um pequeno público da sociedade que possui melhores condições econômicas. Muitos desses espaços são colocados como “seletos” e, por vezes, a presença de pessoas que não se “enquadram” no perfil desejado acaba desagradando. Amor, cuida da casa e das crianças que vou jogar bola com minhas amigas! Já imaginou ouvir essa frase? Outro fator a ser considerado como barreira na sociedade atual está marcado pela própria essência dessa sociedade, ainda patriarcal e machista. O sexo é também um fator que influencia nas práticas de lazer. Diante da configuração social, a mulher acaba por assumir de forma quase que predominante os afazeres domésticos e cuidado da família. Assim, a mulher fica sobrecarregada, acumulando tarefas que vão além do trabalho formal, impossibilitando a existência de um tempo para a prática de lazer. Além da dimensão do tempo, os espaços culturalmente constituídos privile- giam a prática dos homens nas ações de lazer, principalmente as atividades de natureza físico-esportiva. Outro fator que merece ser analisado está relacionado à idade. Quando se pensa em espaços para as crianças e idosos percebe-se quase que um esquecimento. Sabemos que o Brasil apresenta realidades distintas em cada cidade, em cada lugar, no entanto, de forma predominante, as crianças e idosos não são atendidos por ações que os envolvam nas práticas de lazer. Especificamente sobre os idosos, os aspectos psicológicos, as condições de saúde, o transporte, a existência de espaços de lazer perto de suas casas e o aspecto financeiro são fatores que devem ser analisados dentro de um conjunto relacional e amplo. As pesquisas sobre as barreiras percebidas pelos mais diferentes grupos sociais são relevantes não somente para sabermos sobre a frequência das 31 práticas e sua qualidade, mas são principalmente indicadores sociais do que precisa ser transformado, ser foco de ações no campo das políticas públicas e da iniciativa privada para que se busque a democratização cultural do lazer. Pesquise mais Nesse artigo, você poderá compreender sobre como o conceito de barreiras se materializa no cotidiano das pessoas, especificamente, sobre os adolescentes. O texto ampliará sua visão sobre a relação das práticas de atividade física como forma de lazer e o porquê muitos jovens não possuem o hábito da atividade física como forma de lazer. DIAS, D. F.; LOCH, M. R.; RONQUE, E. R. V. Barreiras percebidas à prática de atividades físicas no lazer e fatores associados em adolescentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 11, p. 3339-3350, 2015. Sem medo de errar Prezado aluno, nessa seção a jornada de Raul, com o auxílio de Alice e Antônio, teve um início distante, temporalmente falando. Raul pôde compreender que não existe um consenso sobre a origem do lazer, e que há duas vertentes teóricas, uma a qual defende que o lazer sempre existiu e outra que acredita que o lazer é fruto da sociedade moderna. Com isso, Raul trilhou pelos conhecimentos sobre ócio e trabalho, estabelecendo um percurso histórico-conceitual necessário para entender até mesmo como essas categorias se apresentam na realidade atual. Raul percebeu que em seu projeto seria interessante que as práticas de lazer oferecidas fossem mais diversificadas possíveis, buscando atender os diferentes conteúdos culturais e sabendo que, mesmo se relacionando, existe fatores predominantes. Outro aspecto que Raul não sabia e agora deve ser o balizador de suas ações futuras são as barreiras que possam impossibilitar a vivência do lazer na comuni- dade. Agora sim Raul começa a ter a dimensão das ações que pretende e até mesmo a grandeza do lazer. Uma ação interessante que poderia ajudar Raul seria ouvir a comuni- dade, criar alguma forma de comunicação, de diálogo, conhecendo melhor a própria cultura local e as aspirações do grupo social em foco. Podem ser utilizados desde conversas informais com moradores e líderes comunitários até questionários formais para levantar os dados necessários. 32 Avançando na prática Ser ou não ser lazer, eis a questão! Você está em seu momento de lazer, realizando uma caminhada, passe- ando em um espaço público que possui diferentes equipamentos para a prática de lazer. Você observa famílias fazendo piquenique, crianças brincando de bola, andando de bicicleta, jovens, adultos e idosos caminhando ou correndo em um ritmo mais acelerado que o seu, com traços de fadiga, cansaço; e um grupo de jovens jogando futebol. Esses jovens são os que mais chamam a sua atenção. Há uma certa competitividade na ação, rigorosidade na cobrança das ações futebolísticas, estão com uniformes padronizados e você então começa a refletir: qual o interesse daquele grupo na prática observada? Poderia classificar essa prática como uma prática de lazer? Resolução da situação-problema Os conhecimentos sobre os conteúdos culturais do lazer são fundamen- tais para ler as mais distintas realidades. Em um mesmo local, um mesmo espaço e até mesmo realizando a mesma ação, como a corrida, os objetivos que ligam, de forma subjetiva e objetiva, as pessoas às práticas físico-espor- tiva são os mais variados. Ainda que determinada atividade seja realizada em um espaço-tempo culturalmente destinado para o lazer, isso não significa, em uma relação imediata, que ela se trata, de fato, de uma prática de lazer. Os significados atribuídos pelos grupos sociais são fundamentais e precisam ser apreendidos. No caso do grupo que está “jogando futebol”, essa prática pode estar relacionada ao treinamento, ao rendimento, à performance, ao trabalho como atleta, fatores que poderiam se afastar das dimensões conceituais enquanto prática de lazer. O trabalho e pesquisa de campo são instrumentos científicos relevantes para o levantamento dos significados das práticas sociais e os conhecimentos dos interesses culturais dos mais distintos grupos e sujeitos. Faça valer a pena 1. O período grego oferece uma compreensão e prática da dimensão e da categoria ócio que até nos dias atuais ainda se faz presente. Compreender o significado do ócio para os gregos não é somente uma apropriação de um conhecimento histórico, mas também a possibilidade de perceber como os conceitos vão se alterando. 33 Sobre o ócio na Grécia antiga, julgue se as afirmativas a seguir são (V) verdadeiras ou (F) falsas. ( ) Para os gregos, a palavra “schole” tinha significado de parar ou cessar, origina a ideia de se ter repouso ou paz. ( ) O ócio, na culturagrega, era ocupado por atividades ideais, como a reflexão filosó- fica, a vida contemplativa. ( ) O trabalho era algo colocado como oposto ao ócio e tinha o valor de elevar o homem a uma condição superior. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a. V – V – V. b. F – V – F. c. V – F – V. d. F – V – V. e. V – V – F. 2 . Entre as contribuições do sociólogo francês Joffre Dumazedier para os estudos do lazer, os conteúdos/interesses culturais dessa área ajudam a categorizar, compre- ender e planejar a prática. Os conteúdos culturais das atividades de lazer, segundo Dumazedier, são: físicos, artísticos, intelectuais, práticos/manuais e sociais. E de acordo com as informações apresentadas na tabela a seguir, faça a associação dos conteúdos culturais das atividades de lazer contidos na Coluna A, com os seus respec- tivos exemplos apresentados na Coluna B. Coluna A Coluna B 1. Físico A. Ir ao cinema 2. Artístico B. Cuidado com animais e jardinagem 3. Intelectual C. Jogar futebol e dançar 4. Prático/manual D. Ler um livro 5. Social E. Reuniões familiares Assinale a alternativa que apresenta a associação CORRETA entre as colunas. a. 1 - D; 2 - B; 3 - C; 4 - A; 5 - E. b. 1 - A; 2 - D; 3 - c; 4 - E; 5 - B. c. 1 - C; 2 - A; 3 - D; 4 - B; 5 - E. 34 d. 1 - B; 2 - A; 3 - E; 4 - C; 5 - D. e. 1 - E; 2 - A; 3 - D; 4 - C; 5 - B. 3 . O lazer é um direito social e, como tal, um dever do estado. No entanto, como pode-se perceber, essa realidade está muito distante de passar do papel para sua implementação democrática. Um dos fatores que interferem na prática de lazer são a existência de barreiras para seu acesso e vivência. A barreira é um constructo que pode ser entendido como aspecto que dificulta ou impede a realização de um comportamento, uma prática de lazer. Sobre a temática das barreiras para o acesso ao lazer, assinale a alternativa que apresenta corretamente essas barreiras. a. As barreiras são aspectos apenas subjetivos e são percebidas de forma igual para todos. b. Os grupos sociais e faixas etárias possuem as mesmas barreiras para as práticas de lazer. c. Os homens possuem menos acesso por terem a maior responsabilidade do sustento da casa, consequentemente, maior tempo de trabalho. d. As barreiras econômicas na verdade não existem. Cada um pode se esforçar e conquistar condições para o acesso ao lazer pago. e. As barreiras são percebidas de forma distinta, conforme o grupo social. As questões econômicas e até mesmo educacionais/culturais interferem na percepção das barreiras. 35 Seção 3 Recreação e ludicidade Diálogo aberto Olá, aluno. Após Raul ampliar e radicalizar o seu conhecimento teórico sobre o lazer e a recreação, assim como também sobre sua realidade imediata, ele partirá para a primeira fase de seu projeto: a elaboração de um plano de atividades recreativas para atender jovens e crianças da sua comunidade. Sabendo do impacto do projeto na dimensão cultural da comunidade, Antônio e Alice iniciam a assessoria na etapa de elaboração das atividades. A dúvida que ainda persiste em Raul é sobre o tipo de atividade a ser desenvol- vida, como jogos e brincadeiras de natureza intelectivas, artísticas, manuais, esportivas, sociais e turísticas. Vamos conhecer, nesta seção, essas diferentes atividades e possibilidades praticas no planejamento e execução da recreação. Não pode faltar Prezado aluno, em nossa última seção da primeira unidade do livro, todos os saberes já apreendidos são necessários. Assim como em toda área da Educação Física, os saberes e conhecimentos de natureza, teóricos ou práticos, devem ser colocados em prática quando pensamos a aplicação. Não deve existir um pensamento que veja os saberes sem seus possíveis diálogos, respeitando suas especificidades. Nesta última seção, ampliaremos nossos conhecimentos sobre o planejamento de atividades recreativas e bases conceituais sobre o jogo, a brincadeira e o lúdico. Recreação, jogo, brincadeira e o lúdico Caro aluno, um princípio é importante nesse nosso trilhar, o de que a recreação, como atividade, está inserida no campo e mundo do lazer. E na recreação, para sua materialização, podem estar presentes conhecimentos sobre o jogo, o esporte, o brinquedo e a brincadeira, assim como o lúdico, enquanto elemento que perpassa por todos eles. Então, vamos começar pelo lúdico? Um dos autores clássicos e mais importantes que nos ajuda a entender o lúdico é Huizinga (1998). Esse autor aponta que o espírito de compe- tição lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo do que a cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro fermento 36 (HUIZINGA, 1998). Seguindo essa linha, Huizinga afirma que o lúdico se faz presente através dos séculos, mas de maneira mais marcante e presente até século XVIII. De acordo com seu pensamento, no século XIX houve a perda de um grande número de elementos lúdicos que caracterizam as épocas anteriores. Para Marcelino (1999), é fundamental buscar o reencontro com o lúdico, o criativo e, assim, compreender o seu potencial e valor revolucionário e transformador. É importante destacar que o lúdico não está presente apenas nas atividades recreativas, mas sim em todas as atividades que seja possível a vivência de momentos de prazer, socialização, fruição. São atividades que os envolvidos se entregam e se integram em sua plenitude, no viver e no sentir, na criatividade, na fantasia, na imaginação, nos sonhos, no campo do simbó- lico e do concreto. Assim, um programa de recreação e lazer deve ter como elemento fundante a busca do lúdico e a livre escolha, o prazer. Pensando em toda a sua capacidade de inserção na vida em sociedade, a vivência do lúdico é necessária enquanto participação na cultura de um modo geral, pensando a inserção e vivência em práticas que enriqueçam a formação da criança, do jovem, do adulto e do idoso de forma criativa e no exercício do prazer de viver. Caro aluno, como é possível perceber, o lúdico é fundamental para o desenvolvimento do ser humano e, mais, para a própria manifestação e dimensão do que é humano no homem, sua plenitude, seu desenvolvimento cultural, social, pessoal e cultural, de sentimento de prazer, felicidade e liber- dade, que também pode se manifestar nos momentos de recreação e lazer. Assimile Mesmo que a discussão, a produção e o trabalho com o lúdico estejam muito presentes na Educação Física, esse não é um território exclusivo de nossa prática profissional. Uma aula de matemática pode utilizar elementos lúdicos para alcançar seus objetivos. Um projeto de astro- nomia pode, também, agir da mesma forma. O lúdico não é território delineável, é algo sentido, vivido de forma múltipla, livre e prazerosa. O jogo é um dos saberes da Educação Física em que mais se associa a presença e vivencia do lúdico. Huizinga (1998, p. 33) define jogo como: 37 [...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absoluta- mente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana. Na prática da Educação Física, o jogo se apresenta no campo da Cultura Corporal de Movimento, são manifestações formalizadas a partir de procedi- mentos e passos que possibilitam a inserção dos sujeitos por meios de regras as quais são construídas e reconstruídas. Pensando sua inserção no campo da recreação e do lazer, essas regras devem ser pensadas para possibilitar momentos de integração, socialização, pertencimento e participação. É o contato com a cultura historicamente produzida que se faz presente no jogar. Para aplicar atividades recreativas e de lazer, o profissional deve saber trabalhar de forma positiva, conhecendo as suas potencialidades no campo da educação, da cultura e da participação. Não é a busca nem a declamação de vencedorese perdedores, é o encontro, a vivência individual e/ou coletiva de um sujeito com a cultura. Integrando os conceitos até agora abordados, ao se trabalhar a vivência lúdica e o jogo no campo das atividades recreativas, há uma possibilidade e potencialidade de se desenvolver a criatividade, o prazer, a interação entre as pessoas, a cooperação, entre outros. Então, aluno, responda: qual brincadeira mais gosta? Quando foi a última vez que fez essa atividade? Você sabe o que é brincadeira? Sabe que é um dos grandes e mais complexos campos conceituais da Educação Física? Exemplificando “Vamos brincar de jogar bola?” Uma das diferenças entre o jogo e a brincadeira é o papel das regras na atividade. No jogo as regras são pré-estabelecidas, flexíveis e coletivamente elaboradas. Na brincadeira muitas vezes ocorre a mudança das regras no decorrer do brincar, pois é uma ação mais livre, um ato de brincar com ou sem o suporte de um brinquedo. Como afirma Friedmann (1996), as brincadeiras e os jogos passaram por profundas mudanças do início do século para os dias atuais, no 38 entanto, o prazer de brincar não mudou. Quando focamos principalmente as crianças, percebe-se dois elementos marcantes: o prazer que envolve o jogo se contrapõe aos momentos de tensão e há uma séria participação dos jogadores. Ou seja, o jogo é prazeroso e sério ao mesmo tempo. Destacamos que tanto as brincadeiras como o jogo possuem diferentes significados em diferentes culturas. Essa potencialidade e diversidade permite identificar as próprias estruturas sociais, como sistema de regras, fatos sociais, assumindo a imagem e o sentido que cada sociedade lhes atribui. A brincadeira é presente, inerente principalmente à vida da criança, e é justamente pelo brincar que a criança vivencia, experimenta, organiza-se e elabora regras e normas para si e para o outro. É um constante movimento de criar e recriar a cada nova brincadeira, aprendendo uma nova linguagem, uma nova forma de interagir consigo, com o outro, com o mundo. No campo do movimento humano, pode-se dizer que a brincadeira auxilia no desenvol- vimento de elementos como a psicomotricidade, nos aspectos sociais, físicos, afetivos, cognitivos e emocionais. Ao brincar, manifesta-se e desenvolve-se a construção de regras, novas descobertas e a interação com os colegas. No campo das atividades recreativas, as brincadeiras devem ser pensadas de modo a enriquecer e potencializar as vivências lúdicas, criando e pensando espaços e atividades com materiais para brincar. Além disso, deve-se agir de modo a orientar e supervisionar a brincadeira, de preferência, em um ambiente desafiador, estimulante, seguro e potencialmente lúdico, seja em um brincar livre ou direcionado. Portanto, aluno, em síntese, os jogos e as brincadeiras presentes nas ativi- dades recreativas e de lazer possibilitam um meio de comunicação, de prazer, de vivência do lúdico de forma planejada, estruturada e organizada. Assim, as atividades de lazer e recreação são importantes não somente para o desen- volvimento físico e pessoal, mas para a desenvolvimento integral do sujeito, em qualquer idade e fase da vida. A recreação pode ser compreendida como “o momento, ou a circuns- tância que o indivíduo escolhe espontânea e deliberadamente, através do qual ele se satisfaz (sacia) seus anseios voltados ao seu lazer” (CAVALLARI; ZACHARIAS, 1994, p. 15). Assim, a recreação é compreendida como uma série de atividades a serem desenvolvidas no campo do lazer. Outra autora que também defende a linha teórica da recreação como o conjunto de atividades desenvolvidas no lazer é Bruhns (1997). Para essa autora, o lazer é a expressão da cultura, consti- tuindo elemento de conformismo ou de resistência à ordem social hegemô- nica. A autora ainda afirma que a recreação (ou atividade de lazer) também 39 se aproxima do lúdico, o que muitas vezes provoca uma confusão de termos e objetivos, sendo o jogo também visualizado apenas como recreação. Cavallari e Zacharias (1994, p. 16-17) apresentam 5 características básicas da recreação, sendo elas: 1. “Ser encarada pelo participante como um fim em si mesma, sem que se esperem benefícios ou resultados específicos. 2. Ser escolhida livremente e praticada espontaneamente, segundo os interesses de cada um. 3. Levar o praticante a estágios psicológicos positivos, pelo caráter hedonístico, por estar sempre ligada ao prazer. 4. Propiciar ao praticante estímulos para o exercício e desenvolvimento da criatividade até sua plenitude. 5. Ser escolhida de acordo com os interesses comuns dos participantes de cada grupo nas sociedades organizadas nos níveis econômicos, sociais, políticos e culturais em geral” Um dos elementos que podemos destacar na prática profissional da recre- ação são as atividades livres e dirigidas. Os momentos livres, principalmente com crianças, são importantes para a manifestação da criatividade, em que o sujeito é movido a fazer escolhas, agindo com autonomia, tendo a liberdade para escolher os brinquedos, brincadeiras, jogos, materiais, parceiros, entre outros elementos. Já as atividades recreativas dirigidas são manifestadas a partir da organi- zação de atividades que os participantes irão vivenciar e terão a supervisão, o acompanhamento e/ou direcionamento do profissional de Educação Física. Os ambientes e atividades devem levar em conta diversos aspectos, como o espaço, materiais, objetivos a serem alcançados, público, tempo de duração das atividades, recursos humanos disponíveis, entre outros. É impor- tante destacar que o fato da maior presença do profissional na organização e condução da atividade não deve tirar a liberdade do participante em se integrar à recreação. Planejamento de atividades no campo da recreação e do lazer Aluno, não se esqueça de que os hábitos e práticas de lazer estão relacio- nados a diversos fatores, como os culturais, sociais, econômicos e, também, ao sexo, idade, interesses. Assim, na síntese desses fatores, são múltiplas e 40 diversas as possibilidades de análise e planejamento de atividades recreativas de lazer. O planejar minimiza a possibilidade de erros e torna mais provável o alcance dos objetivos propostos. No entanto, saber e ser criativo para impro- visar quando necessário é uma das características do profissional atuante nessa área, pois sempre surgem condições imprevistas, mas que precisam ser supridas. A autonomia e participação no planejamento e todo o processo depende do local de trabalho. Há determinados lugares onde o profissional terá um maior grau de participação e autonomia no processo decisório, enquanto em outros o planejamento já é pré-determinado, e o profissional irá entrar apenas com sua força de trabalho na execução das tarefas a ele atribuídas. O planejamento de uma atividade de lazer é o elemento fundamental a ser percorrido para uma maior possibilidade de implementação e sucesso de uma atividade ou programa de atividades recreativas. O planejamento busca visualizar tudo o que será realizado, como será realizado e como será a avaliação para identificar se os objetivos foram ou não alcançados. Um projeto, programação e/ou atividade no campo do lazer e da recreação deve sempre ter um objetivo a ser alcançado. Por mais que tenhamos estudado como princípio os elementos relacionados às dimensões teóricas do lazer, da recreação e do lúdico (como proporcionar o prazer e a vivência lúdica), existem outros objetivos que também podem (ou devem) orientar as ativi- dades. A integração social, a vivência e o conhecimento de elementos da cultura local e mais ampla, além da vivência e da construção de valores positivos para a vida em sociedade são exemplos de ações que também podem servir como guias. A análise diagnóstica possibilita pensar a partir de situações concretas, conhecidas ou não. As situações concretas conhecidas podem estar relacio- nadas, por exemplo, ao local/espaço onde serão realizadas, por exemplo,
Compartilhar