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Primeira Geração do Romantismo em Portugal

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Primeira Geração do Romantismo em Portugal 
CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO
Há vários aspectos históricos e políticos que podemos identificar no contexto do surgimento do Romantismo em Portugal. Vamos abordá-los de forma muito sucinta nos apoiando em Carlos Alberto Vechi (1994).
DE JOÃO VI A MARIA II
O período histórico em que surgem os primeiros traços do Romantismo em Portugal ficou conhecido como “Anarquia espontânea”. É um período que vai de 1777 até 1834, começando com o reinado de D. Maria I e findando com o término da Guerra Civil.
No ano de 1792, D. João tornou-se príncipe regente. Sua mãe, Maria I, havia enlouquecido.
O começo do reinado de D. João VI coincidiu com as guerras entre Inglaterra e França na primeira metade do século XIX. Pressionado tanto pelos ingleses quanto pelos exércitos de Napoleão, D. João VI fugiu com a família real para o Brasil. Portugal ficou à mercê da guerra entre a França e a Inglaterra.
GUERRA CIVIL 
A Guerra Civil em Portugal, que compreende o período de 1832 a 1834, também é conhecida como Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos, em referência a D. Miguel e D. Pedro I (IV de Portugal). Também ficou conhecida como Guerra dos Liberais, já que foi uma guerra entre liberais (partidários de D. Pedro I) e absolutistas (partidários de D. Miguel, os miguelistas).
SEM REI E ENFRAQUECIDO POR CONSTANTES GUERRAS, PORTUGAL SÓ PRINCIPIOU SUA RECONSTRUÇÃO EM 1810.
A tutela inglesa era cada vez mais contestada em Portugal. Um movimento nacionalista, apoiado nos ideais revolucionários do Iluminismo francês, fez eclodir a malograda Revolução do Porto, liderada pelo general português Gomes Freire (1757-1817). A revolução foi rapidamente sufocada por comandantes ingleses.
Os confrontos ideológicos ganharam, sobretudo a partir de 1820, uma feição mais nítida. Dois lados se debatiam:
Os miguelistas defensores das pretensões absolutistas de D. Miguel.
Os liberais adeptos de D. Pedro I do Brasil, que prometia um governo constitucional para o país.
Muitas lutas foram travadas, e o confronto entre essas duas tendências só terminou em 1834 quando Maria II, filha de D. Pedro I do Brasil, subiu ao trono português.
CIVILIZAÇÃO LIBERAL E SUAS IDEIAS
Vejamos, agora, alguns aspectos do ideário liberal europeu do século XIX que influenciaram o Romantismo em Portugal. Para isso, vamos nos valer da análise que encontramos em José-Augusto França (1999).
Desde 1820, grandes mudanças ideológicas surgiram em Portugal. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade provenientes do contexto da Revolução Francesa (1789) prometiam outra época: a vitória da civilização sobre os abusos góticos.
Desejando caminhar junto com as ditas nações civilizadas, uma parte de Portugal buscou o estabelecimento das liberdades e a promoção e divulgação da instrução pública.
Em 1834, com o triunfo dos liberais em Portugal, várias tentativas de criação de academias de belas-artes e de conservatórios tiveram início. A ideia era contribuir para a civilização e o aperfeiçoamento moral do país.
O político liberal Passos Manuel (1801-1862), denominado de “bom ditador” e participante da Revolta Setembrista, conseguiu a reforma do ensino primário e secundário. Ele também criou conservatórios, escolas politécnicas e museus (FRANÇA, 1999).
REVOLTA SETEMBRISTA 
A revolta de uma parcela da população de Lisboa e o posicionamento da Guarda Nacional favorável à reposição da constituição de 1822 dão origem à Revolução de Setembro de 1836.
A CIVILIZAÇÃO. ESTA IDEIA, OU PELO MENOS ESTA PALAVRA-CHAVE CRIADA PELO ILUMINISMO, VAI SER MUITAS VEZES EMPREGADA PELOS NOVOS PORTUGUESES QUE A REVOLUÇÃO INSPIRAVA. A SUA AVENTURA, VISTA EM 1830, ERA BEM A VITÓRIA DA CIVILIZAÇÃO SOBRE OS ABUSOS GÓTICOS. TAL ERA A FIM DA LIBERDADE QUE DEVIA OPOR-SE AOS TRÊS MALDITOS DO GOVERNO ABSOLUTISTA: IGNORÂNCIA, INFIDELIDADE E INQUISIÇÃO.
(FRANÇA, 1999, p. 69)
Na primeira metade do século XIX, parte dos grandes empecilhos para o desenvolvimento das luzes(Iluminismo) em Portugal foram os seguidores de D. Miguel – os miguelistas, adeptos do absolutismo, cheios de preconceitos mentais e fiéis aos esquemas da Idade Média.
Ainda em 1841, o escritor e poeta Alexandre Herculano (1810-1877) denunciava a permanência dessa “intelectualidade” de púlpito, própria de monarquias absolutistas que se opunham às necessidades de uma nova civilização.
O poeta e dramaturgo Almeida Garrett (1799-1854) também se destacou nas suas críticas ao absolutismo monárquico. Embora fosse um simpatizante dos ideais democráticos das classes médias, no seu romance histórico, O Arco de Sant’Ana, chegou a defender a legitimidade do socialismo contra as ações do sistema feudal, que ainda estava impregnado na cultura portuguesa.
Na visão do historiador e político Oliveira Martins (1845-1894), conforme nos relata José-Augusto França (1999, p. 72 e 76), há alguns elementos que distinguem os dois escritores portugueses:
HERCULANO
Era um idealista sem recusar a tradição. Desse modo, era popular e também aristocrático. Foi partidário de um governo forte e justo. Sendo discípulo de Kant, tinha uma formação mais sólida do que a de Garrett.
GARRETT
Ocupava uma posição confusa, que pode ser caracterizada como religiosa, romântica e liberal.
A ideologia sebastianista já não cabia em uma sociedade que precisava abrir-se ao futuro, mesmo assim, no século XIX, a civilização das luzes não triunfou totalmente em Portugal.
SEBASTIANISTA 
O sebastianismo, ou mito sebástico ou, ainda, mito do encoberto, foi uma crença messiânica e mística presente em Portugal após a segunda metade do séc. XVI, espalhada a partir do desaparecimento de D. Sebastião. A crença supunha que o Rei retornaria para restaurar a autonomia e a glória portuguesa em contraposição ao período filipino de dominação espanhola. O sebastianismo continuou existindo em Portugal como ideologia ou mito de restauração de uma identidade perdida e, ao mesmo tempo, em vias de ser conquistada.
CONTEXTO FILOSÓFICO
Gerd Bornheim (1993) afirma que o Romantismo alemão foi o único que se articulou conscientemente como uma posição que garantia à Filosofia um papel de destaque singular no panorama romântico.
SÉCULO DAS LUZES
O Aufklärung (Esclarecimento), termo alemão para designar o Iluminismo ou Século das Luzes, foi a fase menos germânica da cultura alemã, de acordo com o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804).
A Alemanha dessa época vivia à sombra francesa. A corte de Frederico, o Grande (1712-1786) era um reflexo da corte francesa frequentada pelo escritor francês Voltaire (1694-1778). Um dos maiores filósofos da Alemanha, Leibniz (1646-1716), escreveu toda a sua obra em francês. Ou ainda Gottsched (1700-1766), o grande escritor e dramaturgo alemão, inspirou toda a sua obra no crítico e poeta francês Boileau (1636-1711) e nos clássicos franceses, contra o teatro popular da época (BORNHEIM, 1993).
Além da relação cultural e filosófica em que vemos a Alemanha influenciada pela França, vale também observarmos a relação entre a vida cultural alemã e a italiana para percebermos o quanto a Alemanha viveu dois séculos isolada da cultura latina:
Quando na Itália floresceu a Renascença, na Alemanha processou-se a Reforma Protestante
Na cultura do Sul, latina, a ordem era voltada para a Natureza; a cultura do Norte se voltou para o sobrenatural.
Os italianos buscaram inspiração nos clássicos antigos; os alemães se concentravam na fé e na vida religiosa. As concessões que Lutero fez à cultura, fundação de escolas, estudo de línguas antigas etc. encontravam justificativa na Bíblia e na vida religiosa. O homem era educado para atender a seu Beruf(Profissão, vocação, chamado divino) e aprender a submeter-se às ordens de Deus.
STURM UND DRANG
O Sturm und Drang, que significa tempestade e ímpeto, foi um movimento do Pré-Romantismo que se rebelou contra o Classicismo francês e visava a despertar o interesse pelos valores germânicos.
ROMANTISMO ALEMÃO
Foi no Romantismo que a Alemanha atingiu a sua máxima maturidade cultural. Vejamos, brevemente, os momentos essenciais doRomantismo na Alemanha.
Vale iniciar com o curto ensaio de Kant intitulado O que é a Aufklärung? no qual o filósofo procurou definir o chamado Século das Luzes. Nesse trabalho, Kant fala da emancipação do homem em relação à sua menoridade, não valoriza necessariamente o aspecto nacional das culturas, privilegia o racionalismo como busca da autonomia e maioridade humana.
Desde o filósofo francês René Descartes (1596-1650), a partir da res cogitans(Coisa pensante), a razão seria o ponto arquimédico para uma existência soberanamente livre.
Para Kant, Deus, o homem, a religião e o entendimento só podiam ser considerados válidos dentro dos limites da pura razão.
Dois aspectos, ainda dentro do Iluminismo, precisamos destacar:
O ideal de Descartes de mathesis universalis(Matemática universal), um modelo de conhecimento verdadeiro e rigoroso, por meio do qual o mundo é apresentado através de um more geometrico(Método geométrico).
A codificação racional das ciências jurídicas por meio do filósofo francês Montesquieu (1689-1755), no Espírito das Leis.
Podemos afirmar que o Romantismo veio na contracorrente desses ideais iluministas. Nesse sentido, destaquemos o romance Os Sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Goethe (1749-1832). No livro, o romancista alemão traz uma nova perspectiva: “o sentimento é tudo”. Na contramão de Descartes e Kant, Goethe vai nos dizer que o gênio não pode ser explicado por nenhuma combinação de faculdades cognitivas.
REAÇÃO AO SÉCULO DAS LUZES
O tema pré-romântico do Sturm und Drang considera o gênio como o valor máximo. O gênio é o Kraftmensch(Literalmente, homem forte.), o homem habitado pelas forças da natureza e apto a manifestar todas as possibilidades. Ele traz consigo o infinito da pulsação cósmica que o anima, esse ideal antecipa o “super-homem” de Nietzsche (BORNHEIM, 1993).
É inegável que o grande percursor do Romantismo era francês – o filósofo e escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) –, embora tivesse um espírito mais nórdico do que latino. Rousseau traz um novo sentido para a interioridade que o difere de Descartes, em vez do cogito racional, a interioridade para ele é a do sentimento, considerado superior à razão.
 obra mais eminentemente romântica de Goethe foi Fausto. Para Goethe, o idealismo clássico é somente um ideal. O Romantismo é a fatalidade nórdica.
FILOSOFIA DE FICHTE
A partir do livro Teoria da Ciência, escrito por Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), os irmãos Schlegel lançaram as ideias básicas do movimento romântico.
Para além das dicotomias kantianas (sensibilidade e entendimento, ciência e moral etc.), os irmãos Schlegel fizeram do real sensível o objeto da ciência.
Talvez o mais romântico tenha sido o próprio Fichte, que pretendia a compreensão de toda a realidade por uma dialética interna do Eu. Para ele, a fonte de todas as representações era inconsciente, a consciência é secundária. Sendo assim, o Eu é uma força produtiva e criadora (BORNHEIM, 1993).
Não seria um exagero dizer que o romantismo de Fichte antecipa certos aspectos do pensamento psicanalítico.
FICHTE E O GRUPO ROMÂNTICO
Em 1793, o movimento romântico tomou forma com os irmãos Schlegel e outros nomes importantes do movimento romântico alemão, como Novalis, Tieck, Schleiermacher e Schelling. Todos partem do livro Teoria da Ciência de Fichte.
UM DOS PONTOS PRINCIPAIS DO ROMANTISMO FOI A IDEIA DE UM ABSOLUTO INTERIOR NA FINITUDE DA ALMA (BORNHEIM, 1993).
A FILOSOFIA DE SCHELLING
O filósofo alemão Friedrich Schelling (1775-1854), conhecedor profundo das obras de Kant, Spinoza e Goethe, desejava encontrar um princípio incondicionado que explicasse toda a realidade.
Essa pretensão romântica de Schelling será posteriormente contestada pelo filósofo alemão Hegel (1770-1831), que se voltará para uma vigorosa teoria do sujeito.
Entre os aspectos do Romantismo, devemos destacar: a ideia de inconsciente, a noção de vida como mola impulsionadora da natureza e o conceito de artista-gênio que intui diretamente as coisas (BORNHEIM, 1993).
ROMANTISMO E RELIGIÃO
Há pontos de contato entre a Weltanschauung(Visão de mundo) romântica e o Classicismo iluminista, pois ambos pretendiam o aperfeiçoamento humano e reconheciam o papel educador das artes.
Por outro lado, havia uma atmosfera vagamente religiosa no Romantismo, talvez originária no sobrenaturalismo de Lutero, que afirmava a natureza como fonte do mal e pecado.
O poeta alemão Novalis (1772-1801) chegou a propor uma religião do Romantismo. Ele falava de um estado teocrático no qual os valores políticos dominariam os espirituais; essa Igreja teria um novo messias. Entretanto, Schelling repudiava todas as ideias religiosas de Novalis, de Tieck e dos irmãos Schlegel.
OS FILÓSOFOS ROMÂNTICOS ERAM, ASSIM, VISIONÁRIOS QUE BUSCAVAM UMA EXPLICAÇÃO TOTAL. COM ISSO, ELES SE APROXIMAVAM DE CERTOS IDEAIS MÍSTICOS.
PRIMEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO EM PORTUGAL
De acordo com a obra História de Portugal, de Oliveira Martins (apud FRANÇA, 1999), a nobreza e o clero continuavam, no governo de D. Maria I, a comédia iniciada no governo de D. João V, interrompida pelo ministro Marquês de Pombal. No entanto, Maria I, completamente louca, não tinha mais condições de governar. O regente D. João VI, pressionado pelos ingleses e pelos exércitos napoleônicos, foge para o Brasil.
Em 1810, sem rei e depauperado pelas contínuas batalhas, Portugal começa sua reconstrução, dividido entre os defensores do absolutismo de D. Miguel e os liberais adeptos de D. Pedro I do Brasil, que prometia um governo constitucional para o país.
Em 1825, Almeida Garrett, exilado em Paris, publica seu poema Camões, obra que valia mais pelo seu conteúdo político do que pelo seu valor estético.
Os primeiros a divulgarem as ideias românticas em Portugal foram Almeida Garrett, Alexandre Herculano e António Feliciano de Castilho.
GARRETT
Era tributário da corrente filintista, portanto, marcado pelo Iluminismo e se voltava de modo espontâneo para o Romantismo.
HERCULANO
Era ligado ao rigor historicista, cedeu pouco espaço para uma imaginação criativa.
ANTÓNIO FELICIANO DE CASTILHO
Não teve condições para entender o sentido revolucionário do movimento romântico.
BREVE BIOGRAFIA DE ALMEIDA GARRETT
João Batista Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto, em 4 de fevereiro de 1799, e faleceu em Lisboa, em 9 de dezembro de 1854. Uma das figuras mais significativas não só do Romantismo, como também da literatura portuguesa de todos os tempos.
Frustrando as expectativas da família, que o preparava para a vida eclesiástica, em 1816, Garrett se matriculou na Faculdade de Direito de Coimbra. No período de estudante de Direito, escreveu a tragédia Xerxes, inspirada pelo estilo de Filinto Elísio. Com a morte de Gomes Freire, fuzilado por ordem de William Beresford, escreveu o soneto Campo de Santana. Com a vitória da revolução liberal no Porto, de 1820, escreveu o opúsculo O Dia Vinte e Quatro de Agosto e redigiu diversas odes patrióticas (VECHI, 1994).
Concluídos os estudos em Coimbra, Garrett mudou-se para Lisboa. Nessa época escreveu um poema sobre pintura: O Retrato de Vênus. Os censores, liderados pelo padre José Agostinho de Macedo, o acusaram de imoralismo, impiedade e abuso de liberdade. Levado aos tribunais, Garrett defendeu-se brilhantemente. Com o golpe de Estado de 1823, Garrett partiu para seu segundo exílio.
Com a morte de D. João VI, Garrett, acreditando na outorga constitucional por D. Pedro I no Brasil, voltou a Portugal. Três anos mais tarde, exilou-se novamente na Inglaterra. Daí partiu para os Açores e se incorporou ao Exército liberal de Dom Pedro I. Participou com a revolução liberal do projeto de regeneração do país. Ao final da vida, decepcionado com a política, abandonou a vida pública e dedicou-se exclusivamente à literatura. Morreu em 1854 (VECHI, 1994).
OBRA DE ALMEIDA GARRETT
De acordo com Vechi (1994), Almeida Garrett, consciente da crise de identidade em que estava mergulhado Portugal, procurou desenvolver um programa estético visando à reconstrução da cultura portuguesa. Paraviabilizar sua reforma, investiu na educação estética e na formação de uma elite cultural por meio do Conservatório e do Teatro Nacional.
Garrett era prosador e político, formou-se sob as doutrinas do modelo Iluminista, tanto do ponto de vista ideológico quanto estético. Adotou o estilo romântico, mas sem abandonar as bases de sua formação.
Em O Arco de Sant’Ana, Garrett escreve:
E TODAVIA, CONFESSEMOS A VERDADE: ESTAS MODAS DE ‘RENASCENÇA’, ESTA PAIXÃO PELO GÓTICO EM LITERATURA E ARQUITETURA, ESSE HORROR AO CLÁSSICO, INSPIRADO PELA ESCOLA ROMÂNTICA, TEM SIM, TEM AJUDADO MAIS DO QUE SE CUIDA NAS FUNESTAS TENTATIVAS DE REAÇÃO E RETROCESSO SOCIAL QUE, HÁ TRINTA ANOS A ESTA PARTE, ANDAM ENSAIANDO AS OLIGARQUIAS ANÃS DO NOSSO SÉCULO PARA SE SUBSTITUÍREM ÀS GIGANTESCAS ARISTOCRACIAS DOS TEMPOS ANTIGOS, [...]
(apud VECHI, 1994, p.33)
Ao mesmo tempo em que via o Romantismo como uma nova relação entre escritor e leitor, ele adotou do Romantismo só o que considerava como mais revolucionário, de resto, criticou os aspectos retrógados do movimento.
Na poesia, Garrett fez um trajeto de modo gradual indo do arcádico-filintista à fase iluminista-romântica com Camões, uma bela obra, que tem por temática referências ao grande bardo lusitano. Esse livro tem por início uma poesia dedicada aos Lusíadas e o caráter dramático é dado pelo amor de Camões à Natércia e pela derrota de D. Sebastião em Alcácer-Quibir.
O EXOTISMO MEDIEVAL, O INSTINTO DE LIBERDADE, SIMBOLIZADO PELO OCEANO, O TOM MELANCÓLICO, O AMOR PELA SOLIDÃO E PELAS RUÍNAS, A DESCRIÇÃO SUBJETIVA DA NATUREZA E O INDIVIDUALISMO, PRINCIPAL ATRIBUTO DE CAMÕES, AFIRMA QUE TUDO O QUE SE ENCONTRA NO TEXTO NÃO TEM NENHUM PARALELO NA HISTÓRIA LITERÁRIA PORTUGUESA, O TRIBUTO AO CLASSICISMO É PATENTE E INQUESTIONÁVEL.
(VECHI, 1994, p.35)
FOLHAS CAÍDAS
Folhas Caídas é o livro de poesias de Garrett no qual ele apresentou a sua maior maturidade poética. Essa obra foi dedicada a uma paixão pela Viscondessa da Luz (Rosa Montufar Barreiros), amor que escandalizou Lisboa pelo seu caráter adulterino.
Vechi (1994, p. 35), sobre Folhas Caídas, diz que o “eu” lírico dos poemas tem uma atitude fortemente teatral, aparecendo lado a lado “a confissão e o fingimento, a sinceridade e a representação exibicionista”.
Vejamos dois dos poemas mais significativos dessa obra:
NÃO TE AMO
Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
      E eu n’alma - tenho a calma,
      A calma - do jazigo.
      Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
      E a vida - nem sentida
      A trago eu já comigo.
      Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
      De um querer bruto e fero
      Que o sangue me devora,
      Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
      Quem ama a aziaga estrela
      Que lhe luz na má hora
      Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
      De mau, feitiço azado
      Este indigno furor.
      Mas oh! não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
      Que de mim tenho espanto,
      De ti medo e terror...
      Mas amar!... não te amo, não.
(GARRETT, Almeida. Folhas caídas. Sintra: Publicações Europa-América, 1987, p. 20.)
Perceba que o poema é construído a partir de antíteses que desenvolvem a tensão entre “não amar” e “querer”, para o “eu” lírico concluir paradoxalmente: “te quero”, mas “não te amo, não”. A alma com a calma de uma sepultura e a vida que não é mais sentida são imagens evocadas para dizer que “não te amo”. Enquanto o sangue que devora, o feitiço oportuno e furor indigno são elementos que reforçam o forte e intenso “te querer”. O dualismo entre o amor, que se prende à alma, e o querer, que se prende ao corpo, é outra leitura possível a partir do poema. Assim, o sentimento amoroso é marcado por um irracionalismo e conflito.
GOZO E DOR
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
- Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida - ou a razão.
(GARRETT, Almeida. Folhas caídas. Sintra: Publicações Europa-América, 1987, p. 11.)
Perceba que o próprio título do poema antecipa a tensão, a contradição e a antítese que nele se desenvolve. Trata-se da tensão entre gozo e amor, que é potencializada no verso e parece sintetizar o poema: “O excesso de gozo é dor”. A dor em meio ao gozo conduz o “eu” lírico à própria tensão entre morrer ou viver.
De acordo com Vechi (1994), porém, o poeta em Folhas Caídas assume uma “pose” que sufoca a sinceridade, e o “eu” lírico se aproxima da figura de alteridade que refreia sentimentos, com isso, caímos em um jogo retórico, artificial e consciente.
PROSA DE FICÇÃO DE GARRETT
São três as obras que representam a ficção de Garrett:
O Arco de Sant’Ana (1845 e 1850).
Viagens na Minha Terra (1846).
Helena (1871), inspirada na Crônica de D. Pedro, de Fernão Lopes.
Destacaremos apenas as duas primeiras para estudarmos o estilo ou as características da prosa de Garrett.
O ARCO DE SANT’ANA
O Arco de Sant’Ana tem como tema o amor culpado. A história se desenvolve a partir de um estupro. Um cavaleiro violenta uma jovem, filha de uma família judaica que lhe oferecera hospedagem. Esse cavaleiro torna-se mais tarde o bispo do Porto, e desse gesto violento nasce uma criança que mais tarde saberá quem é o seu pai. Vasco, sem saber, filho do homem que havia violentado sua mãe, torna-se líder revolucionário de um movimento que pretende derrubar o poder exercido pelo bispo do Porto. Depois de rocambolescas peripécias, o bispo se revela a Vasco e a história termina com um final feliz. Vasco se casa com Gertrudes, uma moça residente na Rua Sant’Ana e que, apesar de burguesa, apresentava virtudes.
Na perspectiva de Vechi (1994), Garrett procura recriar um período passado da história, tendo como inspiração a prosa histórica do romancista escocês Walter Scott (1771-1832). Sendo assim, alia medievalismo, nacionalismo, uma intriga amorosa tradicional e certo gosto pelo gótico. Mas as contínuas digressões do autor afastam essa narrativa do modelo de romance histórico proposto por Scott.
VIAGENS NA MINHA TERRA
Segundo Helder Macedo (1979), Viagens na Minha Terra tem uma profunda unidade temática, mas apresenta uma quebra estrutural, seguindo a maneira de narrar de Viagem Sentimental, do escritor irlandês Laurence Sterne (1713-1768). A primeira fase do livro sugere as intenções de uma viagem a Santarém.
É interessante saber que, de 17 a 26 de julho de 1843, Garrett fez uma viagem a Santarém. Essa viagem teria fornecido a ele material ou assunto para a série de artigos intitulados Viagens na Minha Terra, publicados na Revista Universal Lisbonense em 17 de agosto daquele ano (NAZAR, 1996).
Já o livro Viagens na Minha Terra foi publicado em 1846, incluindo o conto ou a novela A Casa Verde ou A Menina dos Rouxinóis.
A OBRA É PROPOSTA COMO UMA ARTICULAÇÃO INTEGRADA DOS ELEMENTOS HETEROGÊNEOS DA REALIDADE CIRCUNDANTE COMO VISTOS E OUVIDOS, PENSADOS E SENTIDOS PELO NARRADOR.
(MACEDO, 1979, p. 17)
IDEIA DE PROGRESSO E O ANTAGONISMO NÃO DIALÉTICO
Vejamos um fragmento de Viagens na Minha Terra:
Houve aqui há anos um profundo e cavo filósofo de além-Reno, que escreveu uma obra sobre a marcha da civilização, do intelecto – o que diríamos, para nos entenderem todos melhor, o Progresso. Descobriu ele que há dois princípios no mundo: o espiritualismo, que marcha sem atender a parte material e terrena desta vida, com os olhos fitos em suas grandes e abstratas teorias, hirto, seco, duro, inflexível, e que pode bem personalizar-se, simbolizar-se pelo famoso mito do Cavaleiro da Mancha, D. Quixote; - o materialismo, que, sem fazer caso nem cabedal dessas teorias, em que não crê e cujas impossíveis aplicações declara todas utopias,pode bem representar-se pela rotunda e anafada presença do nosso amigo velho, Sancho Pança.
(GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 16.)
As figuras que Garrett traz na sua exposição como antagônicas, Quixote e Pança, não constituem uma dialética, mas uma dicotomia do progresso.
Essa oposição é, do ponto de vista do progresso, o confronto entre o materialismo e o espiritualismo. Para Garrett, a sociedade que lhe era contemporânea se apresentava materialista, mas a literatura que a expressava era espiritualista. Por outro lado, há uma oposição entre o materialismo do Antigo Regime e os ideais do Regime Liberal, a partir da divisão do país na Guerra Civil (MACEDO, 1979).
A NOVELA A MENINA DOS ROUXINÓIS
A partir do capítulo X de Viagens na Minha Terra, tem início uma novela que foi denominada de A Menina dos Rouxinóis, cujos personagens principais são:
CARLOS (ALTER EGO DO NARRADOR)
Formado em um universo em crise, abandona os ideais para assumir um comportamento adequado aos apelos do mundo: ser barão. Nessa perspectiva, é o símbolo do Portugal contemporâneo.
FREI DINIS
Representa os valores tradicionais destruídos pelo liberalismo.
JOANINHA
Simboliza um Portugal ingênuo e telúrico que não tem mais condições de sobreviver ao progresso.
FRANCISCA
Indicia a imprudência com a qual o liberalismo foi assumido em Portugal: por causa da falta de visão dos defensores do liberalismo, o país, impotente, assistiu à sua destruição.
Segundo Helder Macedo (1979, p. 18), A Menina dos Rouxinóis “não é mais do que uma extensa exemplificação sentimental e romanesca do mesmo tema representado naquilo que viu e foi levado a sentir e pensar”.
A novela possui um valor documental, com uma intercalação fragmentada em que identificamos o movimento de chegada ao Vale do Santarém e o regresso dos viajantes para Lisboa.
Em Viagens na Minha Terra, o leitor é preparado para o início da novela pela descrição da paisagem, conforme você pode conferir neste trecho:
O Vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há como simetria de cores, de sons, de disposição em tudo, quando se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência.
(GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 51.)
Em relação às personagens, há correspondências simbólicas entre as personagens femininas Joaninha e Georgina, as duas mulheres que Carlos não conseguiu amar. Joaninha e Georgina correspondem à noção de bem das sociedades tradicional e moderna, à ideia do progresso e do liberalismo. Carlos, que pertence a dois mundos diferentes, por nascimento e por ideologia, não consegue escolher uma das duas. Ainda que tenha amor por elas, perde ambas (MACEDO, 1979).
Por meio de Carlos, Garrett tece uma crítica ao próprio liberalismo triunfante em Portugal. Joaninha era a infância que Carlos amava, o Portugal inocente do campo idealizado por ele. Georgina foi uma escolha acidental, “Carlos amou o bem-estar que sentiu junto dela e da irmã” (MACEDO, 1979, p.21).
De certo modo, Garrett, que havia militado ao lado dos liberais contra o absolutismo monárquico, vê a posteriori que os liberais acabaram por repetir, por outro caminho, os erros cometidos pelos absolutistas. O erro seria a incapacidade de agir conforme os ideais, o que acabaria levando à traição do povo e da causa.
Há uma nítida metáfora em Viagens: Carlos espelha, na sequência de seu destino, a situação política de seu país. Ele foi o idealista que adotou a causa liberal, mas que por narcisismo não soube servir à sua ação concreta. O povo português continuou mergulhado na miséria e Carlos tornou-se um barão. Os barões representavam a nova elite, a burguesia no lugar da nobreza do Estado absolutista. Viagens faz constantes críticas a esses burgueses que ascenderam ao poder.
Porque o barão é o mais desgracioso e estúpido animal da criação. [...]
O barão é, pois, usurariamente revolucionário e revolucionariamente usurário. Por isso, é zebrado de riscas monárquico-democráticas por todo o pelo. Este é o barão verdadeiro e puro-sangue; o que não tem esses caracteres é espécie diferente, de que aqui se não trata. Ora, sem sair dos barões e tornando aos frades eu digo que nem eles compreenderam nosso século nem nós os compreendemos a eles [...]
(GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 67.)
Carlos, o barão, traiu o amor de Joaninha e de Georgina, assim como os liberais traíram o seu idealismo e não foram capazes de servir aos interesses concretos do país.
A antinomia entre absolutistas e liberais acabou tornando-se uma falsa oposição, pois a corrupção dominou a ambos. Garrett preenche Viagens com afirmações que o aproximam da literatura que lhe virá em seguida, a Geração de 70, marcada pelos ideais socialistas.
DRAMATURGIA DE GARRETT: FREI LUÍS DE SOUSA
Nazar (1996) ressalta que a luta pela civilização, pelo esclarecimento e contra o absolutismo encontrou o drama e o romance como formas máximas de expressão na primeira metade do século XIX. Não por acaso, uma das mais bem construídas obras de Garrett é uma peça de teatro: Frei Luís de Sousa. Ela ocupa, na literatura portuguesa do primeiro período do Romantismo, um papel de grande destaque.
O teatro de Garrett conheceu duas fases:
A CLÁSSICA
A ROMÂNTICA
Catão, de 1822, e Mérope, 1841, são duas peças em que Garrett exercitou sua capacidade de imitar os clássicos greco-latinos e renascentistas. Em 1842, Garrett escreve O Alfageme de Santarém, em que vê a sua intenção de criar um teatro nacional malograda (VECHI, 1994).
Ocorre que durante o governo reacionário de Costa Cabral, Garrett foi destituído de seus cargos públicos e, em um ostracismo involuntário, escreveu Frei Luís de Sousa, sua obra-prima.
Valendo-se da forma grega da tragédia, Garrett constrói um enredo em torno de um triângulo amoroso: Dona Madalena de Vilhena, Dom Manuel (Frei Luís de Sousa) e o Romeiro (Dom João de Portugal).
No enredo de Frei Luís de Sousa, Madalena, casada em segundas núpcias com Manuel de Sousa Coutinho, vive um conflito, pois nunca recebera uma notícia definitiva sobre a morte de Dom João de Portugal, o seu primeiro marido. Dom João de Portugal desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir. No desdobrar da história, Dom Manuel e Dona Madalena recebem a visita de um romeiro vindo de Jerusalém. Revelada a identidade do romeiro, descobrem que era Dom João de Portugal.
A ESTRUTURA DA TRAGÉDIA OU O DRAMA FREI LUÍS DE SOUSA
APRESENTAÇÃO DO CONFLITO E DE SEUS ANTECEDENTES
O ato I apresenta o conflito e seus antecedentes: o casamento de Madalena; o desaparecimento do primeiro marido e as circunstâncias em que ocorreu; o segundo casamento; a existência da filha Maria e sua fragilidade.
A EVOLUÇÃO DO CONFLITO E SEU RECONHECIMENTO
O ato II apresenta a evolução do conflito, que tem o seu ápice no reconhecimento do Romeiro por Frei Jorge.
A RESOLUÇÃO DO CONFLITO
A resolução do conflito começa a acontecer no ato III e culmina na morte física de Maria; e na morte para o mundo de Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.
OS ESPAÇOS: DO PROFANO AO SAGRADO
Delgado (1998) analisa os espaços indicados nas falas dos personagens ou espaços aludidos: Lisboa, Alfeite, Alcácer-Quibir, Palestina. A ação da peça decorre em interiores, em uma sucessão de três espaços que se completam:
I ATO
Câmara de habitação nobre arejada e humanizada.
II ATO
O palácio de Dom João. Espaço opressivo de conflito, de revelação e de reencontro com o passado.
III ATO
Espaço marcadamente religioso. Capela do Convento dos Dominicos, em Almada. Espaço austero, fechado, frio e noturno.
O macroespaço é Almada, na margem do Tejo.
O TEMPO EM FREI LUÍS DE SOUSA
Do primeiro ato à morte de Maria, levando em consideração os antecedentes da intriga,são condensados na representação 21 anos.
Quanto ao horário:
Atos I e III são noturnos.
Ato II é diurno.
PERSONAGENS DA PEÇA
Levando em consideração o modelo da tragédia, há um número restrito de personagens e de condição social elevada.
UNIVERSO MASCULINO
MANUEL DE SOUZA COUTINHO
Personagem histórico ficcionalizado. Participou da resistência à dominação espanhola. Foi um cavaleiro da Ordem de Malta. Revela, em suas ações, coragem e patriotismo.
D. JOÃO DE PORTUGAL
A imagem que fica aos espectadores é a da vingança e não a da sua desgraça de homem sem identidade e sem possível felicidade.
ROMEIRO
Ele não vive, ele paira, é uma espécie de sombra de si mesmo. Sua presença vai contribuir para a catástrofe. Revela um conflito que o faz ser vingativo e cruel.
TELMO PAIS
Preenche o preceito renascentista do saber pela experiência.
UNIVERSO FEMININO
MADALENA
É uma mulher que está em conflito: não acredita na sua felicidade, pressente que não faltará muito para que toda sua harmonia seja posta em causa. Mulher culta, inteligente e sensível.
MARIA
Precoce, doente, dotada de uma inteligência invulgar e de uma sensibilidade especial que a leva a interessar-se por temas que não estão adequados à sua idade. Possui uma intuição apurada, pressente mais do que diz.
Após essas breves considerações sobre algumas obras de Garrett, podemos dizer que o seu conjunto constitui uma importante expressão da literatura romântica em Portugal. Além de textos com qualidade literária reconhecida, Garrett também atuou na difusão de ideias inovadoras e na renovação da cena cultural portuguesa.
ALEXANDRE HERCULANO
Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo nasceu em Lisboa, em 28 de março de 1810, e faleceu na quinta de Vale de Lobos, em 13 de setembro de 1877. Sua vida foi marcada por intensa participação política. Viveu em época adversa, participou da luta contra a invasão francesa e a invasão inglesa. Herculano lutou também ao lado dos liberais contra o absolutismo de D. Miguel. Com a vitória dos liberais, em 1833, passa a trabalhar na Biblioteca Municipal do Porto; em 1836, divergindo dos rumos dado à revolução pelo setembrismo de Passos Manuel, demite-se do cargo.
Em 1836, por meio da poesia, Herculano começa a sua carreira de escritor. Sua primeira obra poética foi A Voz do Profeta, motivada pela sua divergência com Passos Manuel.
A prosa de caráter histórico marcou também sua obra de caráter ficcional. Herculano, como historiador, encontrou problemas com os poderes instituídos, sobretudo com o Clero. Sua prosa ficcional abrange novelas, contos e romances.
ROMANCES
O Bobo, romance de caráter histórico, publicado no periódico literário O Panorama, em 1843, só foi editado em volume em 1878. A obra é ambientada na época das lutas travadas entre D. Teresa e seu filho D. Afonso Henriques. As figuras de D. Afonso Henriques, D. Teresa, Conde Travas e Egas Moniz são históricas, mas a intriga gira também em torno de personagens ficcionais: D. Bibas, Garcia Bermudes e Dulce. Nesse sentido, imaginário e histórico se interpenetram.
Por ser Herculano um profundo conhecedor da história de Portugal, há suspeitas de que alguns de seus personagens de ficção tenham existido realmente.
A ação de O Bobo situa-se no Castelo de Guimarães, em um “palco” de intrigas políticas, passagens secretas e fugas subterrâneas. A trilha amorosa é polarizada por Dulce, a mulher-anjo, filha adotiva de D. Teresa; e por dois cavaleiros que rivalizam no amor e na luta, Egas Moniz e Garcia Bermudes. Há também o truão, figura misteriosa no universo medieval a quem era dada a liberdade da palavra, do riso e do escárnio.
Nas obras reunidas sob o título O Monasticon, encontramos o romance Eurico, o Presbítero e o romance O Monge de Císter. Há em ambos a tentativa de conciliar o histórico e o imaginário.
EURICO, O PRESBÍTERO
Eurico, o Presbítero é um romance que apresenta o problema do celibato religioso à luz de uma intriga amorosa. Há nessa obra duas linhas narrativas: a história amorosa de Eurico e Hermengarda; e a história heroica da queda do império espanhol visigótico sob as armas dos árabes, no século VIII d.C.
As duas linhas narrativas se cruzam a partir de pontos em comum. Eurico interpreta a atitude de Hermengarda como uma traição, cedendo às imposições do pai; e a Espanha é traída por Juliano, Conde de Septum, e Opas, Bispo de Híspalis.
Seguindo o modelo das novelas de cavalaria, Eurico surge na história como o “Cavaleiro negro”, e a narrativa ganha um caráter épico, seguindo o estilo da construção dos épicos medievais: o obstáculo, a glória e a honra. Eurico está voltado para valores idealizados como pertencentes ao mundo gótico. Há uma tentativa de fidelidade ao caráter histórico da narrativa e uma alusão a um suposto manuscrito gótico (VIEIRA, 1981).
O MONGE DE CÍSTER
O Monge de Císter é um romance que se insere no contexto da análise dos conflitos entre o celibato e os impulsos da natureza humana, entre eles o amor e o ódio. A história é sobre Frei Vasco, ex-cavaleiro de Cristo, dividido entre a sede de vingança e a consciência moral (SILVEIRA, 1981).
A trama se desenvolve em torno da vingança de Vasco contra Lopes Mendes, seu rival no amor por Leonor, e contra Fernandes Alonso, que seduziu a irmã de Vasco e mergulhou sua família na desonra.
Há nessa narrativa, assim como em outras de Herculano, a saudade de um passado heroico em que repousam as raízes mais profundas de Portugal.
A PROPÓSITO DO CARÁTER HISTÓRICO DE UM CONTO
O conto A Abóboda, de Herculano, concilia duas vertentes do pensamento romântico português:
As ideias liberais que chegaram a Portugal com algum atraso e se instalaram com a revolução liberal de 1834.
A defesa de um catolicismo primitivo que supostamente teria existido antes das inovações doutrinárias e disciplinares trazidas pelo Concílio de Trento. Para Herculano, a moral provinha da religião e cabia aos governantes coibirem os abusos do clero.
De acordo com Marina Machado Rodrigues (1997), A Abóboda denuncia por transposição temporal a decadência da religião. Situa o Portugal novo em face do Portugal velho, e inscreve a vitória da fé sobre a filosofia do espírito.
A Abóboda é ambientado na época do início da construção do Mosteiro da Batalha, erigido em tributo à soberania da nação portuguesa, simbolizando a força, a coragem e a esperança.
O Mosteiro da Batalha simboliza a história da superioridade de um povo que firmou sua nacionalidade nos campos de Aljubarrota.
A Abóboda foi publicado em 1839, em O Panorama. O conto foi inspirado em Afonso Domingues, que lutou para colocar D. João I no trono de Portugal. Afonso Domingues foi mestre-arquiteto e teria construído o projeto da abóboda do Mosteiro da Batalha. Em 1401, Afonso Domingues ficou cego e D. João chamou um irlandês para concluir o projeto, mestre Ouguet. João I, porém, desculpa-se com Afonso Domingues e o chama para concluir a obra. Afonso Domingues finaliza a obra, passa três dias em jejum debaixo dela e morre ao constatar que a abóboda não irá cair.
Embora composta por personagens que seriam históricos, parece que não há nenhuma comprovação de que a abóboda do Mosteiro da Batalha tenha caído algum dia, mas é uma história ao gosto romântico, cheia de simbologias. Sigamos a análise de Rodrigues (1997) para entendermos algumas das metáforas dessa história.
Concebida por um arquiteto português e executada por um estrangeiro, a abóboda ruiu. A queda pode representar:
O repúdio às inovações introduzidas à religião primitiva pela Contrarreforma.
A aversão do autor à decadência moral do presente no qual a nação portuguesa se vê presa a valores estrangeiros.
Os quatro personagens principais são emblemáticos, representam classes e/ou ideias.
O PRIOR
Por meio desse personagem, a vinculação Igreja/Estado é diretamente atacada, refletindo os interesses de natureza espúria, que suprimem à religião aquilo que lhe é mais encarecido – a participação no encaminhamento moral e espiritual do povo.
O IRLANDÊS (MESTRE OUGUET)
A escolha desse personagem é uma crítica à subserviência e à submissãocultural. Mestre Ouguet concentra alguns dos pecados humanos: ambição desmedida, soberba, hipocrisia, ira e inveja.
D. JOÃO I (MESTRE DE AVIS)
Representa os valores morais do cavaleiro medieval adaptados à mentalidade liberal burguesa. Além disso, expressa a vitória da monarquia parlamentar, da liberdade e da soberania.
O CEGO (MESTRE AFONSO)
Encarna os ideais dos moços românticos, a nostalgia da Ordem e os valores absolutos. Ele é uma extensão da batalha de Aljubarrota e de todos os valores que ela representa. Sua aparente fragilidade contrasta com a poderosa força interior que dele emana.
Vemos nesse conto, mais uma vez, Herculano preocupado em construir histórias que conciliem o real e o imaginário. Assim como as outras obras, o autor se volta para um passado idealizado pretendendo refletir criticamente sobre o presente.
O RECURSO AO HISTÓRICO EXPRESSA A TENDÊNCIA ROMÂNTICA PARA A VALORIZAÇÃO DO MEDIEVALISMO E DO ESPÍRITO DE NACIONALIDADE. NO CASO DOS PAÍSES EUROPEUS, AS ORIGENS DA NACIONALIDADE ESTÃO NA IDADE MÉDIA. NESTE SENTIDO, O HISTORICISMO E O MEDIEVALISMO ROMÂNTICOS, EMBORA TENHAM COMO UM DE SEUS VALORES O DESCONTENTAMENTO EM RELAÇÃO AO PRESENTE, À CONTEMPORANEIDADE DO ESCRITOR, NÃO SE REDUZ À IDEIA DE FUGA, DE ESCAPISMO COMUMENTE ATRIBUÍDA AO ROMÂNTICO QUE CULTIVA ESSA TENDÊNCIA.
(VECHI, 1994, p.47)
É desnecessário dizer que Herculano ocupa um lugar de proeminência no Romantismo português e de pioneirismo com as suas ficções históricas.

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