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Autoras: Profa. Ivy Judensnaider Profa. Najla M. Kamel Colaborador: Prof. Maurício Felippe Manzalli Psicologia Econômica Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Professoras conteudistas: Ivy Judensnaider / Najla M. Kamel Ivy Judensnaider é economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra em História da Ciência e da Tecnologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora da Universidade Paulista (UNIP), onde coordena o curso de Ciências Econômicas no Campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações e é autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web. Nos últimos dez anos, tem trabalhado na elaboração de textos e de livros para uso em Educação a Distância. Najla M. Kamel é graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Universidade Paulista (UNIP). Mestre e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Especialista em Avaliação do Ensino Superior pela Universidade de Brasília (UnB). Uma das autoras do livro Da cultura de provas para a cultura de avaliação e conteudista do livro‑texto Psicologia do Consumidor (EaD/UNIP). Atualmente, é professora titular da UNIP, ministrando aulas nas disciplinas: Psicologia do Consumidor, Psicologia Aplicada à Fisioterapia, Psicologia Aplicada à Nutrição, Psicologia Jurídica, Estatística Aplicada, Bioestatística e Pesquisa de Mercado. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) J92p Judensnaider, Ivy. Psicologia Econômica. / Ivy Judensnaider, Najla M. Kamel. – São Paulo: Editora Sol, 2017. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2‑001/17, ISSN 1517‑9230. 1. Psicologia econômica. 2. Teoria dos jogos. 3. Empreendedorismo social. I. Kamel, Najla M. II. Título. CDU 658.012.2 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Ricardo Duarte Carla Moro Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Sumário Psicologia Econômica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...................................................................................................................... 11 2 AS CRÍTICAS AO HOMO ECONOMICUS .................................................................................................. 34 3 NOVOS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E A PESQUISA NA PSICOLOGIA ECONÔMICA ................................................................................................................................ 45 3.1 A pesquisa quantitativa: os surveys ............................................................................................. 48 3.2 Os experimentos ................................................................................................................................... 56 3.3 As pesquisas de observação ............................................................................................................. 58 3.4 Pesquisas qualitativas: entrevistas em profundidade, discussões em grupo e estudos de caso ......................................................................................................................................... 59 4 TENDÊNCIAS NA INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA ECONÔMICA ................................................. 62 Unidade II 5 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL PARA A INVESTIGAÇÃO DO COMPORTAMENTO ECONÔMICO: APROFUNDAMENTOS, REFLEXÕES E APLICAÇÕES ............ 78 5.1 Psicologia Social e subjetividade ................................................................................................... 81 5.2 O Behaviorismo, ou a Teoria Comportamental ........................................................................ 84 5.3 A Teoria da Gestalt: a Teoria da Forma ........................................................................................ 85 5.4 A Psicologia Cognitiva ........................................................................................................................ 87 5.5 As atitudes: conceito e importância ............................................................................................. 89 6 O PAPEL DO GRUPO SOCIAL NA FORMAÇÃO DO COMPORTAMENTO ....................................... 91 6.1 A classificação socioeconômica ..................................................................................................... 94 6.2 A classificação psicográfica .............................................................................................................. 95 6.3 Os modelos de utilidade e de escolha racional ........................................................................ 97 7 A TEORIA DOS JOGOS E AS DINÂMICAS DE GRUPO .......................................................................100 7.1 A Neuroeconomia e as Neurociências .......................................................................................105 8 EMPREENDEDORISMO SOCIAL ................................................................................................................107 7 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 APRESENTAÇÃO A disciplina Psicologia Econômica, cujo livro‑texto agora apresentamos, tem como objetivo tratar dos fundamentos clássicos e neoliberais de racionalidade do comportamento econômico dos indivíduos, e de como esses fundamentos passaram a sofrer críticas a partir da segunda metade do século XX. Essas críticas foram fundamentais para o processo de construção de uma nova área de conhecimento e de atuação para os economistas. A Psicologia Econômica tem servido de suporte para inúmeros questionamentos em relação a pressupostos básicos das Ciências Econômicas e se tornou, nas últimas décadas, alvo de estudos e investigações, tanto nas universidades quanto nas empresas. Atualmente, não são raras as empresas que se especializaram em pesquisas quantitativas e qualitativas tendo o comportamento econômico como objeto, da mesma forma que tornou‑sefrequente a solicitação de projetos de consultoria para que o comportamento do agente econômico pudesse ser compreendido para além dos modelos teóricos tradicionais. A atuação nessa nova área de fronteira requer a posse das bases teóricas de dois grandes campos do saber: as Ciências Econômicas e a Psicologia (em especial, a Psicologia Social). Isso significa dizer que os economistas acostumados a trabalhar da forma tradicional (ou seja, fazendo uso dos métodos dedutivos e históricos) não dão conta de investigar os fenômenos comportamentais sem o auxílio de técnicas e teorias da Psicologia; em contrapartida, os psicólogos tampouco dão conta de entender o comportamento econômico sem o aporte do instrumental teórico das Ciências Econômicas. Como esse é um campo de atuação que está em fase inicial de desenvolvimento e que, por isso mesmo, vem demandando profissionais preparados para o diálogo entre duas áreas do conhecimento, consideramos de extrema valia que os estudantes de Ciências Econômicas tenham contato com os principais desenvolvimentos da Psicologia Econômica, bem como com as principais teorias que dão suporte aos estudos dos aspectos psicológicos do comportamento dos agentes econômicos. Para que os alunos possam dominar os conceitos e compreender os aspectos teóricos fundamentais da Psicologia Econômica, teremos que percorrer um caminho de extrema especificidade. Inicialmente, abordaremos o contexto histórico‑científico e as principais áreas que se organizaram para criticar o modelo do Homo economicus, estendendo essa crítica aos procedimentos metodológicos até então consagrados para estudá‑lo. Em outras palavras, investigaremos os métodos e os pressupostos epistêmicos utilizados pelas Ciências Econômicas sob a perspectiva histórica e as contribuições de economistas que buscaram uma abordagem metodológica mais pluralista no estudo dos fenômenos econômicos. Posteriormente, discutiremos como a área de Psicologia Econômica desenvolveu‑se e ganhou espaço dentro da comunidade científica e do mundo empresarial. Mais adiante, investigaremos os métodos de pesquisa que se incorporaram ao arsenal metodológico dos economistas, buscando identificar alguns métodos indutivos das Ciências Comportamentais, bem como suas contribuições para o estudo do comportamento econômico. 8 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Finalmente, traremos exemplos de estudos e de novas áreas de atuação que surgiram a partir daí e mostraremos algumas contribuições oferecidas pelos constructos da Psicologia Social para a investigação do comportamento econômico. Em resumo, este livro‑texto pretende explicitar as novas áreas de fronteira que hoje investigam o comportamento dos agentes econômicos, tendo como base os métodos indutivos e experimentais, e que estão alicerçadas na Psicologia e nas Ciências Comportamentais. Essa abordagem pretende contribuir para o desenvolvimento das competências requeridas dos alunos, conforme definidas no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais relacionadas. Dessa forma, a disciplina tem como objetivos específicos: a) compreender os desenvolvimentos teóricos, epistemológicos e metodológicos das Ciências Econômicas como frutos de processo histórico; b) apresentar as contribuições que outras áreas do conhecimento podem oferecer ao estudo do comportamento dos agentes econômicos; c) introduzir os estudos sobre o comportamento dos indivíduos com base na utilização de variáveis psicológicas e comportamentais, como sentimentos, pensamentos, crenças, atitudes e expectativas; d) mostrar as possibilidades de investigação oferecidas pelo método indutivo, notadamente pelas pesquisas qualitativas e quantitativas e pelos experimentos; e) identificar as possibilidades de investigação em áreas de fronteira, como a Economia Experimental, a Economia Comportamental, a Neuroeconomia e a Psicologia Econômica. Bom estudo! INTRODUÇÃO O desenvolvimento da Psicologia Econômica ocorreu por meio de dois eixos principais: o primeiro, relacionado às críticas que os métodos convencionais passaram a sofrer no que diz respeito à capacidade de as Ciências Econômicas compreenderem em profundidade todos os aspectos do comportamento dos agentes econômicos; o segundo, mediante a aplicação gradativa de métodos comportamentais, específicos da Psicologia, para o teste e validação de modelos teóricos tidos como certos pelos economistas. Para que você possa acompanhar esse processo, é necessário que compreenda: a) como determinada área do saber constrói seus pressupostos epistemológicos (ou seja, os princípios por meio dos quais serão considerados científicos certos achados ou modelos); b) como as Ciências Econômicas construíram seus pressupostos epistemológicos, que por sua vez determinaram os principais métodos para investigação dos fenômenos econômicos (quer dizer, os métodos dedutivos e históricos); 9 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 c) como as Ciências Econômicas passaram a sofrer críticas em relação aos modelos desenvolvidos; d) como outras áreas passaram a contribuir para o preenchimento das lacunas que surgiram a partir das críticas mencionadas. Acompanhe o nosso raciocínio: toda área do saber tem – e é isso que a diferencia das demais – um objeto específico de estudo e um método peculiar de investigação desse objeto. De fato, cada área do saber tem como base determinados pressupostos epistemológicos, quer dizer, princípios basilares nos quais repousam alguns critérios e a partir dos quais será gerado o conhecimento a respeito do seu objeto específico. Deve, então, explicitar como se dá o conhecimento no seu campo e qual o processo de sua aquisição. Adicionalmente, deve esclarecer quais os métodos consagrados para a investigação e para o estudo dos fenômenos pertinentes à sua área. As Ciências Econômicas, como outras ciências, possuem um objeto que vem se transformando ao longo do tempo. No entanto, a investigação sobre os atos econômicos do século XXI podem requerer instrumentos diferentes daqueles que foram utilizados no século XVIII – afinal, do ponto de vista histórico, novas perguntas e novos fenômenos surgiram desde a publicação do texto fundador de Adam Smith (1723‑1790) A riqueza das nações (1776), e esses desenvolvimentos criaram tensões que obrigaram os economistas (ou deveriam ter obrigado) a refletir sobre os modos de aquisição do conhecimento e os métodos utilizados para alcançá‑lo. De forma genérica, as Ciências Econômicas adotaram o método dedutivo para a investigação do seu objeto de pesquisa, qual seja, os sistemas econômicos que permitem aos seres humanos a produção e a distribuição de bens e serviços, considerando dois aspectos fundamentais: a escassez dos recursos que produz e a infinitude das necessidades a serem satisfeitas com os bens e serviços produzidos. Porém, e a partir de certo instante, alguns novos problemas foram colocados diante dos economistas. A resolução desses problemas, por sua vez, demandou um conhecimento distinto do desenvolvido até então. Mais: demandou uma mudança drástica nos pressupostos adotados pelos economistas e nos métodos de pesquisa de investigação. É nesse contexto que surge a Psicologia Econômica. Para compreendermos o seu surgimento e a ruptura que ela representou em termos de desenvolvimento teórico das investigações econômicas, estudaremos os fundamentos das Ciências Econômicas do ponto de vista da Epistemologia e da Metodologia, considerando a perspectiva histórica. Vamos também tratar da ruptura metodológica provocada pela adoção de métodos indutivos na investigação econômica e identificar os trabalhos pioneirosnessa área (especialmente Katona e Reynaud, na primeira metade do século XX, e os Prêmios Nobel de Economia Simon e Kahneman, na segunda metade do século XX). Discutiremos ainda os principais métodos indutivos que, oriundos das Ciências Comportamentais, acabaram por sugerir contribuições relevantes no estudo do comportamento econômico. 11 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Unidade I 1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA Inicialmente, vamos entender melhor o que são os pressupostos epistemológicos de um campo do conhecimento. Os pressupostos epistemológicos de uma ciência dizem respeito aos processos cognitivos (relacionados ao conhecimento). Esses princípios definem o quanto podemos conhecer da realidade, ou seja, quais são os limites que o nosso conhecimento sobre o objeto pode atingir. Além dos fatores biológicos que determinam nossa cognição (nossa capacidade de ver, de ouvir, de sentir, de compreender ideias e de estabelecer relações entre fatos e ideias), são fundamentais as influências sociais e culturais. De forma resumida, o conhecimento é um fenômeno social que possui uma história e que é resultado de determinados contextos históricos. Consequentemente, nosso conhecimento sobre a realidade sofre transformações na medida em que a realidade apresenta novas perguntas e exige respostas diferentes das existentes até certo instante. Apenas para dar um exemplo: no século XIX, sequer se discutia a questão da finitude de um recurso importante como a água. Hoje, o debate sobre as condições de sustentabilidade de nosso ritmo de produção e consumo está no centro de qualquer discussão sobre modelos econômicos. Parece claro, portanto, que as formas de acessar o conhecimento modificam‑se (e devem se modificar) simultaneamente à transformação do nosso próprio objeto de estudo. Figura 1 – As Ciências Econômicas e seu objeto de estudo em transformação: a questão da sustentabilidade econômica dada a escassez de recursos é recente e vem exigindo novas posturas para a solução dos problemas ambientais 12 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Até o século XIX, no entanto, as grandes escolas de pensamento das Ciências Econômicas foram se desenvolvendo sem se preocupar demasiadamente a respeito dos pressupostos epistemológicos adotados; ou melhor, sem refletir sobre as diferenças entre o processo de conhecimento do saber em geral e o processo específico de aquisição do conhecimento dos fenômenos econômicos. Entre os séculos XVIII e XIX (período que cobre a publicação dos textos fundadores das Ciências Econômicas e o momento em que a Ciência surge tal como a conhecemos nos dias de hoje), o que era bom para as outras Filosofias Políticas e Morais (áreas das quais as Ciências Econômicas derivaram) também era bom para o estudo dos fenômenos econômicos. Até o final do século XIX (quando, inclusive, a Epistemologia – a ciência que estuda os processos do conhecimento – passou a se desenvolver de forma significativa), a grande preocupação dos pensadores que refletiam a respeito dos atos econômicos não estava relacionada às formas de aquisição do conhecimento, mas ao objeto desse conhecimento. Para eles, o requisito necessário para fundar e fortalecer uma nova categoria do saber era diferenciá‑la em termos do objeto de estudo, deixando a preocupação com as formas do conhecimento para outro momento. Assim, um dos traços mais marcantes na história da Epistemologia da Economia está no fato de esses processos de aquisição do saber terem sido pouco discutidos. Evidência clara dessa situação pode ser demonstrada da seguinte forma: os temas centrais da pesquisa econômica modificaram‑se ao longo do tempo; na década de 1970, por exemplo, surgiram questões referentes ao processo inflacionário que atingia grande parte das economias desenvolvidas e em desenvolvimento; nas décadas de 1980 e 1990, intensificaram‑se o debate sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento e sobre as diferenças entre o Welfare State (o Estado que se preocupa com a promoção do bem‑estar social) e o Estado Mínimo (o Estado que intervém pouco na economia). No entanto, o corpus das teorias econômicas ficou a salvo de qualquer dúvida ou questionamento em termos dos métodos utilizados para desenvolvê‑lo. Claro que isso não ocorria sem exceções, mas o mainstream do pensamento econômico era pródigo em afirmar que nada de novo havia sob o sol: os métodos dedutivos e históricos eram mais do que suficientes para dar conta do recado. Se houvesse algum espaço vazio, ele seria certamente ocupado pela Matemática, pela Estatística e pela Econometria. Observação O mainstream caracteriza a corrente principal de uma área do saber. Essa corrente principal reúne as ideias que formam um conjunto consensual de opiniões a respeito de determinado objeto ou assunto. Assim, ele está associado à tendência majoritária e hegemônica existente numa comunidade de cientistas ou pensadores. Esse status quo fortaleceu‑se ao longo da primeira metade do século XX: o pluralismo metodológico e sua consequente disponibilidade para o debate de ideias ou correntes de pensamento diversas das já estabelecidas, ao menos no plano metodológico, não ocuparam qualquer espaço significativo nas discussões sobre os métodos utilizados para a investigação dos atos e fenômenos econômicos. Em outras palavras, era mais importante estudar a realidade do que discutir as formas a partir das quais essa realidade deveria ser estudada, como se uma coisa não estivesse irremediavelmente associada à outra. 13 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Em vez de refletir sobre as limitações das formas utilizadas para alcançar o conhecimento econômico, os economistas preferiram continuar olhando os fenômenos com as mesmas lentes empregadas pelos economistas clássicos do século XVIII. Mas, afinal, qual a importância de discutir os caminhos utilizados para se chegar ao conhecimento? A pergunta não é descabida, muito pelo contrário. Sugerimos que você, leitor, reflita a respeito: a realidade é o que conseguimos dela compreender? Todas as pessoas percebem a realidade da mesma forma? Todas as áreas de conhecimento, ou melhor, todos os aspectos da realidade exigem que utilizemos as mesmas vias de acesso? Assim, propomos que você pense nos seguintes termos: a realidade é (ela tem uma existência concreta), mas o que apreendemos dela depende das formas como a vemos e a interpretamos. A realidade é, mas o nosso conhecimento apenas pode dela se aproximar, jamais a alcançando na sua totalidade. Aliás, é necessário enfatizar: enxergamos aquilo que podemos compreender e aquilo que conseguimos acomodar no conjunto de coisas que supomos saber. Os quadros mentais sobre os quais repousam nossas crenças, bem como nossas características biológicas, nos possibilitam ou nos impossibilitam de perceber a realidade. De fato, aquilo que vemos (ou imaginamos ver) é fruto de construções mentais elaboradas em função do que aprendemos, das experiências que já tivemos, daquilo que acreditamos ser possível. Na belíssima série Cosmos (1980), temos um exemplo interessante a respeito das limitações da nossa capacidade de enxergar a realidade. Enxergamos aquilo que entendemos, aquilo que nossa cognição nos indica ser possível ou provável. Há quase duzentos anos, no golfo do Alaska […], duas culturas que não se conheciam tiveram um primeiro encontro. O povo tlingit vivia mais ou menos como seus ancestrais viviam há milhares de anos. Eles eram nômades,viajando sempre de canoa entre inúmeros locais de acampamento, onde pegavam peixes abundantes e ostras do mar e os trocavam com as tribos vizinhas. O criador que eles veneravam era o Deus Corvo, a quem representavam como uma enorme ave preta de asas brancas. E, em um dia de julho de 1786, o Deus Corvo apareceu. Os tlingit ficaram apavorados. Eles sabiam que quem olhasse diretamente para o Deus viraria pedra. Do outro lado do planeta, uma expedição liderada pelo explorador francês La Pérouse, na verdade, a viagem científica mais planejada do século XVIII, foi enviada para circundar o mundo e para reunir conhecimentos sobre Geografia, História Natural e povos de terras distantes. Mas, para os tlingit, cujo mundo estava confinado às ilhas do sul do Alaska, esse grande navio só poderia ter vindo dos deuses. Houve um entre eles que ousou olhar mais profundamente. Era um velho guerreiro e estava quase cego. Disse que sua vida estava quase no fim. Para o bem comum, ele se aproximaria do Corvo para ver se o Deus iria realmente transformar seu corpo em pedra. Ele partiu para a sua própria viagem de descoberta para confrontar o fim do mundo. O velho olhou fixamente para o Corvo e viu que ele não era um grande pássaro do céu, mas trabalho de homens, como ele mesmo. 14 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Saiba mais Sugerimos que você assista ao 13º episódio de Cosmos, de onde foi retirado o exemplo citado: COSMOS. Dir. Adrian Malone. Criação Carl Sagan, Ann Druyan e Steven Soter. Estados Unidos: PBS, 1980. 60 minutos. (13 episódios). Há, inclusive, algumas restrições biológicas que determinam as nossas formas de perceber a realidade. Por exemplo: os daltônicos reconhecem matizes de cores de formas diferentes dos não daltônicos. Imagine, portanto, as leituras distintas que um daltônico e um não daltônico poderiam fazer de um quadro de Mondrian! Figura 2 – Composição em vermelho, amarelo, preto, cinza e azul (1921), Piet Mondrian Conforme pode ser observado, o uso das cores é fundamental na construção da obra de Mondrian. Cabe a pergunta: como seria a recepção do conteúdo da obra se feita por um espectador daltônico, incapaz de reconhecer certas variações de cor? Mesmo que tomemos como base indivíduos com capacidades similares de visão ou de outras competências físicas, também perceberemos diferenças significativas nas formas como cada um é capaz de enxergar a realidade! São clássicas as figuras que nos revelam várias e diferentes visões, de acordo com a perspectiva que adotamos. 15 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Saiba mais Para que você possa pesquisar mais sobre o assunto, sugerimos a seguinte leitura: ILUSÕES de ótica: é verdade ou são apenas meus olhos? Rio de Janeiro: EMdiálogo, 2014. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/content/ ilusoes‑de‑otica‑e‑verdade‑ou‑sao‑apenas‑meus‑olhos>. Acesso em: 23 jan. 2017. Será interessante também assistir ao filme: O ENIGMA de Kaspar Hauser. Dir. Werner Herzog. Alemanha: Werner Herzog; Filmproduktion; Filmverlag der Autoren ZDF, 1974. 110 minutos. As reações do jovem preso num cativeiro durante toda a vida e posteriormente exposto ao mundo real podem nos conduzir a interessantes reflexões a respeito da nossa capacidade de compreensão do mundo. Caso você queira ler mais sobre o tema, sugerimos: SABOYA, M. C. L. O enigma de Kaspar Hauser (1812?‑1833): uma abordagem psicossocial. Psicologia USP, v. 12, n. 2, p. 105‑117, 2001. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/63375>. Acesso em: 23 jan. 2017. Há décadas (em especial, desde a segunda metade do século XX), psicólogos sociais investigam quais variáveis contribuem para que nossa percepção se construa de determinada forma; assim, experiências da infância, gostos pessoais, receios e traumas podem nos levar a determinadas construções mentais em detrimento de outras. Por exemplo: se no passado tivemos experiências negativas com objetos de cor amarela, estaremos menos dispostos a enxergar objetos amarelos; caso tenhamos tido alguma experiência positiva com homens ruivos, seremos, provavelmente, menos críticos e mais receptivos ao contato com homens ruivos. Outro fator fundamental para a construção da nossa visão do mundo está relacionado aos processos de conformação e submissão à opinião do grupo social. Na década de 1950, Solomon Asch (1907‑1996) conduziu uma série de experimentos que o levaram a concluir que o consenso do grupo era um fator decisivo na formação de opinião de alguém, especialmente se o pertencimento ao grupo fosse algo valorizado. Um desses experimentos, bastante simples, foi o de propor a um grupo de oito pessoas (sete delas comparsas do pesquisador, e apenas uma ingênua, sem qualquer informação sobre o combinado com os comparsas) que fosse apontada a linha‑padrão para um modelo exposto. Assim, no caso de três linhas (A, B e C), de tamanhos distintos, apenas a linha A combinava com o padrão proposto pelo pesquisador; no entanto, em dezoito ocasiões diferentes, a linha B foi declarada pelos comparsas como a similar ao padrão (de acordo com o combinado com o pesquisador), fazendo 16 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I com que apenas 30% dos sujeitos ingênuos apontassem a linha A como a resposta correta: o fato de o grupo ter escolhido a linha B havia sido fundamental para que os sujeitos ingênuos também a escolhessem. Em resumo: estamos mais inclinados a concordar com algo quando percebemos que os que estão ao nosso redor também concordam, especialmente se os outros são importantes para nós. Em contrapartida, hesitamos em afirmar algo quando o nosso grupo de referência não tem a mesma opinião. Nosso processo de aquisição do conhecimento ocorre por vias extremamente particulares. Na maior parte das vezes, e ao longo das nossas vidas, enxergamos aquilo que queremos enxergar ou que estamos preparados para enxergar. Isso não acontece apenas quando estamos diante de um conhecimento novo ou fora do padrão: ocorre no nosso dia a dia, nas nossas vidas cotidianas. Às vezes, convivemos com uma pessoa durante anos e não percebemos qualidades que, para outros, são extremamente óbvias. Em outras ocasiões, estabelecemos metas profissionais que, décadas depois, nos parecem absurdas e infantis. Vemos o que queremos ver, e vemos no momento em que estamos preparados para lidar com o que vemos: o nosso olhar indaga à realidade, mas não é sempre que ele tem condições de lidar com as respostas que o mundo nos oferece. Mais: acreditamos nas explicações que desenvolvemos para compreender o mundo enquanto essas explicações derem conta de resolver os problemas que enfrentamos e aos quais devemos oferecer respostas. Assim, outra questão fundamental diz respeito à perenidade das certezas que desenvolvemos a respeito das condições seguras para a aquisição do conhecimento. Dessa forma, para os estudiosos da Epistemologia, é fundamental o estudo das condições que possibilitam as revoluções científicas e as mudanças de paradigmas que nos sustentam e nos auxiliam na construção da realidade. Observação Um paradigma descreve as convicções, na maioria das vezes implícitas, com base nas quais os investigadores elaboram as suas hipóteses, as suas teorias e mais geralmente definem os seus métodos (BOUDON, 1990, p. 186). Apenas para dar um exemplo: durante séculos, o paradigma predominante era o de que a Terra, imóvel, era o centro do Universo. A mudança de paradigma ocorreu quando o geocentrismo foi substituído pelo heliocentrismo.As grandes transformações científicas ocorreram quando antigas crenças e antigos quadros mentais foram substituídos por novas maneiras de pensar o mundo. Vejamos, dando continuidade ao exemplo citado, o caso de Galileu e as dificuldades que ele teve que superar para concluir que a Terra poderia ser colocada em movimento. Tal fenômeno não é muito diferente nos casos que envolvem o conhecimento novo que se apresenta diante de nós diariamente, porque nosso apego ao que já sabemos (ou que pensamos saber) cria uma série de bloqueios difíceis de serem transpostos. Em geral, são esses bloqueios que nos impedem de aprender o novo ou de perceber o mundo de uma forma diferente. Bachelard (1996) chamou esses bloqueios de obstáculos epistemológicos, verdadeiras armadilhas que tornam o processo de aquisição de conhecimento mais lento (às vezes, tendendo à regressão) e que causam até espanto quando, finalmente, nos deparamos com o real. 17 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA O real nunca é “o que se poderia achar”, mas é sempre o que se deveria ter pensado. O pensamento empírico torna‑se claro depois, quando o conjunto de argumentos fica estabelecido. Ao retomar um passado cheio de erros, encontra‑se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo, o ato de conhecer dá‑se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização (BACHELARD, 1996, p. 17). Os obstáculos ao novo conhecimento podem muitas vezes surgir sob a forma de hábitos intelectuais (que um dia até foram muito saudáveis) ou de antigos valores. “Chega o momento em que o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas do que de perguntas. O instinto conservativo passa então a dominar, e cessa o crescimento espiritual” (BACHELARD, 1996, p. 19). Segundo Bachelard (1996), até mesmo a experiência primeira costuma funcionar como barreira à aquisição do conhecimento. Aquilo que aprendemos sobre um objeto pela primeira vez permanece, para nós, como indicativo de um porto seguro, de onde devem partir todos os nossos navios em direção ao mar e onde devem atracar todos os navios que para nós chegam carregados de novas mercadorias e novas ideias. Retornemos ao nosso exemplo sobre Galileu: há muito, os cientistas discutem o papel da experimentação e da observação na concepção de Galileu sobre o movimento da Terra. Nossa posição, aqui, é: independentemente da importância da experiência, Galileu jamais teria concluído pelo movimento da Terra se a isso não estivesse “mentalmente” aberto. Ele poderia ter visto a Lua por meio do seu telescópio e, mesmo assim, não ter enxergado as montanhas lunares (como o indígena citado por Carl Sagan em Cosmos). O fato de ele ter apontado o telescópio para a Lua já demonstrava a existência de uma concepção interior a respeito do que poderia ser visto. Entre a percepção que imaginamos exata e a abstração construída pela nossa razão, há um caminho imenso que se coloca entre nós e um novo conhecimento. Koyré (2006, p. 9) afirma: Não podemos esquecer, ademais, de que a “influência” não é uma relação simples; pelo contrário, é bilateral e muito complexa. Não somos influenciados por tudo aquilo que lemos ou aprendemos. Em certo sentido, talvez o mais profundo, somos nós que determinamos as influências a que nos submetemos; nossos ancestrais intelectuais não são de modo algum dados a nós; nós é que os escolhemos livremente. Pelo menos, em grande parte. Exemplo de aplicação Reflita sobre o seguinte: se estamos sempre em busca de reforço para aquelas ideias com as quais concordamos, de que maneira podemos entrar em contato com posições diferentes das nossas? 18 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Nas Ciências Econômicas, é clássico o exemplo de mudança de paradigma em relação à capacidade de a oferta criar a sua própria demanda. Assim, durante muito tempo (desde o século XVIII), acreditou‑se ser suficiente oferecer (produzir e colocar à disposição do consumidor) bens e serviços: os consumidores surgiriam naturalmente. Para que você compreenda melhor: acreditava‑se que, caso um fabricante colocasse sapatos à disposição no mercado – independentemente da quantidade oferecida –, os consumidores surgiriam de forma natural. Desse modo, sempre haveria quem consumisse o que fosse produzido e ofertado. Afinal, o fato de uma empresa produzir algum produto significava que ela havia contratado recursos de produção, incluída aí a mão de obra. De uma maneira quase mágica, imaginava‑se que essa mão de obra, então assalariada e com recursos financeiros em mãos, trataria de comprar os sapatos disponíveis no mercado. Essa concepção – chamada de Lei de Say – sofreu um abalo definitivo quando, embora houvesse produtos em excesso no mercado, não havia consumidor disposto a comprar qualquer unidade. Se esse esquema mágico tivesse algum fundo de verdade (consumidores automaticamente consumindo produtos oferecidos), não haveria na economia qualquer problema de estoques de produtos não vendidos. No entanto, a história econômica nos mostrou, por diversas vezes, que essa concepção encontrava pouca aderência aos fatos da realidade; em especial, a crise de 1929 – caracterizada, entre outras coisas, pela falta de demanda para os incontáveis bens amontoados nos pátios das fábricas – abriu os olhos dos economistas para a falta de evidências empíricas para a Lei de Say. O que permitiu que a Lei de Say perdurasse por tanto tempo, do século XVIII às primeiras décadas do século XX? Não podemos imaginar que os economistas fossem todos equivocados e incapazes de reconhecer a realidade! A resposta mais adequada para isso é que construções mentais satisfatórias – e que nos chegam sob a forma da Ciência ou do senso comum – resistem às mudanças. Isso evidencia, mais uma vez, que as condições dadas para o acesso ao conhecimento devem ser investigadas, especialmente quando nos propomos à especialização dentro de uma área de saber. Figura 3 – A Lei de Say propõe que a oferta cria a sua própria demanda. Atualmente, os economistas consideram que essa proposição não tem validade, já que ela não explicaria as situações em que há oferta de bens e serviços sem que haja procura correspondente 19 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Vejamos, então, como se dá o processo de conhecimento. Conhecer algo ou estudar algum fenômeno requer que usemos nossa capacidade intelectual, nossa razão. A razão é, portanto, o ponto de partida para a aquisição do conhecimento. Segundo Chauí (2000, p. 70‑71): A consciência é a razão. Coração e razão, paixão e consciência intelectual ou moral são diferentes. Se alguém “perde a razão” é porque está sendo arrastado pelas “razões do coração”. Se alguém “recupera a razão” é porque o conhecimento intelectual e a consciência moral se tornaram mais fortes do que as paixões. A razão, enquanto consciência moral, é a vontade racional livre que não se deixa dominar pelos impulsos passionais, mas realiza as ações morais como atos de virtude e de dever, ditados pela inteligência ou pelo intelecto. […] Nós a consideramos [a razão] a consciência moral que observa as paixões, orienta a vontade e oferece finalidades éticas para a ação. Nós a vemos como atividade intelectual de conhecimento da realidade natural, social, psicológica, histórica. Nós a concebemos segundo o ideal da clareza, da ordenação e do rigor e precisão dos pensamentos e das palavras. Supõe‑se,assim, que a realidade seja dotada de uma racionalidade passível de ser percebida e apreendida pela nossa atividade intelectual. Por sua vez, a atividade racional, essa capacidade humana de apreender a realidade, pode ocorrer de dois modos: pela intuição (que está associada ao “ver” imediato, sem qualquer necessidade de prova ou demonstração, como se tivesse havido um “estalo” ou uma “revelação”) ou pelo raciocínio. Para efeito da nossa disciplina, interessa‑nos especialmente esse último, que se configura como razão discursiva e que se apresenta sob as formas de dedução e indução. Observação Propusemos, logo na apresentação do livro‑texto, a discussão sobre os métodos tradicionalmente utilizados pelos economistas para a investigação do seu objeto de estudo. Para que você possa compreender esse debate, consideramos necessário apresentar as principais características dos métodos racionais antes mencionados e que fazem parte do arsenal que os cientistas utilizam nas suas áreas de conhecimento. Segundo Chauí (2000, p. 82): Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a conhecimentos já adquiridos. Por isso, se costuma dizer que, no raciocínio, o intelecto opera seguindo cadeias de razões ou os nexos e conexões internos e necessários entre as ideias ou entre os fatos. 20 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Alguns exemplos clássicos podem nos ajudar a compreender melhor esses conceitos: a) no caso da dedução, parte‑se de uma premissa inicial e, com base nela, explicam‑se os casos particulares. Por exemplo: Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Portanto, Sócrates é mortal. b) no caso da indução, partimos de casos particulares para, em função deles, estabelecer uma regra geral. Por exemplo: João é homem e é mortal. Pedro é homem e é mortal. Paulo é homem e é mortal. Portanto, todos os homens são mortais. Exemplo de aplicação Tratando‑se de raciocínios dedutivos ou indutivos, precisamos distinguir a validade do argumento e a verdade da conclusão do argumento. Veja os exemplos a seguir: Exemplo 1 Assertiva 1: Todos os homens têm mais de 1,80 m de altura. Assertiva 2: João é homem. Conclusão: Logo, João tem mais de 1,80 m de altura. Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 1,80 m de altura é falsa ou verdadeira, considerando as assertivas 1 e 2? Exemplo 2 Assertiva 1: Todos os homens têm mais de 50 metros de altura. Assertiva 2: João é homem. Conclusão: Logo, João tem mais de 50 metros de altura. 21 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 50 metros de altura é falsa ou verdadeira, considerando as assertivas 1 e 2? Exemplo 3 Assertiva 1: As janelas do apartamento 1 deste edifício são brancas. Assertiva 2: As janelas do apartamento 2 deste edifício são brancas. Assertiva 3: As janelas do apartamento 3 deste edifício são brancas. Assertiva 4: As janelas do apartamento 4 deste edifício são brancas. (Este edifício tem apenas 4 apartamentos.) Conclusão: Logo, todas as janelas de apartamento deste edifício são brancas. Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores? Exemplo 4 Assertiva 1: As janelas do apartamento 1 deste edifício são brancas. Assertiva 2: As janelas do apartamento 2 deste edifício são brancas. Assertiva 3: As janelas do apartamento 3 deste edifício são brancas. Assertiva 4: As janelas do apartamento 4 deste edifício são brancas. (Este edifício tem apenas 5 apartamentos.) Conclusão: Logo, todas as janelas de apartamento deste edifício são brancas. Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores? Fonte: INDUÇÃO ([s.d.)]. De forma resumida, o método dedutivo parte de um princípio geral para explicar os casos particulares. Por exemplo, se alguém quiser traçar um perfil dos alunos que cursam Ciências Econômicas por meio de educação a distância, poderá levantar algumas hipóteses: são alunos que não têm tempo para assistir a 22 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I aulas presenciais; são alunos que moram distantes das universidades existentes; são alunos que preferem estudar segundo um ritmo diferente daquele utilizado nos cursos presenciais. Essas são hipóteses: quem reflete sobre o tema assume como prováveis essas características dos alunos de cursos a distância, sendo capaz de criar algumas regras explicativas. Em contrapartida, o método indutivo parte do particular para o geral. Usando o mesmo exemplo, pode‑se conversar com cada aluno do curso de Ciências Econômicas a distância, questionando‑o sobre os motivos para a escolha dessa modalidade. Após conversar com todos, seria possível, então, formular uma explicação geral – o estudo dos casos particulares permitiria a construção de uma explicação geral. Você já deve ter percebido o quão importante é a discussão a respeito das vias de acesso ao conhecimento. Portanto, o debate sobre as condições epistêmicas da geração do saber é fundamental, e não apenas uma discussão semântica sem qualquer utilidade! Apesar disso, o mainstream das Ciências Econômicas preferiu ignorar a precariedade das nossas formas de acessar o conhecimento sobre fenômenos como consumo e poupança, pobreza e riqueza. Certos de terem conseguido alcançar um conhecimento seguro sobre a realidade, os economistas fecharam os olhos para a fragilidade de pressupostos como a racionalidade e a motivação humana no sentido de otimizar a utilidade, princípios basilares das escolas clássicas e neoclássicas de pensamento econômico. Após ultrapassar os obstáculos que o debate sobre as condições do conhecimento instaurou no século XIX (e aqui é fundamental o papel desempenhado por John Stuart Mill, como veremos adiante), as Ciências Econômicas se acomodaram em relação aos seus pressupostos epistemológicos: tal como havia sido até então, pareciam soberanos os métodos da reflexão dedutiva e da abordagem histórica como formas seguras de se atingir o conhecimento sobre o mundo econômico. O confronto com a realidade aconteceria por meio da validação estatístico‑matemática dos dados coletados, e esse procedimento garantiria a validade dos modelos teóricos. Especialmente a partir do final do século XIX e do início do século XX, um manto de suave conforto cobriu os trabalhos dos pensadores econômicos: o consenso sobre as bases epistemológicas da Economia já estava estabelecido, acima de qualquer discussão. Estavam dadas as condições necessárias para a matematização da teoria econômica, e o crescente uso da matemática para a investigação das relações econômicas coroou essa certeza: alguns economistas chegavam a dizer que, entre as Ciências Sociais, a Economia era a ciência “mais exata” e, portanto, “mais próxima” da certeza. Não apenas as formas que utilizávamos para acessar o conhecimento eram excelentes como o resultado que obtínhamos era extremamente eficaz! Mas, afinal, quais eram as vias de acesso por meio das quais os economistas julgavam ser possível conhecer os atos e fenômenos econômicos? Ou seja, como os economistas pretendiam investigar as formas adotadas pela sociedade para a solução do problema da produção e consumo de bens e serviços, dadas duas condições: a escassez de recursos e as necessidadesilimitadas? 23 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Figura 4 – As Ciências Econômicas estudam como os seres humanos resolvem os problemas da produção e consumo de bens e serviços, dadas a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas De maneira geral e sistemática, grande parte dos economistas acomodou‑se com o uso de dois métodos: o hipotético‑dedutivo e o histórico‑dedutivo. De Smith aos dias de hoje, esses têm sido os instrumentos preferenciais dos economistas no estudo dos atos e fenômenos econômicos. O problema teórico central enfrentado pela economia e pelas outras ciências sociais é a escolha do método ou abordagem preferidos de investigação. Economistas clássicos como Smith, Malthus e Marx usaram essencialmente o método histórico‑dedutivo: tentaram generalizar a partir da observação da realidade econômica que os cercava. Ricardo desenvolveu modelos altamente dedutivos, mas os fatos básicos em que baseou seu raciocínio, como as maiores rendas recebidas pelos proprietários das terras mais produtivas, vieram de sua observação da realidade econômica. […] A redução da teoria econômica a modelos matemáticos possibilitada pela abordagem hipotético‑dedutiva aconteceria nos anos 1930, quando um grande número de engenheiros e físicos se juntaram à profissão (MIROWSKI, 1991). Keynes representou uma reação à primazia do método hipotético‑dedutivo na teoria econômica e a sua consequência, a tendência à “matematização” do pensamento econômico (BRESSER‑PEREIRA, 2009, p. 163‑164). O método dedutivo (histórico ou hipotético) consagrou‑se como instrumento preferencial nos estudos econômicos. Se houve alguma aproximação com o método indutivo (quer dizer, com o estudo de casos particulares para a formulação de regras gerais), isso ocorreu por meio de abordagens mais empíricas, especialmente as relacionadas às análises históricas e estatísticas: melhor dizendo, as relacionadas às análises de dados históricos submetidos ao rigor matemático. 24 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Na verdade, tanto as críticas passíveis de serem feitas ao método dedutivo quanto as relacionadas ao método indutivo foram (e ainda são, em grande parte) ignoradas pelos economistas. A despeito da segurança dos cientistas econômicos, o fato é que há problemas imensos com a qualidade de conhecimento que acessamos. Com a dedução, temos que lidar com as limitações provenientes dos sistemas lógicos de pensamento. Se a dedução parte da razão e da formulação de princípios gerais que explicam casos particulares, podemos ter que lidar com falhas lógicas (paradoxos e contradições, por exemplo) ou com erros na própria formulação dos princípios gerais. Supostamente, esses problemas poderiam ser controlados a partir do rigor com que os silogismos fossem formulados e a partir da consistência dos argumentos utilizados. No entanto, esse controle é relativo. Nossa capacidade de abstração e a nossa linguagem inserem vieses que, por sua vez, ocultam partes da realidade. Mais: mesmo que utilizemos a História como base para nossas reflexões dedutivas, não podemos esquecer o fato de que eventos novos, fora do comum, podem ocorrer. Imagine alguém fazendo uma análise histórica antes da Revolução Industrial ou da Revolução Francesa. Teria sido possível prever esses eventos? E, no entanto, eles ocorreram e passaram a ser admitidos em todas as análises históricas posteriores! Em relação à indução, temos que lidar com a possibilidade de erros na coleta de dados estatísticos, erros esses que podem inviabilizar os modelos que abstraímos dos dados. Temos que conviver, ainda, com o número limitado de observações e de casos particulares, e não há como ultrapassar essa dificuldade. Podemos identificar cem casos iguais e, na centésima primeira vez, termos que lidar com alguma anomalia. Em outras palavras, sempre será possível surgir um evento que seja completamente diferente dos anteriores. Assim, os métodos indutivos costumam chegar a resultados que estão associados a graus de probabilidade. Finalmente, é importante salientar que precisamos assumir nossa incerteza quanto à possibilidade de os sentidos serem capazes de apreender a realidade: nossas sensações, nossa experiência e nossos sentidos podem falhar (aliás, falham). Toda essa discussão ganhou, no máximo, um espaço diminuto nas notas de rodapé dos estudos econômicos. Para efeito da nossa disciplina, entretanto, precisamos nos aprofundar um pouco mais nessa questão. Tomemos Adam Smith: o método usado por Smith (e por outros tantos depois dele) foi o histórico‑dedutivo. A partir do conhecimento histórico, e em função de esse material permitir a criação de categorias generalizadoras, Smith acabou por formular alguns conceitos fundamentais sobre o ser humano enquanto agente econômico. Refletindo sobre a História, Smith foi capaz de deduzir algumas regras gerais que poderiam perfeitamente dar conta de explicar a natureza humana e suas manifestações quando da troca, compra e venda de bens e serviços. Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas. No caso de quase todas as outras raças de animais, cada indivíduo, ao atingir a maturidade, é totalmente independente e, em seu estado natural, não tem necessidade da ajuda de nenhuma outra criatura vivente. O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a autoestima dos outros, 25 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA mostrando‑lhes que é vantajoso para eles fazer‑lhe ou dar‑lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra (SMITH, 1996, p. 74). Observação Essas ideias de Smith permearam o pensamento clássico e deram origem à caracterização do Homo economicus como egoísta e movido pelo autointeresse, como veremos adiante. O que permitiu a Smith a elaboração desses conceitos foi o seu profundo conhecimento histórico e a observação da realidade. Esse material, objeto de reflexão racional e crítica, possibilitou a construção dos conceitos explanados em sua principal obra. Smith deduziu, a partir do conhecimento histórico. Mais um exemplo do uso primoroso do método dedutivo vem de David Ricardo (1772‑1823), outro economista clássico. Por exemplo, ao discutir a questão do valor comparado entre dois bens, Ricardo (1996, p. 30) afirma: Se uma peça de lã valer hoje duas peças de linho, e se, dentro de dez anos, o valor de uma peça de lã alcançar quatro peças de linho, poderemos com certeza concluir que será necessário mais trabalho para fabricar o pano, ou menos para fabricar as peças de linho, ou ainda que ambas as causas influíram. Ricardo faz suposições sobre as leis de funcionamento do sistema econômico. Ele reflete sobre a realidade que se apresenta aos seus olhos e deduz, de forma similar ao realizado por Smith a partir do material histórico. O método utilizado por Ricardo e Smith se repete na maioria dos trabalhos sobre sistemas econômicos. Bresser‑Pereira (2009) resume o contexto metodológico no qual está inserida a maioria das investigações dos atos e fenômenos econômicos: alguns economistas preferem o método hipotético‑dedutivo – a partir da adoção de uma premissa lógica, chega‑se a uma teoria suficientemente robusta (se completada com algumademonstração matemática, melhor ainda); outros economistas, no entanto, preferem o método histórico‑dedutivo – por meio do estudo da história e da observação da realidade, formulam‑se pressupostos gerais que apresentam bastante segurança na sua utilização. “Ambos são dedutivos, mas enquanto um é hipotético – partindo de um pressuposto – o outro é histórico – partindo de sequências observadas de fatos e mantendo‑se próximo a eles durante o processo dedutivo” (BRESSER‑PEREIRA, 2009, p. 165). Ainda para Bresser‑Pereira (2009, p. 167): […] dado que a economia […], cujo objeto é aberto e complexo – os sistemas econômicos –, argumento que a economia deve usar principalmente o método histórico‑dedutivo. Ela só deve recorrer secundariamente ao método hipotético‑dedutivo, aqui entendido como o processo de raciocínio 26 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I que parte do pressuposto da racionalidade econômica e deriva a teoria desse pressuposto básico. O uso do método hipotético‑dedutivo é legítimo, porque se presume que todas as ciências desenvolvam seus próprios conceitos e modelos heurísticos. Além disso, se entendermos que o objetivo da economia é explicar os sistemas econômicos e desenvolver ferramentas para entender os mercados, ela terá de usar o método hipotético‑dedutivo para desempenhar esse segundo papel. Mas o método histórico‑dedutivo deve ter precedência, porque a complexidade e o caráter de mudança dos sistemas econômicos tornam impossível derivar modelos relevantes apenas de algumas hipóteses. Vejamos agora um exemplo de aproximação com a modalidade empírica. O economista neozelandês William Phillips (1914‑1975) analisou alguns dados econômicos do Reino Unido referentes ao período de 1861 a 1957. A partir dos dados da realidade e da submissão desses dados ao tratamento matemático, Phillips identificou uma correlação negativa entre inflação e desemprego: quanto menor o desemprego, maior a inflação; em contrapartida, quanto maior o desemprego, menor seria a inflação. A hipótese explicativa para tal relação é a seguinte: quanto menor o desemprego, mais pessoas com recursos financeiros sairiam ao mercado em busca de bens e serviços. Caso a oferta desses bens e serviços não aumentasse, era provável que os preços aos consumidores aumentassem: haveria mais procura do que oferta de produtos, e a taxa de inflação aumentaria também. Em contrapartida, com uma maior taxa de desemprego, menos pressão haveria para aumento dos preços, já que menos pessoas estariam em condições de adquirir bens e serviços. Taxa de inflação Taxa de desemprego Figura 5 – A Curva de Phillips resulta da representação matemática da correlação negativa entre inflação e desemprego Observação Essa relação também foi demonstrada, posteriormente, por economistas americanos; sua aplicabilidade, entretanto, foi questionada quando da ocorrência – em várias economias – de altas taxas de inflação combinadas com elevadas taxas de desemprego. 27 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA O que Phillips fez foi coletar dados secundários (estatísticos) e, por meio da matemática, deduzir uma lei geral explicativa da relação entre inflação e desemprego. Como podemos caracterizar esse método, qual seja, o de usar o material histórico para a coleta de dados secundários a serem submetidos ao tratamento matemático e, posteriormente, à análise dedutiva? Para Bresser‑Pereira (2009), aqui está configurado um método empírico‑dedutivo, similar ao histórico‑dedutivo. Assim, ele afirma: […] o método histórico‑dedutivo é “histórico” porque parte da observação da realidade empírica e procura generalizar a partir dela; […] e, finalmente, é indutivo porque testa as hipóteses sempre que possível, com ferramentas econométricas que são intrinsecamente indutivas (BRESSER‑PEREIRA, 2009, p. 171). Na concepção de Bresser‑Pereira, o empirismo estaria relacionado à observação da realidade (ou seja, a dados da realidade sob a forma estatística); o fato de as conclusões terem como base dados reais, portanto, configuraria essa forma de conhecimento como próxima a outros métodos indutivos. Na nossa percepção, e isso poderá ser visto adiante, a utilização do método indutivo difere do que é aqui proposto por Bresser‑Pereira; de qualquer forma, é inegável existir uma tentativa de os economistas se aproximarem da realidade e do estudo de casos particulares, mesmo que apenas para efeito de validação matemática. É importante salientar que essa hegemonia em relação à discussão epistemológica referente às Ciências Econômicas encontrou algumas exceções, sendo John Stuart Mill (1806‑1873) a mais notável. Inglês dos Oitocentos, Stuart Mill, como típico homem de seu tempo, viveu o apogeu da Revolução Industrial e as grandes transformações científicas que marcaram a História, não ficando imune às ideias então disseminadas. A burguesia, a grande vitoriosa da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, pretendia conhecer o mundo que a cercava. Os ideais iluministas – justamente os que pregavam o uso da razão – influenciaram uma geração inteira de pensadores, todos eles dedicados ao estudo do conhecimento e dos critérios de cientificidade de suas respectivas áreas. Discutia‑se, acima de qualquer coisa, qual seria o melhor modelo de Ciência, e a influência de Newton e Darwin era notável. As pesquisas à época buscavam descobrir a “mecânica” dos fenômenos para, por meio da formulação de leis explicativas, dar sentido aos fatos da natureza e da própria sociedade (SANTOS; JUDENSNAIDER, 2015). O raciocínio lógico‑matemático pretendia conhecer a realidade e interpretá‑la, utilizando um método científico infalível e livre de visões parciais. O pano de fundo de tal pensamento alinhava‑se com os desenvolvimentos técnicos que melhoravam as condições de vida dos homens, não havendo espaço, portanto, para sistemas metafísicos ou crenças supersticiosas – afinal de contas, a razão deveria ser enfatizada por meio da experiência e do empirismo (SANTOS; JUDENSNAIDER, 2015, p. 63). Acima de tudo, preconizava‑se que as verdadeiras ciências deveriam ter como base metodológica a observação e a experiência. Os métodos aplicados nas ciências físicas, químicas e biológicas poderiam (e deveriam) ser utilizadas também nas Ciências Sociais. Tendo isso em mente, e tomando como 28 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I modelo a Física de Newton, o positivismo se estruturou como corrente de pensamento: era necessário observar a natureza, coletar dados in loco e experimentar. Qualquer conhecimento que não tivesse como origem o escopo da experiência e da observação – conhecimento esse, portanto, proveniente dos sentidos – não tinha valor. Qualquer conhecimento do qual não pudessem ser derivadas leis explicativas não serviria para coisa alguma. John Stuart Mill aproximou‑se bastante dos pensadores positivistas, inclusive do seu principal formulador, Auguste Comte (1798‑1857). Talvez já seja possível perceber o conflito que o contato entre o pensamento econômico e o positivismo faria surgir: como atribuir estatuto científico às Ciências Econômicas se elas não tinham como base o método indutivo, se elas não partiam da experiência como fonte do conhecimento, se elas majoritariamente utilizavam a dedução como pressuposto epistemológico? O Universo era um grande organismo e haveria uma grande lei que pudesse explicar todo o seu funcionamento: para os estudiosos da Economia Política, isso significava a busca da demonstração da superioridade da ordem burguesa por meio da matemática.Talvez isso explique a busca por um “aparato metodológico‑formal capaz de dar à economia roupagem formal semelhante à da física clássica” (PAULA, 2002, p. 137) e a constância de metáforas derivadas da física e da biologia nos textos econômicos (JUDENSNAIDER, 2012, p. 55). Sob influência do positivismo comtiano, Mill tentava sintetizar o conhecimento econômico até então gerado com os desenvolvimentos metodológicos e epistêmicos da Física, da Química e da Biologia. A tarefa não era fácil: tratava‑se, afinal, de propor a indução como método para uma área que – até aquele momento – havia se desenvolvido por meio de abordagens dedutivas e históricas. Mill acabou por não resolver o dilema que para si mesmo havia proposto. No entanto, o debate que ele fez surgir mostrou o quanto ainda havia a ser discutido em relação aos pressupostos epistemológicos da investigação econômica. E, finalmente, de maneira até paradoxal, Mill acabou por lançar as bases para que a dedução se tornasse o grande instrumento de análise dos economistas, fazendo isso por meio da elaboração do conceito de Homo economicus. Para que os atos econômicos pudessem ser estudados dedutivamente, era necessária uma premissa inicial. Vocês estão lembrados da premissa do silogismo sobre a mortalidade de Sócrates? Pois bem, era preciso que o raciocínio todo partisse de uma ideia básica, e essa premissa deveria conter a natureza humana que justificasse os atos econômicos. Em outras palavras, era necessário descrever o ser humano enquanto agente de atos econômicos. Quem era esse agente, como ele se comportava e quais eram suas motivações? Segundo Souza (2015), partindo da herança filosófica do Iluminismo (que pregava a razão como motor das ações humanas), Stuart Mill (e isso acabou sendo desenvolvido também por seus sucessores) “desenhou” um modelo ideal do agente econômico que acabou por fortalecer: a) uma ferramenta analítica; 29 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA b) um modelo ideal de comportamento econômico, tendo como base uma natureza humana conduzida pela racionalidade; c) a indicação desse modelo não apenas como instrumental hipotético, mas até mesmo como valor ético a ser defendido. Em outras palavras: ao definir o agente econômico como um ser racional que sempre procurava otimizar o prazer e a satisfação, Mill e seus sucessores acabaram por definir não apenas como a natureza humana supostamente era, mas como deveria ser. Afinal, para uma ciência que pretendia criar leis explicativas, era fundamental que pudessem ser feitas previsões; para que fosse possível prever, era obrigatório que o comportamento econômico fosse passível de compreensão em termos de causas e efeitos. Parece claro, portanto, que para qualquer formulação do tipo “se X, então Y” era proibitivo supor um comportamento irracional e imprevisível. Era condição necessária que os atos desse indivíduo pudessem ser previstos; caso contrário, toda a iniciativa de explicação daria em nada. Esse parecia ser o caminho certo, e […] eventualmente a noção de indivíduo foi simplificada, permitindo a utilização do Homo economicus como uma ferramenta de estudo dos fenômenos econômicos. Porém, as diversas transformações nas teorias econômicas durante o século XIX levaram a abstrações cada vez maiores e o desaparecimento de algumas dimensões originais do conceito. Mudanças na noção de ciência durante [as] primeiras décadas do século XX levaram economistas a tentarem livrar suas teorias de qualquer referência a aspectos psíquicos dos indivíduos (SOUZA, 2015, p. 1). O modelo de racionalidade enfim adotado partia das seguintes premissas, herdeiras dos trabalhos de Descartes e Locke: a) os sentidos contaminavam a percepção da realidade; portanto, apenas a atividade racional era capaz (e deveria ser capaz) de conhecer o mundo; a racionalidade não era, assim, apenas uma característica possível de ser observada em algumas pessoas, mas uma condição necessária; b) o ser humano era (e precisava ser) autônomo, livre da pressão e da influência de costumes, paixões ou fontes de autoridade; c) para lidar com uma natureza objetiva, o homem desenvolvera (ou precisava desenvolver) uma natureza também objetiva, portanto racional. Como consequência disso, imaginava‑se um indivíduo centrado na promoção daquilo que atendia ao seu autointeresse. Ele não levantava de manhã para trabalhar porque devia, mas porque precisava. Ele não dava desconto no preço para um cliente porque era generoso, mas porque precisava vender. Como diria Smith (1996, p. 74): 30 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I Dê‑me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer — esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Segundo esse modelo, o ser humano desejava a riqueza e fazia tudo para conquistá‑la. Ainda, ele não sentia prazer pelo trabalho: ele trabalhava apenas por que essa era a condição necessária para sobreviver. Ele desejava o conforto material (procurava sempre aquilo que pudesse lhe dar esse prazer) e tinha um impulso natural de aumentar a prole. Thomas Malthus (1776‑1834), outro pensador clássico, também havia desenvolvido raciocínio similar. Ao descrever a natureza humana como condicionada pelo autointeresse e pelos instintos sexuais, Malthus elaborou uma interessante teoria a respeito das relações econômicas e demográficas oriundas dessa natureza, a partir de dois postulados: Primeiro: Que o alimento é necessário para a existência do homem. Segundo: Que a paixão entre os sexos é necessária e que permanecerá aproximadamente em seu atual estágio. Essas duas leis, desde que nós tivemos qualquer conhecimento da humanidade, evidenciam ter sido leis fixas de nossa natureza e, como nós não vimos até aqui nenhuma alteração nela, não temos o direito de concluir que elas nunca deixarão de existir como existem agora, sem um pronto ato de poder daquele Ser que primeiro ordenou o sistema do universo e que para proveito de suas criaturas ainda faz, de acordo com leis fixas, todas estas variadas operações. […] Então, adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de crescimento da população é indefinidamente maior do que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem (MALTHUS, 1996, p. 146). Figura 6 – Embora muitas ideias de Malthus tenham sido negadas pelos teóricos posteriores, é inquestionável a dimensão do problema da fome no mundo em face do crescimento populacional e da pouca disponibilidade de alimentos 31 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA O esforço de Mill consistira na simplificação da psicologia humana de forma a ser possível representá‑la em (ou reduzi‑la a) uma abstração útil em termos de ferramenta analítica. Isso foi feito com tamanha competência que as críticas a esse modelo ideal não foram capazes de perturbá‑lo demasiadamente. Assim, aspectos históricos associados a valores morais ou econômicos ficaram de fora do modelo. Da mesma forma, crenças e atitudes que não se encaixavam no contexto do utilitarismo racional foram deixadas de lado. Afinal, segundo Torres (2013, p. 1), […] o Utilitarismo é uma teoria sobre os fundamentos da conduta moral e sobre o critério que, em última análise, permite‑nos avaliar e julgar as ações que praticamos, as condutas quedevemos seguir e as normas que devemos adotar no curso de nossa vida. E a tese fundamental do Utilitarismo é que o procedimento recomendado para tais avaliações é o de determinar em que medida o que fazemos contribui, não para a felicidade individual, mas para a felicidade global de todos os seres vivos do mundo em que vivemos. A diretriz geral proposta para tais avaliações é, pois, a de que elas têm que se concentrar no cálculo das consequências do que fazemos. O conceito de um mundo naturalmente inclinado ao equilíbrio dava o reforço necessário para a compreensão desse agente econômico. Num ambiente como que controlado por mãos invisíveis (como o descrito por Newton na sua Física), era razoável que o ser humano também se comportasse diante de premissas racionais, equilibradas e determinísticas. A revolução marginalista nada mais fez do que centrar seus trabalhos nessas premissas. Para os economistas marginalistas, o mercado era formado por um número imenso de produtores e consumidores, incapazes, individualmente, de influenciar preços e quantidades. Os consumidores buscavam otimizar sua satisfação e os produtores, os lucros. Não havia conflito entre as classes sociais, mas equilíbrio. Segundo Souza (2015, p. 7), os marginalistas apresentaram […] os indivíduos como o locus da causalidade nos fenômenos econômicos. O argumento é que os indivíduos são as melhores unidades de análise da vida econômica porque seu comportamento é entendido através da escolha, sendo a escolha do indivíduo uma expressão de seus gostos e desejos através da aplicação de princípios marginalistas. Para Morgan (1996), esses princípios marginalistas não são nada mais do que a inclusão de conceitos matemáticos – maximização e métodos do cálculo diferencial – no arcabouço do Homo economicus. Através dessa inclusão, é possível explicar o comportamento dos mercados, pois são os princípios marginalistas que estabelecem os preços ao determinarem a demanda e a oferta (DAVIS, 2003, p. 25‑26). Em consequência, o Homo economicus derivado desses pressupostos poderia ser caracterizado da seguinte forma: a) ele era capaz de calcular a utilidade proveniente de cada bem ou serviço consumido; 32 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I b) o cálculo matemático da utilidade recebida indicava as melhores e racionais escolhas de consumo que tinham como objetivo principal a maximização do prazer. O cálculo da utilidade poderia ser realizado a partir de duas variáveis associadas ao consumo: intensidade e duração. Melhor do que isso, impossível – estavam dadas as condições para a análise e a demonstração matemática da otimização do prazer. A psicologia do comportamento cedia espaço, definitivamente, para uma Física econômica: nenhuma sensação ou valor emocional era capaz de atormentar esse ser racional que possuía as informações necessárias para tomar a melhor decisão dentro de bases racionais. Veja a seguir uma demonstração matemática típica dessa formulação teórica. Como é possível verificar, a função matemática descreve com perfeição o comportamento desse ser racional e otimizador de utilidade. No nosso exemplo, supomos que um agente consuma uma cesta exclusivamente composta de dois bens: x e y. O agente, em seu comportamento padrão, buscará o consumo máximo dos dois bens. y x U Figura 7 – A Curva de Indiferença do Consumidor mostra que, em qualquer cesta de consumo que combine quantidades de x e y nas proporções da curva U, o consumidor estará igualmente satisfeito É importante reforçar este ponto: embora ocorrendo de forma esporádica, as investigações que introduziram mudanças importantes, inclusive na noção do Homo economicus, foram absorvidas pela escola neoclássica, principal vertente do mainstream do pensamento econômico. Essa escola conseguiu, por muito tempo, relegar as condições psicológicas do comportamento a um plano inferior. Se ocorreram críticas, elas acabaram por se acomodar ao corpus teórico já existente. Por exemplo, Alfred Marshall (1842‑1924), um dos maiores nomes dessa escola de pensamento, partiu da premissa de que o ser humano era uma máquina de prazer. Ele nascia e crescia com o objetivo de desenvolver a sua capacidade de calcular, matematicamente, os lucros e as perdas que poderiam ser auferidos e, a partir disso, organizar a própria vida. Era como se cada indivíduo pudesse se transformar numa máquina calculadora psicológica, incapaz de cometer erros. A esse quadro, Marshall adicionou o conceito de equilíbrio. Marshall estava primariamente interessado na natureza autoajustadora, autocorretiva do mundo econômico. Como seu mais brilhante pupilo J. M. 33 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 PSICOLOGIA ECONÔMICA Keynes escreveria mais tarde, ele criou “um completo sistema copernicano, no qual todos os elementos do universo econômico são mantidos em seus lugares por mútuos contraponto e interação” (HEILBRONER, 1996, p. 185). Fugindo da armadilha das anomalias psicológicas dos agentes econômicos, estava pronto o contexto que permitiria o equilíbrio. Na escola neoclássica, o conceito de racionalidade do comportamento chegava à sua mais perfeita formulação. Claro que não havia como eliminar o efeito do tempo na análise econômica, mas, para evitar que essa variável pudesse causar problemas, […] tempo, para Marshall, era tempo abstrato; era o tempo no qual as curvas matemáticas separavam‑se e experiências teóricas poderiam ser realizadas e repetidas, mas não era o tempo em que nada realmente verdadeiro acontecia. Quer dizer, não era o fluxo irreversível do tempo histórico – e, acima de tudo, não era o tempo histórico no qual Marshall vivia (HEILBRONER, 1996, p. 187). Assim, o primado da racionalidade foi se estabelecendo a partir de alguns pressupostos, alguns já nossos conhecidos: a) o indivíduo tem preferências definidas, que não mudam de forma arbitrária; b) o indivíduo sempre prefere uma maior quantidade de bem; c) o indivíduo sempre procura alcançar o máximo de satisfação; hedonista, a sua busca pelo prazer sempre o leva a tomar a decisão que o conduz a um nível máximo de satisfação; d) quanto menor a quantidade possuída do bem, menos disposto o indivíduo estará em renunciar a uma unidade, mesmo que em troca de um outro bem; ele só o fará assim se o total de satisfação se mantiver o mesmo, apesar da nova combinação de bens. Em seu cerne, a teoria da racionalidade, repousando sobre os pressupostos acima, postula que as pessoas usam informações disponíveis e relevantes para prever o futuro provável de variáveis econômicas e não cometem erros sistemáticos ao fazer essas previsões. […] Mesmo se cometerem erros, aprenderão a partir deles, de maneira que os erros previsíveis serão eliminados. Não se apoiando apenas na experiência passada, mas recorrendo também a informações atuais, usam‑nas de modo ótimo, ainda que não possam alcançar toda a informação possível, pois esta é, muitas vezes, cara ou indisponível, ou tampouco a analisem em profundidade, mas, gradualmente, aprendem a antecipar mudanças das políticas macroeconômicas e modificam seu comportamento em decorrência disso (FERREIRA, 2007b, p. 10). 34 Re vi sã o: R ic ar do - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 03 /2 01 7 Unidade I 2 AS CRÍTICAS AO HOMO ECONOMICUS É claro que, embora hegemônica, essa forma de pensar o Homo economicus foi alvo de reflexão. Thorstein Veblen (1857‑1929), por exemplo, questionou os pressupostos de racionalidade e otimização hedonista do agente econômico. Segundo Souza (2015, p. 8), Thorstein Veblen refuta o “hedonistic man” – o uso da
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