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2 No tempo da indústria S S P L /G e t t y I m a G e S 90 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 90 04/05/16 11:48 91 Revolução Industrial Expansão do capitalismo Unificações da Itália e da Alemanha A organização dos operários Ideias socialistas O nacionalismo na Europa “[...] a Revolução Industrial criou o mundo mais feio no qual o homem jamais vivera, como testemunhavam as lúgubres, fétidas e enevoadas vielas dos bairros baixos de Manchester [centro industrial da Inglaterra]? [...] Ninguém podia negar que havia uma pobreza espantosa. Muitos sustentavam que estava mesmo aumentando e se aprofundando. E ainda assim, pelos eternos critérios que medem os triunfos da indústria e da ciência, poderia até mesmo o mais lúgubre dos observadores racionalistas sustentar que, em termos materiais, o mundo estava em condições piores do que em qualquer época anterior [...]? Não poderia.” HOBSBAWM, Eric J. A era das revolu•›es: (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 322-323. As ferrovias construídas com mão de obra masculina e adulta se espalharam por grande parte do mundo no século XIX. A imagem é da construção da ferrovia entre as cidades inglesas de Liverpool e Manchester, inaugurada em 1830, a primeira a transportar também passageiros, além de mercadorias. Gravura de William Smoult. Coleção particular. HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 91 04/05/16 11:48 Quando a indústria têxtil, tanto a de lã quanto a de algodão, utilizou a força motriz do vapor para impulsionar as suas recém-criadas máquinas, nas últimas décadas do século XVIII, houve um impressionante crescimento na produção de tecidos. Foi uma revolução. Depois, essa energia foi utilizada nas locomotivas, já no início do século XIX, puxando vagões de carga e, com o tempo, vagões para passageiros. Em seguida, o vapor passou também a impulsionar navios. Foi uma outra revolução, a dos transportes. E todas essas transformações começaram na Inglaterra. Neste capítulo, vamos analisar o processo de transição do mundo ocidental em direção ao capitalismo, ocorrido a partir do fim do século XVIII, que teve como pioneira a Inglaterra e sua Revolução Industrial. T h e G r a n G e r C o l l e C T io n , n o v a Y o r k /F o T o a r e n a O capitalismo industrial A Revolução Indus- trial fez duas classes ou grupos sociais se tornarem os princi- pais protagonistas da História no mundo ocidental, substituindo os nobres e os cam- poneses. Quais foram esses grupos? 6 Na imagem, a fábrica de James Watt e seu sócio, Matthew Boulton, na cidade de Birmingham, centro da Inglaterra. A fábrica produzia motores a vapor no final do século XVIII. Gravura francesa do século XIX. Coleção particular. 92 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 92 04/05/16 11:48 Thomas Newcomen cria a primeira máquina a vapor com resultados satisfatórios. Cronologia deste capítulo 1712 1 O conceito de Revolução Industrial Ficaram conhecidas como Revolução Industrial as transformações econômicas ocorridas na Grã-Bretanha a partir das últimas décadas do século XVIII, tempo em que a máquina a vapor passou a ser sistematicamente utilizada na produção de mercadorias, em especial na fabricação de tecidos, na mineração e na metalurgia. Tais transformações levaram à implantação da indústria contemporânea. Cria- ram-se, ainda, novos mercados consumidores, muitos pela força das armas. A�nal, à medida que se industrializavam, os países precisavam ampliar mercados em vá- rias partes do mundo. Essas mudanças não foram rápidas: ocorriam desde o início da Época Moder- na, com a expansão marítima, que colocou em contato regiões muito distantes. Mas foi na segunda metade do século XVIII e no início do XIX que as mudan- ças se aceleraram, con�gurando a Revolução Industrial. Alguns historiadores distinguem, na verdade, dois momentos da Revolução Industrial: • Primeira Revolução Industrial, compreendida entre �ns do século XVIII e a década de 1830. O foco foi a renovação do sistema fabril ligado à produção de tecidos de algodão; • Segunda Revolução Industrial, cujo apogeu ocorreu a partir de 1850 e é ca- racterizada pelo avanço da metalurgia, sobretudo da indústria do ferro, e pela construção de ferrovias. Quando a Inglaterra virou Grã-Bretanha? É comum os livros de História tratarem os ter- mos “inglês” e “britânico” como sinônimos. Se isso não chega a ser errado, com certeza é inexato. A Inglaterra, na verdade, é o principal país da Grã-Bretanha, mas não o único. A unificação da Grã-Bretanha deu seu primeiro passo ainda no século XVI, quando o rei Henrique VIII anexou o País de Gales à Coroa inglesa. Embo- ra a dinastia Stuart tenha reinado na Inglaterra e na Escócia durante o século XVII, os reinos perma- neceram separados. A Grã-Bretanha propriamente dita somente sur- giu após a Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688. Em 1707, o Ato de União reuniu os parlamentos da Inglaterra e da Escócia. Um novo Ato de União, firmado em 1800, incluiu a Irlanda, e assim, no sé- culo XIX, surgiu o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, tendo Londres como sede da monarquia. Ainda assim, Escócia e Irlanda mantiveram elevado grau de autonomia. Com a independência do sul da Irlanda, reco- nhecida pela Inglaterra em 1921-1922, a Grã-Bre- tanha passou a ser chamada de Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Assim, o mais correto é usar os termos Grã-Bretanha e britâni- cos para os séculos XVIII e sobretudo XIX. Antes não havia britânicos, mas ingleses, escoceses e irlandeses. • Durante o século XIX os britânicos e suas companhias de comércio se espalharam pelo mundo, dominan- do política ou economicamente grande parte dele. O território que ocupavam passou a ser denominado, então, de Império britânico. Esse império ainda existe? Pesquise. 93 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 93 04/05/16 11:48 Pintura a óleo do início do século XVIII, retratando os campos cercados da zona rural inglesa. Ela está localizada no Museu Real de Armas, em Leeds, Grã-Bretanha. AutoriA desconhe- cidA. PersPectivA de LittLecote. c.1720. John Kay cria a lançadeira mecânica. John Wyatt inventa a primeira máquina de fiar. 1733 2 Pioneirismo britânico: explicações No �nal do século XVII, a Inglaterra era um país rico, com a maioria da popu- lação vivendo no campo. Em 1700, a população girava em torno de 6 milhões de pessoas, com cerca de 70% ocupadas nas atividades agrárias. A produção agrícola, entretanto, vinha sofrendo mudanças importantes. Nos campos e pastos antes deixados em pousio, introduziu-se o plantio de outras culturas, em especial a do nabo e da batata, que não desgastavam o solo e forneciam mais alimentos. Alguns estudiosos denominam essa etapa de “revolução agrícola”. Na pecuária, a estocagem de forragens, como o feno, melhorou a quali- dade do gado bovino e ovino, sendo este último a principal fonte de matéria-prima da manufatura inglesa: a lã. Foi importante também o rápido aumento no processo de cercamento das terras comuns, que ocorria há séculos na Inglaterra, mas que sofreu enorme impulso na se- gunda metade do século XVIII e início do século XIX. As terras comuns eram aque- las que os camponeses e os aldeões, embora não fossem os proprietários, tinham o direito de utilizar para caçar, pescar, retirar lenha e madeira e usar como pasto. Por meio dos chamados cercamentos (enclosures), o governo inglês livrava os proprietários de qualquer tipo de restrição quanto ao uso de suas terras, incluindo as comuns, podendo vendê-las ou arrendá-las. Houve, na verdade, uma rede�nição da propriedade agrária e das relações de trabalho no campo. Como todas as terras, incluindo as comuns, passaram a ser alienáveis, os campone- ses não puderam mais usá-las em proveito próprio. Passaram a trabalhar por jornada para os proprietários ou arrendatários mais ricos ou migraram para outros lugares. O rompimentoda forma tradicional com a qual os trabalhadores rurais se relacionavam com a terra e as novas condições agrárias representaram um duro golpe ao campesinato: o contrato de trabalho passou a ser individual, e não mais por grupo familiar. Embora não tenha sido um processo imediato, a verdade é que o “trabalho camponês familiar” desapareceu. Com o cercamento dos campos, os proprietários ou os arrendatários mais ri- cos puderam introduzir novos métodos agrícolas e de criação de animais, como o rodízio de cultura, e ampliar o uso do arado triangular (que reduziu o custo de preparação do solo), da semeadeira mecânica e de adubos. Com o aumento da produtividade das terras em decorrência das novas técnicas, só acessíveis aos mais ricos, o preço do arrendamento subiu muito e os pequenos arrendatários não puderam mais arcar com o aluguel. Acabaram expulsos da terra, assim como os camponeses proprietários de pequenos lotes, pressionados a vendê-los. Em 1700, estima-se que metade das terras cultiváveis inglesas ainda era utili- zada por meio da exploração dos campos comuns. Ao �m do século XVIII, eles praticamente já não existiam. O �m das terras comuns e o cercamento dos campos concentraram a propriedade fundiária nas mãos de cada vez menos pessoas. Pousio u técnica agrícola em que a terra é deixada sem cultivo com o objetivo de recuperar os nutrientes do solo. Alienável u passível de ser vendido. Arrendatário u aquele que aluga um pedaço de terra. 94 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 94 04/05/16 11:48 James Hargreaves inventa a spinning jenny, máquina que revolucionaria o processo de fiação do algodão. 1767 Batata e indústria A batata é um tubérculo originário da região sul-americana dos Andes, onde estão atualmente o Peru e a Bolívia. Foi introduzida na Europa logo após a Conquista, no século XVI, mas só era usada para consumo dos animais. Havia grande preconceito em utilizá-la, pois a base da alimentação europeia eram os cereais, como o trigo e o centeio, e os tubérculos eram con- siderados indignos para alimentação humana. Foi na Irlanda que o consumo de batata se popularizou desde o século XVII, mas somente no século XVIII ela passou a ser um dos principais alimentos das populações mais pobres não só na Irlanda, como em toda a Grã-Bretanha. A grande vantagem da batata é seu alto grau de resistência, pois suas raízes ficam armazenadas e preservadas no solo, brotando sem necessidade de novo plantio. O fato de a população pobre da Irlanda depen- der quase que exclusivamente da batata foi, em certa ocasião, desastroso. Entre 1845 e 1847, um fungo destruiu praticamente toda a produção ir- landesa de batata. Surgiu então a “Grande Fome”, e milhares de pessoas se dirigiram para a Inglater- ra, aumentando a oferta de trabalhadores para a indústria ferroviária, em franca expansão, ou imi- graram para a América. Nos anos que se seguiram à “Grande Fome”, a população da Irlanda diminuiu em cerca de 2 milhões de pessoas. OUTRA DIMENSãO cOTIDIANO A pintura Comedores de batata, de Vincent van Gogh, de 1885, retrata camponeses holandeses no momento da refeição. A batata aparece como o único alimento, evidenciando a vulgarização de seu consumo entre a população mais pobre da Europa. Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda. • Em grupo, discutam e respondam às questões abaixo: a) Durante a “Grande Fome”, muitos indivíduos morreram por doenças relacionadas à pobreza nutricional da alimentação. Era frequente que pessoas sucumbissem a doenças que seriam curadas facilmente caso elas tivessem acesso a uma alimentação rica em nutrientes. Relacione, na perspectiva da nutrição atual, a falta de imunidade do organismo ao consumo de somente um tipo de alimento. b) Na época da “Grande Fome”, toda a ilha da Irlanda fazia parte do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, tendo Londres como sede da monarquia. As políticas londrinas para resolver o problema da fome na Irlanda foram desastrosas e pouco eficientes. Alguns políticos ingleses chegaram a afirmar que a culpa era do próprio povo irlandês, e não consideravam um problema vê-lo migrar para as grandes cidades in- dustriais da Grã-Bretanha. Qual pode ser a lógica econômica dessa política? v in c e n t v A n G o G h . t h e P o t A t o e A t e r s . 1 8 8 5 95 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 95 04/05/16 11:48 Farta mão de obra O cercamento dos campos foi elemento decisivo para o desenvolvimento da indústria. Com o aumento da produtividade por meio do avanço técnico da agri- cultura, permitiu-se a produção de matéria-prima para as fábricas. As transforma- ções no campo também resultaram em mais alimentos para a população e, como consequência, em menos mortalidade, o que representou aumento demográfico. Um grande contingente de trabalhadores passou a se ocupar de outras atividades, como nas minas de carvão e de ferro e nas fábricas nascentes. O excesso de pessoas sem trabalho fez com que surgissem, desde o século XVI, Leis Anti vadiagem, que podiam punir até com a morte pessoas que não trabalhassem. É certo que essas mu- danças transformaram profundamente o universo econômico e cultural dos antigos camponeses, que tiveram de se submeter a uma ordem nova: a do capital. Tornaram- -se assalariados no campo e nas cidades. A mão de obra das primeiras fábricas têxteis inglesas, no final do século XVIII, resultava também do aumento demográfico. Nessa época, houve um aumento da po- pulação urbana e rural na Grã-Bretanha, que saltou dos 6 milhões para 10 milhões de pessoas, em fins do século XVIII, e para impressionantes 18 milhões na década de 1840. Redes fluviais O pioneirismo inglês na industrialização ocorreu, ainda, devido à existência de amplas vias fluviais. Elas viabilizaram um rápido e eficiente sistema de transportes entre o interior e os portos marítimos, além de serem mais econômicas do que as terrestres no transporte de mercadorias pesadas ou volumosas, como o carvão. Desde o século XVI, os ingleses se preocuparam em melhorar as vias fluviais para fornecer carvão aos moradores das cidades, que o utilizavam para cozinhar alimentos e se aquecer, e às pequenas fábricas (panificações, forjas, curtumes, re- finarias de açúcar e cervejarias). Para isso, alteravam o curso dos rios e abriam canais. Quando começou a industrialização, havia cerca de 2 mil quilômetros de águas navegáveis na Inglaterra. Até o final do século XVIII, foram construídos outros mil quilômetros, o que criou boas condições às novas fábricas para receber matéria-prima e escoar mercadorias. Em resumo, a Revolução In- dustrial ocorreu especialmente na Inglaterra por um conjunto de fatores. Embora restrita a alguns produtos e centralizada em certas regiões, transformou a Inglaterra na principal economia do mundo. O aqueduto representado na gravura ao lado foi construído para que os navios atravessassem o rio Irwell, entre as cidades de Manchester e Leigh, na Inglaterra. Foi encomendado para o transporte de carvão de minas em Worsley para Manchester e inaugurado em 1761. Coleção particular. W o r L d h is t o r y A r c h iv e /A L A m y /F o t o A r e n A James Watt patenteia uma máquina a vapor eficiente. Richard Arkwright cria a fiandeira hidráulica, a water frame. 1769 96 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 96 04/05/16 11:48 3 Tecnologias: o papel da máquina a vapor Desde o século XVI, o vapor era visto como uma possibi- lidade de fonte de energia na exploração do ferro e do car- vão, em especial para bombear as águas que com frequência inundavam as minas. Nenhuma das máquinas a vapor criadas, porém, mostrava- -se e�ciente. Somente em 1712, após anos de trabalho, o in- glês Thomas Newcomen aprimorou uma máquina para reti- rar água das minas e distribuí-la às cidades. O custo da máquina de Newcomen era muito elevado. James Watt, em 1769, melhorou essa máquina, baixando os custos de produção. Com isso, ela foi adaptadapara diversos usos industriais, alcançando sucesso num ramo especí�co da indústria inglesa: a fabricação de �os e tecidos de lã e de algodão. Os aprimoramentos na �ação e tecelagem da lã ocorriam havia muito tempo. No século XVIII, a Inglaterra produzia tecidos de lã �nos e bem aceitos no mer- cado externo. O mesmo não ocorria com os tecidos de algodão, pois não havia técnicas para produzir �os �nos e resistentes. Para não arrebentar, o �o de algodão era feito junto com o linho, o que resultava em um produto de qualidade inferior. Assim, o grande investimento tecnológico no setor têxtil se dirigiu para a produ- ção de tecidos de algodão. Inovações mecânicas na fiação Até a Revolução Industrial, produzir �os que depois se transformariam em um tecido era tarefa demorada. As �andeiras manuais faziam somente um �o de cada vez. O desa�o tecnológico era o de fazer mais �os em menos tempo. Conseguiram. Inventaram máquinas com mais fusos trabalhados por somente uma pessoa, como a de James Hargreaves, que desenvolveu a spinning jenny, em 1767, que consistia em uma roda com oito fusos trabalhados com a mão. Com o tempo, essa máqui- na foi aperfeiçoada e, no �nal do século XVIII, as maiores máquinas desse tipo possuíam até 120 fusos. A spinning jenny foi um sucesso absoluto: por ser barata e de fácil manuseio, acabou adotada por �andeiras de toda a Inglaterra, que se mantinham trabalhando no espaço doméstico. Pouco tempo depois da invenção da spinning jenny, em 1769, surgiu uma �an- deira mais potente, movida pela força da água. Era a �andeira hidráulica (wa- ter frame), criada por Richard Arkwright, que permitia produzir �os de algodão resistentes sem mistura com o linho. Essa máquina era de fácil manuseio e, por isso, não requeria mão de obra especializada. Mas tinha alguns inconvenientes: era muito cara e precisava ser instalada ao lado de um rio. Foi uma máquina industrial desde o início, principalmente na região de Lancashire, no noroeste da Inglaterra. O grande desa�o foi usar o vapor para impulsionar essas máquinas, tecnologia desenvolvida em 1785 pelos sócios James Watt e Matthew Boulton. Ficaram muito mais rá- pidas e e�cientes. Além do mais, as fábricas se libertaram da necessidade de estar próximas a rios. Abriu-se de�nitiva- mente o caminho para um novo sistema de produção, dessa vez em grande escala. Fotografia de máquina a vapor de James Watt, de 1781, que aperfeiçoou a máquina de Newcomen, de 1712, e tornou-a economicamente viável ao incluir um condensador. Os princípios técnicos da máquina de Watt tornaram-se a base de todas as máquinas a vapor posteriores, para os mais variados fins. Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, Paris, França. A water frame, de Richard Arkwright. Em 1769, ele patenteou a máquina de fiar impulsionada pela força hidráulica, depois adaptada para funcionar com a energia do vapor (1785). Gravura do século XIX. Coleção particular. t h e B r id G e m A n A r t L iB r A r y / K e y s t o n e B r A s iL t h e G r A n G e r c o L L e c t io n , n o v A y o r K / F o t o A r e n A Primeira edição de A riqueza das nações, do escocês Adam Smith, tido como o pai do liberalismo econômico. 1776 97 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 97 04/05/16 11:48 Tecelagem do algodão Se a fabricação de �os avançou a passos largos no século XVIII, o mesmo não ocorreu com as máquinas na tecelagem. Em outras palavras, a confecção de �os era mais rápida que a produção dos tecidos. Em 1784, o reverendo Edmund Cartwright inovou com o tear mecânico. A máquina, porém, tinha muitos proble- mas, e somente foi aprimorada no início do século XIX. Mas outros inventos do �nal do século XVIII melhoraram o fabrico de te- cidos de algodão. Foi o caso da introdução de novos processos de cardar , de limpar e de des�ar o algodão. Aprimoraram-se o branqueamento e os processos de tingir. Nos anos 1790, a máquina de separar as sementes de algodão criada por Eli Whitney, nos Estados Unidos, diminuiu consideravelmente o preço da matéria-prima. Apesar dos avanços, nas duas últimas décadas do século XVIII, a lã ainda se mantinha como o principal produto têxtil inglês. Para se ter uma ideia, em 1800, os tecidos de algodão alcançavam apenas 5% dos valores das exportações britânicas. Mas o cenário estava em mudança acelerada. Em 1830, os produtos têxteis de algodão já eram responsáveis por mais da metade do valor total das exportações britânicas. A matéria-prima vinha principalmente dos Estados Unidos e da Índia. No iní- cio da década de 1780, a quantidade de algodão importado equivalia a menos de 4 600 toneladas. Na década de 1840, esse peso saltou para aproximadamente 227 mil toneladas. Cardar u desenredar a trama de uma matéria- -prima para confeccionar fios. Plantação de algodão na Geórgia, Estados Unidos, o principal fornecedor de algodão para a Inglaterra do período. Na fotografia, família escrava trabalhando, em cerca de 1860. Coleção particular. t h e B r id G e m A n A r t L iB r A r y /K e y s t o n e B r A s iL Samuel Crompton patenteia a mule, um fuso mecânico que mescla as técnicas da spinning jenny e da water frame. 1779 98 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 98 04/05/16 11:48 4 Nova divisão do trabalho, proletariado fabril A fabricação de tecidos era uma atividade tradicional na Inglaterra. A maioria das famílias camponesas estava, de alguma forma, envolvida com o processo de �ar e tecer. A introdução de uma nova matéria-prima, o algodão, no �nal do século XVIII, não mudou em princípio essa organização. A nova máquina de �ar de Hargreaves, que se baseava no trabalho doméstico camponês, ainda manual, tornou possível a fabricação doméstica de tecidos de algo- dão no mesmo sistema utilizado com os tecidos de lã. Mesmo com o aparecimento das fábricas de �ação, nas primeiras décadas do século XIX, a maior parte da produ- ção ainda resultava do trabalho doméstico. O mesmo ocorria com a tecelagem dos �os, entregue às o�cinas de tecelões nas aldeias ou vilas. A introdução das máquinas no processo produtivo aumentou o montante dos in- vestimentos no setor têxtil, restringindo o número de empresários com dinheiro para montar fábricas. A propriedade das máquinas concentrou-se na pessoa do industrial/ capitalista, que contratava os operários pagando salários pelas jornadas de trabalho. Na fábrica, os operários atuavam somente em uma etapa da produção – uma mu- dança radical na forma de realizar seu trabalho. Em outras palavras, o processo produ- tivo nas fábricas tendia a se fragmentar: estava em curso uma nova divisão do trabalho! No contexto fabril, essa divisão do trabalho mostrava-se mais produtiva e ca- paz de atender ao aumento do consumo – o consumo em massa. Dessa forma, os trabalhadores eram tragados por um sistema em que a máquina era o centro do processo produtivo. Crescem as cidades Os tecidos de algodão da Índia já eram conhecidos e aceitos na Europa, nego- ciados pelos britânicos através da Companhia das Índias Orientais. Quando os ingleses passaram a produzir tecidos de qualidade semelhante à dos indianos, já havia um mercado consumidor estruturado. Os preços mais baixos permitiram aos tecidos ingleses competir nos mercados. Na Inglaterra, o centro da produção estava na cidade de Manchester. Com a utili- zação cada vez maior da �andeira hidráulica, inacessível aos camponeses, as fábricas de �ação se multiplicaram, mantendo um ritmo de trabalho diário e ininterrupto. Tradicionalmente, eram mulheres e crianças os principais trabalhadores domésticos da �ação. E os negociantes mantiveram o emprego dessa força de trabalho em suas fá- bricas, cuja disciplina era muito mais rigorosa do que no sistema de �ação doméstico. Com as transformações radicais no regi- me de trabalho, entre os séculos XVIII e XIX, milhares de trabalhadores passaram a se con- centrar em fábricas, sob um regime de serviço intensoe rigoroso. Sem uma regulamentação especí�ca, calcula-se que a jornada diária de trabalho era superior a 12 horas. Somente em 1847 apareceram regulamentações que limita- vam a jornada a dez horas diárias. Em 1850, outra lei estipulou um horário para encerrar a atividade semanal: duas horas da tarde de sábado, com descanso no domingo – dia tradi- cionalmente reservado à religião. • Oliver Twist. Direção: Roman Polanski. Estados Unidos, 2005. Oliver Twist cresceu em um orfanato e foi vendido para um coveiro. Por conta dos maus-tratos recebidos, ele foge para Londres, onde se junta a um grupo de menores treinados para roubar, tendo como mestre um adulto. Fábrica de roupas com maquinaria movida a vapor e baseada na divisão do trabalho, em que a confecção de uma peça passava por várias mãos, cada uma fazendo uma única operação (uma calça passava por dezesseis pares de mãos durante a produção, cada qual cumprindo uma tarefa específica no processo). Gravura publicada em 1854 no jornal The Ilustrated London News, de Londres. Coleção particular. t h e B r id G e m A n A r t L iB r A r y /K e y s t o n e B r A s iL Reverendo Edmund Cartwright inventa o tear mecânico. 1784 99 Informar aos estudantes que, tradicionalmente, os camponeses confeccionavam seus próprios tecidos de lã, cardando, �ando e tecendo. No século XVI, entratan- to, os negociantes de tecidos passaram a intermediar esse processo: compravam a lã crua de camponeses e peque- nos produtores e a entregavam às �andeiras, que trabalhavam em suas casas. Compravam de volta os �os e os entregavam aos tecelões, também eles tra- balhadores rurais. Depois, fa- ziam o mesmo com as demais etapas do processo, como o tin- gimento. Pagavam por quan- tidade, com valor pré-�xado, num sistema que �cou conhe- cido como “putting-out system”. HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 99 04/05/16 11:48 O sistema de fábrica impulsionou outras mudanças. Ampliou consideravelmente a população urbana, especialmente com a expansão desse sistema para outras produ- ções, como as de chapéus, sapatos, ferramentas e alimentos. Diversi�cou-se o setor de serviços, sobretudo o comércio. Também cresceu a oferta de empregos domésticos – criadas, cozinheiras e arrumadeiras – nas casas dos novos e ricos empresários. Na passagem do século XVIII para o XIX, o aumento da população nas cidades, que não estavam preparadas para receber tanta gente, teve repercussões sociais signi- �cativas. Em cidades como Londres, Manchester, Liverpool e Leeds, multiplicavam-se os bairros pobres, e os governos locais não conseguiam atender à nova demanda e promover reformas do espaço urbano. Havia ruas sem calçamento, lixo por todos os cantos, muitas pessoas morando numa mesma casa. A situação era propícia para a disseminação de doenças, com epidemias frequentes de cólera e tifo. Aprofundaram-se as desigualdades sociais entre ricos e pobres. • ZOLA, Émile. Germinal. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. Germinal é um clássico da literatura mundial, publicado em 1885. Trata da vida dos mineradores de uma mina de carvão na França do século XIX, onde ocorre uma greve sangrenta e um acidente fatal. Mulheres, crianças e a produção fabril A maioria dos historiadores concorda que as relações de trabalho definem traços essenciais de uma sociedade. Antes da chamada Revolução Industrial, a forma com que proprietários e trabalhadores se relacionavam era muito diferente daquela estabelecida pela produção fabril, que a substituiu. Antes da Revolução Industrial, mulheres e crianças já trabalhavam na produção de tecidos. Porém, com o sistema fabril, elas se tornaram a mão de obra preferencial de quase toda atividade ligada ao vestuário. Nas imagens a seguir, mulheres e meninas trabalham na confecção de tecidos e sapatos; na primeira, ainda predominava o sistema artesanal; na segunda, cada grupo de mulheres foi representado fazendo uma tarefa específica, de acordo com a nova divisão do trabalho, sob a supervisão de homens. Gravura do século XIX representando artesãs produzindo fios. Gravura do século XIX representando uma fábrica de sapatos. t h e B r id G e m A n A r t L iB r A r y /K e y s t o n e B r A s iL /c o L e ç ã o P A r t ic u L A r • Leia o depoimento a seguir e, com base na observação das duas gravuras desta seção e no que você aprendeu no capítulo, responda: quais as principais diferenças entre o trabalho do camponês no sistema doméstico e a nova divisão do trabalho em uma fábrica? “Na verdade não havia horas regulares: patrões e administradores faziam conosco o que queriam. Normal- mente os relógios das fábricas eram adiantados pela manhã e atrasados à tarde e em lugar de serem instru- mentos de medida do tempo eram utilizados para o engano e a opressão.” Anônimo. Capítulos na vida de um menino operário de Dundee, na Escócia, em 1887. James Watt utiliza o vapor para operar a máquina de fiar de Richard Arkwright, revolucionando a produção têxtil de algodão. 1785 u n iv e r s A L h is t o r y A r c h iv e /u iG /t h e B r id G e m A n A r t L iB r A r y /K e y s t o n e B r A s iL . c o L e ç ã o P A r t ic u L A r . 100 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 100 04/05/16 11:48 5 Significados do livre-comércio Em meados do século XVIII, na França, apareceram os primeiros estudos ou reflexões dos fisiocratas franceses, que criticavam as políticas mercantilistas dos Estados europeus. Entre os fisiocratas estava o médico François Quesnay. A principal base do pensamento fisiocrata é a do direito natural: todos têm direito de usufruir a vida e de exercer suas faculdades, tendo como limite o res- peito à vida e aos bens dos outros. Os fisiocratas defendiam que a agricultura era a principal produtora de riquezas, e que era um erro privilegiar o comércio e a produção manufatureira, pois estes não criavam produtos, só os faziam circular ou os transformavam. Também fizeram críticas ao protecionismo alfandegário, defendendo a liberdade de comércio como a única saída para um bom desempenho econômico. O liberalismo Contemporâneo dos fisiocratas e por eles influenciado, o escocês Adam Smith foi o mais prestigiado dos teóricos do liberalismo econômico, em oposição às teo- rias mercantilistas (que defendiam a intervenção do Estado na economia, sobre- tudo com a fixação de monopólios, o controle e a taxação do comércio exterior). Adam Smith seguiu a linha dos fisiocratas franceses na crítica ao mercantilismo, considerado um grande problema para o desenvolvimento econômico. Os países, segundo ele, não tinham de promover o crescimento com políticas que arruinavam outros povos. Mas, se os fisiocratas defendiam a agricultura como fundamento do crescimento econômico, Adam Smith sustentava que a riqueza era essencialmente produto do trabalho humano. Mais ainda: “a opulência nasce da divisão do traba- lho” e da especialização, seja na agricultura ou na indústria. Os fisiocratas e Adam Smith são considerados os fundadores da Economia Po- lítica moderna. A frase “Laissez faire, laissez passer”, “Deixai fazer, deixai passar”, tornou-se um emblema do liberalismo econômico. Apesar de ser uma simplifica- ção, ela reproduzia a ideia de que era necessário defender a liberdade econômica em oposição ao controle por parte do Estado ou de qualquer instituição contrária à liberdade humana. O principal livro de Adam Smith, A riqueza das na•›es, foi sucesso imediato. Lançado inicialmente em 1776, em 1800 já estava na oitava edição, publicado também nos Estados Unidos, na Irlanda e na Suíça. Alguns anos depois, recebeu edições em dinamarquês, holandês, francês, alemão, italiano e russo. Estava cla- ro que seus pressupostos foram muito bem aceitos, em particular pelos grandes empresários. Os governos, entretanto, insistiram no controle sobre as esferas da produção, até mesmo na Inglaterra. Aênfase na divisão do trabalho foi considerada como acertada. Mas não se pôde fazer muito em relação à liberdade de comércio. As tarifas alfandegárias e protecionistas permaneceram, de alguma forma, em todas as grandes eco- nomias europeias e nos Estados Unidos. Mas, em termos teóricos, os ingleses foram os mais ardorosos defensores do livre-comércio, sobretudo porque suas mercadorias – principalmente os tecidos de algodão – não encontravam con- correntes no mundo. Não resta dúvida de que as teorias do liberalismo econômico foram um grande estímulo à iniciativa privada na Inglaterra e à formação do futuro Im- pério britânico. O estadunidense Eli Whitney inventa o descaroçador de algodão. 1792 101 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 101 04/05/16 11:48 6 A locomotiva domina o mundo No início do século XIX, a Inglaterra era a sociedade mais rica da Europa, com uma industrialização em franca expansão e uma sólida monarquia parlamentar. Uma novidade, surgida na década de 1820, aumentou ainda mais o poder dos ingleses: a ferrovia. Em 1823, foi inaugurada a Estrada de Ferro Stockton-Darlington, mas a “Era das Ferrovias” começou mesmo em 1829, com a linha entre o porto de Liverpool e o principal centro industrial inglês, a cidade de Manchester. Foi o início da moderna indústria pesada: a de bens de produção ou bens de capital. A ferrovia foi revolu- cionária até pelo seu efeito multiplicador, estimulando diversos ramos industriais e comerciais ligados ao novo sistema de transporte. Em um ritmo impressionante, a Inglaterra passou a ser cortada por linhas ferrovi- árias, �nanciadas por capitais privados, sem participação direta do governo. No iní- cio, os vagões foram utilizados principalmente para o transporte de mercadorias, em particular as pesadas, com os comboios se movendo vagarosamente. O surgimento das locomotivas, mais possantes e velozes, diversi�cou o sistema e permitiu o trans- porte de passageiros com custos bem menores do que o das carruagens e diligências. Evolução ou Revolução Industrial? A origem do termo Revolução Industrial é bas- tante controversa. Os que viveram na época, mesmo intelectuais do porte do escocês Adam Smith, não identificaram seus sinais. O conceito começou a ser utilizado no século XIX, e tudo indica que foi o alemão Friedrich Engels o primeiro a usá-lo no livro Situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de 1845. O termo aparece, também, no livro do inglês Stuart Mill Princípios de economia política (1848) e no de Stanley Jevons A questão carbonífera (1865). O alemão Karl Marx foi quem teorizou sobre esse processo, no primeiro volume do livro O Capital, de 1867, dedicado ao surgimento do capitalismo industrial. Mas o primeiro a tratar exclusivamente do tema foi Arnold Toynbee, numa série de conferên- cias proferidas em 1881, que resultaram no livro Conferências sobre a Revolução Industrial do século XVIII. Ao longo do tempo, muitos historiadores criti- caram o uso do termo revolução para o fenômeno, sublinhando que, em economia, não há revoluções, mas evoluções. É certo que há períodos, como o das duas últimas décadas do século XVIII, de mu- danças tecnológicas muito rápidas. Para o historiador Eric Hobsbawm: (...) chamar esse processo de revolução industrial é lógico e está em conformidade com uma tradição bem estabelecida, embora tenha sido moda entre os historiadores conservadores – talvez devido a uma certa timidez face a conceitos incendiários – negar sua existência e substituí-la por termos banais como “evolução acelerada”. Se a transformação rápida, fun- damental e qualitativa que se deu por volta da década de 1780 não foi uma revolução, então a palavra não tem qualquer significado prático. De fato, a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim. (...) sua essência foi a de que a mudança revolu- cionária se tornou norma desde então. HOBSBAWM, Eric. A era das revolu•›es: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 44-45. • Em sua opinião, as transformações desse período podem ser consideradas realmente uma revolução? Podemos comparar o impacto dessas transformações com o da Revolução Francesa, que todos concor- dam ter sido realmente uma revolução? cONvERSA DE hISTORIADOR Derrota definitiva de Napoleão. Congresso de Viena e a Santa Aliança. Inauguração da Estrada de Ferro Stockton-Darlington, na Inglaterra. 1815 1823 102 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 102 04/05/16 11:48 Dominando essas tecnologias, a Inglater- ra pôde abrir ferrovias em várias partes do mundo. Assim ocorreu nas jovens nações da América, que não tinham recursos para custear a construção da malha ferroviária, e nas áreas em que a Inglaterra exercia algum controle político, como Egito e Índia. Os in- dustriais britânicos dominaram os mercados mundiais, reduziram custos e lucraram como nunca. Nasceu, assim, o “leão” britânico, imagem de um império que se agigantava. O desenvolvimento da ferrovia também mudou o quadro da composição dos traba- lhadores na Inglaterra. Nas indús- trias de bens de consumo, como de tecidos, calçados, roupas e alimen- tos, a mão de obra predominante era feminina e infantil. Já nas in- dústrias de bens de produção e na construção de estradas de ferro, a mão de obra era masculina. Enge- nheiros e técnicos, mais especiali- zados, tornaram-se fundamentais. A procura por mão de obra tor- nou-se intensa. Dois homens dirigem uma das primeiras locomotivas a vapor inventadas pelo engenheiro inglês George Stephenson, na década de 1820. No Brasil, elas ficaram conhecidas como “marias-fumaça”, devido à densa nuvem de vapor e poeira que expeliam pela chaminé. Fotografia do século XIX. Um viajante deslumbrado As ferrovias não foram sempre recebidas com ale- gria e naturalidade. No início da expansão ferroviária, uma geração inteira ficou dividida entre o ceticismo e a admiração por aqueles vagões a correr sobre tri- lhos, soltando espessas nuvens de fumaça. Houve os que se recusavam a viajar por julgar que a velocida- de do trem poderia causar cegueira. Outros temiam perder o juízo se fixassem os olhos num comboio em trânsito, pela razão de considerar espantosa a rapidez de seu movimento. Para os padrões da época, os trens eram mesmo de uma rapidez extraordinária. Mas, na verdade, a velocidade, na década de 1830, chegava somente a 30 km/h... Contudo, na década de 1850, a velocidade dos trens já passava dos 60 km/h. Esse extraordinário avanço fez com que pes- soas se maravilhassem. O historiador francês Jules Michelet viajou de trem entre Londres e Liverpool, em meados do século XIX. Descreveu, deslumbrado: Cinquenta léguas em quatro horas. Nada pode dar a ideia da fulminante velocidade com que se desenrola, como num conto de fada, este surpreendente panora- ma. Não corremos, mas voamos por cima dos campos [...]. Planamos sobre os abismos. MICHELET, Jules. In: HOBSBAWM, Eric J. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. • O que o historiador francês Jules Michelet quis dizer com a expressão “Planamos sobre os abismos”? Obtenha informações e, se possível, imagens que justifiquem essa descrição. h u L t o n -d e u t s c h c o L L e c t io n /c o r B is /F o t o A r e n A Estrada de Ferro Manchester-Liverpool, marco da era ferroviária inglesa. 1829 103 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 103 04/05/16 11:48 Expansão britânica nos trilhos do trem A hegemonia nos setores têxtil e ferroviário permitiu que a Grã-Bretanha li- derasse com folga, entre os europeus, a corrida em direção a outros continentes. A Nova Zelândia começou a ser colonizada por ingleses em 1837, e a Austrália, até então um lugar de desterro, foi povoada por massas de imigrantes britânicos a partir de 1840. O Canadá também foi o destino escolhido por muitos colonos ingleses. O problema do desemprego, que começava a afligir os ingleses, foi par- cialmente contornado por essascolonizações. O século XIX foi o tempo de consolidação da classe operária inglesa – o prole- tariado (ver seção Reflexões, na página 111). Cada vez mais afastados das formas domésticas de produção, os trabalhadores se agrupavam nas grandes fábricas. Já nas minas de carvão, apesar das bombas e guindastes mecânicos, era por meio do trabalho braçal que se extraía o carvão mineral. A Inglaterra tornou-se, no decorrer do século XIX, o país com o maior e mais poderoso grupo de industriais, que de longe empregavam o maior número de ope- rários no mundo fabril. Tornou-se, sem trocadilho, a locomotiva do mundo. Os demais países tiveram de embarcar nesse processo de industrialização, sob risco de cair na total dependência do leão britânico. Todos os países do mundo interessados em implantar o sistema de transporte ferroviário tiveram de apelar para a Inglaterra, único país capaz de um investi- mento de tamanha envergadura. Foi assim que os empréstimos, as empresas, os técnicos, as locomotivas e os ingleses começaram a se espalhar pelo mundo. Nos Estados Unidos, após o sucesso dos primeiros experimentos dos trens ingleses, um grupo de empresários da Pensilvânia comprou uma locomotiva na Inglaterra. Logo começaram as construções e os investimentos, num ritmo ainda mais rápido do que na Europa. A rede ferroviária estadunidense saltou de modestos 65 quilômetros, em 1830, para 4 500 quilômetros, em 1840. Na década seguinte, os Estados Unidos contavam com uma malha ferroviária de 14 400 quilômetros. São Paulo Railway O Brasil não ficou de fora da expansão fer- roviária inglesa. A Estrada de Ferro São Paulo Railway, inglesa, ligava o porto de Santos, em São Paulo, à capital e à vila de Jundiaí. Passou a funcionar em 1867. Seu traçado visava escoar a produção de café e açúcar dessa região. Foi construída com capital, técnica e mão de obra especializada (engenheiros) britânicos. O tra- jeto, que incluía a escarpa do planalto, impli- cou a construção de túneis, pontes e viadutos. Em 1946 foi encampada pelo governo brasilei- ro e transformada na Estrada de Ferro San- tos-Jundiaí. São Paulo Railway, fotografia de Marc Ferrez, 1895. Coleção particular. m A r c F e r r e z . 1 8 9 5 Na região ou município onde você vive, existe ou já existiu alguma ferrovia? Pesquise: a) a época em que foi implementada; b) a época e os motivos de ter sido desativada, caso não exista mais; c) em caso de não ter existido, o porquê. Criação da liga aduaneira alemã sob a liderança da Prússia: o Zollverein. 1834 104 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 104 04/05/16 11:48 7 Nações emergentes: França e Alemanha capitalistas A Inglaterra se industrializou sem planejamento prévio, utilizando o capital pri- vado. Os empresários investiam no setor industrial em busca do lucro e não para transformar a economia britânica. O mesmo não ocorreu com os demais países europeus. Cada lugar teve de lidar com suas próprias especi�cidades e recursos. Foram, portanto, industrializações posteriores, e, por vezes, mais rápidas e e�cien- tes. Na passagem do século XIX para o XX, alguns países já podiam concorrer com a Inglaterra na economia mundial, principalmente Alemanha e França. A França A França era um país de grande extensão territorial, mas desprovido de meios de transporte adequados para formar um mercado integrado. Prevaleciam os ne- gócios locais ou regionais, em geral em torno de uma economia agrária. A Revo- lução Francesa, embora tenha destroçado o poder da nobreza e do clero, aprofun- dou essa estrutura rural ao conceder terras ao camponeses. Assim, tudo contribuía para que os franceses não conseguissem deslanchar uma economia capitalista similar à inglesa, apesar do caráter burguês da Revolução. Enri- quecidos, os burgueses preferiram adquirir cargos nobiliárquicos ou artigos de luxo, imitando um estilo de vida aristocrático que a Revolução de 1789 havia derrubado. A solução encontrada pelos industriais franceses foi investir no que já era tradi- cional no mercado interno: os artigos de luxo consumidos pela burguesia urbana e pelos proprietários rurais aristocráticos, como mobiliário, tecidos de seda, rendas, roupas, chapéus, plumas, perfumes e adereços variados. Grande parte dessa pro- dução era executada por pro�ssionais experientes e foi exportada para o mundo. Por volta de 1840, a expansão da economia francesa exigia maior exploração das minas de ferro e de carvão, o que esbarrava na precariedade do sistema de transportes. Tornou-se urgente a construção de uma rede ferroviária. Para tanto, era preciso organizar um sistema bancário, associar capitais e construir uma rede comercial em grande escala. Era uma empreitada difícil. Os poucos bancos franceses tinham sido criados nas décadas de 1820 e 1830 e eram dominados por um pequeno gru- po de empresários de Paris. A introdução da ferrovia, �nanciada por ingleses associados a uns poucos em- presários parisienses, contribuiu um pou- co para mudar o quadro. Isso só mudou de fato na segunda metade do século XIX, com fatores políticos decorrentes da as- censão ao poder de Napoleão III, sobri- nho de Napoleão Bonaparte, em 1852. Entre os anos de 1830 e 1840, surgiram, em Paris, as grandes lojas de departamentos, os magasins de nouveautŽs. Neles, eram vendidos tecidos, roupas, joias, peles, botões, luvas etc. Na imagem, a gravura representa o Magasin Crespin Dufayel, em Paris, no século XIX. Ela está localizada no Museu de Artes Decorativas, na cidade de Paris, na França. P h o t o J o s s e /s c A L A , F L o r e n c e Primeiro trecho ferroviário no norte alemão. Início da “coqueluche ferroviária” na França, encerrada em 1837. 1835 105 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 105 04/05/16 11:48 O bonapartismo A partir da chegada ao poder de Napoleão III, os industriais franceses passaram a ter reconhecimento público, a ocupar posições no Estado e a influir nas decisões governamentais. Essa situação levou a uma participação decisiva do Estado na eco- nomia, sobretudo nos anos 1850, em especial nos investimentos de infraestrutura. Ao final do século XIX, a França se apresentava como um país industrial, com suas instituições bancárias e financeiras bastante desenvolvidas e investindo em indústrias, em particular nas de ferro e aço nas regiões mineradoras, como na província de Lo- rena, e nas minas de carvão do norte. Em 1914, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, a França ocupava a terceira posição entre as economias capitalistas da Euro- pa. Na frente dos franceses, somente a pioneira Inglaterra e a Alemanha. A Alemanha No início do século XIX, era considerável a diversidade entre os Estados ger- mânicos. Mas havia traços comuns que lembravam os pequenos reinos ou princi- pados dos séculos anteriores: uma política de impostos elevados; concentração de recursos no financiamento de exércitos; economia agrária, com forte presença da servidão camponesa. Na primeira metade do século XIX, os altos cargos nos Estados germânicos eram ocupados, em grande parte, por homens formados nos princípios da Ilustra- ção (do Iluminismo), ou seja, que compreendiam bem o sentido do liberalismo. Apesar do espírito conservador, vários Estados germânicos, em particular a Prússia, apoiaram ou bancaram o estabelecimento de empresas capitalistas, na exploração de minas e na criação de indústrias. A Prússia havia saído fortalecida das guerras napoleônicas, com o território intacto, ao contrário de vários outros Estados duramente atingidos. Isso facilitou a hegemonia prussiana sobre o terri- tório germânico. O primeiro grande passo para essa hegemonia foi dado em 1834, com a criação de uma união aduaneira, o Zollverein. Incluía 38 Estados do norte e do centro do território, aos quais aderiram os Estados do sul, em 1867. A gradual eliminação das barreiras alfandegárias e a centralização das decisões criaram excelentes con- dições para a industrialização. Indústria alimentíciana Prússia, em cerca de 1870. Homens fabricando salsichas para o exército. Xilogravura colorida de 1870-1871. Coleção particular. AKG-imAGes/FotoArenA Início da colonização da Nova Zelândia pelos ingleses. 1837 106 Sobre Napoleão III, ver capí- tulo 8. Sobre a uni�cação alemã, ver capítulo 8. HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 106 04/05/16 11:48 Seguindo a onda liberal que varreu a Europa na primeira metade do século XIX, os príncipes germânicos aboliram a servidão, favorecendo a difusão do tra- balho assalariado. O território da futura Alemanha possuía, assim, por volta de 1850, ao menos o esboço das condições fundamentais para o desenvolvimento capitalista: mercado interno e trabalho livre. A implantação dos trilhos e a industrialização No decorrer da década de 1840, favorecidos pela união aduaneira, os grandes proprietários rurais da futura Alemanha passaram a apoiar a implantação de ferro- vias, percebendo que poderiam aumentar suas vendas e lucros. Os militares, por sua vez, perceberam a importância da ferrovia para o transporte de matérias-primas, sol- dados e armamentos. Com isso, estimularam o Estado a investir na malha ferroviária. O sistema ferroviário foi um dos principais responsáveis por desenvolver signi- �cativamente a economia dos Estados inseridos no Zollverein. A indústria têxtil, até então incipiente, tomou novo impulso e, embora incapaz de concorrer com os têxteis ingleses, conseguiu se expandir no mercado interno. Os bancos tiveram papel de destaque no investimento de capitais em ferrovias, nas grandes indústrias de base e na abertura de minas, em contraste com o que ocorreu na Inglaterra. A indústria pesada – de bens de capital, como a de metalur- gia – foi o carro-chefe da industrialização, alimentada pelo capital �nanceiro, com o apoio do Estado. Uma das principais inovações nesse processo de industrialização foi o inves- timento dos diversos governos na educação, especialmente nos níveis técnicos e cientí�cos, criando pro�ssionais altamente quali�cados. Os alemães chegaram a desenvolver tecnologia de ponta que superava, em muitos aspectos, a dos ingleses, em especial no setor químico. Em resumo, os Estados germânicos reuniram todas as condições para um pro- cesso de industrialização e�ciente: grande mercado consumidor interno; grande oferta de mão de obra, alimentada por um crescimento demográ�co expressivo; recursos minerais adequados à tecnologia existente; empresas estrangeiras interes- sadas em investir na economia alemã; estrutura bancária estável; investimento na educação técnica e cientí�ca. O processo de indus- trialização alemão, por conta do grande investi- mento do Estado, foi de- nominado de “revolução pelo alto”. Recebeu ainda o nome de “modernização conservadora”, por não ter removido, como na França, o poder da aristo- cracia rural. Ao contrário, a aristocracia junker co- mandou o processo. Fábrica de fundição de ferro, na região da Silésia, pintura de Adolph Menzel, c. 1875. O autor apresentou as várias etapas do trabalho: ao fundo, à esquerda, trabalhadores “brilham” sob a luminosidade das fornalhas e do metal incandescente; no centro, a fundição do ferro e produção de lâminas; à direita, pausa para a comida, trazida por uma menina; ao fundo, trabalhadores se limpam para sair da fábrica; à esquerda, moldado pela luminosidade das fornalhas, o inspetor da fábrica observa todo o processo. Menzel quis demonstrar as duras condições de trabalho na indústria pesada da Alemanha recém-unificada e rapidamente industrializada com o apoio do Estado. Antiga Galeria Nacional, Berlim, Alemanha. A d o L P h m e n z e L . t h e i r o n r o L L in G m iL L ( m o d e r n c y c L o P e s ). 1 8 7 2 -1 8 7 5 . Segunda “coqueluche ferroviária” na França, encerrada em 1847. Revoluções políticas na Europa: a primavera dos povos. 1844 107 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 107 04/05/16 11:48 8 Conceito de capitalismo O termo capital era usado em latim com função de adjetivo. A expressão pars capitalis debiti, por exemplo, signi�cava “a parte principal de um débito”. Com o tempo, a palavra passou a ser sinônimo de “conjunto dos bens em comércio ou na produção”. No século XVII, começou a ser usada como substantivo sinônimo de “riqueza, valor; um cabedal, a maior expressão da riqueza do homem”. O termo capitalista, por sua vez, já era usado no século XVIII. Dele se origi- nou a palavra capitalismo, que de�ne uma forma especí�ca de agir econômico, datado historicamente, e parte de um sistema político e social maior. Vários pensadores elaboraram teorias sobre o capital e o capitalismo, em es- pecial os alemães Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Karl Marx deu maior importância ao modo como se organizava a produção. Para ele, só existia capitalismo nas sociedades em que predominava o pagamen- to de um salário ao trabalhador. A condição fundamental era o trabalhador ser livre para vender sua força de trabalho ao proprietário dos meios de produção (os instrumentos de trabalho, as máquinas, a terra etc.). Segundo Marx, o perío- do compreendido entre os séculos XV e XVIII não pode ser caracterizado como capitalista, pois o trabalho assalariado, embora existisse, não era predominante. O capitalismo teria se desenvolvido, segundo essa teoria, a partir das últimas décadas do século XVIII, com a crescente industrialização e a progressiva trans- formação dos camponeses e artesãos em assalariados, sobretudo na Inglaterra. Max Weber de�niu o capitalismo como uma economia baseada no merca- do, na compra e venda de mercadorias, independentemente da forma como se organiza a produção dos artigos comercializados. Para ele, o período com- preendido entre os séculos XV e XVIII – em que prevaleciam as políticas mer- cantilistas – pode ser caracterizado como capitalista. A�nal, o comércio era a fonte principal da riqueza, pouco importando o tipo de relações de trabalho predominantes na época. Weber não levou em consideração o fato de que, na Europa, os trabalhadores eram camponeses sujeitos às relações de servidão ou artesãos inseridos em cor- porações de ofício. Também não deu importância ao fato de que, na Amé- rica, a maior parte do trabalho era re- alizada por escravos e pessoas em re- gime de servidão, de origem africana ou indígena. Como a produção estava voltada para o mercado, havia capita- lismo: o capitalismo comercial. Capital e trabalho, caricatura de 1843 que mostra as diferenças de modo de vida entre ricos e pobres, entre o capital e o trabalho. Publicada na Punch Magazine de Londres, 1843. Coleção particular. A K G -i m A G e s /L A t in s t o c K Guerra Austro-Prussiana. 1866 108 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 108 04/05/16 11:48 Capitalismo industrial e financeiro Ao longo do século XIX, o capitalismo se tornou muito mais complexo. Embo- ra a economia fabril, voltada para a produção de bens de consumo (como tecidos, roupas e alimentos), tenha se ampliado, no �m do século a economia capitalista era eminentemente produtora de bens de produção ou bens de capital, como a metalurgia, as máquinas, a energia e, em especial, os transportes movidos a vapor: ferrovias e navios. O necessário aumento do volume de investimentos para fazer funcionar esse capitalismo restringiu, cada vez mais, o número de empresários que participavam do negócio. O capitalista individual e a empresa familiar perderam importância. E o capitalismo tendeu a se concentrar em grandes empresas, em geral associadas ao sistema bancário. Ocorreu uma espécie de fusão entre o capital industrial e o capital �nanceiro. Em resumo, no século XIX, nas regiões mais dinâmicas, consolidaram-se o ca- pitalismo e a sociedade industrial – e, com eles, a concentração da população em zonas urbanas, a formação de um mercado de trabalho assalariado, o predomínio dos bens industrializados na economia, a concentração da riqueza edo capital em grandes empresas e a venda desses produtos para um mercado mundial. A charge estadunidense, chamada Os barões usurpadores da atualidade, de 1889, ironiza a história, afirmando que ela se repete: os ladrões do povo da Idade Média deram lugar aos donos das fábricas do mundo industrial. Repare na diferença de tipo físico entre proprietários e trabalhadores: gordos – fartura; magros – miséria. Coleção particular. the GrAnGer coLLection, novA yorK/FotoArenA Unificação da Alemanha. 1871 109 HISTVAINFAS2_C6_090 a 112_PNLD2018.indd 109 04/05/16 11:48
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