Buscar

Efeitos da fragmentação na diversidade genética

Prévia do material em texto

Efeitos da fragmentação na diversidade genética
Effects of fragmentation on genetic diversity
Anna Karoline Meirelles
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA –
INTRODUÇÃO
A fragmentação do habitat reduz áreas contínuas de floresta a pequenas porções isoladas, podendo diminuir o número efetivo de árvores de uma população (CASCANTE et al. 2002). A fragmentação do habitat é reconhecida como um dos principais fatores ambientais que ameaçam a sobrevivência de populações e espécies em todo o mundo. A fragmentação moldou dramaticamente grandes áreas de paisagens temperadas e tropicais, florestas, charnecas, pradarias e pastagens em ecossistemas que agora apresentam pouca semelhança estrutural, e provavelmente limitada, com o original (YOUNG e CLARKE, 2000).
Haila (2002) descreve que dados empíricos acumulados sobre os efeitos ecológicos da fragmentação de habitats dificilmente sustentam uma estrutura conceitual uniforme e descreve que inicialmente o conceito de fragmentação do habitat foi apresentado como uma sugestão hipotética quanto aos efeitos específicos da mudança induzida pelo homem em paisagens naturais. No entanto, muito rapidamente, o conceito passou a representar uma interpretação particular, biogeográfica, do empobrecimento de espécies em pequenas manchas de habitat, e essa interpretação começou a levar sua própria vida, oferecendo justificativas para projetos de pesquisa e recomendações de conservação específicos.
A fragmentação da floresta tropical representa uma grande ameaça para algumas populações de indivíduos ao reduzir tamanho da população e fluxo gênico de outras populações. Ambos os processos podem diminuir as taxas de cruzamento e variação genética em remanescentes (ROSAS et al., 2011).
A biologia da conservação vem estudando cada vez mais a respeito das consequências do processo de fragmentação florestal, como forma de tentar prever o tamanho e a forma mais adequados de reservas florestais.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Os princípios básicos da Teoria da Biogeografia de Ilhas de MacArthur & Wilson (1967) baseiam-se que o número de espécies encontradas em uma área aumenta com o tamanho da ilha examinada; a diversidade de espécies da ilha pode aumentar apenas por imigração de outras ilhas ou de uma massa continental, intitulada fonte; e comunidades insulares são mais pobres em espécies do que as comunidades continentais equivalentes.
Os ecologistas empregaram essas explicações aos padrões de diversidade em paisagens fragmentadas, interpretando fragmentos isolados como ilhas ecológicas situadas em um mar de habitat inadequado (HAILA, 2002).
Semelhante as ilhas, a teoria foi adaptada para os fragmentos florestais como um princípio que permitirá aos biólogos conservacionistas prever o número de espécies que um determinado fragmento de floresta pode manter (GASCON et. al., 2001)
A teoria de biogeografia de ilhas foi de extrema importância para a conservação dos ecossistemas naturais ao contribuir para a proposição de desenhos de reservas (SHAFER, 1990). Apesar de não preverem o fluxo de indivíduos entre populações vizinhas, isto é, que a regulação do tamanho de uma população local se daria por meio de processos ecológicos que ocorriam no âmbito da própria população (NASCIMENTO, et al., 2012).
Richard Levins no início da década de 70 descreveu que a riqueza em espécies de um local é também influenciada por processos internos às populações que compõem determinada comunidade, dando origem a teoria sobre metapopulações (Levins 1970). A teoria sobre metapopulações de Levins pressupõe que populações em uma mesma região se relacionam por meio de diferentes processos, tais como migração, colonização e extinção e apresentam uma dinâmica semelhante a uma ‘população de populações’ ou ‘metapopulação’ (NASCIMENTO, et al., 2012).
A fragmentação florestal constitui uma diversidade de efeitos, alterando o tamanho e a dinâmica das populações, a composição e a dinâmica das comunidades, as interações tróficas e os processos ecossistêmicos (LAURANCE e VASCONCELOS, 2009). O avanço da fronteira agrícola, exploração de madeira, abertura de estradas e os incêndios florestais representam os principais fatores de fragmentação florestal (NEPSTAD et al., 2002).
Uma consequência importante é a estrutura genética da população isolada em um fragmento, onde a diversidade genética pode persistir sob condição de que nenhum gene seja perdido. Genes podem ser mantidos se os alelos forem recessivos e estiverem presentes devido à heterozigosidade. As extinções locais devidas à deriva genética não representam maiores problemas se o habitat favorável puder ser recolonizado. Entretanto se a recolonização for difícil ou impossível, o resultado será a diminuição na abundância regional da espécie (BRASIL, 2003).
Os efeitos de borda e os efeitos de área são os mais importantes fatores que levam às mudanças em comunidades fragmentadas. Os efeitos de área referem-se às mudanças ecológicas que ocorrem em função do isolamento do fragmento e são proporcionais à área do fragmento (SHAFER, 1981). Já os efeitos de borda, são causados por gradientes diferenciados de mudanças físicas e bióticas próximos às bordas florestais e, consequentemente, são proporcionais à distância da borda mais próxima (LOVEJOY et al., 1986).
Diferente das zonas de ecotonia natural, caracterizadas por um gradiente natural de limites entre dois habitats, o efeito de borda compreende uma quebra abrupta da paisagem, separando um habitat de outro anexo. A criação da borda pode levar a diversas consequências biológicas, sendo em sua maioria, resultado do ressecamento e das alterações microclimáticas na região da borda (KAPOS, 1989).
Vários são os efeitos negativos da fragmentação florestal sobre a sobrevivência da fauna e da flora nativa; entre estes, destaca-se o isolamento reprodutivo. A fragmentação pode levar a modificações nos padrões de polinização e dispersão de sementes e, assim, acarretar em modificações na diversidade e estrutura genética das espécies tanto animais quanto vegetais (SEOANE et al., 2010).
Desde a década de 1970, os corredores ecológicos são citados como parte de estratégias para a conservação de ecossistemas fragmentados (DIAMOND, 1975). A definição de corredor ecológico emprega-se a estruturas lineares formadas por fragmentos de habitats da matriz territorial e que garantem a mobilidade das espécies de fauna e flora. (CHETKIEWICZ et al., 2006).
Haddad et al., (2015) realizaram uma análise sobre a fragmentação do habitat e seu impacto duradouro nos ecossistemas da Terra e realizaram uma síntese de experimentos de fragmentação abrangendo múltiplos biomas e escalas, cinco continentes e 35 anos, demonstra que a fragmentação do habitat reduz a biodiversidade em 13 a 75%, e prejudica as principais funções do ecossistema, diminuindo a biomassa e alterando os ciclos de nutrientes. Os maiores efeitos são encontrados em fragmentos menores e mais isolados, e aumentam com o passar do tempo.
Os efeitos da atual fragmentação continuarão a surgir por décadas, visto que os experimentos desse estudo revelam perdas contínuas de biodiversidade e funcionamento do ecossistema duas décadas ou mais após a fragmentação. Resultados experimentais até o momento mostram que os efeitos da fragmentação são fortes e marcadamente consistentes em um conjunto diversificado de sistemas terrestres nos cinco continentes (HADDAD et al., 2015)
Rosas et al. (2011) em seu estudo sobre os efeitos da fragmentação do habitat no fluxo de pólen e diversidade genética da árvore tropical ameaçada Swietenia humilis (Meliaceae), avaliaram o fluxo de pólen e a diversidade de fontes de pólen em florestas contínuas e plantios isolados de Swietenia humilis, uma espécie arbórea tropical polinizada por pequenos insetos. O objetivo do trabalho foi avaliar se a fragmentação reduz o fluxo de pólen, o número de doadores de pólen e a diversidade genética dessa espécie.
S. humilis (Meliaceae) é uma árvore tropical caducifólia distribuída na costa do Pacífico, da América Central ao México. É uma espécie monóica, autoincompatível,com flores unissexuais que são visitadas principalmente por abelhas pequenas. A espécie é economicamente importante e apreciada por causa de sua madeira de alta qualidade, onde populações desta árvore foram reduzidas e fragmentadas e está listado no Apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção. 
As árvores foram localizadas em duas condições de habitat, em povoamentos isolados em campos agrícolas, pastagens ou remanescentes de matas ciliares vegetação, e em manchas de árvores ao longo de arroios na contínua floresta. Para avaliar a diversidade genética foi coletado tecido vegetal onde utilizaram sete marcadores nucleares microssatélites e testaram a hipótese de que a fragmentação tem efeitos negativos na diversidade genética, comparamos a riqueza alélica de árvores e progênies adultas em populações isoladas e florestais.
Os resultados mostram que a fragmentação florestal reduz a diversidade genética da progênie a nível populacional. A fragmentação florestal aumenta a estrutura do pool de pólen em fragmentos isolados, indicando redução do fluxo gênico contemporâneo através do pólen nesses tipos de habitat. Menos doadores de pólen contribuem para a geração de descendentes em árvores isoladas. Observou-se que árvores em povoamentos fragmentados não são isoladas do fluxo de pólen, e sim que há uma frequência ligeiramente maior de movimento de pólen local com o pólen chegando de longas distâncias.
Embora remanescentes de S. humilis não serem geneticamente isolados pelo fluxo de pólen, a baixa diversidade genética na progênie pode criar um fator de risco para a manutenção e viabilidade em longo prazo das populações. Os resultados encontrados levantam a preocupação do impacto da fragmentação florestal na conectividade genética de populações de plantas, em particular para árvores de longa vida que supostamente seriam resilientes a efeitos de fragmentação na diversidade genética devido ao amplo fluxo gênico, mantendo altos níveis de diversidade genética e longa geração vezes.
A fragmentação florestal ocasiona uma redução no número de fontes de pólen e diversidade genética na prole de árvores isoladas. Não foi encontradas diferenças na diversidade genética entre árvores adultas em ambas as condições de habitat, no entanto a riqueza alélica e o número de alelos privados foram respectivamente 1,3 e 3 vezes maior para a progênie em floresta contínua do que em povoamentos isolados. O fluxo de pólen para fragmentos isolados não é suficiente para manter os níveis de diversidade genética observados na floresta contínua. Fragmentos de longa distância de dispersão do pólen não são suficientes para manter a diversidade genética das populações, sendo necessário o fluxo gênico de reservatórios genéticos de doadores de pólen encontrados em florestas contínuas.
A diversidade genética incluída em várias fontes locais e entrantes de pólen manterá a produção de progênies geneticamente diversas, fornecendo a matéria-prima para a resposta evolutiva e o potencial das populações para se adaptarem às mudanças ambientais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a diversidade e recomendações de políticas públicas. Brasília: MMA/SBF, 2003. 510 p.
CASCANTE, A.; QUESADA, M.; LOBO, J.J.; FUCHS, E.A. 2002. Effects of dry Forest fragmentation on the reproductive success and genetic structure of the tree Samanea saman. Conservation Biology, 16(1): 137-147.
CHETKIEWICZ, C-L.B.; ST. CLAIR, C. C; BOYCE, M. S. 2006. Corridors for conservation: integrating pattern and process. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics, 37: 317-342.
DIAMOND, J. M. The island dilemma: lessons of modern biogeography studies for the design of natural reserves. Biological Conservation, v. 7, p. 129-146, 1975.
GASCON, C.; LAURENCE, W. F.; LOVEJOY, T.E. 2001. Fragmentação florestal e biodiversidade na Amazônia Central. In: Conservação da biodiversidade em ecossistemas tropicais. Garay, I & Dias, B. (eds.), Editora Vozes, p: 174-189.
HADDAD, Nick M. et al. Habitat fragmentation and its lasting impact on Earth’s ecosystems. Science Advances, [s.l.], v. 1, n. 2, p.1-9, mar. 2015. American Association for the Advancement of Science (AAAS). http://dx.doi.org/10.1126/sciadv.1500052.
HAILA, Yrjö. A CONCEPTUAL GENEALOGY OF FRAGMENTATION RESEARCH: FROM ISLAND BIOGEOGRAPHY TO LANDSCAPE ECOLOGY*. Ecological Applications, [s.l.], v. 12, n. 2, p.321-334, abr. 2002. Wiley. http://dx.doi.org/10.1890/1051-0761(2002)012[0321:acgofr]2.0.co;2.
MACARTHUR, R. H.; WILSON, E. O. 1967. The Theory of Island Biogeography. Princeton, NJ: Princeton University Press.
KAPOS, V. 1989. Effects os isolation on the water status of forest patches in the Brazilian Amazon. Journal of Tropical Ecology, 5: 173-185.
LAURANCE, W.F; VASCONCELOS, H. 2009. Consequências Ecológicas Da Fragmentação Florestal na Amazônia. Oecologia Australis, 13(3):434-451.
LEVINS, R. 1970. Extinction. Pp. 77-107. In:M. Gesternhaber (ed.), Some Mathematical Problems in Biology. American Mathematical Society, Providence, Rhode Island. 117p.
LOVEJOY, T. E. et al. 1986. Edge and other effects of isolation on Amazon forest fragments. In: Soulé, M. E. (Ed.). Conservation Biology: The Science of Scarcity and Diversity. Sinauer, Sunderland, Massachusetts, USA. p. 257- 285
NASCIMENTO, A. T. A.; NEVES, A. C.; MARTINS, R. P.; COUTINHO, F.A. 2012. Conservação da biodiversidade e dinâmica ecológica espacial: evolução da teoria. Oecologia Australis 16: 156-164.
NEPSTAD, D.C.; MCGRATH, D.; BARROS, A.C.; ALENCAR, A.; SANTILLI, M. & DIAZ, M.C. 2002. Frontier governace in Amazonia. Science, 295: 629-630.
ROSAS, Fernando et al. Effects of habitat fragmentation on pollen flow and genetic diversity of the endangered tropical tree Swietenia humilis (Meliaceae). Biological Conservation, [s.l.], v. 144, n. 12, p.3082-3088, dez. 2011. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.biocon.2011.10.003.
SEOANE, Carlos Eduardo Sícoli et al. Corredores ecológicos como ferramenta para a desfragmentação de florestas tropicais. Pesquisa Florestal Brasileira, [s.l.], v. 30, n. 63, p.207-216, 28 out. 2010. Embrapa Florestas. 
SHAFER, M. L. 1981. Minimum population sizes for species conservation. Bioscience, 31:131-134.
SHAFER, C.L. 1990. Nature reserves: Island Theory and Conservation Practice. Smithsonian Institution Press, Washington, DC. 208p.
YOUNG, A. G.; CLARKE G. M. Genetics, 2000. Demography and Viability of Fragmented Populations. Cambridge University Press, Cambridge.

Continue navegando