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Ética e princípios Bioéticos

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Ética e princípios Bioéticos
 
Relembrando o que possivelmente já foi visto na Universidade, podemos compreender que a palavra ética designa do grego ethos, que significa caráter, costume, modo de ser ou agir. Quando falamos sobre ética, agregamos a moral. Portanto, falamos de uma complementaridade. A moral tem associação direta com as regras compartilhadas por dados de grupos em determinados períodos e, a ética diz respeito à reflexão e orientação do comportamento com base nessas regras instituídas, orientadas para o bem-estar na sociedade.  Quando trabalhamos com as questões aplicadas às ciências da vida e da saúde, nos remetemos à Bioética.     
Koerich, Machado e Costa (2005) abordaram os quatro princípios norteadores das decisões e ações nos cuidados em saúde. Segundo as autoras, a beneficência está centrada na análise dos riscos e benefícios para a saúde humana. O conhecimento técnico é fundamental para que a escolha possa ser feita levando em consideração a maximização dos benefícios e a minimização dos riscos. Um dos pontos centrais é que se compreenda o ponto de vista do paciente e a sua autonomia seja respeitada, uma vez que alguns profissionais tendem a minimizá-los ou infantilizá-los.
 
Para saber o que é bom para cada um dos clientes é preciso que se estabeleça um relacionamento interpessoal de confiança mútua e que o cuidador esteja atento aos limites de sua atuação, uma vez que poderá estar ferindo um outro princípio, a autonomia do cliente. (KOERICH, MACHADO e COSTA, 2005, p. 109).
 
O segundo princípio é o da não maleficência, no qual o profissional deve se certificar de que não fará mal aos pacientes, evitando práticas que envolvam riscos ou danos ou, ainda assim, optando por outros modos, que representem menores riscos / danos.  O terceiro princípio é o da autonomia, que significa respeitar o sujeito dentro das suas escolhas, crenças e individualidades. Cabe aos profissionais darem todas as informações possíveis para orientar as decisões, contudo, os profissionais não podem interferir, influenciar ou manipular nas decisões, sendo respaldados os direitos à privacidade, liberdade e dignidade.  O último princípio diz respeito à justiça e, as autoras relembraram a Constituição de 1988 e os princípios doutrinários do SUS, que pregam principalmente a integralidade, a equidade e a universalidade, já que a saúde é um direito de todos, independente desses sujeitos serem atendidos nos serviços públicos ou privados. 
 
Código de Ética norteador da Psicologia
 
O primeiro Código de Ética da categoria foi elaborado em 1967, pela Associação Brasileira de Psicologia. Todas as atualizações sempre valorizaram a dignidade do indivíduo. A Resolução CFP nº 010 /2005 aprovou a versão mais recente, que entrou em vigor no dia 27 de agosto.
No Código de Ética Profissional do Psicólogo, constam os padrões técnicos que direcionam e garantem a responsabilidade da categoria junto aos seus pares e à sociedade.
Como não será possível discutirmos todos os pontos, gostaria de convidá-l@s a conhecerem alguns e, deixo como exercício a leitura completa.
O nosso Código é basicamente dividido em: Princípios fundamentais, responsabilidades dos Psicólogos e disposições gerais. As responsabilidades são os deveres/ condutas do profissional, como: conhecer e fazer cumprir o Código. Essa parte contempla também aquilo que é vedado ao Psicólogo. Nas disposições gerais, estão situadas as penalidades quanto às infrações disciplinares e outras informações. As duas partes estão mais detalhadas na vídeo aula.
Já os princípios fundamentais, são as sete orientações quanto à construção da justiça social em todos os campos, conforme situados abaixo:
 
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos;
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código.
 
A compreensão do luto
 
Quando falamos sobre a ética nas práticas hospitalares, uma das questões mais comuns é: o Psicólogo pode comunicar o óbito?
Apesar de todo o nosso conhecimento sobre esse processo, o profissional dotado de capacidades técnicas para essa comunicação é o médico. Justamente por esse tema ser tão comum e tão eticamente debatido, situei na continuação, um material importante sobre esse processo.
Como sabemos, luto e morte têm diferenciações, apesar de estarem interligados. Ambos comportam uma extensão polissêmica, quando compreendidos sob as perspectivas sociais e culturais. A palavra “morte”, no hebraico está relacionada à ideia de separação do espírito e do corpo físico. Na língua latina, mors diz respeito ao fim da existência e, a própria palavra existência comporta o sufixo ex, que oscila entre o aparecer e o sair. Compreendemos então que chegamos ao mundo e, em dado momento, partimos dele. Mors também pode significar “solidão” e, falaremos mais para frente sobre essa percepção, principalmente por parte “dos que ficam”.
Em 1915 Sigmund Freud escreveu uma das grandes obras sobre o luto: Luto e Melancolia, situando o luto como um processo que implica não só a morte de uma pessoa mas, a perda de um objeto que se constitui importante para o sujeito. No Hospital o luto pode vir de diversas formas: pela perda das condições que antes eram vivenciadas pelos indivíduos, pela perda das perspectivas, pela perda ou “readequação” do funcionamento de um órgão, pela perda do nome e das identidades individuais decorrentes da rotulação pela doença, entre outras. O luto, segundo Freud, não seria uma condição patológica mas, a melancolia pode vir a se tornar patológica. Freud (1974) mencionou a dor do luto e as reações psíquicas que o envolvem:
O teste de realidade revelou que o objeto amado não existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Essa exigência provoca uma oposição compreensível – é fato notório que as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um substituto já se lhes acena. Essa oposição pode ser tão intensa, que dá lugar a um desvio da realidade e a um apego ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória carregada de desejo. Normalmente, prevalece o respeito pela realidade, ainda que suas ordens não possam ser obedecidas de imediato. São executadas pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido. Cada uma das lembranças e expectativas isoladas, através das quais a libido está vinculada ao objeto, é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas. Por que essa transigência, pela qual o domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser extraordinariamente penosa, de forma alguma é coisa fácil de explicar em termos de economia. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nóscomo algo natural. Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido (FREUD, 1974, p.277).
 
Não foi somente a psicanálise que situou o luto como explicação dentro do comportamento humano, envolvendo as suas emoções. Heidegger (1989) fez uma ligação direta da finitude com o sentimento de “angústia”. Sabendo desde o seu nascimento da sua limitação e finitude, o homem prova então a angústia diante da sua imortalidade. O “ser no mundo” deve viver e lidar com essa angústia que lhe “habita”.
Outras correntes e pensadores mencionam esse processo e o modo como o vivenciamos na contemporaneidade. Talvez tenhamos nos tornado distantes da realidade, ou de alguma forma tentamos evitar tudo aquilo que nos traz “incômodo”. A contemporaneidade marca o luto na nossa sociedade como “um acontecimento do outro e não meu”. Contudo, cabe a nós como profissionais compreendermos que essa dor está presente e precisa ser vivenciada, elaborada e trabalhada.
 
Os rituais envolvendo a morte
 
Com base na própria linguística, a “morte” na língua portuguesa ou italiana faz alusão ao “esquecimento”. Contudo, o não esquecimento é buscado pelos familiares ou pessoas que conviveram com a pessoa falecida. Quando falamos sobre o luto, as lembranças buscam dar forma ao objeto perdido.
Vinciane Despret (2011) em seu texto “Acabando com o luto” reflete sobre a busca dos vivos em manterem vivos, os seus entes falecidos, por meio das singularidades, das narrativas e dos rituais.
Seja na contemporaneidade ou nas tradições herdadas, o luto traz então todo o simbolismo e o caráter das palavras e da fala: resume-se ao caixão, velas, fotos, roupas, estátuas, palavras e escritas que ficarão junto ao corpo de quem faleceu, para que assim possa ser sempre lembrado em sua individualidade, na imagem de quem foi, no que fazia, nas roupas que usava.
Destacamos nesse simbolismo os ritos fúnebres de passagem. Existentes há mais de 50 mil anos são rituais que primeiramente eram realizados para agradar aos mortos, depois passaram a ser cerimônias para honrar o ente querido, com base em uma reunião de familiares, colegas e amigos em uma vigília, onde cada cultura tem o último contato com aquele corpo. A cerimônia no Islã, por exemplo, é simples e o corpo é sepultado em até 24 horas. O corpo do morto é lavado para que fique puro “na sua entrada ao paraíso” então, homens lavam o corpo do homem e mulheres lavam o corpo feminino. Após esse ritual, os corpos são cobertos com um pano branco. O caixão não é utilizado, o corpo é enterrado e virado para Meca. Nem sempre os túmulos possuem escrituras ou diferenciações.
Nem todas as sociedade vivenciam o luto da mesma forma; em algumas, os eventos são mais leves, em outras ocorrem festas para celebrar a vida daqueles que partiram, o fato é que os rituais são relevantes e necessários para a elaboração desse processo. Os rituais marcam a concretização da ideia abstrata da “partida”. Tanto nas sociedades Ocidentais como nas Orientais, dificilmente os rituais não envolvem a proximidade com alguma crença religiosa.
Por fim, Despret (2011) situou que é através do modo como nos colocamos diante do mundo que, determinamos como seremos lembrados. A lembrança é o modo de manter a imortalidade quando não estivermos mais aqui. Por isso, nós ligamos tanto aos mortos, porque eles “se fizeram lembrar” e como são nossos “ancestrais”, fazem-nos lembrar da nossa condição e do caminho que seguimos, por ser parte deles, por tudo estar relacionado e interligado dentro da ordem social, portanto, manter o “outro” vivo, também é “me” manter vivo.
A psicóloga Maria Helena Bromberg (1995) considera importante que os psicólogos reconheçam as fases do luto:
1. Entorpecimento: Que pode envolver a negação, o sentimento de desamparo e o choque diante da perda. A autora afirmou que essa reação também é vista em pessoas que passaram por situações de catástrofes. O entorpecimento pode durar horas ou dias, pode ser interrompido por rompantes de raiva e, ainda assim, os enlutados podem continuar vivendo automaticamente a mesma rotina, como se nada tivesse acontecido;
2. Anseio e protesto: A partir da consciência da perda, o sujeito busca reencontrar o outro e vivencia um processo marcado pela dor, pela raiva, podendo sentir culpa e buscar pela introversão;
3. Desespero: Segundo a autora, pode ocorrer no decorrer do primeiro ano e envolve a apatia e os sentimentos depressivos. Os enlutados podem mudar as suas rotinas, vivenciar sintomas somáticos, perda de sono e apetite;
4. Recuperação e restituição: É o misto dos sentimentos mais positivos com a depressão e a desesperança. Há um afastamento cada vez maior das lembranças e da busca pela presença do outro. Os sintomas podem reaparecer em datas comemorativas;
 
Para Bromberg (1995) ao reconhecer tais fases, os psicólogos podem realizar um trabalho respeitando os ciclos naturais e a temporalidade dessa vivência, que envolve o denominado “luto não complicado”, com referências à vivência não patológica do luto.
 
 
O luto na visão dos profissionais de saúde
 
Se por um lado o Psicólogo Hospitalar poderá estar presente na comunicação do luto e, oferecerá apoio aos familiares / parentes / amigos enlutados, o seu trabalho não se restringirá a essa situação, cabendo também abordar o tema e acolher (quando necessário) os membros da equipe.
Quando um paciente recebe um diagnóstico, conforme indicou Kubler-Ross (1998, apud FARIA e FIGUEIREDO, 2017) tende a passar por 05 estágios, que serão determinados pela sua subjetividade. Esses estágios contemplam a negação, a raiva / revolta, a fase da barganha, a depressão e o estágio da aceitação.
O contexto hospitalar envolve a vivência do luto em diferentes perspectivas. Os profissionais podem acompanhar todos esses estágios em pacientes que já estão na instituição há mais tempo. Portanto, essa é uma área com grande proximidade da finitude.
O modelo curativista, adotado por muito tempo, é produtor de sofrimento emocional para os profissionais de saúde, por praticamente responsabilizar os mesmos pelo restabelecimento dos seus pacientes. Diante dos processos que envolvem a morte, os profissionais pautados nessa lógica podem apresentar reações de raiva e frustração diante da crença de falha e de impotência, uma vez que não impediram a morte de determinados pacientes.
Mendes, Santos e Marback (2018) ao realizarem uma revisão narrativa de publicações sobre a morte no âmbito hospitalar, contemplando o período entre 2005 e 2017, concluíram que: as lacunas sobre o tema na formação em saúde vem desde o início da faculdades, quando os discentes estão envoltos em conteúdo técnico, mas, a finitude quase não é trabalhada. Essa questão leva ao silenciamento do tema, quando ele aparece no ambiente de trabalho. Os ônus de um luto mal elaborado envolvem a possibilidade de transtornos depressivos, Burnout, transtornos da ansiedade e outras questões de ordem psíquica porque lidar com a morte do outro é enfrentar a sua própria finitude. As autoras mencionaram que como estratégias de enfrentamento desse processo que envolve o “não saber lidar com”, os profissionais tendem a descontar as suas tensões nas relações familiares, buscam conforto nas religiões, deixam de se cuidar ou se distanciam dos próprios pacientes, como um mecanismo de defesa.
Mendes, Santos e Marback (2018) ressaltaram a importância do Psicólogo na atuação com o luto e com a morte, sendo este o mediador entre o paciente e os seus familiares. Podendo também ampliar esse trabalho, formando, por exemplo, grupos com os profissionais, no intuito de trabalharem as suas próprias questões e o manejo emocional em situações que assim o exigirem.

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