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AULA 8 – CIRURGIA EXPERIMENTAL DANIELA FRANCO 1. ASPECTOS HISTÓRICOS ➔ Erasístrato (304-258 A.C.) pioneiro da cirurgia experimental. ➔ Seguido por Galeno (129-199 A.C.) ➔ Medico Avicena (980-1037): influenciou a educação médica europeia do séc. XVII. ➔ Andreas Vesalius (1514-1564): fundador da anatomia moderna, dissecção de animais e anatomia compararada, mostrando erros conceituais nos escritos de Galeno. ➔ John Hunter (1728-1793): fundador da cirurgia experimental. ➔ 1876: primeiros manuscritos com a preocupação com os animais. ➔ Código de Nuremberg (1947) e Declaração de Helsinque (1975): a experimentação no homem deveria ter como substrato a experimentação animal. O uso de modelos animais em cirurgia experimental contribuiu de maneira fundamental para o desenvolvimento da cirurgia e consolidação do conhecimento científico ao longo da história. Apesar da crescente preocupação ética para reduzir a utilização desnecessária de animais na experimentação científica, os enormes benefícios advindos do emprego criterioso de animais na investigação justificam em si só necessidade desta utilização. Ainda nos dias atuais, não podemos prescindir dos modelos animais como valioso instrumento para a pesquisa científica e o desenvolvimento médico-cirúrgico. 2. ÉTICA EM EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL No Brasil, o Decreto Federal nº 24.645, de 1934, já advogava a inviolabilidade do animal, previa infrações com multa e prisão pelos maus tratos, mas reconhecia a atividade praticada no interesse da ciência. A Lei Federal nº 6638 de 08/05/1979, também regulamentou a matéria. A Lei 6638 de 08/05/1998 enfocou o problema sob uma óptica de crimes ambientais. Com a entrada em vigor da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, criou-se, por equidade de raciocínio, uma expectativa em torno da regulamentação das atividades de pesquisa, ensino e extensão envolvendo animais. A morosidade dos trâmites legislativos não é obstáculo para que a comunidade científica se mobilize no intuito de viabilizar a análise dos projetos de pesquisa experimental em animais. Várias instituições instalaram Comitês de Ética, porquanto aqueles que lidam com animais devem fazê-lo dentro de normas ético-científicas rígidas capazes, inclusive de validar futuras publicações em revistas indexadas nacionais e internacionais. Faz-se oportuno ressaltar a ação de membros de movimentos de proteção e defesa dos animais. Respaldados por princípios intransigentes e articulados com os interesses de uma mídia ávida por matérias que gerem audiência, procuram difundir a ideia da experimentação médico- científica com animais ser indissociável do sofrimento físico e da conduta antiética. A despeito deste tipo de argumentação, desprovida de fundamentação técnica, são capazes de influenciar legisladores e formar uma opinião pública hostil aos pesquisadores envolvidos com práticas de vivissecção, uso de espécies geneticamente modificadas, ou qualquer outro aspecto cuja natureza circunscreva a pesquisa com animais nos laboratórios. O aprendizado do médico, especialmente em alguns campos do saber, não pode prescindir da atividade prática no modelo animal. O desenvolvimento de habilidades psicomotoras e a habilitação para o ato cirúrgico não se consolidam apenas no exercício teórico. Treinar em anima nobile é expor o paciente ao dano e o médico ao erro. Logo, faz-se mister a simulação das condições encontradas no campo operatório para que o futuro profissional possa adquirir sua capacitação técnica, sem o risco de iatrogenias (palavra de origem grega na qual iatros significa médico e genia, causada pelo). O ensino nos laboratórios, sob supervisão, com a valorização dos aspectos éticos deve fazer parte do conteúdo disciplinar obrigatório dos estudantes de Medicina e de outras áreas afins, quer seja sob a forma de programas de iniciação científica, ou de pós- graduação stricto sensu. REGRA DOS 3 RS Princípio dos 3Rs (Reduction, Refinement e Replacement) para o uso de animais foi estabelecido: a redução reflete a obtenção de nível equiparável de informação com o uso de menos animais; o refinamento promove o alívio ou a minimização da dor, sofrimento ou estresse do animal; a substituição estabelece que um determinado objetivo seja alcançado sem o uso de animais vertebrados vivos. De fato, métodos alternativos podem ser definidos como qualquer método que possa ser usado para substituir, reduzir ou refinar o uso de animais na pesquisa biomédica, ensaios ou ensino. i. Replacement (substituição): tem sido crescente o interesse na aplicação de alternativas para o uso de animais em pesquisa e treinamento, requerendo que o mínimo de animais seja usado e, sempre que possível, substituindo modelos animais por métodos alternativos - cultura de células e tecidos, sistemas inertes, simuladores; As propostas para atividades de ensino ou de pesquisa científica devem substituir o uso de animais por métodos alternativos, quando estes existirem. ii. Reduction (redução): redução do número de animais que pode ser viabilizada através de várias medidas como: 1. Seleção racional do tamanho do grupo de animais 2. Estudo piloto para estimar a viabilidade e avaliar procedimentos e efeitos 3. Verificar inicialmente o poder de análise do método e do teste estatístico 4. Delineamento experimental cuidadoso 5. Escolha apropriada dos grupos de controle 6. Padronização de procedimentos para minimizar variabilidade 7. Realização de vários procedimentos terminais por animal 8. Animais usados por um pesquisador podem ser utilizados para retirada de tecidos para outro pesquisador, quando apropriado 9. Escolha correta do modelo experimental 10. Uso de animais sadios e geneticamente semelhante diminui a variabilidade 11. Minimizar a perda de animais 12. Bons cuidados pós-operatórios 13. Evitar sangramentos 14. Planejar número adequado de animais a serem adquiridos e usados 15. Uso de método estatístico adequado, que possa gerar o máximo de informação segura e significante com número mínimo de animais iii. Refinement (refinamento): refinamento da técnica para reduzir o trauma, a dor e o desconforto. Modelos animais refinados e ensaios cirúrgicos devem trabalhar em conjunto para ajudar na busca de tratamentos novos e mais eficazes. No futuro, é provável que uma combinação de modelos animais, linhagens de células e simulações em computador possam permitir aos pesquisadores o desenvolvimento de ferramentas de grande alcance para a cura de doenças clínicas e cirúrgicas. Os animais utilizados devem ser apropriados para atividades de ensino ou de pesquisa científica. A escolha deve ser realizada considerando suas características biológicas, comportamentais, constituição genética, estado nutricional, estado sanitário e geral. O uso de fêmeas gestantes deve ser devidamente justificado. 3. BIOTÉRIO Local onde são criados e mantidos os animais A. INSTALAÇÕES Isoladas fisicamente dos laboratórios e áreas administrativas. À prova de agentes infecciosos e vetores. Menor possível trafego de pessoas. B. TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA Manutenção da higidez animal. ➔ Para pequenos roedores 21 a 24C. ➔ Coelhos: 18 a 20C. ➔ 20-26ºC para camundongo, rato, hamster, cobaia. Mudanças bruscas da temperatura podem gerar estresse com queda da resistência e susceptibilidade as infecções. Altas temperaturas: queda na reprodução Baixas temperaturas: infecções respiratórias. A maioria dos animais tolera bem a faixa entre 40 e 60% de umidade relativa do ar, começando a ter problemas quando esta chega a 30% ou quando é superior a 70%. C. UMIDADE RELATIVA DO AR Liberação de vapor pela respiração e evaporação da urina: tendênciaa aumentar a umidade do ar, portanto é necessário sistema que retire o excesso de umidade. Umidade ideal: 45 a 55% D. ILUMINAÇÃO Atua no comportamento e na reprodução. Luz fria menos irritante que luz incandescente. Luz natural: não é possível controlar, por isso, contraindicada. Ideal: 12 a 14 horas /24h de luz. A iluminação deve ser uniforme, sem brilho e proporcionar boa visibilidade. A intensidade da luz pode influenciar a agressividade e a incidência de canibalismo em roedores. Alterações graduais entre os períodos de claro e escuro podem ser necessárias como um período para a adaptação do comportamento diurno e crepuscular. Recomenda-se um nível de iluminação de cerca de 325 lux, distante 1m do piso Camundongos e ratos preferem gaiolas construídas com materiais que os protejam da luz, sendo que os albinos preferem áreas com intensidade menor que 25 lux. E. VENTILAÇÃO E FILTRAÇÃO DO AR Retirar do ar partículas de patógenos. Objetivos da filtração: retenção de partículas de poeira e microrganismos. A principal função da ventilação e exaustão do ar é proporcionar um aporte adequado de oxigênio e remover a carga térmica produzida pelos animais, pessoal, luzes e equipamentos; diluir e exaurir contaminantes gasosos e particulados, incluindo alérgenos e agentes patogênicos presentes no ar; controlar o teor de umidade e temperatura do ar A exposição direta dos animais a uma massa de ar em alta velocidade deve ser evitada, pois a velocidade do ar que os animais estão expostos altera a taxa de remoção do calor e umidade do anima F. RUÍDO Provoca estresse. Até 85 decibéis G. ANIMAIS SILVESTRES E VETORES Transmissão de grande parte das doenças e zoonoses que afetam os animais. Incentivo a programas de desinsetização e controle de roedores silvestres. H. GAIOLAS De fundo sólido (animais de pequeno porte) e fundo perfurado (animais de médio porte). De metal ou plástica. I. CAMA Absorver a urina e aquecer. Maravalha (raspas de madeira). Madeira não pode ter tido contato com agrotóxicos, resinas, roedores silvestres e pássaros. J. DENSIDADE POPULACIONAL Quando eles apresentem postura adequada e movimentação ou comportamento padrão da espécie. Isolados ou superpopulosos: estresse. K. ODORES Importância da vida reprodutiva. Odor da urina, da ração, dos profissionais que ali trabalham: atrapalham. L. ÁGUA E RAÇÃO Água: microbiologicamente pura. Frascos transparentes e bico de metal autoclavável. Água potável, fresca e limpa deve ser oferecida à vontade, exceto quando a proposta em estudo não permita Ração: industrializada, autoclavável para evitar contaminações. 4. ANIMAIS UTILIZADOS ➔ Camundongos: modelos de eleição para estudo de genética, teratologia e gerontologia ➔ Ratos Wistar: linhagem albina, mais utilizados ➔ Coelhos ➔ Suínos ➔ Cobaia: porquinho da Índia 5. CONTENÇÃO MECÂNICA E QUÍMICA Mecânica ou física: capturar o animal para manejo mais adequado e seguro. Segura-se o animal pela base da cauda seguida da colocação em uma base plana e com a outra mão firmemente e gentilmente no dorso entre a cabeça e a caixa torácica. Química: sedação, analgesia e relaxamento muscular 6. TÉCNICAS ANESTÉSICAS / ANALGÉSICAS A. ANESTÉSICOS / ANALGÉSICOS UTILIZADOS Inalatórios: Metoxifluorano, isofluorano, sevoflurano e ácido nitroso. Vantagens: relativamente simples de administrar; controle mais preciso da profundidade da anestesia; indução e recuperação rápidas; a provisão de oxigênio resulta em maior concentração de oxigênio no sangue durante a anestesia Etorfina, carfentanil, Butorfanol, Quetamina, Tiletamina, Xilazina, Metomidina, Detomidina, Diazepan Midazolam VIAS DE ADM.: ➔ VO: através da água ou alimento ➔ Gavagem: Uma sonda flexível de polietileno, é introduzida na boca do animal, passando pelo esôfago e chegando ao estômago, onde o material é dispensado. A gavagem é o método mais preciso dentre os procedimentos por administração oral. Porém, poderá representar um risco para o bem-estar do animal, por ser mais invasivo. ➔ Subcutânea: As soluções devem ter pH fisiológico e ser isotônicas. As injeções são feitas normalmente no dorso, na nuca ou flanco ➔ Intramuscular: O sítio mais utilizado nesta via é o músculo bíceps femoral da coxa. ➔ endovenosa: introdução da medicação diretamente na corrente sanguínea e que permite a mais rápida ação do fármaco administrado ➔ intraperitoneal (esta última que iremos fazer): Não é necessária anestesia e a injeção é feita no quadrante abdominal inferior do lado direito do animal. Há risco em puncionar o trato intestinal por dificuldade de contenção do animal. Não são indicadas para múltiplas doses e materiais irritantes podem causar peritonite B. CÁLCULO DA DOSE 7. ANATOMIA COMPARADA ➔ Sinais vitais são muito variáveis nas diferentes espécies. ➔ Fluxo biliar do coelho maior que na maioria das espécies, incluindo do homem. Meio ideal para experimentação com colestase. ➔ Ratos, porco e cães: ideal para transplantes intestinais. ➔ Os suínos são considerados os animais de escolha para treinamento em cirurgia vídeolaparoscópica. Anastomoses e derivações portais podem ser efetuadas, sem dificuldade, em cães e porcos. ➔ Nos roedores, o ceco compõe com o apêndice vermiforme uma estrutura proeminente e móvel, que não se fixa à goteira parietocólica direita. ➔ Modelos de isquemia e reperfusão intestinal são de fácil execução em animais de pequeno e médio porte e requer conhecimentos anatômicos básicos. ➔ Ratos com frequência são selecionados para o uso em pesquisas que abordam aspectos nutricionais, choque, sepse, câncer e cicatrização ➔ Os coelhos são muito aproveitados em estudos oftalmológicos, de plástica ou de cirurgia vascular. ➔ Nos ratos e gatos os trabalhos são mais direcionados para o tubo digestivo. ➔ Os cães são utilizados, habitualmente, em cirurgias pancreáticas, do trato gastrointestinal, de transplantes e de traumatismos do baço. 8. CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIO E ANALGESIA A supressão do sofrimento e da dor deve ser uma das prioridades da experimentação animal. A dor no pós-operatório deve ser pesquisada sistematicamente para determinar se o animal necessita da administração de analgésico. A pesquisa envolve vários indicadores como: avaliação da atividade motora, alteração da aparência, como postura encurvada, piloereção, secreção ocular ou nasal; alteração no temperamento, aumento da agressividade, relutância em interagir; alteração na vocalização, batimento ou rangido dos dentes, aumento ou diminuição da vocalização; alterações no consumo de alimentos ou água, perda de peso, diminuição da excreção de urina e fezes; alterações fisiológicas, nos batimentos cardíacos, taxas respiratória, pressão sanguínea, saturação de oxigênio, cor da pele. Avaliação do local da cirurgia: eritema, edema, descargas etc. 9. EUTANÁSIA A eutanásia, o sacrifício humanitário com o mínimo de dor, medo e angústia, deve estar prevista no protocolo experimental e realizada ao final do experimento. No entanto, a obrigação legal e moral de salvaguardar o bem-estar do animal e minimizar o desconforto deve ser assegurada por sistema de vigilância, isto é, planilhas de registro de alterações clínicas, com escore de dor, para identificação de problemas e determinar o momento que o animal afetado gravemente deverá ser eutanasiado para evitar sofrimento desnecessário, mesmo antes da data prevista. A avaliação deverá ser feita baseada na perda de peso, na deterioração do estado clínico, sintomas específicos relacionados à doença induzida. O bem-estar animal é um pré-requisito para resultados experimentais mais realísticos, portanto devem ser usados procedimentos quereduzam o sofrimento dos animais e melhore o seu bem-estar. - mudanças na aparência física (ex.: ferimentos, postura, textura do pelo, pelo sujo de urina ou fezes); - mudanças no peso corporal e outras relacionadas ao consumo de alimento e água; - mudanças de padrões fisiológicos (ex.: frequência de respiração, frequência cardíaca, temperatura corporal); - mudanças no comportamento normal (ex.: inatividade, automutilação, comportamento compulsivo, movimentos repetitivos ou esteriotipados); - mudanças nas respostas a estímulos (ex.: agressividade, excitabilidade) CASOS 1. “Deve-se, igualmente, propiciar o desenvolvimento da noção indispensável de que somente com a pesquisa ± séria, respeitosa, responsável e honesta ± pode ocorrer a evolução da Medicina. A Faculdade de Medicina, além de fornecer a seus alunos o conhecimento médico apropriado, tem a obrigação de propiciar-lhes a iniciação científica. Os médicos devem ser treinados para compreensão e aplicação do método científico, para desenvolvimento de um pensamento inquiridor, para aprendizado de como analisar a validade e a possibilidade de generalização dos resultados de um estudo, e para utilizar seu conhecimento para questionar e prover respostas reais com limites definidos de precisão” Discuta com o seu grupo qual é, na sua opinião, a importância e a relevância da cirurgia experimental? 2. Em visita ao Biotério para avaliar um rato submetido à laparotomia experimental, você observa os seguintes parâmetros neste 1º dia de pós-operatório: Levando-se em conta os dados apresentados, responda: a) Como você interpreta este pós-operatório? Queda na ingesta hídrica e no consumo alimentar (alteração comportamental - padrão alimentar) associado à piloereção (alteração na aparência) são fortes indicadores de dor no pós-operatório. b) Em relação ao princípio dos 3 Rs de Russel & Burch, qual deles (Rs) poderia ser capaz de alterar beneficamente o curso deste pós-operatório, se melhor executado? Explique. Refinement: refinamento da técnica para diminuir o trauma e consequentemente amenizar a dor e o desconforto, fatores que estão diretamente envolvidos neste pós-operatório. Replacement (substituição) e reduction (redução) não interfeririam especificamente neste pós- operatório. 3. Segundo a Diretriz Brasileira para o Cuidado e a Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica, o período intra/pós-operatório deve obrigatoriamente proporcionar conforto e analgesia para o animal sempre que a dor não for o escopo do protocolo experimental. Assim sendo, calcule a dose (em ml) a ser administrada de Cloridrato de Bupivacaína para um rato de 200 gramas. Dose: 5mg/Kg Apresentação: 0,5%
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