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- -1 COMPORTAMENTO E SOCIEDADE A COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES HUMANAS Aline Prado Atassio - -2 Olá! Você está na unidade . Conheça aqui o conceito de gênero,A Complexidade das Relações Humanas sexualidade, raça, etnia, entre outros. Entenda as complexidades da interação entre gênero biológico e identidade de gênero. Conheça também sobre o racismo, sua história e as implicações sociais da discriminação. Entenda como fatores aparentemente desconectados, como a pobreza e desigualdade social, implicam em desequilíbrios orgânicos e psíquicos nos indivíduos e como esses fatores interferem na qualidade e expectativa de vida, mesmo com um sistema de saúde universal e gratuito. Conheça ainda os conceitos de mitos, ritos e símbolos e se dá a atuação destes no nosso cotidiano. Bons estudos! - -3 1 Noções Preliminares No início dos anos 1960, foram realizados ao redor do mundo buscando diversos movimentos mudanças no . Nessa esteira das inovações, surgiu o movimento estudantil em Paris, no ano de 1968; a Primaverastatus quo dos Povos na Tchecoslováquia, a luta contra a ditadura na América Latina, inclusive no Brasil, ou ainda pelo fim da Guerra do Vietnã. Para além da mudança de paradigma prático, no que tange ao cotidiano, esse foi o ambiente propício para o surgimento de , através da conceituação de temas como novas respostas aos anseios acadêmicos raça, étnica, .gênero, desigualdade social Nesse contexto de inovações surgiram novas áreas de pesquisa destinadas a compreender o papel do negro, da mulher, dos indígenas na sociedade capitalista. O próprio sistema capitalista passou a ser questionado, dado seu caráter opressor e segregador. Figura 1 - A liberdade de expressão Fonte: LaInspiratriz, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: Na imagem pessoas de ambos os sexos vestidos de maneira colorida e bastante despojada para a época. As roupas coloridas e cabelos soltos, adornos e a adoção de flores como símbolo do movimento expressam o desejo de liberdade, paz e igualdade. - -4 1.1 Gênero e sexualidade A problemática de gênero surge neste contexto, impulsionada pela ascensão feminina aos movimentos sociais. Ocupando em geral cargos secundários, não possuindo funções de comando, as mulheres passam a pleitear um espaço de destaque, que as coloca tão em evidência quanto aos homens. Para além das lutas políticas, surgem também as demandas de libertação sexual. É o período de descobrimento da pílula anticoncepcional, do questionamento de valores, antes tidos como essenciais às mulheres, como a virgindade e o casamento e o sexo passa a ser visto como fonte de prazer e não apena prática reprodutiva. O movimento gay desponta, ainda que timidamente, porém, também faz coro ao questionamento das relações afetivo-sexuais, especialmente em espaços privados. Você deve estar pensando como movimentos urbanos possuem a legitimidade para modificar pautas acadêmicas, não é mesmo? Pois bem, as universidades são espaços de diversidades e de luta social. É natural que a partir delas surjam as produções de conhecimento, materializando conflitos, questões e apontamentos, o que já é existente no âmbito simbólico. Além disso, muitas professoras e alguns professores perceberam que não havia respostas para indagações importantes vindas desses movimentos. Inicia-se assim a busca por essas respostas. O movimento de estudos de gênero nasce no Brasil para estudar especialmente a condição feminina e era realizado unicamente por mulheres. Bastante ligadas às correntes marxistas, utilizavam a obra de Friedrich Engels (2009) intitulada “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” para amparar os estudos sobre camponesas, empregadas domésticas, operárias. Engels afirmava que a mulher foi a primeira propriedade privada do homem. As sociedades, antes matriarcais, transformaram-se em patriarcais, tendo o poder sido transferido aos homens. Esse movimento implicou na opressão da mulher, que pertencia ao marido, após ter sido propriedade do pai. Na sociedade capitalista, a opressão é ainda maior, pela própria estrutura que o sistema impõe. A classe trabalhadora passa a ser oprimida pela burguesia enfaticamente. As mulheres, além da opressão sexual, são também oprimida financeiramente, porém permaneciam invisíveis na sociedade patriarcal. Nos anos 1980 a expansão dos estudos sobre gênero acolhem também as diferenças entre as mulheres: não obstante a opressão sexual ser generalizada, há distinções na opressão de acordo com a região em que a mulher vive, a classe social, faixa etária, raça, estado civil, entre outros fatores. Ainda nos anos 1980, tem início o movimento de afirmação LGBT, que irá fortalecer a luta em prol das minorias sociais. - -5 A partir de então, o desenvolvimento no campo dos estudos de gênero e sexualidade evoluíram. Hoje, a luta pela representação está não apenas entre mulheres, mas também entre os transgêneros, intersexo, entre outros, que possuem nomenclatura conforme o gênero. Tabela 1 – Glossário para estudos de gênero e sexualidade TRANSGÊNERO Termo que descreve a pessoa cuja identificação de gênero é diferente do sexo biológico com o qual a pessoa nasceu. CISGÊNERO Termo que descreve a pessoa cuja identidade de gênero é a mesma do sexo biológico. INTERSEXO Termo descreve pessoa com desenvolvimento sexual desordenado com configurações reprodutivas, genéticas, genitais ou hormonais, que resultam num corpo que não pode ser categorizado como homem ou mulher. ORIENTAÇÃO SEXUAL Sentimento de atração sexual de uma pessoa em relação à outra. Essa orientação pode significar por pessoas de sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos os sexos. GENDERQUEER Designa alguém cuja identidade de gênero não é de homem nem de mulher. Está entre os dois ou além dos dois gêneros, podendo ainda ser uma combinação dos dois. AGÊNERO Pessoa que não se identifica com nenhuma identidade de gênero. Fonte: Elaborada pelo autor, 2020. #PraCegoVer: A imagem mostra uma tabela de seis linhas e duas colunas de um glossário para estudos de gênero e sexualidade de termos como transgênero, orientação sexual, agênero, entre outros. Falamos aqui muito sobre gênero, mas você saberia definir esse conceito? Para nos ajudar nessa empreitada, traremos as definições clássicas de duas autoras fundamentais para esses estudos, Françoise Héritier e Joan Scott. De acordo com Heritier (1996, p. 288) Ora, o indivíduo não pode ser pensado sozinho: ele só existe em relação. Basta que haja relação entre dois indivíduos para que o social já exista e que não seja nunca o simples agregado dos direitos de cada um de seus membros, mas um arbitrário constituído de regras em que a filiação (social) não seja nunca redutível ao puro biológico (apud GROSSI, 1998, p. 5). Considerando o gênero para Scott (1990, p.15) - -6 Por “gênero”, eu me refiro ao discurso sobre a diferença dos sexos. Ele não remete apenas a ideias, mas também a instituições, a estruturas, a práticas cotidianas e a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constitui as relações sociais. O discurso é um instrumento de organização do mundo, mesmo se ele não é anterior à organização social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade biológica primária, mas ele constrói o sentido desta realidade. A diferença sexual não é a causa originária a partir da qual a organização social poderia ter derivado; ela é mais uma estrutura social movediça que deve ser ela mesma analisada em seus diferentes contextos históricos (apud GROSSI, 1998, p. 5). Gênero é algo construído socialmente, na relação entre homens e mulheres. O gênero é construído na diferença entre homens e mulheres, mas principalmente, serve para dar a essa diferença, e determina questõessentido sociais e culturais. Essencialmente, nascer biologicamente como homem ou mulher não determinada nenhum papel social. Todavia, historicamente, as determinações sociais impõem papeis distintos a cada sexo biológico. Ser biologicamente diferente impõe social. O quese espera de um homem é distinto daquilo que espera-se de uma mulher,distinção tanto em comportamento concreto quanto no plano do simbólico. Devemos entender que gênero e sexo são conceitos distintos. Sexo são apenas dois: masculino e feminino. Já o gênero é e sofre ressignificação o tempo todo!mutável E os papéis sociais de homens e mulheres, será que sem mantém os mesmos no tempo e no espaço? A resposta é não! Papéis podem sofrer alteração de acordo com a sociedade em que os indivíduos estão inseridos. Podem mudar não apenas de uma cultura para outra, mas dentro da mesma cultura! Foi assim desde o Iluminismo, passando pelas sufragistas e culminando com os avanços na esfera pública e privada do anos 1960. O crescimento dos movimentos sociais e a ascensão das mulheres na sociedade a partir de cargos antes tipicamente masculinos, como gerência de empresas, denotam a transformação na esfera pública. Esses papéis sequer eram cogitados por mulheres dez anos antes. Contudo, transformações na maneira de pensar, estudos, novos paradigmas acabaram tornando o impensável possível e desejável. Na esfera privada, as transformações também foram significativas, transformando as relações familiares. Podemos concluir até aqui que os papéis de gênero não são biologicamente impostos, são mutáveis de acordo com a cultura e a história na qual estão inseridos. Para além do papel de gênero, há uma consideração importante a ser feita: a identidade de gênero. Mais complexa do que os papéis de gênero, a identidade de gênero envolve os sentimentos do indivíduo sobre a própria identidade. - -7 Um psicólogo norte-americano chamado Robert Stoller (1978), o qual estudou inúmeros casos de indivíduos considerados à época “hermafroditas” ou com os genitais escondidos e que, por engano, haviam sido rotulados com o gênero oposto ao de seu sexo biológico, diz uma coisa impressionante: que é " mais fácil mudar o sexo biológico do que o gênero de uma pessoa". Para ele, uma criança aprende a ser menino ou menina até os três anos, momento de passagem pelo complexo de Édipo e pela aquisição da linguagem. Este é um momento importante para a constituição do simbólico, pois a língua é um elo fundamental do indivíduo com sua cultura (GROSSI, 1998). De acordo com Stoller (1978), todo indivíduo possui um núcleo de identidade de gênero que não se modifica ao longo da vida psicológica do indivíduo. Ele identifica-se ou não com o masculino ou feminino. Esse agrupamento de convicções sobre o masculino e feminino é formado no processo de socialização e inicia-se antes do nascimento, até mesmo com a escolha do nome da criança. A partir de então é ensina à ela e esperado dela comportamentos condizentes com o gênero e o sexo biológico. O indivíduo, no entanto, pode adicionar outros papéis sociais e valores ao agrupamento de convicções. Como ficariam então os homossexuais, de acordo com essa conceituação? Não obstante ao associarmos sexualidade a gênero, sempre devemos lembrar que esses conceitos são distintos, tal qual suas práticas. A sexualidade está ligada às práticas eróticas do indivíduo. Esse é outro ponto onde a normatização social impõe papéis distintos a homens e mulheres, ficando os homossexuais à margem da sociedade, afinal, espera-se que homens se sintam atraídos por mulheres e mulheres por homens. Isso é aplicado pela associação do sexo à reprodução e não ao prazer. Todavia, até o argumento da reprodução está defasado, uma vez que as novas tecnologias de reprodução desobriga a relação entre pessoas de sexo oposto para gerar um embrião. As fertilizações , barrigasin vitro solidárias e para alguns até a clonagem - em um futuro próximo - são consideradas técnicas válidas para reprodução sem contato sexual. Fique de olho A Organização Mundial da Saúde retirou a transexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) apenas no ano de 2018. Essa mudança só foi possível graças a luta da comunidade LGBTI, de psicólogos e psiquiatras. A justificativa para essa mudança é que a patologização da sexualidade estigmatiza e dificulta a inserção dessas pessoas na vida social. Atualmente, o Brasil lidera o ranking de assassinatos de transexuais. - -8 A sexualidade está intimamente associada à reprodução, na história recente da Humanidade. Por este motivo, relações erótico-sexuais entre pessoas do mesmo sexo foram, durante anos, vistas como desvio. No entanto, a prática era comum em outros séculos. Segundo Michel Foucault, o advento da medicina no século XIX impôs a homossexualidade como “doença”. A partir de então, inúmeros estudos surgiram sobre o tema. Freud e Lacan são autores influentes até os dias de hoje e trabalharam a questão da sexualidade a fundo, sob perspectivas distintas. Para Freud, todo ser humano é portador de uma , ou seja, todobissexualidade psíquica ser humano é portador de desejos por pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto. A partir dessa sua hipótese, autores diversos na psicanálise voltaram seus olhos para a temática. Todavia, Lacan foi o psicanalista que primeiro tentou entender as relações homossexuais, sem recair na taxativa clínica de considerar a homossexualidade como perversão, argumento defendido por Freud (DAVID, C. 1997). A sexualidade é uma das variáveis da identidade de gênero. Mas nem tudo pode ser resumido ao sexo biológico ou à prática sexual. Por fim, devemos sempre lembrar da famosa frase de Simone de Beauvoir (1970), em O Segundo Sexo: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. De acordo com Beauvoir (1970, p.99) Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino. - -9 2 Raça e Etnicidade As categorias e são muito utilizadas dentro e fora da academia e frequentemente são usadas comoraça etnia sinônimo. Mas isso não é verdade. Os dois conceitos são distintos e aplicáveis em diferentes situações. Vamos agora conhecer com mais profundidade o significado dessas palavras? A história da classificação dos homens em raças é uma história de preconceitos e etnocentrismo. Não consideravam culturas e hábitos locais e atribuíam características sociais à raça. O primeiro trabalho visando classificar as raças humanas foi o de François Bernier, em 1684, “Nova divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam”. Posteriormente (SANTOS et al. 2010). Em 1790 foi realizado nos EUA o primeiro censo populacional. A metodologia para classificação dos indivíduos demonstra a complexidade dos problemas raciais que já davam sinal de existência nesse país: homens brancos libres, mulheres brancas livres e outras pessoas, onde incluíam negros e nativos americanos. Essa classificação é baseada em fatores políticos, mais do que distinções raciais. A falta de compreensão sócio-antropológica nas classificações, emitindo valores pejorativos, não terminou por ai. Segundo Santos et al (2010, p.122) Carolus Linnaeus (1758), criador da taxonomia moderna e do termo Homo sapiens, reconheceu quatro variedades do homem: 1) Americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento, subjugável); 2) Europeu (europaeus: branco, sério, forte); 3) Asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso); 4) Africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso). Linnaeus reconheceu também uma quinta raça sem definição geográfica, a Monstruosa (Homo sapiens monstrosus), compreendida por uma diversidade de tipos reais (por exemplo, Patagônios da América do Sul, Flatheads canadenses) e outros imaginados que não poderiam ser incluídos nas quatro categorias “normais”. Segundo a visão discriminatória de Linnaeus, a classificação atribuiu a cada raça características físicas e morais específicas. Séculos de , pré-julgamentos e associação de culturas distintas à características negativas só poderiapreconceito gerar concepções negativas daqueles que não correspondessemaos padrões culturais europeus. Até hoje essa é uma luta travada por toda sociedade não-europeia, seja para legitimar padrões de comportamentos, de beleza ou até a linguagem. Fique de olho - -10 Os indígenas brasileiros foram e ainda são tratados com preconceito pela sociedade brasileira. Até os anos 2000, aproximadamente, livros escolares traziam as palavras indolente e preguiçosos na descrição do indígena brasileiro, contribuindo para a perpetuação do etnocentrismo. Os indígenas não se enquadram no sistema de produção capitalista e, por esse motivo, possuem particularidades culturais que rara beleza e simplicidade. Ser diferente do europeu garantiu a eles séculos de estigma social. - -11 2.1 A diferença entre raça e etnia Precisamos começar esse tópico com a compreensão de que a ideia de raça é a base do pensamento racista. Foi com esse conceito que originou-se a ideologia da superioridade ou inferioridade racial. De acordo com Quijano (2000), o surgimento deste conceito tem como base a descoberta da América e a transformação do sistema econômico, que com as descobertas de novas terras para dominação europeia, transformou-se em um e .capitalismo colonial eurocentrizado O conceito de raça marca a distinção entre colonizadores e colonizados, separando a população entre superiores e inferiores. O termo raça tem uma variedade de definições geralmente utilizadas para descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características morfológicas. A maioria dos autores tem conhecimento de que raça é um termo não científico que somente pode ter significado biológico quando o ser se apresenta homogêneo, estritamente puro; como em algumas espécies de animais domésticos. Essas condições, no entanto, nunca são encontradas em seres humanos (SILVA et al. 2010, p.122). Assim, entre antropólogos e geneticistas, há consensos sobre a não existência, do ponto de vista biológico, da raça humana. O genoma humano é composto de 25 mil genes. As diferenças mais aparentes (cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz) são determinadas por um grupo insignificante de genes. As diferenças entre um negro africano e um branco nórdico compreendem apenas 0,005% do genoma humano (SANTOS, 2010, p. 122). O antropólogo Kabengele Munanga afirma que o conceito de raça é utilizado para manipulação política e ideológica. É um modo de buscar na ciência uma explicação que justifique a dominação branca europeia sobre os outros povos. Todavia, como vimos anteriormente, essa superioridade genética é uma falácia. Já a palavra é mais complexa, portanto mais assertiva.etnia Advindo da palavra grega , significa gentio, ou seja, aquele que vem de nação estrangeira. De acordo comethnikos SANTOS (idem): “É um conceito polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além da aparência física”. - -12 Isso quer dizer que a definição e etnia considera aspectos culturais! Sendo assim, o emprego de tal conceito pode vir a terminar com a questão da superioridade genética não comprovada e colocar em pauta a diferença cultural. Figura 2 - Punhos cerrados, símbolo de resistência negra Fonte: betto rodrigues, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: Na imagem, vemos um punho negro cerrado ao alto, indicando o movimento Black Power de afirmação e luta pelos direitos negros. Surgiu com integrantes do Partido Pantera Negra, nos EUA. Mais de meio século depois ainda é utilizado na luta antirracista. Agora, podemos distinguir com precisão os termos e . O termo raça abrange as característicasraça etnia fenotípicas, como tipo de cabelo, cor de pele, traços faciais ou corporais. Já o conceito de etnia é amplo e engloba os fatores culturais, tal qual a nacionalidade, filiação, religião, língua e tradições. Esse conceito é, portanto, mais acertado e assertivo. Há um problema grave em classificar indivíduos por cor de pele. Esse traço não determina sequer a ancestralidade. Em países miscigenados como o Brasil, isso fica evidente. sobre a genética da população brasileira revelou que 27% dos negros de uma pequena cidade mineiraEstudo apresentavam uma ancestralidade genética predominantemente não africana. Enquanto isso, 87% dos brancos brasileiros apresentam pelo menos 10% de ancestralidade africana (SANTOS, 2010, p. 123). O segue sendo utilizado para censo e outras questões, como as que envolvem distinções físicasconceito de raça com alguma significância na área médica. Dados indicam que a população negra é mais atingida por diabetes, pressão alta e anemia falciforme, por exemplo (BRASIL, 2016). - -13 Todavia, é preciso cuidado. Diferenças não podem ser entendidas como superioridade ou inferioridade. Durante muito tempo as teorias sobre raça geraram o racismo, que impunha a crença no poder, autoridade e controle de uma raça sobre outra. Essa biologização das diferenças não pode ser usada para estabelecer hierarquias sociais com relações sociais desiguais. O racismo, como processo histórico de exclusão, gerou inúmeros problemas para a sociedade em todo o mundo e é ainda hoje um fator a ser considerado nos estudos sobre socialização. 2.2 Raça e etnia no Brasil Um dos países mais miscigenados do mundo, o Brasil é ainda um país racista. Um estudo divulgado no El Pais em 19 de novembro de 2019 mostra o abismo entre negros e brancos no país. Os 130 anos de abolição da escravidão não foram suficientes para sanar as deficiências e disparidades da relação abusiva imposta por três séculos de exploração e falta de políticas públicas para negros. De acordo com Mendonça (2019, p. 1) O Brasil tem hoje a maioria da população (55,8%) composta por pretos e pardos, mas é justamente esse grupo que tem a maior taxa de analfabetismo, os menores salários e sofre mais com a violência e o desemprego. A desigualdade em relação à população branca começa desde o nascimento, já que a mortalidade entre crianças negras e pardas brasileiras é bastante superior à da população branca da mesma idade. Em 2017, 50,7% das crianças até 5 anos que morreram por causas evitáveis eram pardas e pretas, enquanto 39,9% eram brancas, segundo dados do Ministério da Saúde. A violência contra negros também é maior. Dados apontam que a cada 100 pessoas assassinadas no país, 75 são negras. Dentre os que sofreram violência policial que culminou em assassinato, 75,4% eram negros, entre 2017 e 2018. Mulheres negras também sofrem mais feminicídio, 61% das mulheres vítimas desse crise entre 2017 e 2018 eram negras (MENDONÇA, 2019). É possível, através destes dados, afirmar que o Brasil é um país racista, apesar de não praticar o racismo de forma ostensiva. - -14 3 Pobreza e Exclusão Social. Relações de Trabalho e Saúde Qual é a relação entre a pobreza, a exclusão social, as relações de trabalho e as condições de saúde de uma população? Questões de gênero e raciais interferem nesses indicadores? Sabemos que no mundo atual, absolutamente capitalista e neoliberal em sua maioria, o dinheiro é mais do que o papel com que compramos coisas: é prestigio, poder. Porém, não para todos. Alguns grupos em situação de discriminação, seja pelo gênero, pela identidade de gênero ou papel de gênero, ou ainda pela cor e etnia e até mesmo religião, não conseguem converter renda em prestigio e acesso à bens e garantias mínimas. De acordo com Reis e Schwartzman (2002, p.1) Qualquer análise que se faça da sociedade brasileira atual mostra que, ao lado de uma economia moderna, existem milhões de pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviços proporcionados pelo governo para seus cidadãos. Isto pode ser uma consequência de processos de exclusão, pelos quais setores que antes eram incluídos foram expulsos e marginalizados por processos de mudança social, econômica ou política; ou de processos de inclusão limitada, pelos quais o acesso a emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico ficam restritos e determinadossegmentos da sociedade. O resultado, em ambos os casos, é o mesmo, mas as implicações políticas e sociais podem ser muito distintas. Processos de exclusão social e econômica tendem a ser muito mais violentos e traumáticos do que situações de inclusão limitada. O desenvolvimento no Brasil é conhecido como “modernização conservadora”, ou seja, uma modernização seletiva, na qual a maior parte da população não é incluída no processo, seja em setores da economia, da sociedade ou da política. Há que se pensar: o que mantém essa sociedade tão pacifica frente às exclusões existentes? Estar colocado fora dos processos políticos e, muitas vezes do processo escolar, garante aos dominantes maior margem de manobra entre os dominados. A alienação política impede as demandas pelos direitos. Outro fator que explica a paralisação dos explorados e excluídos é o progresso lento dos indicadores sociais, com algumas estagnações econômicas, os dominantes, na figura dos governantes, pouco fazem, mas distribuem os direitos como a nomenclatura de benefícios. O povo sente-se privilegiado por receber aquilo que, na verdade, lhe é direito. Segundo Reis e Schwartzman (2002, p. 2), talvez expliquem porque o Brasil tenha se mantido isso “ relativamente tranquilo, politicamente, ao longo destes anos, assim como a orientação conservadora de boa parte de seu eleitorado”. - -15 As grandes cidades concentram a maior parte da população. Isso significa que as carências maiores também estão concentradas nesses núcleos urbanos, que unem desemprego, violência urbana, serviços públicos deficitários dado o aumento populacional e, na área de saúde, discrepâncias incalculáveis entre o público e o privado, não obstante o Sistema Único de Saúde ser um programa de muito sucesso e exemplo em diversos países. Fatores culturais e a descrença na ciência também contribuem para que enfermidades antes consideradas extintas, como o sarampo, voltem a existir. Figura 3 - A representação da desigualdade social: um dos maiores entraves para o desenvolvimento do Brasil Fonte: Travel Stock, Shutterstock, 2020. Crianças em situação de vulnerabilidade absoluta, #PraCegoVer: sentadas em meio ao lixo. A desigualdade social é um dos maiores entraves para o desenvolvimento do Brasil. - -16 3.1 A pobreza extrema: sentença de morte Há uma ligação direta entre o do indivíduo e sua . Segundo a revistaestado socioeconômico condição de saúde científica The Lancet (2017) “a pobreza e a desigualdade social matam tantas pessoas em escala global quanto a obesidade, a hipertensão e o uso demasiado de álcool”. A pobreza tem sido um entrave gigantesco para a saúde no país. A mudança no tipo de pobreza e nas relações de trabalho são responsáveis pelo agravamento da desigualdade social. De acordo com Buss (2007, p.1) “a divisão internacional da produção e do trabalho que se delineou com a globalização trouxe, além dos maus resultados econômicos já apontados, também impactos sociais, ambientais e sanitários importantes”. O tipo de produção e trabalho industrial, das chamadas “indústrias sujas” que são instaladas em países mais pobres, contribuem para o agravamento da saúde dos trabalhadores, além de poluírem mais o meio ambiente. As , cada vez mais abusivas e desiguais, produzem um trabalhador sem consciência de seusrelações de trabalho direitos e exposto à todo tipo de problema de saúde, seja física, como Lesão por Esforços Repetitivos (LER), intoxicação por agrotóxicos, câncer por exposição à agentes químicos cancerígenos até psicológicos, como Síndrome de Burnout e depressão. Em locais de extrema pobreza, há ausência de saneamento básico, além de higiene adequada e alimentação. A proliferação de doenças é mais rápida e fatal. Doenças como febre amarela, tuberculose, salmonela, DSTs e até algumas doenças antes extintas, como sarampo e poliomielite, podem voltar a surgir caso não haja atuação do Estado, fornecendo o que é direito do cidadão. Estudos apresentados pela Fundação Oswaldo Cruz apontam que a mortalidade infantil está intimamente relaciona à renda das famílias, às condições do domicilio, local e condição na qual a família vive e também ao nível educacional da mãe (BUSS, 2007). Não é apenas endereço que a morte por doenças facilmente curáveis possui: há também o fator cor. No Brasil, negros estão entre os grupos mais vulneráveis economicamente, e são atingidos brutalmente pelas estatísticas. É preciso, portanto, integração entre programas sociais e políticas públicas em massa para sanar os problemas brasileiros. Sem a presença do Estado agindo fortemente nesses pontos nefrálgicos, que incluem saúde, educação e segurança, há uma dificuldade intrínseca ao sistema de ocorrer qualquer melhoria nos índices de desenvolvimento humano e social do país. - -17 4 Mitos, Símbolos e Rituais Tendo como perspectiva a neste contexto, alguns dos formação dos grupos sociais e a interação dos sujeitos elementos mais preponderantes na construção dos sistemas de organização das sociedades são percebidos na formação dos mitos, símbolos e rituais. Mas, o que eles representam? 4.1 Mitos Os mitos são utilizadas para representar para a comunidade ou para explicar eventos construções valores-guia observados na realidade, além de serem elementos de transmissão de conhecimento e de tradição de determinados grupos sociais. Apesar de não terem origem na realidade concreta, os mitos não são elaborações (ou seja, que partem da fantasia, da imaginação), como as lendas.fantásticas Dos deuses do Olimpo na Grécia, passando pelos orixás de religiões de matriz africana, aos deuses celestes que criaram o mundo na visão dos Kalapalos, do Alto Xingu, os mitos expressam a origem das formações sociais e dá sentido às práticas comunitárias, além orientar as condutas para que se alinhem às expressões morais nele contidas. também se constituem como alegorias para a explicação de uma perspectiva reflexiva, porém, neste caso,Mitos há uma diferença essencial: nos mitos que orientam condutas, não há a identificação de um humano que os possa ter criado, pelo contrário. A premissa do mito é a legitimação social dada à história e valores por ele reproduzidos. No mito como alegoria, há a identificação clara de sua criação humana, como no caso do Mito da Caverna, de Platão - que remete à necessidade do conhecimento da verdade pelos governantes (PLATÃO, 2014) e utilizada pelo filósofo no ensino aos discípulos. - -18 4.2 Símbolos Os , no contexto específico dos mitos e dos rituais, podem ser descritos como as “ símbolos unidades dos mitos, e do conjunto moral por eles representado (WHITE, 2009). Os símbolos aindainterpretativas” auxiliam na organização segundo os valores morais expressos pelo mito, permitindo que os indivíduos identifiquem uma determinada condição ou contexto social, econômico ou religioso, apenas interpretando-o. Os símbolos são : pinturas corporais, marcas físicas (cicatrizes, mutilações intencionais), adornos,materiais vestimentas, são expressões simbólicas individuais correlatas aos mitos, ou ao conjunto de valores dele derivados, utilizadas também durante rituais, mas de forma mais recorrente no cotidiano. Existem ainda os símbolos das instituições - sociais, políticas e religiosas - como bandeiras, artefatos, que são utilizadas em contextos ritualísticos (LIMA, 1987), por exemplo como na troca de faixa presidencial quando um novo presidente é eleito no Brasil. - -19 4.3 Rituais Os rituais se constituem como elementos de travessia: é por meio dos rituais que se estabelece a conexão entre , e é por meio dele que os mitos são reafirmados, propagados e fortalecidos (PEIRANO, 2000).símbolo e mito Objetivam afirmar e reproduzir a tradição, baseada nos mitos, e em nível social, atuam pontuando momentos de transição (formaturas, bar ou o baile de debutante), entre um momento da vida e outro, e que podem mitzvás imprimir mudanças no status social dos sujeitos envolvidos. Os rituais são comumenteligados à , mas podem também ser . Os rituaisreligião expressões institucionais reafirmam a importância do mito e dos símbolos na organização social, não deixando-os perder seu significado ao longo do tempo (PEIRANO, 2000; LIMA, 1987). No processo de compreensão desses sistemas, há três campos científicos diferentes, mas complementares, essenciais: a Filosofia, a Antropologia e a Sociologia. A Filosofia grega clássica especializou-se em estudar os mitos e os símbolos correspondentes, a fim de contrapor sua perspectiva racional de explicação do mundo às perspectivas míticas. A escolha e a reflexão eram os elementos que deveriam guiar o ser humano, para além dos mitos. Entretanto, a função do símbolo e do ritual como expressões e orientadores de conduta não eram abandonados, especialmente na explicação do espaço, da função e das particularidades do ser humano diante do cosmo. Na perspectiva de Platão e Aristóteles (PLATÃO, 2014), os mitos propunham um padrão de comportamento para os humanos baseado numa concepção de bem que era externa aos sujeitos - . Ao romperprovinha dos deuses com o mito, a filosofia platoniana indica que, embora o bem não fosse inerentemente humano, a sua busca o era e, por isso, as condutas humanas e em grupo, as condutas sociais, se derivariam da busca pelo bem maior, pela felicidade, e dessa busca se estabeleceriam as regras de orientação dos comportamentos e, por fim, da moral e .da ética A leitura antropológica de Bronislaw Malinowiski analisa a constituição dos mitos a partir da ,fé orgânica intrínseca aos indivíduos, utilizada para compreender as normas sociais. Assim, as normas estariam dadas por estruturas externas aos humanos, e os mitos auxiliariam a compreender os sentidos dessas estruturas (MALINOWISKI. 1988). O antropólogo francês Claude Levi-Strauss, ao analisar a constituição dos mitos e sua importância sobre as diversas organizações sociais em sociedades nativas nas Américas do Norte e do Sul, entende que a estrutura dos mitos não muda entre as diferentes formações sociais, ainda que a etnia, a língua, a religião, sejam aparentemente muito distintas (LEVI-STRAUSS, 2011). - -20 Por isso, os mitos seriam, para o antropólogo, expressões inerentes à reflexão humana sobre o - o divino,divino assim, só existiria pela leitura humana e sua busca pela explicação do mundo e da própria existência, que se repetiria de sociedade em sociedade. Antropologia cultural - Sahlins (2003) recorre à filosofia hegeliana para propor, por meio da negação, a inexistência do inconsciente social comum que seria responsável pela formação dos mitos para os autores da antropologia cultural. A inovação da obra de Sahlins (2003) recai sobre a ideia de que os eventos (históricos, como guerras, novas tecnologias, ou ainda naturais, como climáticos - secas, enchentes) poderiam não apenas intervir, como alterar, reconstruir ou construir um mito “novo” - ou seja, a ideia da ponte externa e inconsciente entre os humanos na explicação mítica do mundo seria refutada pela impressão de fatos externos importantes. As são, assim como as filosóficas, retomadas pelo saber sociológico na análise dos leituras antropológicas por este campo. O que a diferencia das outras áreas e o processo de descolamento domitos, rituais e símbolos divino na interpretação da forma e dos impactos da tríade sobre as sociedades, especialmente a partir do século XVIII e da formação do modo de produção capitalista, que reorganiza as formas de trabalho, e portanto, a sociedade e suas interações, bem como a forma e o exercício do poder. Nesse sentido, os símbolos e os rituais recebem maior atenção, e são compreendidos como forma de manutenção dos valores da moral que sustenta o poder econômico - e político (HOBSBAWM, 1984). Assim, desprende-se a ideia de que haveria qualquer tipo de essência ou busca inerente ao homem, bem como a externalidade de uma consciência que pudesse formar os mitos, mas a sociologia assume a ideia de que símbolos e rituais são veículos de poder que, embora atuem também como elementos interpretativos, atuam à serviço da manutenção do (BOURDIEU, 1989).status quo é isso Aí! Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • conhecer as noções e conceitos que envolvem a socialização de minorias; • compreender a importância de distinguir gênero, sexualidade, papel social, identidade social; • aprender sobre conceitos de raça e etnia, bem como a história deles; • estudar a relação entre pobreza, distribuição de renda, desigualdade social e o impacto na saúde; • conhecer os conceitos de mitos, ritos e símbolos e como eles se aplicam no nosso processo de socialização. • • • • • - -21 Referências BEAUVOIR, Simone de. . vol. 1: Fatos e mitos. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Nova, 1970.O segundo sexo BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica eTemático Saúde da População Negra Participativa, Departamento de Articulação Interfederativa - Brasília: Ministério da Saúde, 2016. BOURDIEU, Pierre. . Editora Bertrand Brasil. 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