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Perfil nutricional de idosos hospitalizados 227 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 Perfil nutricional de idosos hospitalizados Nutritional profile of elderly hospitalized Unitermos: Antropometria. Estado nutricional. Geriatria. Desnutrição. Hospitalização. Key words: Anthropometry. Nutritional status. Geriatrics. Malnutrition. Hospitalization. Endereço para correspondência Aline Silva de Aguiar Nemer Universidade Federal de Juiz de Fora Instituto de Ciências Biológicas- Departamento de Nutri- ção Cidade Universitária – Bairro Martelos – Juiz de Fora MG, Brasil – CEP: 36036-900 E-mail: alinesaguiar@yahoo.com.br/ aline.nemer@ufjf. edu.br Submissão 2 dezembro de 2010 Aceito para publicação 6 de julho de 2011 RESUMO Objetivo: Este trabalho teve como objetivo investigar o estado nutricional na inter- nação de pacientes idosos e presença de sintomas gastrointestinais associados. Método: Avaliaram-se os prontuários de idosos, de ambos os sexos, com idade a partir de 60 anos que foram internados, entre agosto de 2008 e abril de 2009, na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Após a triagem nutricional, os idosos realizaram avaliação nutricional antropométrica para a definição do diagnóstico nutricional. Resultados: Foram avaliados 212 idosos, sendo 54,7% do sexo feminino e 45,3% do sexo masculino. Dos idosos avaliados, 49,6% estavam desnutridos, 32,5% eutróficos e 17,9% obesos, sem diferença entre os sexos. Houve maior prevalência de desnutrição entre os idosos acima dos 70 anos de idade e diminuição significativa de parâmetros antropométricos com o aumento da idade. Pacientes desnutridos apresentaram mais sintomas de constipação, anorexia e disfagia do que os não desnutridos (p<0,05). Conclusão: Foi alta a prevalência de desnutrição em idosos internados num hospital geral da região sudeste do Brasil, demonstrando a persistência desse problema no âmbito hospitalar. É necessária a avaliação nutricional precoce, a fim de detectar a desnutrição e evitar o agravamento do estado nutricional pela patologia apresentada e pelos sintomas gastrointestinais que dificultam o consumo alimentar adequado. ABSTRACT Objective: This study aimed to investigate the nutritional status of elderly patients on admission and presence of gastrointestinal symptoms associated. Methods: The medical records of patients of both sexes, aged from 60 years who were hospitalized between August 2008 and April 2009 at Santa Casa de Misericordia de Ouro Preto, Minas Gerais, Brazil were evaluated. After nutritional screening, the elderly were submited to nutritional assessment to define the nutritional diagnosis. Results: 212 elderly, 54.7% female and 45.3% male were evaluated. Among the elderly patients evaluated, 49.6% were malnourished, 32.5% eutrophic and 17.9% obese, with no difference between genders. There was a higher prevalence of malnutrition among the elderly above 70 years of age and a significant reduction of anthropometric parameters with increasing age. Malnourished patients showed more symptoms of constipation, anorexia and dysphagia than non-malnourished (p <0.05). Conclusion: It was high the prevalence of malnutrition in elderly hospitalized in a general hospital in Southeastern Brazil, showing the persistence of this problem in hospitals. Nutritional assessment is required in order to detect early malnutrition and prevent worsening nutritional status by the pathology and the gastrointestinal symptoms that impair adequate dietary intake. 1. Mestranda em Ciências Biológicas; NUPEB; Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil. 2. Nutricionista pela Escola de Nutrição; Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil. 3. Nutricionista; Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG, Brasil. 4. Professor Adjunto; Departamento de Nutrição; Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil. Daniela Pala1 Lilian Freitas da Silva2 Alinia Quelia Araujo Bastos1 Wânia Maria Silva3 Aline Silva de Aguiar Nemer4 AArtigo Original Pala D et al. 228 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 INTRODUÇÃO Os idosos representam parte da população brasileira que mais cresceu nos últimos anos, inclusive nas cidades brasileiras de médio porte. Há a estimativa de que em 2025 essa população aumentará quinze vezes, representando cerca de 34 milhões de pessoas1. O aumento da população idosa também aumenta a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, sendo as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório as três mais frequentes de óbito entre os idosos brasileiros2. O processo de envelhecimento implica em transformações naturais, podendo ser observado aumento progressivo na gordura corporal, redução da massa óssea e da massa corporal magra3,4. O declínio natural das funções fisiológicas no envelhe- cimento leva a menor eficiência na absorção e no metabolismo dos nutrientes5. Questões sociais e econômicas também preju- dicam a prática para a conquista de uma alimentação saudável e a manutenção de um estado nutricional adequado6, aumentando o risco de desenvolver desnutrição7. Entre os fatores que interferem no estado nutricional do idoso, observa-se a própria patologia, seus sintomas e compli- cações; o uso de vários medicamentos; as alterações de rotina (horários, alimentação e de ambiente que prejudicam a ingestão dos alimentos), bem como a falta de avaliação e monitorização nutricional adequada8, tornando-se clara a importância de se estabelecer o diagnóstico nutricional precoce por meio de ferramentas e recursos adequados atualmente disponíveis nos próprios hospitais9. A avaliação nutricional no momento da internação diminui o risco do desenvolvimento da desnutrição ao longo da hospitali- zação e previne o agravamento do quadro clínico dos pacientes já desnutridos 10. Dessa forma, o presente estudo teve como obje- tivo investigar o estado nutricional na internação de pacientes idosos e a presença de sintomas gastrointestinais associados. MÉTODO A Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG, foi o primeiro hospital a ser criado em Minas Gerais (1735) e o sétimo no Brasil. Trata-se de um hospital geral de natureza filantrópica, composto de 106 leitos, sendo 77 destes destinados ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde e 29 ao atendimento de pacientes conveniados a planos de saúde. Realizou-se a análise dos prontuários de idosos internados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, no período de agosto de 2008 a abril de 2009, coletando infor- mações dos prontuários arquivados no Serviço de Nutrição do referido hospital referente à identificação do paciente, diagnós- tico, sinais e sintomas clínicos, patologias associadas, triagem nutricional, dados antropométricos e diagnóstico nutricional. Foram incluídos no estudo os prontuários de idosos de ambos os sexos, com idade a partir de 60 anos11, que estavam deambulando e que realizaram a avaliação nutricional. Foram excluídos os prontuários dos pacientes cujo peso e altura foram estimados e os prontuários incompletos quanto à avaliação e ao diagnóstico nutricional. O estudo foi apro- vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP (CAAE: 0042.0.238.000-09). Após a internação, os idosos foram submetidos à triagem nutricional realizada pelo Serviço de Nutrição, nas primeiras 48 horas de internação, a partir da aplicação de um formulário que investigou dados referentes à alteração do peso e do consumo alimentar, presença de sintomas gastrointestinais significativos, avaliação da capacidade funcional e exame físico de avaliação de perda de massa muscular ou adiposa. Este questionário foi respondido pelo paciente ou pelo acompanhante, em caso deste estar impossibilitado de responder. Após a triagem nutricional, os pacientes em risco nutricional foram encaminhados para a realização da avaliação nutricional antropométrica pelo Serviço de Nutrição Clínica, para a defi-nição do diagnóstico nutricional e posterior acompanhamento dietoterápico. Na avaliação antropométrica, foram analisadas as medidas de peso corporal (kg), altura (m), circunferência braquial (CB- cm), prega cutânea triciptal (PCT-mm) e foram calculados o Índice de Massa Corporal (IMC- kg/m²) e a circunferência muscular do braço (CMB- cm). Para todos os parâmetros foram realizadas três medidas, utilizando-se a média aritmética das mesmas12. O peso corporal foi obtido através da balança digital portátil (Tanita ® - capacidade máxima de 150 kg), com os pacientes usando roupas leves e com os pés descalços. Para aferir a estatura, utilizou-se estadiômetro de metal com precisão de 0,1 mm, preconizado pela OMS12. Para não mascarar o estado nutricional, os pacientes que apresentaram ascite ou edema tiveram desconto no peso corporal total, segundo James13 e Martins14, respectivamente. O IMC foi classificado usando pontos de corte específicos para a idade que ampliam a faixa de normalidade diante de alterações fisiológicas próprias do envelhecimento. No presente estudo, usou-se a classificação de Lipschitz, utili- zando como limite aceitável para esse grupo etário IMC entre 22 e 27 kg/m², sendo os pontos de corte para baixo peso IMC abaixo de 22 kg/m² e para sobrepeso, valores acima de 27 kg/m² 15. A circunferência braquial foi coletada por fita métrica graduada inelástica, com precisão de 0,1 cm. A PCT é uma forma indireta de mensuração da adiposidade corporal e apresenta forte correlação com o percentual total de gordura corporal. A PCT foi obtida pelo adipômetro da marca Cescorf®, obedecendo os critérios preconizados da OMS12. Utilizou-se os dados de referência de Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) para clas- sificação da PCT, CB e CMB16. Análise Estatística Para a análise dos dados foi utilizado o programa estatís- tico SPSS versão 12.0. Os idosos foram categorizados por sexo, faixa etária e diagnóstico nutricional. Os resultados de IMC, PCT, CB e CMB foram apresentados em média, desvio padrão e percentis. Para avaliar a diferença na distribuição das variáveis categóricas, diagnóstico nutricional e patologias por sexo e faixa etária foi utilizado o teste do qui-quadrado. O teste Kruskall-Wallis, seguido do Teste U de Mann-Whitney, foi utilizado para avaliação de diferenças das médias de IMC, CB, CMB, PCT quanto à faixa etária de idoso jovem (60 a Perfil nutricional de idosos hospitalizados 229 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 69 anos), idoso velho (70 a 79 anos) e idoso muito velho (> 80 anos)17 e quanto ao sexo, uma vez que estes dados não apresentaram distribuição normal de acordo com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para todos os testes estatísticos, foi considerado o nível de significância de 5%. RESULTADOS Foram selecionados 319 prontuários, sendo excluídos 55 prontuários de idosos impossibilitados de serem pesados e medidos e 52 prontuários incompletos. Dessa forma, a amostra foi composta por 212 idosos, sendo 116 (54,7%) do sexo masculino e 96 (45,3%) do sexo feminino. A faixa etária compreendeu três patamares: idosos jovens (60 a 69 anos) 33%; idosos velhos (70 a 79 anos) 35,8% e idosos muito velhos (acima de 80 anos) 31,1%. A idade mínima foi de 60 anos e a máxima de 103 anos, obtendo-se uma média de 75,0 ± 9,6 anos. As patologias mais prevalentes como causa de internação, tanto para homens quanto para as mulheres, foram as doenças cardiovasculares (n=77/ 36,3%) e doenças pulmonares (n= 21/ 9,9%) (Tabela 1). O diagnóstico nutricional revelou que 49,5% dos idosos internados estavam com desnutrição, 32,5%, eutróficos e 17,9%, com obesidade, sem diferença estatística entre os sexos. Entre- tanto, foi maior a prevalência de desnutrição entre os idosos acima dos 70 anos de idade (Figura 1). Os valores médios de IMC, CB, PCT e CMB variaram entre os idosos jovens, idosos velhos e idosos muito velhos, demons- trando diminuição significativa nos valores de IMC, da massa adiposa (CB e PCT) e da massa protéica somática (CMB) com o aumento da idade (Figura 2 e Tabela 2). Não houve diferença significativa entre os sexos. A Tabela 2 apresenta a distribuição em percentil dos valores do IMC e das medidas de PCT, CB e CMB conforme o sexo. Dentre as comorbidades apresentadas, foi maior a preva- lência de idosos hipertensos 76,4% (n= 162), seguidos de 25% diabéticos (n= 53), e 20,8% dislipidêmicos (n= 44). Houve idosos que apresentaram uma ou mais comorbidades simultaneamente. Dentre os sintomas gastrointestinais apresentados pelos pacientes houve maior prevalência de náuseas e vômitos (32,0%), seguidos de constipação intestinal (25,7 %), disfagia (23,9%), anorexia (19,4%), e diarreia (8,5%). Os pacientes desnutridos apresentaram mais sintomas de constipação, anorexia e disfagia (Tabela 3). Tabela 1 – Características das mulheres e homens idosos internados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG, Brasil. Características da amostra* Masculino (n= 116) Feminino (n=96) Idade (anos) 75,49 ± 9,44 74,46 ± 9,78 Faixa etária (n) 60 a 69 anos 35 35 70 a 79 anos 43 33 ≥ 80 anos 38 28 Patologias na internação (n) Doenças Cardiovasculares 38 39 Doenças Respiratórias 23 14 Distúrbio Metabólico 6 11 Doença Gastrointestinal 6 5 Nefropatias 3 3 Neoplasia 6 4 Úlcera 2 1 Cirurgias 1 1 Alcoolismo 0 2 Outras‡ 31 16 * p> 0,05 ‡ Fratura do fêmur, convulsão, trauma abdominal, artrite reumatoide, anorexia, anemia, inapetência, ITU, infecção, inflamação, edema, comissura labial, co- lelitíase, icterícia, colecistite, pancreatite, amputação, apendicite, pielonefrite, abdome agudo, mielofibroma, choque séptico, desidratação, hérnia, diarreia. 0 10 20 30 40 50 60 70 Masculino Feminino 60-69 70-79 ≥ 80 % id os os Desnutrição Eutrofia Obesidade Sexo Faixa etária (anos) * Figura 1 – Diagnóstico nutricional por sexo e faixa etária entre os idosos inter- nados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG, Brasil. * p= 0,001 (teste qui-quadrado). Para efeito de comparação das diferenças en- tre o diagnóstico nutricional, os dados ≥ 80 com 70-79 anos foram agrupados. Figura 2 – Média do IMC, CB, PCT e CMB por faixa etária dos idosos inter- nados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG. * ‡ ¦ p< 0,05; Teste U- Mann Whitney. Símbolos iguais indicam diferença entre as faixas etárias. Pala D et al. 230 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 DISCUSSÃO Estudos nacionais sobre envelhecimento populacional e Sistema Único de Saúde18-20 demonstram que as duas causas mais frequentes de internação em idosos, de ambos os sexos, são a insuficiência cardíaca e coronariana e as doenças pulmonares, que se revezam como a primeira e segunda causa. O acidente vascular encefálico (AVE), a crise hipertensiva, as enteroin- fecções, a desnutrição, a desidratação e a anemia estão sempre presentes como causas intermediárias, tanto para homens quanto para mulheres. Dados municipais disponibilizados pelo Datasus demonstram que as doenças do aparelho circulatório são a causa primária de 36,2% das internações, em indivíduos com mais de 60 anos, enquanto a prevalência por doença do aparelho respi- ratório é 21,2%21. Constatamos, no presente estudo, resultados semelhantes aos já reportados. O estudo epidemiológico desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE)22, em 1996, o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), revelou uma prevalência de 48,1% de desnutrição hospitalar como média referenciada dos hospitais brasileiros. Comparando-se com os resultados obtidos, observa-se a perma- nente prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados e a preocupação aumentada por se tratar de pacientes idosos. Os pacientes com 80 anos de idade ou mais têm chance aumentada de serem classificados como desnutridos, quando comparados aos demais níveis de risco nutricional. Oaumento da idade pode estar relacionado a um estado nutricional preju- dicado, principalmente quando associado a problemas clínicos, psicológicos, sociais e econômicos23. São poucas as pesquisas brasileiras realizadas com pacientes idosos hospitalizados. A maioria dos estudos realizados em âmbito hospitalar não diferencia por faixa etária, implicando, assim, na leitura dos resultados finais. Ao mesmo tempo, os estudos que correlacionam idosos e avaliação do estado nutri- cional o fazem em Programas de Assistência Municipais e Instituições de Longa Permanência, o que dificulta comparações, pois o perfil do indivíduo hospitalizado, geralmente, é diferente. Izawa et al.24, em um trabalho realizado no Japão, encontraram 39,9% dos idosos eutróficos, 51,2% em risco nutricional e 8,9% com obesidade. Outros estudos apontam que a desnutrição pode chegar a 60% em pacientes idosos25. A desnutrição e o risco nutri- cional foram observados, respectivamente, em 22% e 36% dos idosos no momento da internação hospitalar no interior de São Paulo 26. Azevedo et al.27 avaliaram idosos internados, no Hospital das Clínicas de Pernambuco e também observaram magreza pelo IMC entre 24,1% ou 11,2% dos idosos através da classificação de Lipschitz e OMS. Em comparação aos estudos citados, foi alta a prevalência de desnutrição entre os idosos internados em Ouro Preto (49,6%), cidade do interior de Minas Gerais. Consequências como condições clínicas pré-existentes, assim como prejuízo funcional, doenças crônicas, disfagia, anorexia e dificuldade de mastigação por causas dentárias podem prejudicar Tabela 2 – Percentis das variáveis antropométricas PCT, CB e CMB conforme o sexo de idosos hospitalizados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG. Sexo Percentis 5 10 25 50 75 90 95 PCT (mm) masculino 5,9 8,8 11,6 15,0 22,9 27,9 33,0 feminino 3,4 4,0 7,0 10,0 13,9 17,3 23,7 CB (cm) masculino 19,4 20,9 23,0 27,0 30,7 34,9 37,1 feminino 17,0 20,0 23,1 26,0 29,0 32,0 33,1 CMB (cm) masculino 16,1 17,4 19,3 21,7 24,4 26,2 27,9 feminino 16,3 18,2 20,6 23,1 25,1 27,8 28,6 PCT: prega cutânea triciptal; CB: circunferência do braço; CMB: circunferência muscular do braço. Tabela 3 – Frequência de sintomas gastrointestinais entre os idosos com e sem desnutrição internados na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG. Desnutrição n (%) Sem desnutrição* n (%) Total n (%) Náuseas e vômitos Sim 37 (56,1) 29 (43,9) 66 (100) Não 68 (46,6) 78 (53,4) 146 (100) Diarreia Sim 9 (47,4) 10 (52,6) 19 (100) Não 96 (49,7) 97 (50,3) 193 (100) Constipação ‡ Sim 40 (64,5) 22 (35,5) 62 (100) Não 65 (43,3) 85 (56,7) 150 (100) Anorexia ‡ Sim 28 (65,1) 15 (34,9) 43 (100) Não 77 (45,6) 92 (54,4) 169 (100) Edema Sim 22 (59,5) 15 (40,5) 37 (100) Não 83 (47,7) 91 (52,3) 174 (100) Disfagia ‡ Sim 33 (63,5) 19 (36,5) 52 (100) Não 70 (44,3) 88 (55,7) 158 (100) * Sem desnutrição: eutrofia e obesidade ‡ p< 0,05. Teste qui-quadrado Perfil nutricional de idosos hospitalizados 231 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 o estado nutricional desses pacientes28. Em se tratando de pacientes hospitalizados, além da patologia presente, geralmente, os fatores circunstanciais agravantes são a alimentação hospitalar, a mudança de hábitos e os horários alimentares. Nos idosos, o processo da doença pode contribuir com a piora do estado nutricional e submeter o organismo a diversas alterações anatômicas e funcionais, com repercussão nas condições de saúde e nutrição do idoso29. A determinação do diagnóstico nutricional do idoso é um processo fundamental, mas que pode encontrar limitações. A diferenciação entre doença subjacente e desnutrição, e a separação de seus efeitos nos resultados em pacientes idosos têm se constituído em verdadeiro desafio clínico30. Até o momento, não existe consenso quanto ao melhor instrumento de avaliação nutricional do idoso, o que requer a análise conjunta de diversas medidas (antropométricas, dieté- ticas e bioquímicas) para alcançar um diagnóstico31. Não há ainda uma definição clara dos limites de corte do IMC para esse estágio da vida, existindo poucos estudos para valores de referência específicos. De acordo com Lipischitz15, os pontos de corte para baixo peso e pré-obesidade são IMC abaixo de 22 kg/ m2 e acima de 27 kg/m2, respectivamente. Este ponto de corte, quando aplicado à amostra, resulta em um alto índice de desnu- trição. Azevedo et al.27 compararam a alteração na classificação do estado nutricional através dos critérios de Lipschitz15 e da OMS12, constatando maior prevalência de desnutrição e obesi- dade entre homens quando seguiu o primeiro critério. Como não foi objetivo do presente estudo comparar os padrões para a classificação e sim avaliar o estado nutricional na internação, os valores médios de IMC indicam magreza a partir dos 70 anos de idade, agravando este quadro nos idosos com idade ≥ 80 anos. Com o envelhecimento, ocorre aumento na gordura corporal total e redução do tecido muscular. Os resultados mostraram uma diminuição dos valores médios de PCT, CB, CMB com o aumento da idade entre os idosos, concordando com os valores médios diferenciados estabelecidos pelo NHANES III, onde as médias são maiores para os idosos jovens (60-69 anos) em relação aos idosos aos 80 anos16. Isso demonstra a necessidade de ter cuidado e considerar o aumento da idade na escolha do parâmetro e na interpretação da avaliação antropométrica31. A reserva de tecido muscular pode ser estimada antropo- metricamente pela circunferência muscular do braço (CMB) e circunferência da panturrilha32. Vários pesquisadores consi- deram a circunferência da panturrilha o indicador mais sensível de alterações musculares no indivíduo idoso33, mostrando boa associação com a presença de desnutrição entre idosos hospi- talizados quando seu valor é igual ou menor a 31 cm34. No presente estudo, esta medida constava em apenas 32 prontuários dos 212 avaliados, não sendo relatada nos resultados. O não preenchimento ou realização desta medida em 180 prontuários avaliados mostra a necessidade de treinamento da equipe para a realização desta importante e fácil medida como rotina da avaliação nutricional. Utilizando como comparação os valores de percentil 50 estabelecidos para mulheres e homens idosos pelo NHANES III, o percentil 50 para a CMB, referente aos idosos do presente estudo, mostra uma redução da massa protéica somática na internação de homens idosos. Entretanto, as mulheres apresen- taram menor valor para o percentil 50 quanto à massa adiposa, representada pelos valores da PCT e CB16. A hipertensão arterial sistêmica é uma das doenças mais frequentes nos idosos35. Com o envelhecimento, há diminuição na elasticidade dos grandes vasos, o que aumenta a pressão arterial. A associação de outros fatores determinantes também deve ser considerada na contribuição para o aparecimento da hipertensão nessa população, como o sobrepeso/obesidade, o tabagismo, o sedentarismo, a dislipidemia e o diabetes do tipo II 36. Dados municipais mostram que a taxa de mortalidade por Doenças Cerebrovasculares e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), na população analisada, é de 42% e 56,5%, respec- tivamente. A taxa para Diabetes Mellitus chega a 27,5%37. Os resultados encontrados possuem compatibilidade com os dados do município de Ouro Preto, considerando que a hiper- tensão arterial seja um importante fator de risco para doenças cardiovasculares. Na maioria das vezes, sintomas como náuseas, anorexia, dor abdominal e diarreia estavam relacionadas à patologia de base que levou o paciente à internação. No presente estudo, aproximadamente 50% dos pacientes desnutridos apresentavam constipação, anorexia ou disfagia no momento da internação. Nos idosos, a anorexia e a disfagia podem ser causadas pelo envelhecimento natural associado a doenças sistêmicas e por fatores não associados ao trato gastrointestinal, como problemas cognitivos e psiquiátricos, comprometimentofísico de membros superiores, deterioração dos músculos da mastigação e doenças dentais, trazendo riscos nutricionais à essa população38. A identificação e a intervenção precoce do estado nutricional em idosos disfágicos podem amenizar os efeitos deletérios da desnutrição. No estudo de Maciel et al.39, com idosos internados submetidos à avaliação fonoaudiológica específica e à avaliação nutricional, concluiu-se que a frequência de risco de disfagia dos pacientes idosos, no momento da admissão na clínica médica foi elevada (69%), bem como a frequência de estado nutricional inadequado (71%). Em vários estudos com idosos, foi encontrada alta preva- lência de constipação, outro sintoma gastrointestinal eviden- ciado. Camilleri et al.40, em sua revisão na literatura, encon- traram prevalência de 24,1% nos gerontes. Estes números podem aumentar para cerca de 44% quando são avaliados apenas idosos internados41. No entanto, a constipação na população geriátrica não parece ser decorrente apenas do processo de envelhecimento orgânico, mas ser multifatorial. Está relacionada com a baixa ingestão de fibras, o sedentarismo, o uso de medicamentos constipantes e uma variedade de doenças neurológicas que afetam a inervação do intestino42. Sabe-se que os sintomas gastrointestinais poderão atuar como modificadores do apetite, inibindo a ingestão calórica adequada, o que, consequentemente, concorrerá para desnu- trição nas suas diversas formas de apresentação43. O aumento da população idosa traduz-se em maior número de problemas crônicos, entre eles as doenças cardiovasculares e a uma demanda cada vez maior por Serviços de Saúde. No âmbito hospitalar, a desnutrição prevalente associada à doença acarreta várias complicações, levando ao aumento da Pala D et al. 232 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (4): 227-33 morbimortalidade. Associada às alterações inerentes à idade e à alta taxa de internações geriátricas, tem-se a maior susceti- bilidade desses pacientes estarem em desequilíbrio nutricional no momento da internação. CONCLUSÃO Foi alta a prevalência de desnutrição em pacientes idosos internados, mostrando a persistência desse problema no âmbito hospitalar. Há a necessidade da avaliação nutricional precoce, completa e adequada entre os idosos internados, a fim de detectar a desnutrição, evitando o agravamento do estado nutricional pela patologia apresentada e pelos sintomas gastrointestinais nesta população. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Ouro Preto, pelo apoio financeiro, e à Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, MG. REFERÊNCIAS 1. 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