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SP.3 – COMPLICOU MÓDULO: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO 1. DEFINIR A EVOLUÇÃO CLÍNICA DA MENINGITE, EPIDEMIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO (DIFERENCIAR MENINGITE BACTERIANA DA VIRAL E INTERPRETAÇÃO DO LÍQUOR). MICROBIOLOGIA E PATOFISIOLOGIA DAS MENINGITES A meningite é caracterizada pela inflamação das finas membranas leptomeníngeas – dura mater, aracnoide e pia mater – que circundam o cérebro e a medula espinhal. Esta doença pode resultar de inúmeras causas, infecciosas, ou não, e é comumente classificada em asséptica ou bacteriana. O termo “meningite asséptica” se refere à inflamação meníngea sem evidência de infecção bacteriana causativa nem, tampouco, envolvimento do parênquima cerebral (encefalite) ou da medula espinhal (mielite). A meningite asséptica pode ser causada por vírus, fungos, desordens do tecido conectivo adjacente ou por agentes químicos. Mais de 80% dos casos de meningite viral são originados por enterovírus, mas outros grupos menos frequentes como arbovírus, herpes simples vírus e varicela podem causar esta doença. Geralmente, a meningite por enterovírus apresenta um curso clínico benigno não associado à mortalidade. A meningite bacteriana, por outro lado, é caracterizada pela resposta inflamatória exacerbada no sistema nervoso central (SNC) e, frequentemente, evolui para o desenvolvimento de sequelas neurológicas permanentes, ou óbito. Fisiopatologia das bactérias O mecanismo e a via de invasão pela qual a bactéria produz meningite ainda não estão totalmente esclarecidos. O SNC (particularmente o cérebro) possui um bom sistema protetor contra agentes patogênicos invasivos, composto por caixa craniana, meningites e um complexo mecanismo que se interpõe entre o sangue e o líquor (barreira hematoliquórica). A infecção pode atingir o SNC por meio de três mecanismos básicos: propagação sanguínea (bacteremia ou septicemia); infecção adjacente às meningites (faringite, sinusite, mastoidite, otite média etc.); solução de continuidade. As infecções crônicas otorrinolaringológicas podem se comportar como foco inicial silencioso, sobretudo a otite média crônica, que se propaga por contiguidade através do mastoide ou do osso temporal. A bacteremia costuma se desenvolver, tanto no recém- nascido como nos demais segmentos etários, a partir de infecções de pele, pulmão, coração, trato intestinal e geniturinário. A orofaringe é uma fonte de infecção por bactérias que podem se colonizar assintomaticamente nessa região. Algumas experiências mostram que as bactérias se distribuem no SNC ao longo das paredes dos seios venosos encefálicos, onde a pressão do sistema venoso é baixa. Deste ponto, elas penetram pela dura-máter, conseguindo alcançar o espaço subaracnóideo. Este é o momento crítico que irá definir o destino dessas bactérias; se os mecanismos locais de defesa (ainda não bem conhecidos) não conseguirem promover rapidamente a depuração bacteriana, os microrganismos se colonizam e disseminam a infecção. Quagliarello e Scheld, revendo conceitos sobre a patogênese e a fisiopatologia das meningites bacterianas, ensinam que a grande maioria dos casos é causada por apenas poucos agentes bacterianos. A habilidade dessas bactérias em atingir o espaço subaracnóideo e as meníngeas decorre de fatores de virulência que as permitem burlar o sistema imunológico de defesa. Assim, os meningococos, por exemplo, possuem estruturas fenotípicas, as pili (adesinas), na sua superfície, que os permitem aderir à mucosa e se colonizar. De outro modo, pneumococos, hemófilos e meningococos secretam proteases que fazem a clivagem das IgAs secretórias na superfície da mucosa oral. Já na corrente sanguínea, os polissacarídeos capsulares podem se livrar do sistema complementar sérico atividade-específico, que é ativado pela via alternativa. Se a bacteremia é mantida, as bactérias invadem o espaço subaracnóideo e o SNC por vias e mecanismos ainda não bem esclarecidos. Após ultrapassar a barreira hematoliquórica, as bactérias podem se colonizar com mais facilidade porque, no SNC, o sistema humoral de defesa é precário. Componentes da estrutura bacteriana (parede celular do pneumococo, lipopolissacarídeos do H. influenzae, N. meningitidis e E. coli) induzem a produção e a secreção local de citocinas (interleucina 1 [IL-1], IL-6 e fator de necrose tumoral), que medeiam o processo inflamatório. As citocinas ativam o endotélio cerebral, induzindo a adesão de leucócitos e glicoproteínas e a diapedese dos leucócitos para o liquor. A lesão da microvasculatura cerebral e o processo inflamatório das meníngeas facilitam a produção de edema cerebral, tanto por mecanismos vasogênicos (exsudação de albumina através da barreira hematoliquórica alterada), como por mecanismos intersticiais (redução na reabsorção de liquor pelas vilosidades aracnóideas). Ambos os processos aumentam a pressão intracraniana. A produção de mediadores vasoativos (oxigênio e nitrogênio) reduz a autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral, prejudicando o metabolismo celular (déficit de oxigênio e glicose em nível tecidual), produzindo, em consequência, dano cerebral (isquemia, convulsões, herniações, lesão nos nervos cranianos etc.). Os seguintes fenômenos podem ocorrer, conferindo maior ou menor gravidade à meningite, e, como consequência, podem dar origem a sequelas neurológicas: ■ Tromboflebite de vasos corticais, consequente a focos de necrose no endotélio dos vasos. ■ Edema inflamatório endocraniano, geralmente simétrico, responsável pela síndrome de hipertensão endocraniana (quando muito intenso, pode chegar a causar herniações encefálicas). ■ Exsudato fibrinopurulento no espaço subaracnóideo, bloqueando, parcial ou totalmente, a drenagem liquórica (hidrocefalia). Algumas bactérias ocasionam, predominantemente, processos exsudativos localizados (p. ex., pneumococo, hemófilo etc.), ao passo que outras causam, caracteristicamente, exsudatos difusos (p. ex., meningococo); aumento da produção liquórica e/ou redução da capacidade de reabilitação de liquor; encefalopatia pela ação de toxinas bacterianas (principal mecanismo responsável pelas alterações sensoriais e eletroencefalográficas); alterações eletrolíticas; hipoglicorraquia (na meningite, o processamento glicolítico está aumentado, pois o próprio cérebro realiza oxidação do glicogênio, mas a necessidade de utilização de glicose excede a capacidade de fluxo); iatrogenia (neurotoxicidade dos antibióticos etc.); oclusão séptica (êmbolos infectados) ou asséptica (fibrina) dos grandes seios durais. A trombose pode-se estender aos seios venosos comunicantes. Os mais frequentemente comprometidos são os seios cavernosos, sagital superior e lateral (o agente mais comum é o pneumococo). Alguns distúrbios metabólicos podem ocorrer na vigência de meningite grave. A secreção inapropriada do hormônio antidiurético causa hiponatremia dilucional. O pH liquórico baixo traduz uma tensão elevada de CO2 e leva, em consequência, a um persistente estímulo hiperventilatório. A inflamação do espaço subaracnóideo pode difundir transudato asséptico através da aracnoide, que se acumulando no espaço subdural (efusão ou coleção subdural). Este fenômeno é frequente no curso da meningite do recém-nascido ou de crianças durante o primeiro ano de vida e, geralmente, há reabsorção posterior. Quando a coleção subdural se infecta ou quando o espaço é alcançado por exsudato purulento, forma-se o empiema subdural. O processo supurativo difuso, no córtex cerebral, constitui a cerebrite; quando localizado, forma-se o abscesso cerebral (único ou múltiplo). No decorrer de três semanas, o abscesso se organiza, constituindo uma cápsula fibrosa com liquefação central. Por vezes se formam inúmerosmicroabscessos encefálicos. A maioria dos empiemas subdurais ocorre na convexidade encefálica; apenas em cerca de 10% dos casos eles se localizam entre os hemisférios. Os abscessos do lobo temporal e cerebelar são, em sua maioria, secundários à infecção do ouvido; o abscesso do lobo frontal é secundário à infecção do seio frontal ou, mais raramente, do seio etmoidal. Já o abscesso localizado em lobo parietal é, geralmente, veiculado pelo sangue. Todos são precedidos ou acompanhados pela meningite. Quando há ruptura de coleção abscedada, a infecção se dissemina a todo o encéfalo. À necropsia, em pacientes que evoluíram para óbito durante a fase clínica mais aguda, podem ser encontradas as seguintes alterações: aumento de volume encefálico, inclusive com herniações de porções cerebelares ou temporais (mais de 25% dos casos); exsudato purulento espesso no espaço subaracnóideo (em alguns casos, o processo purulento se estende difusamente por todo o encéfalo e a face dorsal da medula espinal); ventrículos com grande quantidade de pus – ventriculite). Processos mais graves podem estar associados a uma septação com acentuada dilatação ventricular; às vezes, à destruição da massa encefálica em vários pontos, que é substituída por formações císticas; outras vezes, ao estreitamento da via liquórica (os principais pontos de obstrução são intraventriculares: forame de Monro, e, mais raramente, aqueduto e forame de saída do quarto ventrículo); e, à trombose de veias corticais (em cerca de 10% dos casos) ou dos grandes seios durais (cavernoso, lateral e sagital superior). Microscopicamente, verifica-se um infiltrado polimorfonuclear nos vasos corticais (cerca de 1/3 dos casos) e podem ser vistos, também, monócitos e células macrofágicas. O tecido cerebral pode apresentar sinais de infarto e/ou hemorragias, e há aumento de histócitos e astrócitos. Pacientes que faleceram longo tempo após a cura da meningite não apresentam, à necropsia, alterações residuais encefálicas. Fisiopatologia das meningites virais Os mecanismos patofisiológicos da meningite viral não são bem esclarecidos. Acredita-se que a propagação dos vírus causadores de meningite no SNC envolva a invasão hematogênica. Os enterovírus (EV) infectam enterócitos no trato intestinal. Posteriormente, atravessam a parede intestinal até o tecido linfóide associado ao intestino onde ocorre a replicação primária. A consequente viremia pode atingir múltiplos tecidos como o fígado, os pulmões, o coração e o SNC. Para atingir o espaço subaracnoide, as partículas virais passam diretamente através da BHE por difusão capilar, ou se ligam a leucócitos infectados para posteriormente infectar células endoteliais. Outra via importante de entrada, principalmente para herpes simplex vírus, é a propagação neuronal retrógrada. O HSV pode penetrar no cérebro através do nervo olfatório, podendo causar encefalite nos lobos temporais. A primeira linha de defesa do SNC contra a invasão viral é mediada por linfócitos e citocinas pró- inflamatórias como IL-1β, TNF-α e IL-6. Entretanto, a atuação das citocinas na resposta do hospedeiro contra a meningite viral é limitada em comparação à meningite bacteriana, o que resulta em manifestações clínicas mais brandas com ausência de sequelas neurológicas graves. A severidade das complicações depende da extensão da replicação viral no SNC e se a infecção é propagada para regiões cerebrais além das meninges, causando outras doenças, como a meningoencefalite. QUADRO CLÍNICO A tríade clássica das meningites é composta por cefaleia, rigidez de nuca e febre, embora todos os achados sejam encontrados ao diagnóstico somente em cerca de 50% dos casos. Nos casos de meningite bacteriana, a instalação do quadro pode ocorrer entre algumas horas e poucos dias. A meningite purulenta bacteriana, por seu caráter agudo e potencial de mortalidade, deve ser reconhecida e tratada prontamente. Além da tríade clássica, outros achados frequentes são: confusão mental, vômitos e paralisia de nervos cranianos. Sinais focais são observados em 10% a 20% e podem refletir a presença de uma complicação do processo inflamatório (abscesso cerebral, vasculite, empiema subdural ou trombose de seio venoso). Em 30% dos casos, podem ocorrer convulsões. A presença de papiledema bilateral, quando observada, representa o aumento da pressão intracraniana. Figura 1: Sinais de rigidez de nuca. Sinal de Kernig: flexão do joelho e da coxa na posição supina. Sinal de Brudzinski: flexão do quadril e dos joelhos em resposta à flexão passiva do pescoço. Algumas condições associadas ao agente etiológico (bactéria ou cepa), à idade, à resposta específica ou a comorbidades, como asplenia e doenças hematológicas, predispõem a quadro septicêmico com vasculite e intenso processo inflamatório, geralmente associado a N. meningitidis e S. pneumoniae. É caracterizado por toxemia grave, com presença e disseminação de hemorragias de pele iniciadas por petéquias, podendo evoluir em minutos ou horas para hipotensão arterial, choque e óbito. Não há como diferenciar clinicamente a meningite bacteriana da meningite viral. Ambas podem cursar com todas as manifestações de irritação meníngea e hipertensão intracraniana. Contudo, nos casos de meningite viral, geralmente o quadro clinico é mais brando e o estado geral está preservado. Exantema, diarreia, artralgias e sintomas respiratórios podem estar presentes, dependendo do vírus envolvido. Bacteriana Os sinais e sintomas clínicos da meningite dependem da idade do paciente, do estágio da doença e da resposta do hospedeiro à infecção. A clássica tríade é estabelecida por febre, rigidez da nuca e estado mental alterado, e complementada pela observação dos sinais de Kernig e Brudzinski. Outros sintomas incluem sinal focal neurológico e aumento da pressão intracraniana. Os sinais de Kernig e Brudzinski juntamente com a rigidez da nuca são denominados sinais meníngeos que são altamente específicos para meningite bacteriana independente da faixa etária. O sinal de Kernig consiste em se posicionar o paciente em supino, decúbito dorsal, mantendo as pernas em ângulo reto (90°) e, posteriormente, estender as pernas observando se há sinal positivo de dor ou resistência. Há dois sinais de Brudzinski em pacientes com meningite. O primeiro deles consiste em flexionar o pescoço do paciente posicionado em supino e observar se os joelhos ou quadris acompanham a flexão. O segundo, também chamado de contralateral, envolve flexão passiva de uma perna para um lado que pode causar flexão contralateral da perna oposta. A maioria dos pacientes com meningite bacteriana, independente do agente etiológico, apresenta febre, estado mental alterado e perda da consciência. Vômito, rigidez da nuca e rash presente no interior de pontos hemorrágicos da pele (púrpura e petéquia) são mais característicos em casos de meningite meningocócica, embora o rash também seja relatado em alguns pacientes com meningite pneumocócica. Geralmente, pacientes com meningite pneumocócica apresentam convulsões, déficit focal neurológico e baixo nível de consciência, o que reflete a maior severidade desta forma da doença comparada à meningite meningocócica. Viral Pacientes com meningite viral apresentam febre, rigidez da nuca, fotofobia e vômitos sem evidência frequente de sinais meníngeos. Outros sintomas incluem mialgia, diarreia, tosse e rash. A meningite por enterovírus, comumente associada à febre, vômitos e dor de cabeça, ocorre em mais de 80% das crianças e adultos e pode levar a manifestações mucocutâneas que incluem vesículas localizadas na boca, mãos e pés. Em pacientes imunocomprometidos com meningite por HSVs podem ser observados febre, dor de cabeça, cansaço e rigidezda nuca. EPIDEMIOLOGIA Bacterianas A meningite bacteriana é um problema de saúde pública mundial, com incidência anual de 4-6 casos/100 mil adultos, sendo N. meningitidis e S. pneumoniae responsáveis por 80% dos casos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a taxa de incidência é 1,4 caso/100 mil habitante/ano, e letalidade de 22,2%. A doença meningocócica é endêmica e com ocorrência de surtos, e acomete indivíduos de todas as faixas etárias, mas 50% dos casos ocorrem em crianças < 5 anos, principalmente lactentes no primeiro ano de vida. A mortalidade da doença tem se mantido em 18- 20% dos casos, chegando a 50% nos casos de meningococcemia. Viral Aproximadamente 80% dos casos de meningite viral são causados pelo grupo dos enterovírus, dentre os quais se destacam os poliovírus, os echovírus e os coxsackievírus dos grupos A e B. Outros grupos de vírus capazes de causar meningite, mas com menor frequência são os arbovírus, o herpes simples vírus, além dos vírus da caxumba, varicela e sarampo. A incidência é maior no verão em países com clima temperado e praticamente o ano todo em países tropicais, com aumento do número de casos na primavera e no verão. Indivíduos de todas as faixas etárias são susceptíveis à doença, embora predominem os casos em crianças menores de cinco anos. Dentre os enterovírus, o echovírus (E) é o principal causador de meningite viral, sendo que os genótipos E6, E9, E11, E13, E19 e E30 são detectados com maior frequência em pacientes com a doença. Embora a meningite por enterovírus tenha, na maior parte dos casos, curso clínico benigno, a infecção por echovírus pode causar incapacidade e desordem leves em crianças menores de cinco anos. A meningite viral causada pelo vírus herpes simplex é principalmente atribuída ao HSV-2, com prevalência variando de 0,5 a 3% do total dos casos de meningite viral. A meningite por HSV-2 pode ser causada pela reativação viral oriunda de uma infecção prévia de herpes genital, apesar de haver relatos de meningite herpética sem ocorrência recente de lesões genitais. A meningite por HSV é considerada uma causa importante de morbidade e mortalidade em indivíduos imunodeficientes. O vírus do oeste do Nilo foi introduzido nos Estados Unidos em 1999 e, desde então, surtos anuais tem registrado mais de 15.000 casos de doença severa com complicações neurológicas e mais de 1.500 mortes. Assim, o vírus do oeste do Nilo é considerado a principal causa de doença neuroinvasiva transmitida por mosquitos nos Estados Unidos. Em 2011 no Brasil, o SINAN registrou mais de três mil casos de meningite viral (n = 3.759), o que corresponde a 18,2% do total de casos de meningite no país. Para a maioria dos casos, não há identificação do agente etiológico, exceto em surtos epidêmicos. Dentre os enterovírus, o echovírus 30 é o principal causador de surtos e de casos esporádicos de meningite viral no país, sendo responsável por mais de 80% dos casos da doença no período de 1998-2003. Os casos registrados no Brasil abrangem pessoas de 28 dias a 68 anos de idade, embora quase metade dos casos (45,3%) seja atribuída a crianças entre dois e seis anos de idade. DIAGNÓSTICO O diagnóstico das meningites se baseia no isolamento do agente no LCR. Entretanto, diversos outros parâmetros podem ser utilizados no auxílio ao diagnóstico e na determinação do tratamento empírico até a confirmação por cultura, métodos sorológicos ou de biologia molecular. De modo geral, a punção lombar pode ser realizada sem a necessidade de exames de imagem (tomografia computadorizada [TC] ou ressonância magnética [RM]), exceto nas condições descritas a seguir: Presença de déficit neurológico focal; Histórico de doença neurológica prévia; Crise convulsiva; Presença de papiledema; Alteração do nível de consciência; Imunossupressão. Diagnóstico diferencial As meninges podem ser acometidas por neoplasias, processos autoimunes ou apresentar reação inflamatória a fármacos ou sangue no espaço subaracnóideo. O quadro clínico decorrente é muito semelhante a um processo infeccioso, e tais hipóteses devem sempre ser consideradas nos casos em que não há isolamento em culturas, métodos sorológicos ou de biologia molecular. Identificação do agente etiológico causador de meningite A identificação do agente etiológico da meningite é fundamental para auxiliar na escolha da terapia apropriada e para o rastreamento epidemiológico regional da doença. A cultura do líquor é considerada padrão-ouro para o diagnóstico diferencial das meningites. Os meios de cultura rotineiramente usados para cultura do líquor são ágar sangue de carneiro a 5% e ágar chocolate. A incubação das placas deve ser feita por pelo menos 72h a 37°C em atmosfera contendo de 5 a 10% de CO2. Em pacientes com meningite bacteriana não tratada previamente com antibióticos, a cultura do líquor é positiva em 70-85% dos casos. No entanto, o resultado da cultura do líquor é demorado, o que obriga o uso de terapia empírica com antibióticos de largo espectro e, em alguns casos, a administração de antibióticos aos pacientes cuja etiologia se revela viral ao diagnóstico confirmatório. Em pacientes previamente tratados com antibióticos, a sensibilidade da cultura é significativamente diminuída. Esfregaços de líquor corados com a coloração de Gram também são usados para a identificação preliminar do agente etiológico da meningite bacteriana, sendo um método bem estabelecido e de baixo custo. O teste de bacterioscopia por Gram positivo para diplococos gram-positivos sugere diagnóstico preliminar para S. pneumoniae. Organismos gram-negativos em forma de diplococos indicam N.meningitidis, enquanto os bacilos podem ser H. influenzae, Escherichia coli ou Pseudomonas aeruginosa. O teste de aglutinação em látex tem sido usado para auxiliar no diagnóstico diferencial das meningites. É um método rápido e de fácil execução que permite resultados em menos de 15 minutos. Os testes utilizam partículas de látex de poliestireno revestidas com anticorpos contra os antígenos bacterianos em solução de azida sódica a 0,1% como conservante. Estas partículas de látex aglutinam macroscopicamente na presença de antígeno homólogo suficiente, sendo visualizadas a olho nu. O teste de aglutinação em látex é recomendado para casos suspeitos de meningite bacteriana com resultados negativos à cultura e bacterioscopia por Gram. Atualmente, a reação em cadeia da polimerase (PCR) convencional e em tempo real (RT-PCR) tem sido avaliada para a identificação do agente etiológico das meningites em diversos fluidos biológicos. Para detecção de S. pneumoniae, o alvo mais comum é o gene da pneumolisina (ply) por codificar uma proteína intracelular específica produzida por todos os sorotipos clinicamente relevantes. A PCR para o diagnóstico de N. meningitidis tem como alvo o gene ctrA que é único neste microrganismo, com porções gênicas altamente conservadas e comuns a todos os sorogrupos do meningococo. A limitação deste teste deve-se ao primer próximo à sequência terminal 5’, região variável entre os diferentes sorogrupos do meningococo, o que compromete a sensibilidade do teste. O gene bexA codifica a proteína capsular presente em todas as cepas de H. influenzae, o que favorece sua identificação com alta sensibilidade. O uso da PCR é recomendado para casos suspeitos de meningite que apresentaram resultados negativos à cultura ou bacterioscopia por Gram. A complexidade dos métodos baseado em PCR, ou RT-PCR dificulta a sua implementação pelos laboratórios hospitalares, mesmo em centros de referência em infectologia. O tempo necessário para a realização destes testes ainda não atendem a necessidade do diagnóstico rápido e “point-of-care”. Além disso, a eliminaçãorápida dos patógenos pelo sistema imune do hospedeiro limita a janela temporal para detecção dos ácidos nucleicos desses microrganismos. Bacteriana O diagnóstico das meningites bacterianas é através da análise do LCR, principalmente o exame quimiocitológico e a cultura. Está indicado fazer TC de crânio antes de puncionar quando há: • Déficits focais, convulsões; • Lesões prévias no SNC; • Rebaixamento do nível de consciência; • Sinais de HIC; A punção liquórica está contraindicada se houver piodermite no local. Na tabela estão as alterações que diferenciam a etiologia da meningite através dos exames quimiocitológicos do LCR. Outros exames laboratoriais O hemograma não é sugestivo de meningite bacteriana; frequentemente revela leucocitose, neutrofilia e desvio à esquerda; e o exame bioquímico sanguíneo também não fornece maiores informações diagnósticas. O cultivo do sangue pode ser uma fonte importante para o isolamento da bactéria causal. Nas meningites não precedidas de disseminação hematogênica de bactérias, se desenvolve bacteremia secundária. TRATAMENTO HISTÓRICO A letalidade, antes da era antibiótica, era de cerca de 10% na meningite pneumocócica, e cerca de 98% na meningite por hemófilos; apenas a meningocócica é que permitia sobrevida de 1/3 dos casos, porém deixava sequelas neurológicas graves. A partir de 1913, a utilização de antissoro meningocócico equino, por via intratecal, elevou a sobrevida na meningite meningocócica e, em 1939, foi introduzido o antissoro contra hemófilos (preparado em coelhos), com resultados semelhantes ao do meningocócico. O advento das sulfonamidas constitui o primeiro triunfo na quimioterapia antimeningítica; sulfadiazina combinada a antissoro contra hemófilos reduziu a letalidade a 30%. Os pneumococos, entretanto, não respondiam bem às sulfas. Com o surgimento da penicilina G cristalina, pode-se controlar, também, a meningite pneumocócica e, por longo período, utilizou-se com sucesso a associação penicilina- cloranfenicol-sulfa, mas algumas cepas de meningococos desenvolveram resistência às sulfas. A partir de 1963, a ampicilina substituiu as três drogas de maneira eficaz contra os três principais germes causadores de meningite, em crianças e adultos. Com o surgimento dos aminoglicosídeos, eles passaram a ser combinados à ampicilina em recém-nascidos até dois meses de idade. Recentemente, têm sido utilizadas as cefalosporinas de terceira geração, em especial a ceftriaxona, que possuem amplo espectro de ação e oferecem excelente nível liquórico. Atualmente, se pesquisa o potencial terapêutico dos carbapenens e fluoroquinolonas, que ainda não está bem definido. Como adjuvante terapêutico, ainda permanece a controvérsia do uso de corticosteroide. No campo ainda hipotético e experimental, estão sendo pesquisados outros adjuvantes terapêuticos: inibidores da caspase, antioxidantes, poli-(ADP-ribose), inibidores da polimerase, inibidores da peroxidação lipídica e da metaproteinase. ANTIBIOTICOTERAPIA A escolha do esquema terapêutico deve ser estabelecida à luz dos modernos conhecimentos da farmacologia e farmacocinética dos antibióticos. É importante considerar a presença de barreiras anatômicas e fisiológicas, sangue/liquor e sangue/cérebro. Muitos antibióticos lipossolúveis ultrapassam rapidamente esses obstáculos (cloranfenicol, cotrimexazol, rifampicina), ao passo que outros são ionizados em pH plasmático, adquirindo baixa solubilidade lipídica e, por via de consequência, penetram lentamente e em quantidades muito pequenas. Outros fatores interferem na passagem da droga pelas barreiras virtuais sangue/liquor/tecido cerebral, como a sua capacidade em se ligar a proteínas plasmáticas, o gradiente (sangue/liquor) de pH, o tamanho e a complexidade da molécula do antibiótico e a intensidade da lesão meníngea e da resposta infamatória. Além disso, alguns antibióticos só ultrapassam a barreira por transporte ativo, o que constitui outra limitante intrínseca. O aporte ativo de drogas aos tecidos cerebrais e às coleções supurativas pode ser feito, secundariamente, por via hemática direta. Em consequência dessa complexidade físico- farmacológica, a penetrabilidade dos agentes antimicrobianos do sangue ao líquor pode ser resumida nos quatro seguintes grupos: 1. Drogas que passam facilmente com ou sem inflamação meníngea (cloranfenicol, cotrimexazol, rifampicina). 2. Drogas que penetram bem quando há inflamação (penicilina G cristalina, ampicilina, carbenicilina, cefaloridina, cefazolina, oxacilina, vancomicina, cefotaxima, cefoperazona, moxalactam, aztreonam, ceftriaxona, cefotazidina, cefepima, cefpiroma). 3. Drogas que penetram com dificuldade, mesmo quando há inflamação (cefalotina, lincomicina, fosfomicina, etambutol, aminoglicosídeos, anfotericina B, clindamicina). 4. Drogas que praticamente não ultrapassam a barreira (colistina, polimixina B). A depuração liquórica das drogas é pouco afetada por esses fatores. Ela se dá rapidamente, ainda que o antibiótico esteja ligado a proteínas. Este fato impõe a necessidade da administração de antibióticos intervalados por curtos espaços de tempo (poucas horas). Alguns princípios básicos da antibioticoterapia na meningite bacteriana devem ser respeitados, como os apresentados a seguir: ■ Administração precoce de antibióticos, quando a meningite for diagnosticada ou suspeitada clinicamente, sem que o agente etiológico tenha sido ainda identificado. Quanto mais tempo decorrido de doença, o prognóstico se torna pior. ■ Necessidade de altos níveis de concentração plasmática para alcançar as concentrações adequadas no tecido cerebral; ■ Amplo espectro de ação do esquema antibiótico até que se identifique o agente etiológico. ■ Utilização preferencial de antibióticos bactericidas ou que se tornem bactericidas em altas concentrações, porque a fagocitose, no espaço subaracnóideo, não é suficientemente adequada, pela precariedade do afluxo de imunócitos e complemento ao liquor infectado. ■ Manutenção de altas dosagens, até a cura da meningite, porque a redução da população bacteriana se faz acompanhar de menos inflamação e regeneração meníngea, restaurando-se a barreira sangue/liquor e, em consequência, dificultando novamente a penetração das drogas. ■ Especial atenção aos padrões de resistência bacteriana nos centros de atendimento, os quais podem ajudar na utilização de esquemas empíricos iniciais. Ao se decidir pelo esquema antibiótico inicial empírico (não se deve esperar a bacterioscopia e cultura para iniciar o tratamento), devem ser considerados os seguintes fatores que podem sugerir o agente etiológico: faixa etária, focos sépticos primários, estado imunológico do paciente, história de traumatismo cranioencefálico, antecedentes de neurocirurgia, meningites de repetição. A via de administração deve ser, sempre que possível intravenosa. A via intratecal é um procedimento excepcional; tem sido utilizada em meningites graves que não responderam a antibióticos administrados por via intravenosa ou que se sabe não ultrapassar a barreira hematoliquórica. A dosagem não deve ultrapassar 1/10 da usualmente utilizada por outras vias; a posologia é aleatória (em geral uma dose/dia, até o início da regressão do quadro). Os efeitos colaterais observados têm recomendado extrema limitação ou até contraindicado seu uso. A administração de antibióticos diretamente nos ventrículos, a despeito das dificuldades técnicas e dos efeitos colaterais, tem sido utilizada na meningite do recém- -nascido e de crianças de até um ano de vida, com ventriculite associada. Entretanto, os resultados não são satisfatórios. Os antibióticos já testados que mostraram boa penetração em abscessos cerebrais(alguns por difusão sanguínea direta) são: cloranfenicol (o mais difusível); ampicilina, vancomicina, rifampicina (de capacidade de penetração intermediária); aminoglicosídeos e cefalosporinas (má difusão). A penicilina G cristalina e a oxacilina não atingem boa concentração em abscessos intracranianos. ESQUEMAS USUAIS A terapêutica antibiótica deve ser iniciada imediatamente após o diagnóstico liquórico de meningite purulenta, antes mesmo de um diagnóstico etiológico específico conhecido. Em situações extremas, em que haja suspeita clínica de meningite bacteriana e não haja disponibilidade de pesquisa liquórica, deve-se iniciar a antibioticoterapia empiricamente, mesmo sem diagnóstico de certeza. Em geral, utiliza-se, de início: ■ RN até um mês de vida: ampicilina (150 mg/kg/dia EV divididos de 8/8 horas se < 7 dias de vida, e 300 mg/kg/dia EV divididos de 6/6 horas se > 7 dias de vida) + cefotaxima (150 mg/kg/dia EV divididos de 12/12 h se < 7 dias de vida e 200 mg/kg/dia EV divididos de 6/6 h se > 7 dias de vida) ou gentamicina (5 mg/kg/dia EV divididos de 12/12 h se < 7 dias de vida e 7,5 mg/kg/dia EV divididos de 8/8 h se > 7 dias de vida) ou amicacina (15 mg/kg/dia EV divididos de 12/12 h e 30 mg/kg/ dia EV divididos de 8/8 h se > 7 dias de vida) (ver mais detalhes no Capítulo 60.3); não utilizar corticosteroides em RN. ■ Crianças de 1-3 meses a 7 anos: cefotaxima (2 g, EV divididos de 6/6 horas) ou ceftriaxona (2 g EV divididos de 12/12 horas) + ampicilina (2 g EV divididos de 4/4 horas). Considerar corticosteroides em crianças não vacinadas contra hemófilos e se pneumococo na cultura ou forte suspeita (pneumonia comunitária de base, esplenectomizados, TCE fechado) (0,15 mg/kg EV de 6/6 horas antes da antibioticoterapia, 4 dias). ■ Crianças > 7 anos e adultos: ceftriaxona (2 g, EV, a cada 12 horas). Em situações clínicas/epidemiológicas suspeitas de pseudomonas (trauma de crânio aberto, infecção por punção liquórica ou antibiograma indicar resistência, acrescentar cefotaxidima [2 g, EV, a cada 4 horas]). ■ Idosos, imunossuprimidos, diabéticos, alcoolistas, pacientes com infecção hospitalar: ceftriaxona (2 g, EV, 12/12 horas) + ampicilina (3 g, EV, 6/6 horas) + vancomicina (50 mg/kg/dia, EV, divididos de 6/6 horas). Considerar metronidazol (anaeróbios) e anfotericina B lipossomial (fungos). USO DE CORTICOSTEROIDES COMO ADJUVANTE Ainda que esteja sendo indicado seu uso em meningite pneumocócica ou por hemófilos, como adjuvante terapêutico em adultos jovens (0,15 mg/kg de dexametasona, a cada 6 horas, EV, por 4 dias), o assunto ainda não está definido no benefício a crianças. Não há ainda uma recomendação universal e permanece assunto controverso. Muitos consensos, entretanto, recomendam seu uso quando a cultura liquórica resulta positiva para pneumococo ou quando há suspeita de pneumococo. Os corticosteroides atuam na redução da inflamação e na organização do exsudato inflamatório e, em consequência, diminuem a pressão endocraniana. Porém, eles afetam a resposta do hospedeiro à infecção porque, agindo como antiedematosos e estabilizadores das membranas lipossomiais das células, interferem na digestão fagocítica da bactéria. Eles reduzem, também, o processamento pelos macrófagos (antagonizam o fator inibidor da migração de macrófago) e intervêm em toda a cinética de processamento e eliminação da bactéria pelos neutrófilos. Essas interferências na resposta imune, associadas a efeitos colaterais sistêmicos potenciais, colocam em dúvida sua utilização na meningite bacteriana. Os corticosteroides parecem ser capazes de interferir significativamente na diminuição das complicações neurológicas tardias. O único benefício efetivamente demonstrado está na redução do risco de surdez em crianças com meningite por H. influenzae tipo b. Desta forma, a administração de dexametasona (0,15 mg/kg antes da antibioticoterapia, a cada seis horas, durante quatro dias) ficaria restrita a crianças de 3 meses a 7 anos de idade, junto ou 15 minutos antes da primeira dose do(s) antibiótico(s). Com a drástica redução da incidência de meningite por H. influenzae nos locais onde a vacina específica é utilizada rotineiramente, essa recomendação também deixou ser feita para essas populações. O ESTUDO DO LÍQUOR, DIFERENCIANDO DA MENINGITE BACTERIANA, VIRAL, PROTOZOÁRICAS E FÚNGICAS O líquido cefalorraquidiano (LCR) é um fluido biológico que está em íntima relação com o sistema nervoso central (SNC) e seus envoltórios. O LCR promove um sistema fisiológico de fornecimento de nutrientes para o tecido nervoso e eliminação de resíduos metabólicos, possui a função de defesa do SNC contra agentes infecciosos, de remover resíduos e de circular nutrientes, mantendo assim, o dinamismo dos elementos nele presentes além de produzir uma barreira mecânica ao cérebro e medula espinhal contra traumas. O LCR é produzido nos plexos coróides dos dois ventrículos lombares e no terceiro e quarto ventrículos. O líquido flui através do espaço subaracnóideo localizado entre a aracnóide e a pia- máter. Os plexos coróides são redes de capilares que formam o LCR a partir do plasma por mecanismos de filtração seletiva sob pressão hidrostática e transporte ativo de secreção. Nos capilares formadores do plexo as células endoteliais têm espaços muito restritos que impedem a passagem de muitas moléculas. A essa estrutura dá-se o nome de barreira hematoencefálica (BHE). Aspecto O aspecto normal de um LCR é cristalino límpido (Ilustração 3). A terminologia usada para descrever o aspecto do LCR inclui cristalino límpido, ligeiramente turvo ou turvo, leitoso, xantocrômico e hemolisado/sanguinolento. (Ilustração 4) Uma amostra ligeiramente turva, turva ou leitosa pode ser resultado de aumento na concentração das proteínas ou dos lipídeos, mas também pode ser indicativo de infecção, sendo a turbidez causada pela presença de glóbulos brancos. Xantocromia é o termo utilizado para designar que o sobrenadante do LCR é rosa, laranja ou amarelo. O fator mais comum de ocorrência de xantocromia é a presença de produtos de degradação das hemácias. Dependendo da quantidade de sangue e da duração do tempo que ele está presente, a cor variará de rosa (pouca quantidade de oxi-hemoglobina) para laranja (hemólise forte), para amarelo (conversão de oxi- hemoglobina em bilirrubina não conjugada). Outras causas de xantocromia incluem bilirrubina sérica aumentada, aumento acentuado da concentração de proteínas e pigmento de melanina. Contagem de células A contagem de células que é realizada rotineiramente no LCR é a contagem de glóbulos brancos e de glóbulos vermelhos. Qualquer uma delas deve ser realizada imediatamente, porque os GBs e Gvs começam a lisar em uma hora. É essencial que o LCR seja enviado fresco para o laboratório de citologia, uma vez que as células começam a se desintegrar rapidamente. Se o atraso for inevitável, deve-se acrescentar pouco de álcool ou formol ao espécime para preservação das células. Existem diversos métodos de preparo, inclusive sedimentação, uso de filtro Millipore e citocentrifugação. É importante que esta não seja muito rápida, uma vez que a velocidade distorce e rompe as células. A amostra deve ser centrifugada de 5 a 10 minutos, o fluido sobrenadante é retirado para ensaios adicionais, e lâminas são feitas a partir do sedimento. As preferências de fixação e coloração também variam, sendo empregados o Papanicolau, o Wright, além do May-Grunwald-Giemsa. Alguns laboratórios preferem este último corante uma vez que as células são mais facilmente identificadas quando a celularidade é baixa. As células encontradas no líquor normal são, principalmente, linfócitos e monócitos. O adulto geralmente,tem predominância de linfócitos sobre os monócitos (70:30). (Ilustrações 5, 6 e 7) O achado de número aumentado de células normais é considerado anormal, assim como a presença de leucócitos imaturos, eosinófilos, plasmócitos, macrófagos e células malignas. Quando o número aumentado de células envolve neutrófilos, linfócitos ou monócitos, a contagem diferencial do LCR é mais frequentemente associada ao tipo de microrganismos que está causando a infecção das meninges (meningite). Uma alta contagem de GBs, no qual a maioria das células são neutrófilos, é considerada indicativa de meningite bacteriana. Do mesmo modo, contagem de GBs moderadamente elevada com alta porcentagem de linfócitos e monócitos sugere a meningite de origem viral, tuberculosa, fúngica ou parasitária. Além da meningite bacteriana, aumento de neutrófilos também é observado nas fases iniciais (um a dois dias) da meningite viral, fúngica, tuberculosa e parasitária. O amento de eosinófilos é observado no LCR em associação com infecções parasitárias, infecções fúngicas (principalmente Coccidioides immitis), e em virtude da introdução de material estranho no sistema nervoso central. (Ilustração 8). Linfoblastos, mieloblastos e monoblastos são encontrados no LCR, geralmente, devido a grave complicação de leucemias agudas. Enquanto a origem de células de carcinoma metastásico não hematológico é, principalmente, neoplasias de pulmão, mama, renais e gastrintestinais. Fusão das membranas celulares e irregularidades nucleares e nucléolos hipercromáticos são vistos em aglomerados de células malignas. Testes químicos a) Proteínas: A análise química mais realizada no LCR é a dosagem de proteínas e o LCR normal contém pequena quantidade delas. Os valores normais para proteínas são método-dependentes, mas normalmente são referidos como de 15 a 45 mg/dL. Em geral, o LCR contém frações protéicas semelhantes às encontradas no soro, sendo que a albumina é a maior das proteínas do LCR. Proteínas elevadas são, com freqüência, observadas em condições patológicas. Valores anormalmente baixos estão presentes quando há perda de fluido do SNC. b) Glicose: A glicose entra no LCR por transporte seletivo em toda a BHE, o que resulta em um valor normal que é, de aproximadamente, 60 a 70% da glicose plasmática. Por isso para uma análise precisa da glicose no LCR, um teste de glicemia deve ser executado para comparação, e deve ser analisada cerca de duas horas antes da punção lombar. Valores elevados de glicose são, sempre, resultado de elevações no plasma. Valores acentuadamente baixos de glicose, acompanhada por aumento na contagem de GBs e com grande proporção de neutrófilos, a suspeita é de meningite bacteriana. Se os GBs são linfócitos a suspeita é de meningite tuberculosa. Da mesma maneira, se um valor normal de glicose no LCR é encontrado com aumento do número de linfócitos, o diagnóstico favorece meningite viral. c) Lactato: Em meningites bacteriana, tuberculosa e por fungos valores de lactato acima de 25 mg/dL ocorre muito mais consistentemente do que a redução da glicose e fornece informações mais fidedignas quando o diagnóstico inicial é difícil. Níveis superiores a 35 mg/dL são, frequentemente, vistos como meningite bacteriana, enquanto na meningite viral o lactato permanece abaixo de 25 mg/dL. Os níveis de lactato permanecem altos durante o início do tratamento, mas caem rapidamente quando o tratamento for bem- sucedido, fornecendo um método sensível para avaliação da eficácia da terapia antibiótica. d) Glutamina: A concentração normal de glutamina no LCR é de 8 a 18 mg/dL. O aumento da síntese de glutamina é provocado pelo excesso de amônia presente no SNC. Algumas perturbações de consciência ocorrem, quase sempre, quando os níveis de glutamina estão acima de 35 mg/dL. Portanto, este teste é frequentemente, solicitado para pacientes com coma de origem desconhecida. Ensaios microbiológicos O papel da microbiologia na análise do líquor reside na identificação do agente etiológico nas meningites. O crescimento dos microrganismos em meios de cultura pode demorar de 24 horas, em casos de meningite bacteriana, a 6 semanas, para meningite tuberculosa. Consequentemente, em muitos casos, a cultura do LCR é na realidade, uma confirmação, em vez de um procedimento diagnóstico. No entanto, o laboratório de microbiologia possui vários métodos para um diagnóstico preliminar, como o bacterioscópico, coloração para bacilo álcool ácido resistentes, tinta da China e testes de aglutinação do látex. A coloração de gram é rotineiramente realizada em todos os casos suspeitos de meningite. Todos os esfregaços e culturas devem ser realizados em amostras concentradas, pois muitas vezes apenas alguns microrganismos estão presentes no início da doença. O líquor deve ser centrifugado a 1500º durante 15 minutos e lâminas e culturas devem ser preparadas a partir dos sedimentos. Mesmo quando amostras concentradas são utilizadas, existe a chance de que, pelo menos, 10% dos casos sejam considerados negativos. Assim, a hemocultura deve ser feita, pois o microrganismo, geralmente, também está presente no sangue. Os organismos mais frequentemente encontrados são o Streptococcus pneumoniae (cocos gram-positivos), Escherichia coli (bacilos gram- negativos) e Neisseria meningitidis (cocos gram- negativos). As amostras de possíveis casos de meningites fúngicas são coradas pelo Gram e, muitas vezes, recebem uma preparação com tinta da China para ser detectada a presença de Cryptococcus neoformans encapsulados. (Ilustração 9) MENINGITES Etiologia: As meningites, processos inflamatórios nas meninges, podem ter etiologias infecciosas, como virais, bacterianas, fungicas, dentre outras, e não infecciosas como tumores e traumas. O exame do LCR é fundamental para o diagnóstico das meningites agudas. Nas meningites agudas, observa-se aumento da pressão do líquor devido ao aumento do volume por diminuição da reabsorção. Com relação à celularidade do LCR, o número de células pode ser superior a 1.000/mm3 nas bacterianas, com predomínio ou totalidade de neutrófilos. Nas meningites virais, classicamente linfomonocitárias, pode haver predomínio de neutrófilos nas fases iniciais. Do ponto de vista bioquímico, as meningites agudas cursam com aumento dos níveis proteicos, que é mais intenso nas bacterianas. Meningite bacteriana: A aparência do líquor é turva em pacientes com meningite bacteriana. Em casos não tratados, a contagem total de leucócitos é elevada, variando de 1.000 a 5.000 células/mm3, embora esta variação possa ser mais ampla indo de <100 até >10.000 células/mm3. Esses pacientes geralmente têm predomínio de leucócitos polimorfonucleares (PMN) entre 80 e 95%. No entanto, cerca de 10% dos pacientes com meningite bacteriana aguda têm linfocitose (> 50% de linfócitos ou monócitos), o que é mais comum naqueles indivíduos com contagem de leucócitos inferior a 1.000 células/mm3. A concentração de proteínas varia de 100 a 500mg/dL, podendo chegar a 1.000mg/dL. A concentração absoluta de glicose no líquor em pacientes com meningite bacteriana é < 40mg/dL, e a razão glicose líquor/soro é menor ou igual a 0,4. Nas meningites bacterianas, os níveis de lactato estão aumentados no LCR. Meningite viral: O líquor de pacientes com meningites virais é geralmente cristalino com contagem total de leucócitos menor que 500 células/mm3, embora este valor possa variar de 100 a 1.000 células/mm3. A linfocitose é predominante no líquor desses pacientes, embora o predomínio de PMN possa ser observado nos estágios iniciais da doença. Os níveis de proteínas totais podem ser normais ou levemente aumentados, enquanto a concentração de glicose no líquor geralmenteé normal ou levemente diminuída Comparações: 1. Os teores de glicose estão sempre diminuídos nos quadros bacterianos e, muitas vezes, nos quadros virais, tornando o seu valor discutível no diagnóstico diferencial entre os quadros bacterianos e virais. A dosagem do lactato permite, com melhor sensibilidade, fazer o diagnóstico diferencial entre as meningites bacterianas e virais, com aumento significativo nas primeiras. 2. O exame do liquor nas meningites virais evidencia, classicamente, pleocitose menos intensa que nas meningites bacterianas agudas. Meningite fúngica: O líquor de pacientes com meningites fúngicas é geralmente cristalino com contagem total de leucócitos mononucleares. O LCR mostra pleiocitose mista, com predomínio linfocítico, níveis elevados de proteínas, níveis de glicose normais ou ligeiramente diminuídos; coloração de tintura da Índia pode identificar Cryptococcus; geralmente cultura positiva para fungos e teste de aglutinação com látex para antígeno criptocócico sensível para este organismo. Os níveis de lactato estão aumentados. 2. DESCREVER O PROCESSO DE EVOLUÇÃO DA IVAS PARA MENINGITE COMO POSSÍVEL COMPLICAÇÃO DE INFECÇÕES BACTERIANAS, COMO OTITE MÉDIA E RINOSSINUSITE. Apesar do largo uso de antibióticos, um pequeno número de indivíduos desenvolve complicações intracranianas. Afetam entre 0,5% a 24% de pacientes atendidos em hospital por rinossinusites. Doenças da orelha média e mastóide são as vias mais comuns de acometimento intracraniano. Junto com as sinusites, as doenças da orelha média são responsáveis por cerca de dois terços dos abscessos cerebrais. O seio frontal é o mais comumente associado à infecção intracraniana, seguido pelo etmóide, esfenóide e maxilar. Os pacientes mais acometidos pela meningite são adultos jovens do sexo masculino. Há uma dificuldade de relacionar causa e efeito entre a meningite e a sinusite pois, diferentemente dos abscessos, ela se origina mais de sinusites crônicas. Pode-se apresentar em formas agudas, podendo levar à morte em horas. Sinusite esfenoidal é a causa mais comum de meningite seguida pelo etmóide, frontal e maxilar. Estreptococos hemolítico e pneumococos são os agentes mais comuns. O estudo do líquor é necessário na suspeita de meningite, onde temos um aumento de celularidade e proteínas (albuminorraquia acima de 1 grama), diminuição de glicose e cloretos porém, antes da punção lombar, deve ser descartado um abscesso cerebral. Todos esses problemas podem ocorrer, pois a sinusite acontece quando há uma inflamação das cavidades da face que têm relação com a mucosa do nariz, os chamados seios paranasais. Essa inflamação pode chegar ao cérebro e provocar meningite. Sinusite A patogênese da rinossinusite é multifatorial e envolve uma complexa interação entre mecanismo de defesa do hospedeiro e o organismo infectante. Existem três fatores fundamentais para a fisiologia normal dos seios paranasais: a patência dos óstios, a função ciliar e a qualidade das secreções nasais. Enquanto a obstrução do óstio do seio na rinossinusite aguda é mais freqüente devido ao edema de mucosa, na rinossinusite crônica alguma anormalidade anatômica que interfere na drenagem através do óstio está freqüentemente presente. Obstrução do óstio sinusal, parcial ou completa, resulta em estagnação de secreções, queda do pH e da tensão de oxigênio dentro do seio. Estas alterações favorecem o crescimento bacteriano. A tensão de oxigênio dentro do seio pode chegar a zero, promovendo crescimento anaeróbio e de bactérias facultativas, que têm importante implicação na rinossinusite crônica. A interrupção do transporte mucociliar nos seios paranasais é outro fator importante na patogênese da rinossinusite. O batimento ciliar normal freqüentemente é maior que 700 batimentos por minuto. Entretanto, durante rinossinusite, o batimento ciliar decai para menos que 300. A qualidade e o caráter da secreção sinusal também mudam durante a rinossinusite. O muco espesso, que não pode ser efetivamente removido do seio, torna-se um meio de cultura para crescimento bacteriano. Tal secreção espessa obstrui o óstio sinusal podendo perpetuar o problema, causando o ciclo nasal. Otite Patogênese: Ocorre uma disfunção da trompa de Eustáquio decorrente de obstrução, o que prejudica a ventilação do ouvido médio, estimulando secreção de muco pelo epitélio num espaço fechado pela obstrução. Paralelamente, durante os episódios intermitentes de aspiração, refluxo ou insuflação da tuba, bactérias colonizadoras da nasofaringe podem alcançar a cavidade do ouvido médio e encontra esse meio rico em muco e fechado, o que estimula a proliferação bacteriana e leva à OMA, funcionando como um abscesso. As infecções virais das vias aéreas superiores frequentemente precipitam esse processo de disfunção do ouvido médio, especialmente o resfriado comum. A pressão e o processo inflamatório no ouvido médio é o que gera o sintoma de dor (otalgia). Em alguns dias, a evolução natural da doença seria a drenagem do ‘abscesso’ para o meio externo, por meio de pequenas perfurações na membrana timpânica e o paciente experimenta saída de secreção (otorréia) e melhora da otalgia. Uma das complicações é a manifestação para o sistema nervoso central, gerando meningite. 3. CARACTERIZAR INFECÇÃO HOSPITALAR E SUA RELAÇÃO COM RESISTÊNCIA BACTERIANA, DESTACANDO A IMPORTÂNCIA DA COMISSÃO DE INFECÇÃO HOSPITALAR, SEUS COMPETENTES E FUNÇÕES. Falta a primeira parte Comissão de Controle de Infecção Hospitalar - CCIH De acordo com o Ministério da Saúde, infecção hospitalar é toda infecção adquirida após admissão do paciente, que se manifeste durante a internação ou até mesmo após a alta, quando relacionada com a hospitalização. É diagnosticada 48h após a internação. Segundo pesquisadores, o problema de resistência a antibióticos é preocupante, uma vez que infecções hospitalares matam mais de 50 mil pessoas por ano no Brasil. Diante da situação, é de fundamental importância a instituição de uma comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH). Os primeiros dados, colhidos com metodologia adequada pelo Ministério da Saúde, apontam que entre 1% e 15% dos pacientes internados em hospitais brasileiros adquirem infecção hospitalar. As IHs estão situadas entre as principais causas de óbito no Brasil, ao lado das doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias e infecciosas. Em 24 DE JUNHO DE 1983, o Ministério da Saúde instituiu a Portaria 196, que determina: todos os hospitais do país deverão manter comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH) independente da entidade mantenedora, traçando diretrizes para tal e definindo suas atribuições. A CCIH é um órgão de assessoria à autoridade máxima da instituição e de planejamento e normatização das ações de controle de infecção hospitalar, que serão executadas pelo serviço de controle de infecção hospitalar (SCIH). A CCIH deverá ser composta por profissionais da área da saúde de nível superior. O presidente ou coordenador deverá ser formalmente designado pela direção do hospital. Os hospitais de todo o país devem constituir uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), com o objetivo de reduzir os riscos de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). Os profissionais de saúde que atuam nesses serviços são responsáveis por promover ações de prevenção de IRAS, além de monitorar esses agravos e definir medidas de controle. Dentre as atribuições da CCIH, destacam-se: busca ativa e vigilância das infecções hospitalares entre os pacientes; avaliação e orientação de técnicas relacionadas com procedimentos invasivos; controle do uso racional de antimicrobianos; educação continuada dos profissionais de saúde em prevençãode infecções; monitoramento e controle de surtos; monitoramento dos serviços de limpeza e desinfecção; controle de pragas, vetores e qualidade da água; entre outros. A comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH) é composta por médicos, enfermeiros, farmacêuticos e técnico administrativo. Esses profissionais têm como objetivo capacitar as equipes e aplicar ações de prevenção e controle de infecção. Algumas medidas de prevenção mais importantes: A correta higienização das mãos, pois esta é a principal via de transmissão de microrganismos; O uso correto dos equipamentos de proteção individual (EPI); Limpeza e desinfecção de materiais e do ambiente. Fazer análise microbiológica da água. Funções da CCIH: 1. Controle do ambiente Planejar ações para manter o controle das infecções em todas as áreas do ambiente hospitalar. 2. Controle do pessoal Considerando o elemento humano como maior fonte de transmissão de infecção, a CCIH deve controlar qualquer caso suspeito ou confirmado através da infecção epidemiológica; deve promover educação para a saúde dos pacientes internados; deve isolar todo paciente com suspeita ou infecção instalada. 3. Controle de produtos químicos Selecionar produtos químicos, controlar sua aquisição e emprego, realizar teste bacteriológico periódico, elaborar normas e rotinas quanto ao uso dos mesmos. 4. Elaboração de normas e rotinas Estabelecer em princípios científicos o que e como deve ser realizado; descrever a rotina sistematizada dos passos a serem dados para a execução das ações. 5. Investigação epidemiológica Levantar e analisar conjunto de indicadores, realizar notificação compulsória pelos médicos dos casos de infecção por meio da Ficha de Notificação de Infecções; encaminhar após a alta o prontuário de pacientes em uso de aritimicrobianos com ou sem infecção. 6. Reuniões periódicas A CCIH deve reunir-se para avaliar e analisar programas, número, natureza e quantidade de infecções, bem como programar novas ações. A implementação de uma CCIH em uma instituição de saúde alavanca a qualidade da assistência ao paciente nos níveis de promoção, proteção, recuperação e reabilitação.
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