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2019 Fundamentos epistemológicos da geograFia Prof. Carlos Odilon da Costa 2a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Carlos Odilon da Costa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: C837f Costa, Carlos Odilon da Fundamentos epistemológicos da geografia. / Carlos Odilon da Costa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 217 p.; il. ISBN 978-85-515-0255-6 1.Fundamentos da geografia – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 910.01 III apresentação Caro acadêmico, seja bem-vindo! Iniciaremos a disciplina de Fundamentos Epistemológicos da Geografia. Você já venceu algumas etapas de seu curso e chegou até aqui. Parabéns! Ao receber este livro de estudos, folheie-o, verifique o sumário, olhe as imagens, as sugestões; em um segundo momento, mergulhe profundo, leia atentamente, faça relação com outras leituras. A partir daí pergunte, compartilhe ideias. Nosso desejo é que você possa enriquecer seu conhecimento sobre a temática estudada, fornecer-lhe subsídios para uma boa discussão, para sua atuação docente, e contribuir para um olhar aprofundado e renovado para a compreensão do mundo. A disciplina apresenta um desafio: abrir discussões, reflexões em torno dos fundamentos epistemológicos da Geografia, sobre aqueles autores e obras correntes, já consolidados, e também possibilitar o entendimento das novas formas de construção epistemológicas nascentes no âmbito da Geografia. Que possamos realizar esses encontros, buscando aprender novos conhecimentos que marcam de forma singular a presença deles na vida humana planetária e local. Que estejamos todos receptivos ao enfrentarmos e ao mirarmos as novas formas de compreender e conhecer a realidade por meio da Geografia, considerando que aprender e ensinar são atitudes de acolhimento e amorosidade. Que possamos ser, nesse estudo, amorosos e respeitosos uns com os outros e assim tornar nossa jornada pelo conhecimento proveitosa e vitoriosa, não permitindo que nenhum de nós se perca nesse caminhar. O livro de estudos está organizado em três unidades. A primeira unidade aborda a Epistemologia, Fundamentos e a Institucionalização da Geografia. A segunda unidade apresenta a epistemologia da geografia no contexto moderno e a terceira unidade contempla as epistemologias da geografia no contexto contemporâneo. Pensamos que, além do texto em si, você poderá explorar as sugestões aqui apresentadas em duas aulas. Foi organizado, no final de cada tópico das unidades, uma sugestão de aula, uma questão ENADE, além das autoatividades. Bom estudo e sucesso! Cordialmente, Prof. Dr. Carlos Odilon da Costa IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 – EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA ........................................................................................................1 TÓPICO 1 – A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ............................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 CONHECER E COMPREENDER ....................................................................................................3 3 SENSO COMUM E CONHECIMENTO CIENTÍFICO ...............................................................6 4 CIÊNCIA MODERNA .......................................................................................................................10 5 MÉTODOS CIENTÍFICOS ...............................................................................................................14 5.1 TIPOS DE MÉTODOS CIENTÍFICOS .........................................................................................14 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................19 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................22 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................24 TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO ...............27 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................27 2 EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS .......................................................................27 3 CIÊNCIAS HUMANAS E ABORDAGENS EPISTEMOLÓGICAS .........................................30 4 EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO .............................................................................................32 5 EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA ............................................................................................40 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................51 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................53 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................55 TÓPICO 3 – OS ANTECEDENTES DA GEOGRAFIA CIENTÍFICA .........................................57 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................57 2 O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO DA ANTIGUIDADE ....................................................57 3 O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO DA IDADE MÉDIA ......................................................60 4 O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO, O RENASCIMENTO E A CIÊNCIA MODERNA ..........................................................................................................................................61LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................66 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................70 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................72 UNIDADE 2 – EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA NO CONTEXTO MODERNO ............75 TÓPICO 1 – GEOGRAFIA DO SÉCULO XIX ..................................................................................77 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................77 2 INÍCIO DO CAMINHO GEOGRÁFICO CIENTÍFICO .............................................................77 3 A GEOGRAFIA DO SÉCULO XIX: ALEXANDER HUMBOLDT E CARL RITTER .............83 4 RATZEL E O DETERMINISMO NA GEOGRAFIA ....................................................................90 5 PAUL VIDAL DE LA BLACHE E AS MONOGRAFIAS REGIONAIS ....................................94 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................101 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................107 sumário VIII TÓPICO 2 – GEOGRAFIA – INÍCIO DO SÉCULO XX ................................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 A GEOGRAFIA EM RICHARD HARTSHORNE .......................................................................111 3 A GEOGRAFIA EM CARL SAUER .................................................................................................114 4 A GEOGRAFIA CULTURAL ............................................................................................................116 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................119 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................122 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................123 TÓPICO 3 – CRÍTICAS FRENTE À GEOGRAFIA .........................................................................127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 A CRÍTICA DA GEOGRAFIA TRADICIONAL .........................................................................127 3 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA ............................................................129 4 A NOVA GEOGRAFIA ......................................................................................................................132 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................137 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................139 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................140 UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO – PÓS-MODERNO ..........................................................................................................143 TÓPICO 1 – GEOGRAFIA HUMANISTA E CONTEMPORÂNEA ............................................145 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................145 2 A GEOGRAFIA HUMANISTA E O SER HUMANO INTEGRAL ...........................................146 3 A GEOGRAFIA CRÍTICA .................................................................................................................149 4 A FENOMENOLOGIA NA GEOGRAFIA .....................................................................................155 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................161 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................164 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................166 TÓPICO 2 – PERSPECTIVAS HISTÓRICAS, AMBIENTAIS E PÓS-MODERNAS ...............167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 A GEOGRAFIA HISTÓRICA ...........................................................................................................168 3 A GEOGRAFIA AMBIENTAL .........................................................................................................171 4 A GEOGRAFIA PÓS-MODERNA ..................................................................................................174 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................182 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................186 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................188 TÓPICO 3 – PERSPECTIVAS ATUAIS E A GEOGRAFIA NO BRASIL ....................................191 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................191 2 A NOVA GEOGRAFIA CULTURAL .............................................................................................191 3 PERSPECTIVAS ATUAIS DA GEOGRAFIA ................................................................................195 4 A GEOGRAFIA NO BRASIL ............................................................................................................196 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................205 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................210 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................212 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................213 1 UNIDADE 1 EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender a diferença entre conhecimento geográfico e ciência geográfica; • identificar as principais abordagens epistemológicas das ciências e da educação; • conhecer os principais períodos de construção do conhecimento geográfico até a sua institucionalização; • identificar os desafios e possibilidades da produção do conhecimento geográfico enquanto ferramenta de análise para compreender a realidade em determinados tempos históricos. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIASHUMANAS E DA EDUCAÇÃO TÓPICO 3 – OS ANTECEDENTES DA GEOGRAFIA CIENTÍFICA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 1 INTRODUÇÃO O ser humano, diferente de outros seres vivos, desenvolve para sua sobrevivência faculdades específicas. Entre os animais, enquanto algumas espécies correm, outras possuem a força. Comumente se diz que o ser humano possui a inteligência como referência de poder para enfrentar seus inimigos naturais. São poderes mentais para explicar, prever e manipular fatos e fenômenos de seu ambiente de vida. Por isso mesmo, na história, esta espécie animal, o ser humano, foi definido como um animal racional. Ele distingue-se dos outros seres do universo pelo sentimento da descoberta, pela curiosidade, por possuir a capacidade de conhecer o mundo em que vive e ter consciência de suas sensações e de seus desejos. A capacidade de pensar permite que o ser humano não apenas conviva com a realidade, como também permite conhecê-la. Conhecer a realidade significa compreendê-la e explicá-la. Partindo desta premissa é que pensamos na organização deste tópico. Conhecer a natureza do conhecimento científico, sobretudo da Geografia, é percorrer um caminho que colaborará, auxiliará na missão de melhor compreender a realidade, o espaço em que os seres humanos habitam. 2 CONHECER E COMPREENDER Tudo é conhecimento, e por meio dele buscamos respostas ao mundo que nos cerca e explicações da realidade. Mas afinal, o que é conhecer? De acordo com Santos (1996, p. 23): O conhecimento humano tem dois elementos básicos: um sujeito e um objeto. O sujeito é o homem, o ser racional que quer conhecer (sujeito cognoscente). O objeto é a realidade (as coisas, os fatos, os fenômenos) com que convivemos. O homem se torna sujeito do conhecimento quando está diante do objeto a ser conhecido. A realidade só se torna objeto do conhecimento perante um sujeito que queira conhecê-la. O próprio ser homem pode ser objeto do conhecimento humano. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 4 É por meio do conhecimento estudado, elaborado e construído, que o ser humano penetra nas diversas áreas da realidade (economia, política, religião, educação, cultura, entre outras). Ao penetrar nestas áreas, o fenômeno do conhecimento é assim elaborado e construído. O sujeito capta as características e propriedades dos objetos, formando deles uma imagem mental. Por meio da imagem, o sujeito apodera- se de propriedades que antes pertenciam apenas ao objeto. É a posse das propriedades e características do objeto que nos permite o entendimento e a explicação da realidade (SANTOS, 2002, p. 24). Ao internalizar os modos de agir, pensar e falar, aos poucos as imagens se tornam verbalizadas, simbólicos, organizados e socialmente transformados pela linguagem, no caso a linguagem (diversidade de linguagens), produz conhecimento. Dá-se também o nome de conhecimento o saber acumulado pelo ser humano por meio das gerações, ou seja, um produto (cultural) que pode ser transmitido. O ser humano possui maneiras básicas de conhecer os objetos estudados. Alguns exemplos podem ser citados, como o Conhecimento Sensorial ou Empírico, o primeiro contato do ser humano com a realidade se dá pelos sentidos. O Conhecimento Lógico ou Intelectual, o ser humano tem a capacidade de ultrapassar os dados recebidos pelos sentidos, ou seja, ele tem a capacidade de abstrair, de conservar as imagens dos objetos que captou, mesmo sem tê-los mais por perto; e o Conhecimento de Fé, que baseia-se na autoridade de terceiros, constitui um voto de confiança no que os outros afirmam (autoridade religiosa); Conhecimento Cultural/artístico; Conhecimento Prático/senso comum. A realidade nem sempre é simples (visão senso comum), mas exige formas distintas de apropriação, intervenção, reformulação de visão de mundo, compreensão da realidade. A esse respeito, Cervo e Bervian (2010, p. 7) comentam: [...] com relação ao ser humano, por exemplo, pode-se considerá-lo em seu aspecto externo e aparente e dizer uma série de coisas que o bom senso dita ou a experiência cotidiana ensinou. Pode-se também questioná-lo quanto a sua origem, sua realidade e destino e, pode-se, ainda, investigar o que foi dito por Deus por meio dos profetas e de seu filho Jesus. Finalmente, pode-se estudá-lo com o propósito mais científico e objetivo, investigando experimentalmente as relações entre órgãos e funções. Os autores indicam quatro tipos de conhecimentos importantes para desvelar a realidade. O conhecimento popular/senso comum, o espontâneo ou empírico, o conhecimento do povo, do cotidiano. O conhecimento científico, que vai além do empírico, envolve as relações de causa e efeitos entre os fenômenos estudados. O conhecimento filosófico, o que ultrapassa os limites formais da ciência. O conhecimento teológico ou religioso, revelado pela fé divina ou crença religiosa (CERVO; BERVIAN, 2010). TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 5 Todos os tipos de conhecimento nos deixam muitas dúvidas, ao lado de algumas certezas. Mesmo sendo bem aparelhado, o ser humano é limitado em sua capacidade de captar as reais propriedades dos objetos estudados. Nas palavras freirianas: Incompleto, inconcluso, inacabado, o ser humano e por extensão o conhecimento por ele produzido, construído, elaborado. O conhecimento dito científico diferencia-se do popular muito mais no que se refere a seu contexto metodológico do que propriamente seu conteúdo, diferença que ocorre entre todos os tipos de conhecimento. Para fins de conhecimento e compreensão dos tipos de conhecimentos, Trujillo (1984, p. 11) organizou suas características assim: QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DOS TIPOS DE CONHECIMENTOS Conhecimento Popular Conhecimento Científico Conhecimento Filosófico Conhecimento Religioso/Teológico Valorativo Reflexivo Assistemático Verificável Falível Inexato Real/factual Contingente Sistemático Verificável Falível Aproximadamente exato Valorativo Racional Sistemático Não verificável Infalível Exato Valorativo Inspiracional Sistemático Não verificável Infalível Exato FONTE: Trujillo (1984, p. 11) Qual desses conhecimentos julgamos mais verdadeiros? Qual deles é o mais verdadeiro? Não há um conhecimento mais importante que o outro, pois conhecemos para sentir segurança, para satisfazer nossa curiosidade, para compreender a realidade e, também, transformá-la. No entanto, para nossos estudos se faz necessário distinguir claramente o conhecimento científico do popular, pois ao mesmo tempo em que se aproximam, mantêm suas especificidades. Você, acadêmico, futuro professor, certamente já se deparou com as avaliações de nossa instituição. Realizadas por meio de questões dissertativas, você expôs seu pensamento apoiado no conhecimento científico/acadêmico, ou seja, você saiu de uma opinião e justificou de forma racional e acadêmica a sua posição. Esse exemplo pode ser estendido à sala de aula, quando deparando-se com o aluno e sua bagagem cultural frente à escola, com outro capital cultural, você reconhece o saber de seu educando por meio de metodologias mais participativas, em que o conhecimento científico possibilita ao educando que ele mesmo perceba sua cultura, o seu saber, e que pode ir além desse conhecimento, transpor o limite de sua existência ao assimilar e usar o conhecimento escolar em seu dia a dia (você, na academia, também o faz, ou seja, os conhecimentos que você estuda serão o conhecimento que fundamentará suas aulas). UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 6 3 SENSO COMUM E CONHECIMENTO CIENTÍFICO O conhecimento vulgar, espontâneo ou popular, às vezes denominado senso comum, se distingue do conhecimento científico pela forma, método e instrumentos do conhecer. Como vimos anteriormente, o significado da palavra conhecimento está ligado, em um primeiro momento, à experiência sensível,portanto o conhecimento do senso comum se faz e refaz no cotidiano, em nosso dia a dia, em que adquirimos um modo ou diversos modos de entender e atuar sobre a realidade. Isso ocorre de forma espontânea, e há também os comportamentos sociais que aprendemos desde criança. De acordo com Neto (1986, p. 6): É a forma de conhecer a realidade em que se vive, age, mora, fala, integrando o homem ao seu meio. Para sobreviver, o homem teve que resolver alguns problemas práticos, como os do frio, calor, chuva, doença, sexo, amor, medo, morte. A experiência adquirida ao enfrentar esses problemas produziu uma forma de conhecer o mundo, e de enfrentá-lo, é o conhecimento empírico. O conhecimento espontâneo, popular, empírico ou senso comum não se explica o porquê das coisas, pois está ligado ao instinto de sobrevivência, basta a si mesmo e tem fins práticos imediatos, não especula (filosofia) ou investiga (ciência), baseado principalmente na memória e na associação de experiências humanas (vividas) ou crenças (imaginadas). Essas informações (conhecimento espontâneo) costumam ser naturalmente assimiladas e raramente questionadas. Isso porque, de alguma forma, elas resolvem as questões práticas do cotidiano, auxiliam na condução das rotinas diárias. É uma maneira encontrada para solucionar os problemas do dia a dia. É fruto da prática social, construído historicamente e passado às gerações mais novas. De acordo com Neto (1986), as suas características são as seguintes: valorativo, pois se fundamenta em uma seleção operada com base em estados de ânimo e emoções. Ele também é reflexivo em determinados momentos. É assistemático, pois se baseia na organização particular do sujeito cognoscente e não em uma sistematização de ideias. Verificável, está limitado no âmbito da vida diária. Falível/inexato, se conforma com a aparência, não permite a formulação de hipóteses sobre a existência de fenômenos situados além de suas percepções. Por isso é conhecido como um conhecimento que preenche a vida diária sem preocupação, com um método e sem haver profunda reflexão sobre algo. De acordo com Chaves (2009, p. 14), subdivide-se em: TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 7 QUADRO 2 – TIPOS DE CONHECIMENTOS E EXEMPLO Subdivisão Exemplo Senso Comum A pressa é inimiga da perfeição. Senso Prático Tampar as tomadas para que a criança não leve um choque. Bom Senso Ceder o lugar no ônibus para uma pessoa mais velha ou uma mulher grávida. Senso Crítico Decidir o voto depois de analisar a vida pregressa dos candidatos e suas promessas de trabalho. FONTE: Chaves (2009, p. 14) A vida humana desenvolve-se em torno do senso comum, que é adquirido através de ações não planejadas, surge instintivo, espontâneo, subjetivo, acrítico, permeado pelas opiniões, emoções e valores de quem o produz. A cultura popular é baseada no senso comum. Representa um conjunto de conhecimentos determinados pela interação dos sujeitos. Reúne elementos e tradições culturais, os quais estão associados à linguagem popular e oral. Inclui o folclore, o artesanato, as músicas, as danças, as festas, dentre outros, sendo crescentemente reconhecida. Para o ensino de Geografia configura-se como um conhecimento de porta de entrada no processo de ensino-aprendizagem. É por meio dele que o aluno, em sala, relata as primeiras experiências vividas ou suas crenças, referente ao espaço em que vive e percebe. O conhecimento do cotidiano posteriormente será comparado ao conhecimento elaborado da escola, e após a comparação poderá ocorrer a ampliação de mundo, de visão do aluno no quesito Geografia. Da mesma forma e princípio é o que ocorre nas salas de aula dos cursos superiores em Geografia. O acadêmico, ao entrar no curso, traz com ele sua bagagem cultural sobre o conhecimento geográfico, e com o desenvolvimento dos estudos, o aprofundamento das teorias e as práticas pedagógicas nas aulas do curso de Geografia, o acadêmico passa do senso comum para o conhecimento elaborado, científico. Isso fica claro em seus artigos construídos, nas provas respondidas de maneira dissertativa, entre outros métodos e instrumentos de avaliação. Por meio dessas avaliações é que o tutor ou o docente poderão ver se houve aprendizagem em termos de assimilação de novos e diferentes tipos de conhecimentos. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 8 FIGURA 1 – TIRINHA FONTE: <https://pedromotasite.files.wordpress.com/2014/04/92efc-mutum115.jpg>. Acesso em: 17 set. 2018. O conhecimento espontâneo, popular, tem seu valor enquanto processo de construção de conhecimento, porém no âmbito da Ciência (curso superior) deve ser superado pelo conhecimento científico. O conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade e surgiu com a revolução Galileana. De acordo com Kestring (2004, p. 41): [...] a característica básica do conhecimento científico é sua natureza crítica, mas uma crítica voltada para a própria ciência, daí seu caráter processual, pontual e sistemático e não somente progressivo [...] é um conhecimento que se adquire pela leitura, meditação e reflexão, ou seja, é um saber que tem método, disciplina e organização, não é um tipo de conhecimento ocasional, mas intencional. O conhecimento científico lida com ocorrências ou fatos envolvendo as relações de causa e efeito, se objetiva formular, com linguagem rigorosa e apropriada, leis que regem os fenômenos observados. Ele é fruto do questionamento de uma área; de procedimentos passíveis de produção por outras pessoas; expõe-se à interlocução da comunidade de pesquisadores da área de saber em questão (no caso, a Geografia); trabalha com fenômenos regulares, em que as mesmas causas sucedem os mesmos efeitos entre fenômenos e grupos de fenômenos. Segundo Demo (2008), ao analisar o conhecimento científico é preciso compreender os critérios internos: TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 9 • Coerência: deve ter suas partes articuladas e com sentido. • Consistência: resistir às argumentações, pelo rigor teórico e metodológico. • Originalidade: uma pesquisa original que contribua com a produção de conhecimento. • Objetivação: tentativa de descobrir a realidade social da mesma forma como se apresenta. • Externos: intersubjetividade, opinião da comunidade científica. A produção do conhecimento científico pode ser destacada como resultado de diferentes exercícios acadêmicos e pesquisas realizadas. Conforme Alves (2002), duas características são essenciais: a primeira é a busca por um conhecimento geral, universal, aplicável a todos os casos; a segunda é a falseabilidade, isto é, os enunciados científicos podem ser testados para se confirmar se são verdadeiros ou falsos. Uma proposição verificável é aquela sobre a qual, a partir de testes, podemos tomar uma decisão sobre sua verdade ou falsidade. Lembre-se de que todo conhecimento científico é fruto de pesquisas científicas e acadêmicas, por isso é contradição imaginar que o aluno pesquisador criativo é aquele que sabe sem estudar, sem pesquisar, ou seja, o conhecer por meio científico se dá pela busca de ordem, a formulação de modelos e leis que explicam o funcionamento dos fenômenos e da natureza, o abandono dos valores e a busca de um saber objetivo, o uso de hipóteses e de experimentação que permite medir os eventos com precisão e o rigor do pensamento com a utilização do raciocínio lógico, também não deve ser visto como uma forma de conhecimento completamente distante do fazer humano, dotada de autoridade inquestionável. FIGURA 2 – CONHECIMENTOS FONTE: <https://www.humorcomciencia.com/blog/175-metodo-cientifico/>. Acesso em: 17 set. 2018. DICAS É importante que você reflita sobre os assuntos discutidos até o momento! Para isso, verifique exemplos de conhecimentos de senso comum, teológicos, filosóficos e científicos e a relação com o conhecimento geográfico, na casa, na família, no trabalho, na leitura de jornais, revistase na televisão. Discuta-os com seus colegas. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 10 O conhecimento pode ser obtido de diversas maneiras, segundo Alves (2002), por imitação, pela experiência pessoal ou por outro conhecimento adquirido pela educação informal, transmitida pelos antepassados, pela lógica, pela fé e crença, e pela objetividade e evidência dos fatos. 4 CIÊNCIA MODERNA O ser humano é um ser em constante processo de produzir; ao tentar superar, pela ação coletiva, a contradição que a natureza lhe antepõe, torna o mundo habitável e humaniza a si mesmo. Nas palavras de Neto (1986), existem diferentes maneiras de explicar os fatos e fenômenos que envolvem o mundo em que vivemos, e a Ciência é uma delas. A Ciência é, portanto, uma forma de conhecimento, a atividade básica da ciência é a pesquisa. Por meio dela é possível conhecer e compreender o mundo. Diversos autores tentaram definir o que se entende por Ciência. Em sua obra Metodologia Científica, Lakatos e Marconi (2000, p. 21) citam que pode ser conceituada da seguinte forma: Acumulação de conhecimentos sistemáticos; atividade que se propõe a demonstrar a verdade dos fatos e experimentar suas práticas; caracteriza-se pelo conhecimento racional, sistemático, exato, verificável, por conseguinte, falível; conhecimento certo do real pelas suas causas; conhecimento sistemático dos fenômenos da natureza e das leis que o regem, obtido pela investigação, pelo raciocínio e pela experimentação intensiva; conjunto de enunciados lógica e dedutivamente justificados por outros enunciados; conjunto orgânico de conclusões certas e gerais, metodicamente demonstrada e relacionadas com objeto determinado; corpo de conhecimento consistindo em percepções, experiências, fatos certos e seguros; estudo de problemas solúveis, mediante método científico, forma sistematicamente organizada de pensamento objetivo. Por sua vez, Ander-Egg (1978, p. 15) apresenta que “a ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza”. O autor ainda complementa, dizendo que a Ciência produz determinado tipo de conhecimento, e que em suas características possui: conhecimento racional, isto é, que tem exigências de método e está constituída por uma série de elementos básicos, tais como sistema conceitual, hipóteses, definições. Certo ou provável, já que não se pode atribuir à ciência a certeza indiscutível de todo saber que a compõe. Obtidos metodicamente, pois não se adquire ao acaso. Sistematizadores, não se trata de um conhecimento desconexo e disperso. Verificáveis, necessita de afirmações/hipóteses comprovadas pela observação. Relativos a objetos de uma mesma natureza, ou seja, objetos pertencentes à determinada realidade, que guardam entre si certos caracteres de homogeneidade (ANDER-EGG, 1978). TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 11 Outra forma de conceituar Ciência como uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar é realizada por Trujillo (1984, p. 8): “A ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação”. Acrescentamos, também, o pensamento de Fonseca (2002, p. 11-12) sobre o assunto: É o saber produzido através do raciocínio lógico associado à experimentação prática. Caracteriza-se por um conjunto de modelos de observação, identificação, descrição, investigação experimental e explanação teórica de fenômenos. O método científico envolve técnicas exatas, objetivas e sistemáticas. Regras fixas para a formação de conceitos, para a condução de observações, para a realização de experimentos e para a validação de hipóteses explicativas. O objetivo básico da ciência não é o de descobrir verdades ou de se constituir como uma compreensão plena da realidade. Deseja fornecer um conhecimento provisório, que facilite a interação com o mundo, possibilitando previsões confiáveis sobre acontecimentos futuros e indicar mecanismos de controle que possibilitem uma intervenção sobre eles. A Ciência teve sua origem quando os seres humanos organizaram de forma cumulativa os conhecimentos adquiridos sobre a realidade existente. Com o fim do período nômade na Terra, surgem as necessidades de se construir instrumentos e técnicas apropriadas. A cerâmica, a metalurgia, o vestuário e a habitação passaram a exigir conhecimentos adequados. Assim, os babilônicos se especializaram na Astronomia, os egípcios nos conhecimentos da Geometria, e os hititas na Metalurgia. Durante a Idade Média, os árabes contribuíram com muitos progressos na Matemática e na Álgebra. O monge Francis Bacon defendeu e organizou um novo comportamento de cientistas, fazendo experimentos. Na Idade Moderna aconteceu a Revolução Científica. De René Descartes e seu Discurso do Método até a Revolução Tecnológica (ocorrida após a Segunda Guerra Mundial), milhares de pessoas dedicaram suas vidas ao progresso científico. Para interpretar as origens e o desenvolvimento da Revolução Científica, Prade (2004) cita que há três tradições ou mentalidades claramente definidas referentes ao fazer ciência no mundo e à busca de interpretação da realidade: a) A organicista: explicava-se o universo material mediante analogias tomadas do mundo biológico; em tudo se observa crescimento e decadência. Ela se fundamenta nos tratados biológicos de Aristóteles, nas observações médicas de Galeano e no Almagesto de Ptolomeu, que representavam uma vasta lista de dados empíricos e proporcionava aos cientistas uma confiança acima de qualquer dúvida. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 12 b) A tradição mágica: a natureza vem descrita como uma obra de arte. Intérprete da natureza, o cientista era visto como um mago cujo poder derivava do fato de possuir os segredos naturais. O ideal do cientista era se tornar um místico a fim de ouvir a música mágica do universo. A inspiração que dera origem a essa atitude era atribuída a Hermes Trismegisto e sua obra Os escritos herméticos e a sabedoria egípcia. Os outros escritos herméticos continham a cabala judaica. Dentre muitos segredos dessa tradição, encontrava-se a doutrina neoplatônica da criação do mundo por meio de emanações do ser divino. A visão neoplatônica provocou um grande impacto no mundo intelectual do século XVI, a Utopia de Morus, os escritos de Copérnico e de Kepler. Convém ressaltar que entre os neoplatônicos, a alquimia gozou de uma reputação quase religiosa. Paracelso aplicou as teorias neoplatônicas à alquimia. c) A tradição mecanicista: se a tradição organicista viu o mundo como um organismo, e a tradição mágica como um mistério, a terceira, a mecanicista, o viu como uma máquina. Impressionados pela regularidade, fixidez e previsibilidade dos fenômenos, seus seguidores definiram os planetas em termos mecânicos, assim como o corpo humano e o reino animal. O Deus cristão foi adquirindo as características de um engenheiro. Na origem da visão mecanicista do universo se encontra a transformação econômica da época. A tarefa principal de um cientista era a de estudar a relação recíproca entre as distintas partes do universo, sistematizando-as como as várias peças de uma máquina. Outro olhar para os modelos de se fazer Ciência é descrito por Chaui (1997), quando diz que, historicamente, três são as principais concepções de Ciência ou ideias de cientificidade. • Racionalista: afirma que a Ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo. • Empirista: afirma que a Ciência é uma interpretação dos fatos baseados em observação e experimentos que permitem estabelecer induções. • Construtivista: a Ciência é uma construção de modelos explicativos para arealidade e não uma representação da própria realidade. Por sua vez, Boaventura de Souza Santos (1987), no livro Um discurso sobre as ciências, enquadra a ciência moderna em três momentos: • Paradigma da modernidade: é o dominante hoje em dia. Substancia-se nas ideias de Copérnico, Kepler, Galileu, Newton, Bacon e Descartes. Construído com base no modelo das ciências naturais, apresenta uma e só uma forma de conhecimento verdadeiro e uma racionalidade experimental, quantitativa e neutra. Essa racionalidade é mecanicista, pois considera o homem e o universo como máquinas; é reducionista, pois reduz o todo às partes e é cartesiano, pois separa o mundo natural-empírico dos outros mundos não verificáveis, como o espiritual-simbólico. Outros pormenores do paradigma: a) a distinção entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum, entre natureza e pessoa humana, corpo e mente, corpo e espírito; b) a certeza da experiência ordenada; c) a linguagem matemática como o modelo de representação; d) a TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 13 medição dos dados coletados; e) a análise que decompõe o todo em partes; f) a busca de causas que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos; g) a expulsão da intenção; h) a ideia do mundo máquina; i) a possibilidade de descobrir as leis da sociedade. • Crise do paradigma dominante: tem como referências as ideias de Einstein e os conceitos de relatividade e simultaneidade, que colocaram o tempo e o espaço absolutos de Newton em debate; Heisenberg e Bohr, cujos conceitos de incerteza e continuum abalaram o rigor da medição; Gödel, que provou a impossibilidade da completa medição e defendeu que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento; Ilya Prigogine, que propôs uma nova visão de matéria e natureza. O homem encontra-se num momento de revisão sobre o rigor científico pautado no rigor matemático e de construção de novos paradigmas: em vez de eternidade, a história; em vez do determinismo, a impossibilidade; em vez do mecanicismo, a espontaneidade e a auto- organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente. • O paradigma emergente: deve se alicerçar nas premissas de que todo o conhecimento científico-natural é científico-social, todo conhecimento é local e total (o conhecimento pode ser utilizado fora do seu contexto de origem), todo conhecimento é autoconhecimento (o conhecimento analisado sob um prisma mais contemplativo que ativo), todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum (o conhecimento científico dialoga com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas). A ciência encontra-se num movimento de transição de uma racionalidade ordenada, previsível, quantificável e testável, para uma outra que enquadra o acaso, a desordem, o imprevisível, o interpenetrável e o interpretável. Um novo paradigma que se aproxima do senso comum e do local, sem perder de vista o discurso científico e o global. A palavra Ciência pode ser entendida enquanto simplesmente o significado de conhecimento; no singular somente. Não se refere a um conhecimento qualquer, mas àquele que além de aprender e registrar fatos os demonstra por suas causas constitutivas ou determinantes. No plural refere-se às diferentes formas de realização do ideal de cientificidade, segundo os diferentes fatos estudados, investigados e os diferentes métodos e tecnologias empregados. IMPORTANT E A atividade científica não é tão neutra como se poderia pensar. Os cientistas sãos seres humanos sensíveis às tendências gerais da sociedade. Por sua vez, a Ciência não pode responder a todas as dúvidas e que é incapaz de oferecer uma verdade totalmente indiscutível. Referente à questão Ética e Ciência, hoje podemos manipular a vida e mudar a face do planeta. Estamos dispostos a continuar nesse sentido, embora saibamos que nos expomos a riscos ainda desconhecidos? Debata com seus colegas de sala. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 14 5 MÉTODOS CIENTÍFICOS Para que um campo do conhecimento seja considerado científico são necessários dois requisitos: que o campo do conhecimento possua, bem delimitados e caracterizados, os assuntos que pretende estudar/investigar e que o estudo/investigação desse assunto possua métodos próprios. Portanto, qualquer que seja a atividade científica é necessário um método ou um conjunto de métodos para que se possa realizar uma investigação sistematizada dos fenômenos pesquisados, procurando acumular maior número de informações sobre ele. O método pode ser definido como sendo os procedimentos do pesquisador ou o caminho que se estabelece para realizar a pesquisa científica. De acordo com Ruiz (2002, p. 137), “a palavra método é de origem grega e significa o conjunto de etapas e processos a serem vencidos ordenadamente na investigação dos fatos ou na procura da verdade”. Da mesma forma, Aranha (1991, p. 149) descreve que “etimologicamente, método vem de meta, ao longo de, e hodós, via caminho, [...] no estudo feito por uma ciência”. É possível investigar a realidade a partir dos mais variados aspectos em níveis diversos de profundidade e intenções (objetivos) diferentes, é por isso que existem muitos tipos de métodos. De acordo com Andery et al. (1996, p. 4), “o método não é único e nem sempre o mesmo para o estudo deste ou daquele objeto e/ou para este ou para aquele quadro da Ciência, uma vez que reflete as condições históricas do momento em que o conhecimento é construído”. Partindo desta premissa, o pesquisador compreenderá o processo histórico do conhecimento científico. Ao longo da história da Ciência criaram-se diferentes métodos. O desenvolvimento do pensamento racional feito na Antiguidade e na Idade Média foi uma preparação do terreno para instalar a modernidade e a Revolução Científica. Para os antigos, e também os medievos, o método era puramente racional, ligado à Filosofia e à Teologia. No período moderno ampliaram-se os métodos para as experiências dos laboratórios e as pesquisas de campo. A Revolução Científica não abandonou o método anterior, ao contrário, aprimorou-o, usando-o como ferramenta. A racionalidade com o uso da lógica simbólica, da dialética e da estatística, passou a ter novas fundamentações para determinar o que era e o que não era científico. 5.1 TIPOS DE MÉTODOS CIENTÍFICOS Método e métodos situam-se em níveis claramente distintos, e de acordo com Lakatos e Marconi (2000), no que se refere a sua inspiração filosófica, ao seu grau de abstração, a sua finalidade mais ou menos explicativa, a sua ação nas etapas mais ou menos concretas da investigação e ao momento em que se situam. Com uma contribuição às tentativas de fazer distinção entre os termos, diríamos que o método se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade. TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 15 a) Método indutivo Conforme Lakatos e Marconi (2000), indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados. A indução realiza-se em três etapas: Observação dos fenômenos, descobrir as causas das manifestações; Descoberta das relações entre eles, por meio de comparação, encontrar a relação constante existente entre os fatos e fenômenos pesquisados; Generalizações da relação, entre os fatos e fenômenos semelhantes. Observação, classificação/agrupamentos por meio da relação constante, classificação por meio da generalização da relação observada. O conhecimento científico é o único caminho seguro para a verdade dos fatos. O conhecimento é fundamentado exclusivamente na experiência, sem levar em consideração princípios preestabelecidos. b) Método dedutivo Gil (1999) cita queo método dedutivo foi usado por Descartes a partir da matemática e de suas regras de evidência, análise, síntese e enumeração. Esse método parte do geral e, a seguir, desce para o particular. O protótipo do raciocínio dedutivo é o silogismo, que, a partir de duas proposições chamadas premissas, retira uma terceira chamada conclusão. c) Método hipotético-dedutivo Este método foi definido por Karl Popper a partir de suas críticas ao método indutivo. Para ele, o método indutivo não se justifica, pois, o salto indutivo de alguns, para todos exigiria que a observação de fatos isolados fosse infinita. Pode ser explicado a partir do seguinte esquema: FIGURA 3 – MÉTODO POPPER FONTE: O autor UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 16 d) Método dialético Pensa a realidade não como algo dado e estabilizado, mas procura identificar o processo, os conflitos existentes e as contradições envolvidas na análise de um problema de pesquisa. No método dialético, é preciso identificar pares dialéticos que estão em distintos polos da relação dialética. Dada uma tese, é necessário identificar sua antítese, para, ao analisar suas relações e interpenetrações, chegar a uma nova compreensão da realidade, a que o método chama de síntese. e) Método sistêmico É um conjunto de passos sistematizados que nos leva a aplicar o Pensamento Sistêmico de maneira organizada, de modo que a cada passo se atinjam resultados que servem como entradas nos passos subsequentes. Este método trabalha o objeto que se pretende analisar inserindo-o como elemento de um sistema ou assumindo o próprio objeto como um sistema, que interage com o meio através de processos de trocas dinâmicas, já que o sistema é considerado aberto. Este método procura compreender a complexidade da realidade, bem como suas transformações, através dos processos sistêmicos e do feedback que acontece permanentemente entre o sistema e seu meio externo. f) Método histórico No método histórico, conforme Lakatos e Marconi (2000), a investigação inicia-se a partir do estudo de acontecimentos, processos e instituições do passado, procurando explicar sua influência na vida social contemporânea. No método histórico o fenômeno é estudado numa perspectiva histórica. A partir da coleta, sistematização, análise e interpretação de dados pode-se compreender a origem histórica do fenômeno. O método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época. O método histórico preenche os vazios dos fatos e acontecimentos, apoiando-se em um tempo, mesmo que artificialmente reconstruído, que assegura a percepção da continuidade e do entrelaçamento dos fenômenos. g) Método comparativo No método comparativo, segundo Lakatos e Marconi (2000), ele investiga coisas ou fatos e explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças. O método comparativo é usado tanto para comparações de grupos no presente, no passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de desenvolvimento. TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 17 h) Método monográfico ou Estudo de caso Lakatos e Marconi (2000) citam que, partindo do princípio de que qualquer caso que se estude em profundidade, pode ser considerado representativo de muitos outros ou até de todos os casos semelhantes. Consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações. i) Método estatístico Lakatos e Marconi (2000) comentam que, neste método, os procedimentos estão pautados nas Teorias das Probabilidades, que estabelecem relações de causa e efeito de diferentes situações da sociedade, ou de uma população qualquer, registrando possíveis variações e probabilidades de ocorrência de certos eventos. Assim, coletam-se dados que representam uma população, e, a partir desta amostra, são obtidos resultados e possíveis variações de resultados que passam por análises. j) Método tipológico De acordo com Lakatos e Marconi (2000), é utilizado para a elaboração de modelos ideais. O pesquisador, ao comparar fenômenos sociais complexos da realidade, elabora tipos ou modelos ideais, a partir de características essenciais dos fenômenos. Apresenta certas semelhanças com o método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais complexos, o pesquisador cria tipos ou modelos ideais, construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno. A característica principal do tipo ideal é não existir na realidade, mas servir de modelo para a análise e compreensão de casos concretos, realmente existentes. k) Método funcionalista Segundo Lakatos e Marconi (2000), estuda os fenômenos a partir de suas funções. Assim, as partes são mais bem entendidas compreendendo-se as funções que desempenham no todo. Segundo os autores, é o método de interpretação que, levando- se em consideração que a sociedade é formada por partes componentes, diferenciadas, inter-relacionadas e interdependentes, satisfazendo, cada uma, funções essenciais da vida social, e que as partes são mais bem entendidas compreendendo-se as funções que desempenham no todo, o método funcionalista estuda a sociedade do ponto de vista da função de suas unidades, isto é, como um sistema, organizado de atividades. l) Método estruturalista Para Lakatos e Marconi (2000), é utilizado para o estudo de culturas, linguagens etc., como um sistema em que os elementos constituintes mantêm entre si relações estruturais. Pode-se dizer que há no fenômeno uma estrutura comum invariante que pode ser revelada e ser construído um modelo que a represente. O método parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se a seguir ao nível do abstrato, por intermédio da constituição de um modelo que represente o objeto de estudo, retomando, por fim, ao concreto, dessa vez como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 18 DICAS SUGESTÃO DE AULA Aula referente a Conhecimentos, Métodos e o ensino de Geografia. Ano escolar: pode ser aplicada para qualquer idade. Procedimentos: levar os alunos para fora da sala de aula, com seus cadernos e canetas para anotações. O professor conduzirá a atividade da seguinte forma: a) Solicitar que os alunos anotem em seus cadernos a data, local, espaço da observação. b) Anotar as condições do tempo/clima. c) Propor atividades em que o aluno use os sentidos para observação. Exemplo: olfato, visão, tato, audição. Solicitar que os alunos toquem em uma árvore e que descrevam a sensação deste toque na árvore, anotando em seguida o ocorrido. Solicite que os alunos fiquem em silêncio e escutem os sons, após, anotar no caderno. Solicitar que anotem também as paisagens que estão vendo (você cria as atividades e elementos para observar e anotar). d) Socialização (escolher alguns alunos para relatarem o que eles anotaram). e) Escolher alguma categoria para análise, por exemplo, solo, paisagem. Comparar o conceito deste elemento com o que foi anotado pelo aluno: o que se distancia, o que se aproxima, o que faltou, o que foi além do conceito básico. f) Finalizar tecendo comentários referentes à prática de observação e à importância de se ter um método para observar. Também é interessante relacionar a produção do conhecimento com os sentidos. FONTE: O autor TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 19 A CIÊNCIA, PESQUISA CIENTÍFICA E A MOBILIDADE DE FRONTEIRA NA GEOGRAFIA Francisco Pereira da Silva Filho Edvania Gomes de Assis Silva Diego Silva de Oliveira José Francisco de Araújo Silva Bruno Tiago da Silva Pereira Desde o princípio das civilizações, as sociedades de modo geralteriam se preocupado em fazer investigações a respeito de certos acontecimentos/ fenômenos na Terra, principalmente no que ocorria ao seu redor, mesmo que de forma rudimentar. Esta preocupação já fazia parte da sua sobrevivência, fazendo surgir a partir daí os princípios da ciência, que nada mais é que a investigação de fatos e fenômenos ocorridos no ambiente de forma sistemática, que auxiliaria no entendimento e no desenvolvimento da humanidade no espaço geográfico, ou seja, a busca do conhecimento. Nesta perspectiva, Japiassú e Marcondes, em sentido mais amplo e clássico, discorrem que “a ciência é um saber metódico e rigoroso, isto é, um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados, e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 44). Assim, a ciência surge como uma investigação organizada e coerente, que mesmo utilizando métodos simples pode conseguir certos conhecimentos que podem passar para outros indivíduos num processo de ensino pedagógico, desta forma, providenciando sua principal essência, a melhoria de vida dos indivíduos e sua adaptação no ambiente terrestre de forma mais harmônica. Entre diversos pesquisadores o conceito de ciência não é unânime, do ponto de vista etimológico, significa “conhecimento”. Mas devido ao estágio atual de desenvolvimento da ciência, essa definição passou a ser considerada inadequada, uma vez que existem outras formas de conhecimento que não são científicas. Nesta perspectiva, Gil (2006, p. 20) afirma que ciência é entendida como “uma forma de conhecimento que tem por objetivo formular, mediante linguagem rigorosa e apropriada – se possível com auxílio da linguagem matemática – leis que regem os fenômenos”. Desta forma, se pode observar que o termo ciência pode ser compreendido em dois sentidos: o lato sensu, com a acepção de “conhecimento” e o stricto sensu, aludido apenas ao conhecimento que se obtém através da “apreensão e do registro dos fatos, com a demonstração de suas causas constitutivas ou determinantes” (MARCONI; LAKATOS, 2007). Esta concepção de ciência e sua importância se reforçaram com o passar dos anos, com as civilizações gregas e romanas, devido às evidências físicas da natureza e das ações humanas e suas inter-relações, assim havendo a necessidade de se realizar investigações que providenciasse LEITURA COMPLEMENTAR UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 20 explicações mais condizentes com os acontecimentos provenientes da relação homem/natureza de forma racional, na incansável busca pelo conhecimento. Dentro desta linha, de forma mais moderna, segundo Japiassú e Marcondes (2006, p. 44), a ciência passa a ser vista como: A modalidade de saber constituída por um conjunto de aquisições intelectuais que tem por finalidade propor uma explicação racional e objetiva da realidade. Mais precisamente ainda: é a forma de conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e objetivo, mas procura estabelecer entre os fenômenos observados relações universais e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser detectadas mediante procedimentos de controle experimental. Nesta perspectiva, a ciência é vista como um importante instrumento de investigação, que procura estabelecer a aquisição do conhecimento intelectual no homem, através de procedimentos de controle experimental, para que ele possa entender os fenômenos observados e seus efeitos de formas universais, para que assim se possa chegar num conhecimento racional que auxilie no bem-estar da sociedade e de todo o ambiente no qual está integrado de forma equilibrada. Porém, para a construção desta ciência e seus estudos é preciso existir uma comunicação científica, a partir do pesquisador e do seu projeto, para que haja diálogos entre a busca de informações, a dispersão e o uso destas informações, com o intuito de produzir os possíveis resultados a respeito da proposta da pesquisa, para assim se conseguir obter o conhecimento científico, tão importante para o pesquisador e ao mesmo tempo para a comunidade e área pesquisada (GIL, 2009). Estes estudos hoje são estimulados em todos os níveis de educação, desde a educação básica até os cursos de graduação e pós-graduação, principalmente no stricto sensu e no latos sensu, com a produção de dissertações, teses e artigos científicos. No entanto, é preciso tomar cuidado com o possível senso comum da ciência, onde é apresentado como resultado, no cotidiano humano, de uma generalização da construção/observação de fatos experienciados diariamente e que sustentam, dessa forma, as opiniões e crenças que podem interferir direta ou indiretamente no resultado da pesquisa. Este senso comum científico, segundo o autor, é dotado de um baixo poder crítico, destituído de objetividade por estar preso às convicções pessoais, por trabalhar com uma linguagem vaga e por não poder submeter a um exame crítico sistemático. Tudo isso é fruto de um conhecimento comum, referente às experiências imediatas sobre fatos e fenômenos observados, que apesar de ser espontâneo, possui suas limitações (KOCHE, 2005). Por outro lado, o conhecimento científico, aliado ao senso comum e com uma investigação séria, pode ser visto como algo importante por ser bastante crítico, que auxiliaria na construção do conhecimento, devido à utilização de uma linguagem mais precisa e delimitada, que ajudaria a desenvolver os conceitos baseados na vivência empírica, dessa forma, permitindo a realização de experimentos que auxiliem na sua validade, possibilitando a discussão dos resultados, na comunidade científica, de forma intersubjetiva, auxiliando na construção do conhecimento científico. TÓPICO 1 | A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 21 Esta constatação mostra, para os pesquisadores de forma geral, que o conhecimento produzido no molde da ciência, através da teoria e experimentos, é de fundamental importância para a discriminação dos resultados válidos na construção do conhecimento científico. Isso mostra também, o sentimento de necessidade do ser humano de conhecer, de compreender o mundo que o cerca, e busca fazê-lo através de suas capacidades. Trata-se de uma relação que supõe três elementos: o sujeito, o objeto e a imagem que se tem da realidade. Portanto, o homem pode adquirir conhecimento por meio de sensações, da percepção, da imaginação, da memória, da linguagem, do raciocínio e da intuição e por meio dos diversos tipos de conhecimento, como o conhecimento popular, o filosófico, o religioso e científico, mas para isso ele precisa usar métodos e técnicas que o auxilie no ganho deste conhecimento, ou seja, a veracidade dos fatos de forma organizada (GIL, 2006). Devido a esta discussão, e com o intuito de facilitar a pesquisa científica, surge a metodologia, que nada mais é do que o estudo dos métodos no campo científico, ou seja, selecionar os métodos empregados nos diversos campos da ciência, assim procurando seus fundamentos e validade, e suas relações com as teorias científicas, que auxiliam nos resultados das pesquisas (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006). Estes métodos e sua precisa utilização são importantes para o desenvolvimento de qualquer pesquisa, pois possibilita o caminho do pesquisador no incremento do processo de investigação do qual está envolvido. FONTE: <https://www.editorarealize.com.br/revistas/joinbr/trabalhos/TRABALHO_EV081_MD1_ SA142_ID2128_12092017151344.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2018. 22 Neste tópico, você aprendeu que: • A capacidade de pensar permite que o ser humano não apenas conviva com a realidade, como também pode conhecê-la. Conhecer a realidade significa compreendê-la e explicá-la. Ao internalizar os modos de agir, pensar e falar, aos poucos as imagens se tornam verbalizadas, simbólicos, organizados e socialmente transformados pela linguagem,no caso a linguagem (diversidade de linguagens), produz conhecimento. Portanto, dá-se também o nome de conhecimento o saber acumulado pelo ser humano por meio das gerações, ou seja, um produto (cultural) que pode ser transmitido. • O conhecimento vulgar, espontâneo ou popular, às vezes denominado senso comum, se distingue do conhecimento científico pela forma, método e instrumentos do conhecer. O conhecimento dito popular para o ensino de Geografia configura-se como um conhecimento de porta de entrada no processo de ensino-aprendizagem. • A produção do conhecimento científico pode ser destacada como resultado de diferentes exercícios acadêmicos e pesquisas realizadas. Significa a necessidade de levar a ciência para frente, de renová-la constantemente, de recuperar interminavelmente a criatividade, de explorar todas as potencialidades imagináveis, de inventar alternativas onde menos se espera. • Existem diferentes maneiras de explicar os fatos e fenômenos que envolvem o mundo em que vivemos, e a Ciência é uma delas. A Ciência é, portanto, uma forma de conhecimento, a atividade básica da Ciência é a pesquisa. Por meio dela é possível conhecer e compreender o mundo. • A ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza, produz determinado tipo de conhecimento que em suas características possui conhecimento racional, obtidos metodicamente, sistematizadores, verificáveis, relativos a objetos de uma mesma natureza. • Para interpretar as origens e o desenvolvimento da Revolução Científica, Prade (2004) cita que há três tradições ou mentalidades claramente definidas referentes ao fazer ciência no mundo e à busca de interpretação da realidade: Organicista, Mágica e Mecanicista. Outro olhar para os modelos de se fazer Ciência é descrita por Chaui (1997), quando diz que, historicamente, três são as principais concepções de Ciência ou ideias de cientificidade: Racionalista, Empirista e Construtivista. Por sua vez, Boaventura de Souza Santos (1987), no livro Um discurso sobre as ciências, enquadra a ciência moderna em três momentos: Paradigma da modernidade, Crise do modelo dominante, Paradigma emergente. RESUMO DO TÓPICO 1 23 • O método pode ser definido como sendo os procedimentos do pesquisador ou o caminho que se estabelece para realizar a pesquisa científica. A palavra método é de origem grega e significa o conjunto de etapas e processos a serem vencidos ordenadamente na investigação dos fatos ou na procura da verdade. Etimologicamente, método vem de meta, ao longo de, e hodós, via caminho. 24 1 (ENADE, 2008 – Questão 20): Neste ensaio, ‘ciência normal’ significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior. [...] Suponhamos que as crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e perguntemos então como os cientistas respondem a sua existência. [...] De modo especial, a discussão precedente indicou que consideraremos revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento não cumulativo nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior. T. Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. Editora Perspectiva. Tendo o texto acima como referência inicial e considerando a filosofia da ciência de Thomas Kuhn, assinale a opção incorreta. a) ( ) A assunção de um paradigma ocorre depois que o fracasso persistente na resolução de um problema dá origem a uma crise. b) ( ) A atividade científica madura desenvolve-se por meio de fases de ciência normal (paradigma), crise, revolução e novo paradigma. c) ( ) A ciência normal é o período em que se desenvolve uma atividade científica com base em um novo paradigma. d) ( ) Paradigma é uma concepção teórica associada a aplicações-padrão que são objetos de consenso em uma comunidade científica. e) ( ) As revoluções científicas produzem efeitos desintegradores na tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada. FONTE: ENADE/Filosofia 2008. Disponível em: <http://www.filosofia.com.br/vi_prova. php?id=49>. Acesso em: 18 set. 2018. 2 O senhor X é analfabeto, trabalha no campo, recebeu informações e conhecimentos de seu pai, sabe o momento certo de semear, colher. Ele tem conhecimento de que o mesmo tipo de cultura, todos os anos, no mesmo local, prejudica o solo. Estamos nos referindo ao conhecimento: a) ( ) Hipotético. b) ( ) Abstrato. c) ( ) Popular/prático. d) ( ) Matemático. AUTOATIVIDADE 25 3 A palavra ciência é de origem latina “Scientia” que provém de “Scie” que significa “aprender” ou “conhecer”. O conhecimento científico resulta da investigação reflexiva, metódica e sistemática da realidade. O conhecimento científico é: a) ( ) Dogmático. b) ( ) Metafísico. c) ( ) Provisório. d) ( ) Popular. 4 Enquanto o método A parte de casos específicos para tentar chegar a uma regra geral (o que, muitas vezes, leva a uma generalização indevida), o método B parte da compreensão da regra geral para então compreender os casos específicos. A sequência correta do método A e B é: a) ( ) Indutivo-dedutivo. b) ( ) Dedutivo-indutivo. c) ( ) Histórico-dedutivo. d) ( ) Histórico-indutivo. 26 27 TÓPICO 2 EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior, nosso estudo centralizou-se em saber o que é o conhecimento, o conhecimento científico, a ciência e os métodos que usamos nas pesquisas científicas, os quais contribuem com o conhecimento geográfico. Passaremos a estudar agora as fontes, conceitos, possibilidades e limites do conhecimento (questões epistemológicas). Para isso, organizamos o tópico em três assuntos orientadores. Começaremos com a Epistemologia das Ciências Sociais. Depois, a Epistemologia da Educação, que compreende a discussão e reflexão em torno da gênese e desenvolvimento do conceito epistemologia presente nas obras e pensamentos de diversas correntes e autores na Educação. E, por último, a Epistemologia e Pesquisa em Geografia, que apresenta o caminho percorrido pela Ciência Geográfica e suas várias vertentes e abordagens epistemológicas e como essas teorias se relacionam com o campo da pesquisa e ensino de Geografia. 2 EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS Quando na atualidade falamos da gênese, desenvolvimento, estruturação e articulação da Ciência, dizemos que estamos tratando da Epistemologia, que é em certo sentido a teoria do saber científico que tem por fim o estudo crítico dos princípios, objetos, limites, relações e resultados das diversas ciências e/ou a investigação de todo conhecimento enquanto tal. Em alguns países, e em dados momentos históricos, a Epistemologia é sinônimo de Teoria do Conhecimento, ou Gnosiologia, ou Filosofia da Ciência. Nas palavras de Keim e Lopes (2012, p. 21-22): [...] Na França significa o estudo dos problemas filosóficos relativos à Ciência. Contudo, em outros países, como nos EUA, tem significados distintos. Epistemologia é o estudo acerca dos problemas gerais em torno do conhecimento. Por exemplo, o que é o conhecimento? Como justificamos nossas crenças? Quais são as fontes do conhecimento? Quais os limites do conhecimento? Podemos conhecer algo? UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 28 O termo Epistemologia vem do grego e pode ser traduzido como estudo do conhecimento ou teoria do conhecimento. De acordo com Severino (2011), em termos gerais, portanto, não há diferença entre Epistemologia e Teoria do Conhecimento. É muito comum encontrarmos quem acredita que Epistemologia (ou Teoria do Conhecimento) é a mesma coisa que Filosofia da Ciência. Isso parece acontecer porqueEpistemologia vem do termo grego episteme, que podemos traduzir tanto como “conhecimento” quanto “ciência”. Todavia, o termo “ciência”, tal como usamos hoje, tem outro significado. Usamos “ciência” para designar um grande campo de estudo que trata de fenômenos naturais e humanos, como a Física, Química, Biologia, História, Sociologia. Segundo Willians (2001), a epistemologia entrou em línguas europeias em meados do século XIX. Entretanto, como um assunto, já estava presente desde a Grécia Antiga, tanto nas discussões de Platão acerca do conhecimento como na obra de Aristóteles sobre a lógica do conhecimento científico, ou seja, o conhecimento disposto a partir de princípios básicos, por meio dos quais outros conhecimentos podem derivar ou vários fatos podem ser explicados. Posto isso, podemos afirmar que todos os filósofos, desde o início da civilização, se destinaram em algum momento à epistemologia. Em suas apreciações, os estudiosos tentam assinalar a verdade das crenças e aparências. No princípio da era moderna, a teoria do conhecimento foi avaliada em diversos contextos intelectuais que abarcavam discussões a respeito dos métodos e estrutura que objetivavam prover uma base para o que se entendia ser o verdadeiro conhecimento. As tendências pioneiras dos filósofos gregos, como Platão, idealizam o conhecimento como a consciência absoluta e universal, independentemente de qualquer sujeito que tente apreendê-lo. Aristóteles buscou enfatizar os métodos lógicos e empíricos para a constituição do conhecimento, acolhendo a perspectiva de que tal conhecimento é uma apreensão de princípios universais. De acordo com Seifert (2008, p. 10): A palavra grega epistéme significa conhecimento, mas em um sentido forte, como era usual para os gregos, mas não para nós, o que hoje chamaríamos de conhecimento absoluto, os gregos usavam esse termo para diferenciá-lo de outro tipo de saber, aquele que chamavam doxa, termo cuja tradução apropriada é opinião. E justamente, desde lá, consiste a tarefa fundamental da epistemologia, seja em determinar a diferença entre conhecimento (epistéme) e opinião (doxa). Os gregos perceberam que ter uma opinião que corresponde aos fatos não é necessariamente conhecer os fatos. Para refletir sobre o que já estudamos, seria pensar entre senso comum e conhecimento científico, informação e pesquisa, e informação geográfica e conhecimento geográfico. TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS 29 Já na era moderna, foram as duas vertentes epistemológicas que mantiveram o domínio sobre o debate concernente ao conhecimento: o empirismo, que vê o conhecimento como produto da percepção dos sentidos, e o racionalismo, que o vê como o produto da reflexão racional. Sendo o objeto da epistemologia o conhecimento, algumas questões básicas da teoria do conhecimento necessitam ser refletidas, então a questão fundamental passa a ser: De onde vêm e quais são os limites do conhecimento humano? Para elucidar a questão, Galliano (1999) cita sobre as duas correntes do pensamento filosófico da era moderna: o racionalismo e o empirismo. Os pensadores racionalistas pregavam que todo e qualquer conhecimento tem sua formação na razão e tudo que diz respeito a ele é essencialmente racional. O ser humano só pode conhecer por meio da mente humana. Os pensadores empiristas colocam, por outro lado, que o verdadeiro conhecimento só pode ser alcançado por meio da experiência. Assim, o conhecimento é alcançado a partir dos sentidos, nesse âmbito a verdade é que nós conhecemos as coisas, seja esse conhecimento alcançado por meio de nossas experiências sensoriais, seja através da razão, e a epistemologia compreende justamente a relação entre a realidade e as verdades produzidas sobre ela. Na visão do professor Severino (2011, p. 17): A Epistemologia é aquela que estuda os processos do conhecimento produzidos pelo ser humano, tanto do ponto de vista descritivo, como do ponto de vista crítico. Trata-se de saber como se dá o conhecimento humano, qual é o seu alcance e seu valor, até que ponto ele nos dá a verdade, em todas as formas de manifestações. A partir da história da epistemologia, pode-se perceber que as teorias iniciais do conhecimento enfatizam o seu caráter constante e absoluto, ao passo que as teorias seguintes ressaltam sua relatividade, seu sucessivo desenvolvimento e, sobretudo, sua influência no mundo, assim como em seus sujeitos e objetos. O movimento parte de uma visão estática e passiva do conhecimento rumo a uma visão mais ativa e adaptável, dinâmica e provisória. Por sua vez, no seu artigo referente à Epistemologia da Ancestralidade, Oliveira (2018, p. 3) escreve: [...] há uma epistéme universal ou haveria uma epistéme de acordo com cada cultura? Sou daqueles que advogam que cada cultura produz seu próprio regime de signo, e que eles podem ser mais ou menos desterritorializados de acordo com o contexto em que surgiram e multiplicaram-se. [...] A cultura se constitui no modo de apreensão do real, e o real constitui-se como singularidade. Ora, o modo pelo qual eu apreendo o real depende da percepção que tenho da singularidade. Depende, sobremaneira, do observador que observa e não do que é observado. Os objetos do mundo não são independentes do observador. [...] A epistemologia necessita compreender as diferentes lógicas que coabitam o planeta, muito embora a epistemologia eurocentrada tenha propagado sua universalidade que não passa de uma operação ideológica. As propostas epistemológicas estão semeadas nos territórios de cultura. É mister, então, percorrer os caminhos da diversidade, e tecer redes que deem conta de conectar os pontos comuns e diagramar os pontos divergentes das epistemologias criadas e recriadas pelo mundo. UNIDADE 1 | EPISTEMOLOGIA, FUNDAMENTOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 30 O mundo contemporâneo conheceu a crítica aos regimes únicos de referência. Com o advento da pós-modernidade, caíram por terra as grandes explicações ou compreensões ditas universais/gerais do mundo. Oliveira (2018) comenta que em lugar do império da unidade descortinou-se a boa nova do evangelho da diversidade, por isso ele não compreende a epistemologia como um ramo da filosofia ocidental que se ocupa da questão do conhecimento, ele concebe a epistemologia como fonte de produção de signos e significados concernentes ao jogo de sedução que a cultura é capaz de promover. 3 CIÊNCIAS HUMANAS E ABORDAGENS EPISTEMOLÓGICAS Embora seja evidente que toda a Ciência é Humana, pois resulta da atividade humana do conhecimento, as ditas Ciências Humanas referem-se àquelas que têm como objetivo o estudo do homem como ser social, elas reúnem criteriosamente conhecimentos organizados sobre a produção humana e do conhecimento, realizadas a partir de discursos específicos. De acordo com Chaui (1997), a situação da Ciência Humana é muito especial devido a três fatores. Seu objeto de estudo é recente, o ser humano como objeto científico é uma ideia surgida apenas no século XIX. Elas surgem após a consolidação das Ciências Matemáticas e Naturais, de modo que elas imitaram no início e copiaram o que aquelas ciências haviam estabelecido tratando o homem como uma coisa natural matematizável, ou seja, surge no período em que prevalecia a concepção empirista e determinista da Ciência. As Ciências Humanas acabaram trabalhando por analogias com as Ciências Naturais e seus resultados tornaram-se muito contestáveis e pouco confiáveis. A complexidade de se estudar e pesquisar os atos humanos oferece algumas dificuldades. Martins (1999) cita que, como o objeto de conhecimento é o próprio ser humano, torna-se difícil manter distanciamento dele para se obter um saber imparcial. Quanto à experimentação é difícil identificar os diversos aspectos que influenciam os atos humanos. Quanto à matematização, não é possível identificar todos os dados. Quanto ao determinismo, o comportamento humano não é previsível. As dificuldades
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