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OBRA: Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia AUTOR: Prof. Dr. Kabengele Munanga (USP) De acordo com Munanga, o termo “raça” perpassa dois eixos de classificação extremamente importantes: a origem da palavra em si e o conceito em sua existência. Nesse sentido, raça por sua vez deriva de “razza” do francês que deriva de “ratio” pertencente ao latim trazendo em seu significado sorte, categoria e espécie tendo sua primeira aplicabilidade no campo das ciências biológicas para classificação do que era proposto na zoologia e botânica. Assim como qualquer termo, “raça” tem sua historicidade para além da formatação, tendo seu significado definido através de diversas óticas da realidade social paralela. Na era medieval, por exemplo, o termo foi introduzido como classificação dentro da espécie humana como meio de designar a descendência de um povo e que, por sua vez, teriam características físicas em comum. Já na França, partindo para um sentido supostamente mais "moderno", o termo raça se faz existente na relação das classes sociais , convergindo para a justificativa da exploração e abuso de um povo sobre o outro, onde os Francos, considerados por si como seres de “sangue puro” exerciam dominação sobre os Gauleses amparados pela ideia de superioridade racial - não diferente do que aconteceu no processo de colonização do Brasil onde perante o estranhamento do “outro” ou desconhecido. Além de uma justificativa “biológica” o ser humano então encontrou o amparo para legitimação das relações de dominação no seio da religiosidade onde encontram-se mitos como os Reis Magos - semitas, brancos e negros - e Adão - os índios. Somente no século XVIII há uma mudança significativa para a conceituação do termo, influenciada diretamente pelo debate racionalizado iluminista onde se recusariam a crer na explicação lúdica da significação de raça. Mas, por que então, classificar a diversidade humana em raças diferentes? Munanga relata que a variabilidade humana é diversa, incontestável no sentido científico, além da metodologia do ser humano na classificação de qualquer grupo, seja ele material ou não, animado ou não, colorido ou não ou ainda, como abordado no início do texto, a zoologia e botânica. Apesar de se tratar de uma “ unidade de espírito humana” infelizmente, sustentou o caminho da hierarquização racial pautado, inicialmente, na concentração de melanina onde o negro possuiria mais melanina (cor da pele, olhos e cabelos escuros), o amarelo, por sua vez, conteria uma concentração intermediária e o branco pouca concentração de melanina (pele clara, olhos e cabelos claros também). Essa classificação, por meio da cor da pele, foi considerada, segundo Munanga, um divisor de águas na história da humanidade dividindo a espécie humana - de forma equivocada - em 3 raças: preta, amarela e branca. Somente no século XIX foram consideradas mais características fisiológicas para a categorização, como o formato do nariz, olhos e bocas, formato do crânio, ângulo facial e etc, sendo o penúltimo mais tarde comprovado como fruto do meio e não relacionado a fatores raciais. Com o avanço científico, a descoberta de grupos de sangue, agentes hereditários e descoberta de dezenas de raças, sub-raças e ainda sub-sub-raças a biologia constatou a invalidação da existência de tal conceito como biológico mas seu sentido teria relação com uma ideologia social carregada pela relação de dominação globalmente definido. A partir de 1920 houve a conceituação do que chamamos de racismo, fruto de uma relação que se dá ao relacionar a capacidade intelectual de uma raça às suas características físicas ou biológicas. Assim, teoricamente, a sociedade estaria disposta entre grupos sociais denominados “raças” tendo suas características atreladas ao seu funcionamento psicológico e moral validadas através de um sistema hierárquico onde as características físicas, culturais, ideológicas de um grupo sobrepõe as de outro. Originalmente, a fundamentação desse processo também se deu com a religiosidade onde Noé havia amaldiçoado um de seus três filhos, Cam, rogando que sua descendência fosse escravizada pela de seus irmãos Jafé e Sem. Uma outra teoria justificada para essa categorização surgiu a partir da categoria científica mediante observação de características físicas consideradas irreversíveis no comportamento. O que antes era fruto de uma ideologia divina passou a ser cientificamente defendido, como por exemplo por Carl Linné, Lineu, naturalista que realizou a primeira - e abandonada assim como das plantas - classificação racial pautada na relação intrínseca entre físico, moral e psicológico: · Americano, que o próprio classificador descreve como moreno, colérico, cabeçudo, amante da liberdade, governado pelo hábito, tem corpo pintado. · Asiático: amarelo, melancólico, governado pela opinião e pelos preconceitos, usa roupas largas. · Africano: negro, flegmático, astucioso, preguiçoso, negligente, governado pela vontade de seus chefes, unta o corpo com óleo ou gordura, sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados. · Europeu: branco, sangüíneo, musculoso, engenhoso, inventivo, governado pelas leis, usa roupas apertados Somente a partir dos anos 70, o conceito de raça até então sujeito a inferiorização, foi alterada através das conquistas científicas biológicas realizadas separando, assim, a raça da capacidade motora intelectual de um ser humano convergindo para um espaço de luta anti-racista, pró feminismo negro etc.ao reconhecer racismo como qualquer prática preconceituosa pautada nas caracteríticas físicas e culturais do outro. De acordo com Munanga, é importante a cautela ao tratar da temática em prol da luta igualitária pois há o risco da banalização do termo e suas múltiplas facetas fazendo-se relevante o destaque para momentos históricos em que a aplicação do sentido da palavra concordou com o eixo central do racismo como o aphartheid anterior a concepção de racismo na África do Sul, verificando posteriormente a dispensabilidade da concepção de características físicas para denominação de uma suposta raça. Diante da conscientização política crescente, a partir do séc. XIX é possível perceber a instauração de um grande paradoxo onde a luta do movimento negro (anti-racista) e a extrema direita europeia (racista) portam em sua ideologia baseada nas diferenças culturais e contrução política multiculturalista. Para além de uma visão biológica, o conceito de etnia baseia-se no contexto sócio-cultural e histórico mediante o mesmo meio geográfico ocupado, ou seja, um mesmo grupo que compartilha costumes, língua, cultura, religião e ancestralidade independente da suposta raça seja ela negra, amarela ou branca ou tamanho, como é o caso das nações: brasileira, africanas, australianas etc. Apesar do debate acerca da aplicação do termo “raça” por pesquisadores seja através de substituição por “etnia” ou defesa do mesmo como politicamente correto, de acordo com Munanga, nada muda ao contraste do racismo uma vez que na contemporaneidade a prática de hierarquização racial nada tem haver com o termo mas sim com a construção ideológica histórica presente nas relações sociais presentes nas diferentes culturas e identidades culturais, uma vez que a transformação ocorreu no campo ideológico que sustenta o sistema excludente e termos manipulados. Para Munanga, portanto, é necessário um conhecimento nítido acerca dos termos utilizados,uma preocupação em considerar os diversos povos constituintes do atual cenário cultural de uma nação, como por exemplo a variabilidade de origem do povo brasileiro: não há uma única cultura negra (afro-baianos, afro-mineiros, afro-maranhenses, negros cariocas, comunidades quilombolas) ou uma única cultura branca (descendentes de italianos, portugueses) revelando diversos processos de identidade cultural reconhecidos não pelos fatores biológicos mas sim pelo contexto históricoem que se originaram e sua ancestralidade. REFERÊNCIA MUNANGA, K. UMA ABORDAGEM CONCEITUAL DAS NOÇÕES DE RAÇA, RACISMO, IDENTIDADE E ETNIA
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