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Prática Integrativa III Curso de Psicologia - CCS Universidade de Fortaleza Fevereiro de 2021 PODEROSOS CHEFINHOS A hierarquia proveniente da linguagem e psicossocialização nas relações infantis. Autores: Deborah Alves Feitosa e Maryane Ellen Medeiros Silva Profa. Orientadora: Veruska Fernandes Palavras-chave: Psicossocialização. Linguagem. Psicologia da Infância. Idade pré-escolar. Resumo Relatório feito a partir de pesquisa qualitativa e observações não participantes de duas pesquisadoras em uma creche escola do município de Fortaleza, com o objetivo de explorar os aspectos psicossociais e da linguagem de crianças na faixa etária de três a sete anos. Foi possível observar a variação da linguagem empregada de acordo com o destinatário do discurso em relação à Luisa, uma das crianças observadas, além da apresentação de características de distintas fases do desenvolvimento psicossocial nos gêmeos Marvin e Marcus, os gêmeos que completam o grupo focal das observadoras. Concluiu-se que as crianças dominando aspectos do desenvolvimento adiantados se sobressaem como líderes e influenciadores em relação aos outros indivíduos. Introdução Este relatório se caracteriza como parte do estágio da disciplina de Prática Integrativa III do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza, que tem como propósito analisar o exercício dos aspectos do desenvolvimento infantil em crianças de uma determinada faixa etária, fazendo isso por meio de um estágio observacional não participante, ou seja, sem proposta de intervenção. O objetivo geral deste trabalho se dá por aprimorar as habilidades em observação do comportamento e análise de informações, além da disposição relacional entre os conceitos teóricos aprendidos em aula e as observações realizadas pelas alunas autoras. Visto que as aptidões supracitadas se fazem de suma importância no desempenho profissional e teórico da psicologia, independentemente da área, nosso interesse pessoal no comportamento infantil e suas influências nos motivou na escolha de visitar uma creche escola praticar essa análise e melhorar nossas habilidades de estudo das particularidades da conduta das crianças para que, caso seja uma possível área de interesse, possamos aplicá-las posteriormente na prática. 1 A fundamentação teórica utilizada para este trabalho se baseiam nas obras de autores que estudam o desenvolvimento infantil e em relação aos aspectos do desenvolvimento aos quais daremos enfoque, como a teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson e suas críticas sobre a importância da integração entre o social e o individual e a relação com as fases de desenvolvimento muscular e controle locomotor nessa faixa etária (RABELLO e PASSOS, 2007), assim como a teoria de Bakhtin sobre a importância do receptor da mensagem e as ideias sobre a linguagem egocêntrica sob a visão de Piaget e Vygotsky (SOUZA, 2008). A Instituição escolhida para a realização da observação em questão se trata da Creche Escola do Poder Judiciário, é uma entidade governamental que conta com uma estrutura exemplar e conta com turmas de Educação Infantil 2 ao 1º ano do Ensino Fundamental. A observação foi feita numa turma de Ensino Infantil 3, turma B, durante o período da tarde, acompanhando tanto atividades pedagógicas quanto não pedagógicas. A observação foi feita notando todos os alunos da turma pessoalmente e destacando crianças em específico que demonstraram comportamentos que pudemos analisar sob a ótica de nosso embasamento teórico. Metodologia Para a realização deste trabalho, foi utilizado o método de pesquisa qualitativo, além da prática da observação em dupla, onde os observadores atuam somente como espectadores, sem tomar parte ou interferir nos acontecimentos, onde as informações serão coletadas e analisadas posteriormente. A observação permite a identificação de diversos comportamentos observados pelos pesquisadores, além de também possibilitar a percepção de elementos desconhecidos previamente e trazer a possibilidade de comparação dos dados coletados, mas também apresenta desvantagens, como a perda de acontecimentos que ocorrem simultaneamente, além da dificuldade de não inserir juízo de valor (FERREIRA; MOUSQUER, 2004). Os indivíduos observados pela primeira pesquisadora eram gêmeos univitelinos do sexo masculino cursando o Infantil III em uma creche exclusiva para filhos de funcionários do Poder Judiciário no município de Fortaleza. Os gêmeos foram escolhidos a partir do intuito de observar os níveis do desenvolvimento psicossocial entre dois indivíduos que compartilham dos mesmos meios de convivência e desde um primeiro momento demonstraram disparidades. A segunda pesquisadora observou uma criança do sexo feminino cursando a mesma série na mesma creche, e foi escolhida pela dualidade de sua forma de comunicação verbal. O local foi escolhido por conta da idade que o mesmo contempla, que é condizente com o procurado para o objetivo deste trabalho. 2 Os dados coletados foram analisados a partir do conhecimento adquirido através da pesquisa bibliográfica realizada após a apuração dos mesmos, que incluíram livros, artigos, documentários e rodas de conversa sobre Linguagem e Psico Socialização na primeira infância, que serão especificados na bibliografia do trabalho vigente. Também recebemos acompanhamento semanal com a professora orientadora da disciplina, onde a mesma realizava a supervisão do desenvolvimento deste trabalho. Também foram realizados Grupos de Estudos ministrados pela monitora da disciplina e rodas de conversa com profissionais da área pesquisada. As informações e dados coletados e relatados neste trabalho terão divulgação restrita ao contexto acadêmico, e os nomes e locais de trabalho dos indivíduos entrevistados não serão revelados. É possível encontrar os resumos dos diários de campo desenvolvidos durante as observações no Apêndice deste trabalho. Resultados e Discussão (ARIAL, 11) Antes de trazer os acontecimentos observados e teorias relacionadas com os mesmos, uma introdução sobre os conteúdos abordados a seguir faz-se necessária. Inicialmente, devemos diferenciar língua de linguagem, já que a primeira é um código verbal característico, enquanto a linguagem é toda e qualquer interação entre pessoas (SILVA, 2018). A linguagem verbal, amplamente observada durante a construção deste relatório, consiste no domínio da língua como sistema simbólico, sendo a interação direta entre pessoas uma de suas mais importantes formas de expressão (SILVA, 2018). Quando falamos de linguagem não verbal, que também teve extrema importância durante as observações, estamos nos referindo à maneira de nos comunicarmos utilizando gestos e expressões, sendo uma forma espontânea e de muita relevância na comunicação humana (SILVA, 2018). Luisa é uma criança de três anos e sete meses que, quando avistou as observadoras, mostrou-se muito curiosa com as mesmas, sempre buscando fazer-se presente junto a elas. Logo foi possível notar a linguagem verbal extremamente desenvolvida da criança, que, apesar de algumas trocas de fonemas, apresentou um extenso vocabulário e muita destreza ao compor frases. Luisa emprega uma gama de entonações em sua fala, sempre enfatizando as palavras com seu tom e também trazendo gestos corporais e expressões faciais para reforçar o que fala. Sabe-se que a articulação da fala varia muito de criança para criança, mas é possível identificar um desenvolvimento acelerado das meninas em comparação aos meninos em tal quesito (CARSON, 2015), diferenciação ainda mais expressiva em Luisa, que demonstra uma linguagem muito avançada em comparação aos demais alunos de sua sala, inclusive 3 às garotas. A comunicação não verbal abrange todas as manifestações de comportamento não expressas por palavras, e o estudo dessa linguagem assume um papel importante no entendimento das mensagens passadas durante as interações sociais (SILVA et al., 2000), fato notado durante a observação de Luisa, queutiliza-se da linguagem não verbal de maneira indissociável de sua linguagem verbal enquanto comunica-se, principalmente com adultos. Durante os dias de observação, foi possível notar que a troca de fonemas na fala de Luisa não ocorria em todos os momentos, e sim quando via-se entre adultos, momento que suas expressões corporais se avolumam e o tom de voz aumenta. Quando cercada por crianças de sua idade e até mesmo mais velhas, Luisa parece utilizar-se de sua linguagem verbal desenvolvida para colocar-se em uma posição de líder, assumindo o comando das brincadeiras e comunicando-se de forma quase autoritária ao designar o papel de cada colega. Bakhtin afirma que, desde o início do discurso, a presença do destinatário é de necessidade inquestionável, por conta da inerente necessidade do ser humano de ser ouvido, sempre buscando uma compreensão (SOUZA, 2008). Tal pensamento corrobora com os comportamentos notados em Luisa durante a observação, que alterava de maneira expressiva sua forma de comunicar-se com o variar de seus ouvintes. Quando cercada por crianças, não cometia erros de fonemas, mas quando via-se diante de adultos, falava de forma extremamente diferente, aparentando ter dois anos, com uma construção de palavras rudimentar e grande utilização de gestos corporais e expressões faciais para fazer-se entendida. Aprender palavras, aumentando assim seu vocabulário, e utilizar as mesmas adequadamente é de extrema importância no desenvolvimento da linguagem verbal (HAGE, PEREIRA, 2006), quesitos cumpridos por Luisa, que raramente empregou erroneamente alguma palavra, mesmo as não esperadas em sua faixa etária. Durante a aquisição da linguagem, fase em que, por sua idade, a criança observada se encontra, as crianças podem cometer diversos desvios semânticos em função do ainda desorganizado conjunto de significação adquirido pelo indivíduo, fato notado com pouca frequência durante as observações (HAGE, PEREIRA, 2006). Foi possível notar uma leve hierarquização entre as crianças durante o horário do parquinho, onde muitas turmas estavam juntas, misturando assim diversas idades. Observou-se que, quando iam decidir as brincadeiras e designar o papel de cada indivíduo na mesma, prestava-se uma maior atenção às crianças mais velhas, esperando as mesmas tomarem tais decisões. Entretanto, mesmo estando entre as mais novas, Luisa tinha um papel de liderança junto com as crianças, que a escutavam e acatavam suas decisões, pois quando a questionam eram refutados pela mesma, que utilizava-se de sua linguagem mais 4 desenvolvida como um motivo para mérito entre os demais, dando a si mesma o posto de líder. Durante a espera pela chegada dos pais ou intervalos entre as aulas, a professora liberava as crianças para brincar com os brinquedos presentes na sala, e durante tal período foi possível observar Luisa distraindo-se com bonecas, com as quais permaneceu dialogando por diversos minutos. Tal comportamento é chamado de fala egocêntrica, que Vygotsky vê como o passo que precede a fala interior, mas que apresenta estruturas semelhantes com tal. A fala egocêntrica é uma forma de ter-se acesso à fala interior da criança antes da passagem para a função intrapsíquica e consequente atividade mais individualizada. Piaget traz que a criança fala apenas para si própria na fala egocêntrica, sem tentar comunicar-se e não esperando resposta, derivando-se de uma socialização insuficiente da fala, que tende a parar de ocorrer quando a criança passa a sentir-se ouvida (SOUZA, 2008). A partir da teoria de Piaget, podemos concluir que, apesar de dialogar bastante tanto com adultos quanto com crianças, Luisa não se sente ouvida e compreendida pelos mesmos, buscando assim outras formas de externalizar seus pensamentos. Ao longo das observações, foi-se tornando cada vez mais clara a relação entre o comportamento das crianças na prática com o fundamento teórico sobre desenvolvimento psicossocial. As crianças observadas, que serão referidas pelos nomes Marvin e Marcus, a fim de preservar suas identidades, têm em torno de 3 anos e 9 meses, levando em conta que os indivíduos de enfoque desta análise são gêmeos univitelinos. Sob o viés da teoria das fases do desenvolvimento psicossocial idealizada por Erik Erikson, um psiquiatra infantil alemão, os dois meninos supostamente deveriam estar na fase da segunda infância ou de controle locomotor, que ocorre entre os 3 e os 5 anos de idade (VERÍSSIMO, 2002). Entretanto, desde um primeiro momento, foram observadas divergências entre o comportamento dos dois. Torna-se importante esclarecer que o desenvolvimento psicossocial, segundo Erikson, acontece em entremeio às fases do ciclo vital, que seriam; o estágio sensorial, ou bebê, até cerca dos 18 meses de vida; a fase do desenvolvimento muscular, na 1ª infância, dos 18 meses aos 3 anos; o controle locomotor, na 2ª infância, dos 3 anos aos 5; o período de latência, na idade escolar, dos 5 aos 13 anos; a fase da moratória psicossocial, na puberdade e adolescência, de 13 a 21 anos; a maioridade jovem, ou adulto jovem, dos 21 aos 40; a maioridade, ou meia-idade, dos 40 aos 60 e a maturidade, ou idade da reforma, a partir dos 60 anos. Cada uma das fases tem seus relacionamentos significativos, sua crise de sentimento psicossocial, seus possíveis resultados, os aspectos formadores de identidade, potenciais psicopatologias, dentre outros conceitos observados, e são todas interdependentes para a definição completa da identidade de uma pessoa (VERÍSSIMO, 2002). 5 É também necessário distinguir os aspectos de duas das fases de desenvolvimento supracitadas, o desenvolvimento muscular e o controle locomotor, pois serão o principal ponto da obra a ser relacionado com o comportamento dos indivíduos analisados, considerando sua idade. Pois estas estão ligadas a comportamentos semelhantes, e suas crises psicossociais estão também relacionadas a sentimentos semelhantes, como a autonomia versus a vergonha, no desenvolvimento muscular, e a iniciativa versus a culpa, no controle locomotor. Segundo Erikson, as principais diferenças são que, respectivamente ao avanço das fases, estes processos envolvidos se tornam mais complexos, como as habilidades adquiridas na fase da primeira infância como andar, escalar e falar, que evoluem para o explorar de forma mais consciente, brincar, comunicar e o fazer de conta, aprimorando a relação da criança com o meio e com as pessoas presentes nele, na fase da segunda infância (RABELLO e PASSOS, 2007). Levando em conta estudos que estabelecem que complicações perinatais, entre outros fatores, podem ser determinantes na existência de alguma deficiência cognitiva ou intelectual em uma criança (MOREIRA, 2011), essas fases e suas faixas etárias podem sofrer alterações dentro da particularidade de cada indivíduo. Em adição a isso, algumas informações concedidas às alunas autoras a respeito dos gêmeos, como o fato que de Marvin e Marcus nasceram muito prematuros, ficaram bastante tempo na UTI e Marcus aparentemente sofreu certo dano cerebral e teve mais sequelas que o irmão, mesmo Marvin também apresentando suas particularidades, nos levam a compreender que existe uma possibilidade de que estes possam apresentar alguma desabilidade ao longo de seu desenvolvimento. Entretanto, este relatório de estágio observacional não interventivo não pretende trazer nenhuma avaliação por padrões clínicos, pois busca somente analisar os padrões de comportamento presenciados em campo sob a ótica do aspecto do desenvolvimento infantil escolhido, no caso, a psicossocialização. Já que, em alguns momentos, os irmãos apresentam incongruências entre si nas características da fase de desenvolvimento em que cada um se encontra. Essa distinção é notável nos momentos em que Marvin já apresenta habilidade no que se refere à autonomia e na comunicação com as pessoas ao seu redor, enquanto Marcus demonstra estar em processo de desenvolvimento dessa atitude deautonomia e aprendendo a utilizar a comunicação de forma mais eficiente, como por exemplo para pedir para usar o banheiro; Marvin já fez o desfralde completo, comunica à professora quando precisa ir ao banheiro e não tem maiores dificuldades, já Marcus ainda não demonstra segurança para fazer o mesmo e, foi visto mais de uma vez, tem necessidade de que continue usando fraldas por enquanto. Também podendo ser percebido em diversos outros momentos, como durante a hora da refeição, em que Marvin, ao contrário do irmão, não precisa de auxílio de uma pessoa 6 adulta para comer, ou até mesmo no momento de integração entre as crianças no fim do turno, quando Marvin apresenta muito mais desenvoltura para conversar e brincar com os colegas e explorar a sala de aula, enquanto Marcus se mantém a usar a linguagem quase apenas com seu gêmeo, e mais frequentemente apenas imitar o que Marvin falou ou repetir o nome do irmão. Todos esses comportamentos demonstram essa discrepância no desenvolvimento da autonomia e comunicação dos dois. Com base nisso, podemos perceber que Marvin apresenta comportamentos mais característicos da fase de controle locomotor da segunda infância, sendo mais desinibido para atividades como explorar a sala de aula e o parquinho, inventar brincadeiras mais arriscadas, podendo também manifestar certa desobediência e comunicar-se com as pessoas à sua volta de forma mais clara, usando várias formas de linguagem com mais propriedade. No caso de a crise psicossocial dessa fase, ou seja, iniciativa versus culpa, ser atravessada de forma saudável, com a vigilância adequada e sem a inibição do seu papel de criança, o resultado favorável alcançado para Marvin deve ser a associação de virtudes como a de receber orientações, experimentar projetos, atingir objetivos e tomar iniciativas, agregando à formação de sua identidade (VERÍSSIMO, 2002). Por sua vez, Marcus revela uma conduta muito mais inerente da fase de desenvolvimento muscular na primeira infância, já que ainda demonstra ser uma criança com comportamentos majoritariamente não-verbais, utilizando mais risos e linguagem corporal para se expressar. Não somente essa lacuna na comunicação pode demonstrar essa afirmação, mas também seu menor desenvolvimento na motricidade e socialização com outras pessoas em seu meio que não remetem à figura dos pais, pois foi observado que Marcus interagia mais com as professoras e colaboradores que já conhecia, mais até do que com os colegas, e isso pode ser devido a segurança e amparo que a imagem de uma pessoa adulta traz para uma criança que ainda sente muita necessidade de proteção. Assim, ilustrando características comportamentais que se adequam ainda dentro da fase de crise entre autonomia e vergonha, pois não apresenta a autoconfiança que a resolução satisfatória dessa crise traz para o enfrentamento da seguinte. Todavia, não é possível concluir se tais características apresentadas por Marcus são devidas ao menino ainda estar no processo de atravessamento da crise psicossocial da fase de desenvolvimento muscular, ou se ele apresenta esses padrões por não ter obtido uma resolução saudável dessa crise. Em virtude de sua idade, a primeira opção é a mais provável, pois não existe uma métrica que prevê de forma rígida o tempo de desenvolvimento de um ser humano, visto que também existem outras crianças na mesma faixa etária e até na mesma turma que apresentam características semelhantes tanto a um quanto ao outro, demonstrando que nesse estágio podem haver muitas ambiguidades e que cada criança tem o seu tempo. 7 Considerações Finais (ARIAL, 11) Em suma, nessas semanas de observação, foi possível acompanhar a dinâmica em que se dispõem as relações na idade pré-escolar e a surpreendente influência que o comportamento adultizado exerce nessas relações, uma vez que as crianças que demonstram maior avanço no desenvolvimento assumem posições de destaque e liderança, seja por serem vistas pelas outras como representações mais próximas de pessoas adultas ou por elas próprias se auto intitularem líderes sobre quem se demonstrar menos interessado nessa posição ou estiver mais alheio à essa forma de hierarquia. Dentro da vivência infantil, o domínio da língua e linguagem concede vantagem, pois os pontos de dar ordens e se fazer ouvido são preciosos por demonstrar a saída de uma fase em que se é completamente dependente, para uma etapa de maior autonomia e evolução da comunicação. Como mostra Luisa, que se destaca como líder por ser capaz de conversar e debater com adultos e crianças até mais velhas que ela. Por esta razão, a linguagem e comunicação são aspectos imprescindíveis dentro do desenvolvimento psicossocial. Isso também explica o motivo de crianças em uma fase de desenvolvimento adequada ou adiantada para a sua idade exercerem maior influência no comportamento dos demais, como Marvin, que era acompanhado e imitado não somente pelo seu irmão, como também por vários de seus colegas de turma, em suas brincadeiras. Não significa que as crianças que não assumem posição de liderança tenham algum atraso ou falha de desenvolvimento, elas podem simplesmente não se interessar por esse tipo de dinâmica de grupo e estar atravessando seu próprio processo pessoal e desenvolvendo uma identidade sem essa característica de sobreposição social. Um exemplo disso é Marcus que, independente da fase de desenvolvimento que se encontra, desde o início demonstra uma persona contrária a de seu irmão nesses aspectos. Diversos conceitos que vão além do psicossocial podem explicar tais características, mas a resolução das crises psicossociais de cada fase, sendo elas relevantes para a construção da personalidade do indivíduo, são uma boa lente para esse tipo de observação, que possui muito potencial para ser avaliado a longo prazo. Sendo assim, nesse acompanhamento foi intensificada a nossa admiração pessoal com os profissionais que lidam com crianças e observam esse desenvolvimento diariamente, e podemos levar os conceitos analisados nessa prática como embasamento para um potencial exercício da área ou lidando com o desenvolvimento das crianças de nossas vidas pessoais. 8 Referências - CARSON, N. M. O desenvolvimento da linguagem infantil. Letras de Hoje, v. 8, n. 1, 14 maio 2015. - FERREIRA, Berta Weil; RIES, Bruno Edgar (Org.) Psicologia e educação: desenvolvimento humano – infância. VI, 3.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002 - FERREIRA, Vinícius Renato Thomé; MOUSQUER, Denise Nunes. Observação em Psicologia Clínica. Revista de psicologia da UniC, [S. l.], p. 54-61, 5 nov. 2004. - HAGE, Simone Rocha de Vasconcelos; PEREIRA, Mariana Blecha. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. CEFAC, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 419-428, 20 maio 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcefac/a/RKwv4Mf5YXJqhYfZrtTxVtD/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 20 maio 2022. - RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Erikson e a teoria psicossocial do desenvolvimento. Disponível em https://josesilveira.com. Acesso em: 25 maio 2022. - SILVA, Denise Mirelle da. O desenvolvimento da linguagem verbal e não verbal na educação infantil. UniEvangélica, Anápolis, p. 1-16, 20 maio 2022. Disponível em: http://45.4.96.19/bitstream/aee/1456/1/DENISE%2020-12-18PDF.pdf. Acesso em: 20 maio 2022. - SILVA, Lúcia Marta Giunta da et al. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal. Revista Latino-americana de Enfermagem, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 52-58, 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlae/a/tDnHtdjX3DGwKb8TMCLPJCq/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 20 maio 2022. - SOUZA, Solange Jobim e. Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. 11°. ed. [S. l.]: Papirus, 1994. - VERÍSSIMO, Ramiro. Desenvolvimento Psicossocial - Erik Erikson. [S. l.: s. n.], 2002. ISBN 972-9027-12-9. -MOREIRA, LMA. Deficiência intelectual: conceitos e causas. In: Algumas abordagens da educação sexual na deficiência intelectual[online]. 3rd ed. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 35-41. Bahia de todos collection. ISBN 978-85-232-1157-8. Available from SciELO Books . Apêndices - Apêndice A 1º Dia de observação (31/03/22, 15h-17h) Observadora A: Luisa importou-se muito com a presença das observadoras, sempre se aproximando para relatar o comportamento de outras crianças e falar de fatos sobre si mesma. Foi 9 possível notar uma inconsistência na dicção de Luisa, que por vezes errava palavras com a letra R quando na presença de adultos, fato que não se repetia em ambientes somente com outras crianças. O mesmo comportamento ocorreu com outros fonemas, como trocar "com" por "cu". Enquanto comunicar-se verbalmente, exibe uma grande variação de movimentos corporais, principalmente com as mãos, sempre enfatizando suas palavras; além de expressões faciais diversas e exageradas. Observadora B: Marvin apresentou um potencial de socialização muito diferente de seu irmão, Marcus. Passou o intervalo com outros colegas, inventando brincadeiras e sendo, muitas vezes, o influenciador e propulsor da bagunça entre seus amigos, se movimentou e brincou em diversos espaços do playground. Marcus desde o momento que chegou no parquinho, até a hora em que a professora chamou para a sala, permaneceu sozinho, em um balanço, sem fazer questão de interagir com nenhum outro aluno ou professor. O fato de os gêmeos não fazerem questão de estarem juntos no intervalo, de interagirem com as mesmas pessoas ou de terem comportamentos parecidos, coisa que é típica nessa idade, antes de se emanciparem um do outro de forma mais consciente numa idade mais avançada, foi algo intrigante para nós numa primeira observação. - Apêndice B 2º Dia de observação (01/04/22, 15h-17h) Observadora A: Luisa seguiu com seu comportamento verbal variando de acordo com quem estava ao seu redor. Notou-se uma certa tentativa de colocar-se como líder de algumas outras crianças utilizando de sua linguagem mais desenvolvida como justificativa para tal. Quando cercada de crianças de sua idade ou mais velha, a pronúncia impecável de todos os fonemas é muito perceptível, além de aplicar corretamente até mesmo conjugações verbais. Durante a aula de inglês, expressou-se com menos frequência, e quando falou não demonstrou tanta propriedade nas palavras cobradas pela professora. Durante essa prática, também não foi possível notar erros de pronúncia em sua comunicação verbal. Observadora B: Os gêmeos têm um desempenho interessante na aula de inglês, Marvin se perder mais em brincadeiras paralelas com os colegas, enquanto o Marcus adere melhor a dinâmica da aula. Parece existir uma maior influência entre o comportamento do Marvin e o de seus colegas do que com seu irmão, coisa que não é muito vista em gêmeos nessa 10 idade. Entretanto, o comportamento dos outros meninos da sala parece influenciar pouco no comportamento de Marcus e vice-versa. Mas ele, sim, parece sofrer um pouco mais de interferência do comportamento do irmão. Outro ponto interessante de ressaltar é que durante a hora do jantar, enquanto Marcus terminava de comer com auxílio da professora, Marvin fez questão de interagir com as cozinheiras do refeitório, por cima do balcão de entrega dos pratos, comportamento que não foi observado em nenhuma das outras crianças. - Apêndice C 3° Dia de observação (07/04/22, 15h-17h) Observadora A: A observação iniciou-se no parquinho, onde Luisa estava brincando com outras crianças quando, sem aviso prévio, começou a chorar pedindo por seu pai, momento onde a troca de fonemas foi extremamente perceptível. Quando questionada pelas professoras, Luisa intensificou as trocas além de utilizar-se de uma linguagem corporal quase inexistente. Luisa e outra colega saíram mais cedo do parque para tomar banho e se arrumar para o ballet. No ambiente somente com a professora, uma outra criança e a observadora, mais uma vez a troca de fonemas estava muito presente, e foi possível notar uma maior amplitude de gestos corporais durante sua fala, como se tentasse abranger todo o espaço desocupado na sala. Quando já banhada, sentada esperando a professora de ballet chegar, utilizou-se de um grito para chamar especificamente a minha atenção enquanto eu estava debatendo com a outra observadora. No momento, L estava sentada sozinha na mesa, e eu estava na mesa ao lado apenas ouvindo sua conversa com a boneca. Foi possível identificar a troca dos fonemas ss por x e por vezes o z por th. Observadora B: Conversei com a professora, que contou que os gêmeos, Marvin e Marcus, nasceram muito prematuros. Ficaram bastante tempo na UTI e que o Marcus aparentemente sofreu um dano cerebral, segundo ela, uma paralisia, e teve mais sequelas do que o irmão, mesmo Marvin apresentando suas próprias particularidades. Disse que o Marcus tem mais dificuldade com movimentação e é um pouco menos ativo que o Marvin mas, apesar disso, ele se concentra mais nas rodinhas de atividades, relaciono com resposta a reforço positivo. Marvin tem problemas de visão e audição, ele ouve pouco com o ouvido direito, usa óculos com grau forte e parece ter mais dificuldade para assimilar comandos direcionados para eles. Marcus teve dificuldades com o desfralde, é difícil dizer se ele não se sente seguro para comunicar às professoras que precisa ir ao banheiro, mesmo elas sempre tentando 11 orientar e facilitar esse processo, ou se existe alguma outra razão, Marvin nunca demonstrou dificuldades enquanto pude observar. Marcus tem óculos sem grau que ele usa por ver o irmão usando, demonstra a influência que o irmão exerce para ele. Marcus interage mais com as professoras que já conhece e que lhe ensinaram do que interage com os colegas, isso pode se dar devido a segurança e amparo que traz a imagem de uma pessoa adulta. - Apêndice D 4° Dia de observação (08/04/22, 15h-17h) Observadora A: L seguiu mostrando seu amplo domínio da linguagem verbal quando sozinha com outras crianças, mais uma vez utilizando-se de tal conhecimento acima da média para exercer certo tipo de influência sobre as outras crianças. Durante o jantar, começou comendo sozinha, mas passou a solicitar a ajuda das auxiliares quando notou outras crianças recebendo a comida na boca, momento em que a troca de fonemas e expressões faciais de descontentamento foram notáveis. Enquanto aguardava o banho, L estava quieta, sem comunicar-se com as tias ou com as outras crianças, comportamento que permaneceu durante a aula de inglês, onde a mesma costuma ficar calada por não ter tanto domínio da língua quanto os outros colegas. Após a aula, L brincava sozinha com uma boneca em uma mesa afastada das professoras, momento que foi possível observar a utilização gramaticalmente correta de todas as suas palavras, mostrando um repertório impressionante para sua idade, 3 anos. Observadora B: Por precisar de ajuda para andar pela creche, já que ele anda mais devagar, Marcus se aproxima mais das professoras, enquanto Marvin se aproxima mais dos colegas. Nesse dia pude perceber os dois fazendo muito mais uso da linguagem durante as interações do que em todos os outros dias, usando mais palavras, conversando entre si, Marvin formava frases mais concisas e com mais frequência do que pude perceber nos outros dias. Foi a primeira vez que vi o Marcus comendo sozinho na hora da refeição, com um pouco de dificuldade, pois geralmente as professoras e auxiliares sempre lhe ajudam, enquanto Marvin faz sozinho sem problemas. Marvin fez questão de ir mostrar para as funcionárias do refeitório o seu prato vazio depois de comer toda a comida, e depois de ver o irmão, Marcus fez a mesma coisa. - Apêndice E 12 5° Dia de observação (12/04/22, 15h-17h) Observadora A: L não compareceu à creche. Pode-se notar um vácuo na liderança entre as crianças, que costumavam aceitar quando a mesma se colocava como líder das demais. Observadora B: Maior entrosamento dos gêmeos entre si, brincaram e passaram mais tempo que o decostume juntos, já que várias vezes o Marvin prefere brincar com os outros colegas da turma. Às vezes se distanciam, quando Marvin sai explorando os cantos da sala com brinquedos e Marcus fica sentado no chão, mas eles apreciam muito usar os mesmos brinquedos. Mais uma vez Marcus demonstra ter dificuldades para pedir pra usar o banheiro, inclusive, as professoras notam a necessidade de que ele continue usando fraldas para não sujar a farda, já o irmão não usa mais. Notável diferença nos níveis de comunicação entre os dois. Marvin apresenta mais desenvoltura para conversar e brincar com o colegas e com as professoras, e já Marcus se mantém a usar a linguagem quase apenas com seu gêmeo, e mais frequentemente apenas imitar o que Marvin falou ou repetir o nome do irmão, não o vi formar frases como o outro. - Apêndice F 6° Dia de observação (14/04/22, 15h-17h) Observadora A: No último dia de observação, L novamente chorou por alguns minutos pedindo por seu pai, trocando diversos fonemas e fazendo as birras características de sua idade. Quando notou que não estava recebendo muita atenção, foi até a professora e ficou abraçada nas pernas da mesma, que seguiu sua conversa normalmente com outra adulta. Após isso, L desvencilhou-se da professora e voltou a brincar, mais uma vez tomando para si o papel de líder entre as outras crianças e utilizando uma gramática excepcional para sua idade. Pude notar certa confusão nas demais crianças, que por vezes não conheciam uma palavra que L falava, o que deixava a mesma estressada, levando-a a bater o pé no chão e utilizar-se da troca de fonemas novamente. Enquanto esperava o banho, L conversava sobre presentes que ganhou de seu pai com a professora, sempre com olhos bem abertos, expressões corporais abrangentes e grande troca de fonemas, e passou a falar mais alto quando notou que eu a estava observando. Após o banho, veio relatar para mim e para a outra observadora como era sua casa e que brinquedos tinha, sem gaguejar uma única vez 13 e utilizando palavras incomuns em sua faixa etária, mas com diversas trocas de fonemas e expressões faciais exageradas. Observadora B: Marcus demonstra ser uma criança com comportamentos majoritariamente não-verbais, costuma se utilizar muito mais de risos e linguagem corporal para se expressar, graças a competência dos funcionários, não passa por nenhum desamparo por essa falta de comunicação, só acontece realmente quando é algo que dependa inteiramente dele, por exemplo, pedir para ir ao banheiro quando precisa. Em questão de conversa, percebo que Marcus mais imita o que ouve do que elabora falas. Provavelmente, pode ser esse o motivo que ele demonstra bom desempenho e foco na aula de inglês, cuja maior parte da dinâmica se dá nas crianças ouvirem o que a professora diz e fazerem a repetição, de palavras, e músicas, o reforço positivo ao repetir corretamente as palavras em inglês o torna mais íntimo da matéria. Marvin fala mais por si e muitas vezes é a grande influência entre os colegas da turma, pois não é apenas seu irmão que lhe acompanha em suas ideias, que algumas vezes são até perigosas. Devido a essa maior expressividade, ele acaba se mostrando mais mais agitado e desobediente, não só em comparação com seu irmão, que nem sempre o acompanha nas inquietações, mesmo sendo bastante sugestionado por ele, mas com o restante dos alunos da turma também. Há sempre outros amigos que o acompanham. Por esse motivo, Marcus acaba brincando sozinho muitas vezes, coisa que não parece ser problema nenhum para ele. Como já foi observado, também por causa de seu problema auditivo, Marvin algumas vezes não responde muito bem a repreensões e/ou ordens, sendo necessário que a professora fale mais alto com ele, mas algumas vezes é perceptível que ele não obedece simplesmente por não querer. 14
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