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Autores: Prof. Alexandre Torchio Dias Profa. Enny Fernandes Silva Prof. Flávio Buratti Gonçalves Colaboradoras: Profa. Mari Luminosa Muler Profa. Christiane Mazur Doi Bioquímica Clínica Professores conteudistas: Alexandre Torchio Dias / Enny Fernandes Silva / Flávio Buratti Gonçalves © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D541b Dias, Alexandre Torchio. Bioquímica Clínica / Alexandre Torchio Dias, Enny Fernandes Silva, Flávio Buratti Gonçalves. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Controle. 2. Exame. 3. Marcadores. I. Dias, Alexandre Torchio. II. Silva, Enny Fernandes. III. Gonçalves, Flávio Buratti. IV. Título. CDU 577.1 U511.09 – 21 Alexandre Torchio Dias Graduado em Ciências Biológicas/Modalidade Médica (Bacharel em Biomedicina) pela Universidade de Mogi das Cruzes (2002), é especialista em Genética Médica e Citogenética pelo IAMSPE (2004), especialista em Administração Hospitalar pelo IPESSP/UNICID (2011) e doutor em Ciências, na área de Citogenômica, pelo Programa de Patologia pela FMUSP (2015). Atualmente é docente titular da UNIP. Enny Fernandes Silva Graduada em Ciências Biológicas, modalidade médica, pela Unisa (1981), possui especialização em clonagem em Bacillus subtillis pelo Public Heath Department of the City of New York (1982), mestrado em Bioquímica, na área de Biologia Celular e Molecular (1989) e doutorado em Bioquímica, na área de Biologia Celular e Molecular (2003), ambos pela USP. Tem pós-doutorado em andamento na Faculdade de Medicina da USP com Dr. Roger Chammas, na área de adesão celular, e foi chefe de Departamento da Engenharia Química da FAAP (1994-2000). Foi professora do IPESP na área de Bioquímica Básica e Clínica. Atualmente é docente titular da UNIP. Flávio Buratti Gonçalves Biomédico graduado pela UMC (1996), especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela FMUSP, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000) e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP (2017). Possui habilitação nas áreas de Análises Clínicas, Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Saúde Pública. Atualmente é docente titular da UNIP, além de membro do Banco de Avaliadores (BASis) do INEP. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Talita Lo Ré Vera Saad Sumário Bioquímica Clínica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 BASES DA BIOQUÍMICA CLÍNICA E SUAS APLICAÇÕES NOS FLUIDOS CORPORAIS: COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA OS ENSAIOS BIOQUÍMICOS .............................................. 11 1.1 Tipos de amostras e contextualização pré-analítica no laboratório de bioquímica ................................................................................................................................................ 11 1.2 Coleta de sangue venoso a vácuo ................................................................................................. 15 1.3 Como separar e armazenar o soro ................................................................................................ 19 1.4 Recomendações do CLSI (international clinical laboratory standardization) para a sequência de tubos na coleta de sangue venoso a vácuo ............................................ 19 2 MÉTODOS ANALÍTICOS .................................................................................................................................. 24 2.1 Reações colorimétricas e cinéticas (com ou sem coenzimas) em equipamentos semiautomatizados, automatizados e manuais .............................................................................. 24 2.2 Fotometria ............................................................................................................................................... 27 2.3 Quimioluminescência e eletroquimioluminescência ............................................................. 27 2.4 Ensaios imunoenzimáticos: marcadores tumorais, drogas terapêuticas e de abuso............. 29 2.4.1 Marcadores tumorais ............................................................................................................................ 30 2.4.2 Drogas terapêuticas ou de abuso ..................................................................................................... 30 2.5 Eletroforese: princípios e equipamentos .................................................................................... 35 2.5.1 Aplicação à determinação de diferentes constituintes, eletroforese de proteínas, hemoglobina e lipoproteínas ........................................................................................................................ 40 3 INTRODUÇÃO AO CONTROLE DE QUALIDADE ..................................................................................... 44 3.1 Controles internos e externos no laboratório de bioquímica e boas práticas laboratoriais .................................................................................................................................. 45 3.1.1 Controle interno da qualidade .......................................................................................................... 46 3.1.2 Controle externo da qualidade ......................................................................................................... 46 3.2 Métodos estatísticos de controle ................................................................................................... 47 4 PERFIL BIOQUÍMICO RENAL E DOS FLUIDOS CORPORAIS .............................................................. 54 4.1 Estrutura microscópica dos rins e filtração renal .................................................................... 55 4.2 Biomarcadores de função e lesão renal ...................................................................................... 57 4.2.1 Creatinina ................................................................................................................................................... 57 4.2.2 Ureia ............................................................................................................................................................. 58 4.2.3 Ácido úrico ................................................................................................................................................ 60 4.2.4 Microalbuminúria ................................................................................................................................... 60 4.3 Avaliação da função renal em termos laboratoriais ..............................................................61 4.3.1 Secreção tubular e filtração glomerular ........................................................................................ 61 4.3.2 Equação de Cockcroft-Gault .............................................................................................................. 62 4.3.3 Equação MDRD (modification of diet in renal disease) .......................................................... 63 4.3.4 Equação CKD-EPI (chronic kidney disease epidemiology collaboration) ......................... 64 4.3.5 Equação de Schwartz (específica para crianças) ....................................................................... 64 4.3.6 Clearance de inulina .............................................................................................................................. 65 4.4 Marcadores séricos para monitoramento de doenças renais ............................................. 65 4.5 O exame de urina tipo 1: aspectos fisico-químicos ............................................................... 67 4.5.1 Exame de características físicas ........................................................................................................ 67 4.5.2 Exame de características químicas .................................................................................................. 68 4.6 Líquidos cavitários ............................................................................................................................... 74 4.6.1 Análise bioquímica dos principais líquidos cavitários ............................................................. 75 Unidade II 5 PERFIL BIOQUÍMICO HEPÁTICO E PANCREÁTICO ............................................................................... 84 5.1 Perfil hepático ........................................................................................................................................ 84 5.2 Sistema hepatobiliar: as bilirrubinas e as doenças correlatas ........................................... 88 5.3 Marcadores de função hepática ..................................................................................................... 90 5.4 Perfil pancreático (pâncreas endócrino e exócrino) ............................................................... 91 5.4.1 Avaliação do funcionamento do pâncreas endócrino e exócrino ...................................... 93 5.4.2 Principais doenças associadas: hipoglicemias e hiperglicemias, diabetes, intolerância à glicose, fibrose cística e pancreatite ............................................................................. 95 5.4.3 Exames do pâncreas exócrino: importância clínico-laboratorial das determinações enzimáticas da amilase e lipase ..................................................................................101 5.4.4 Exames laboratoriais do pâncreas endócrino: testes de tolerância a glicose, frutosamina, hemoglobina glicada e glicemia ................................................................102 6 PERFIL BIOQUÍMICO CARDÍACO E LIPÍDICO .......................................................................................108 6.1 O infarto agudo do miocárdio (IAM) ..........................................................................................108 6.2 Vantagens e desvantagens dos testes bioquímicos .............................................................114 6.3 Dislipidemias, aterosclerose e IAM ..............................................................................................115 Unidade III 7 PERFIL BIOQUÍMICO DAS ENFERMIDADES ÓSSEAS ........................................................................128 7.1 Metabolismo dos íons (cálcio e fósforo) ...................................................................................128 7.1.1 Metabolismo do cálcio ...................................................................................................................... 128 7.1.2 Metabolismo do fósforo .....................................................................................................................131 7.2 Patologias mais comuns ligadas ao metabolismo de cálcio e fósforo .........................133 7.2.1 Osteoporose ........................................................................................................................................... 133 7.2.2 Osteomalácia ......................................................................................................................................... 134 7.2.3 Raquitismo ............................................................................................................................................. 135 7.3 Marcadores bioquímicos de metabolismo ósseo atualmente em uso ..........................136 7.3.1 Marcadores de reabsorção óssea ................................................................................................... 136 7.4 Perfil funcional tireodiano: triiodotironina total e livre, tetraioiodotironina e calcitonina.................................................................................................................................................137 7.4.1 Patologias relacionadas com o funcionamento da tireoide ............................................... 138 7.5 Perfil funcional das paratireoides e situações patológicas: hipoparatireodismo e hiperparatireodismo .......................................................................................143 7.6 Metabolismo do ferro .......................................................................................................................145 7.6.1 Absorção e metabolismo do ferro ................................................................................................. 145 7.6.2 Biossíntese e catabolismo do heme ............................................................................................. 147 7.6.3 Avaliação laboratorial do ferro ...................................................................................................... 147 7.6.4 Correlações clínicas do perfil do ferro em algumas doenças ............................................ 149 8 MARCADORES TUMORAIS .........................................................................................................................153 8.1 Vias de sinalização .............................................................................................................................155 8.2 Diagnóstico ...........................................................................................................................................155 8.2.1 Marcadores tumorais (MT) ............................................................................................................... 156 9 APRESENTAÇÃO O assunto da presente disciplina corresponde a uma das principais áreas de atuação do profissional. Com o maior quantitativo e menu de testes laboratoriais, essa ciência permite uma visão integrada do paciente, evidenciando doenças e confirmando suspeitas clínicas do médico assistente. Dado tal cenário, este livro-texto aborda as bases fundamentais da área, desde a coleta de um material biológico até os critérios de qualidade laboratorial. Aprofunda, ainda, os conhecimentos do metabolismo humano aplicado à clínica médica, avaliando-se os perfis hepáticos, pancreáticos, cardíacos, lipídicos, tireoidiano e ósseo, além do metabolismo do ferro e os marcadores tumorais no contexto das doenças humanas (como diabetes, dislipidemias, coronariopatias, doenças autoimunes e câncer). Por meio deste livro-texto, o aluno poderá compreender melhor o funcionamento de diferentes órgãos e a fisiopatologia das doenças, realizando a adequada interpretação clínica dos resultados dos exames laboratoriais bioquímicos e contribuindo, dessa forma, para o diagnóstico, o prognóstico e mesmo a terapêutica dos nossos pacientes. INTRODUÇÃO Pode-se dizer que a bioquímica estuda a química da vida. Em cada célula existente há várias reações químicas de síntese(anabolismo), de degradação (catabolismo), ou intermediárias entre esses dois processos (metabolismo). Dessa forma, o estudo do metabolismo pode explicar como está a saúde de uma célula. A forma mais simples de entender o funcionamento celular é analisar as reações químicas por intermédio da quantificação de biomoléculas como enzimas que catalisam as reações metabólicas, dos substratos e dos produtos. Entre os materiais biológicos que podem ser analisados, podemos citar o sangue, a urina e o liquor, já entre os analitos temos a glicose, o colesterol e a ureia, além de enzimas, como transaminases, no sangue. Como sabemos o valor de referência de cada enzima, podemos analisar sua hiperfunção ou hipofunção (também chamada de biomarcador), quantidade de substrato e de produto e, por conseguinte, da reação. Avaliando-se as reações particulares de cada órgão, saberemos o que está ocorrendo com sua função principal, chamando-as de perfil renal, perfil cardíaco, perfil hepático etc. Exames de imagem, como a tomografia, ajudam o médico a interpretar o funcionamento do corpo sem a necessidade imediata de uma cirurgia, no entanto, os exames de bioquímica mostram-se fundamentais para se chegar a um diagnóstico. Além disso, sabe-se que algumas doenças são silenciosas, e, por vezes, os exames periódicos ou de check-up são os únicos que podem prevenir ou diagnosticar o início de um desenvolvimento danoso a fim de que o tratamento seja mais eficaz. 10 No laboratório de análises clínicas, temos testes de rotina e outros mais complexos, como os que usam DNA, RNA e hormônios, colaborando com outros exames realizados em setores como hematologia, microbiologia, imunologia, endocrinologia, parasitologia e uroanálise. Antigamente todos os procedimentos eram manuais, mas atualmente a maioria é automatizada. Entretanto, caso ocorra algum problema de manutenção no aparelho, será imprescindível a participação do profissional do laboratório clínico. Vale acrescentar ainda que aparelhos sofisticados, sensíveis e técnicas avançadas ajudam a garantir a minimização de erros analíticos e a confiança nos resultados obtidos. 11 BIOQUÍMICA CLÍNICA Unidade I 1 BASES DA BIOQUÍMICA CLÍNICA E SUAS APLICAÇÕES NOS FLUIDOS CORPORAIS: COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA OS ENSAIOS BIOQUÍMICOS 1.1 Tipos de amostras e contextualização pré-analítica no laboratório de bioquímica No contexto das análises clínicas, a bioquímica clínica é um dos setores com uma das maiores demandas de exames a serem realizados rotineiramente. No que tange aos materiais biológicos que podem ser utilizados para tais avaliações, podemos destacar: • sangue total; • plasma; • soro; • liquor; • líquidos especiais (sinovial, pleural, ascitico); • saliva; • urina; • sêmen. Vejamos agora as características das principais amostras biológicas citadas e os principais cuidados na obtenção/coleta desse tipo de material (mas não se esqueça de rever o conteúdo da disciplina sobre fluidos corporais, ele será de grande valia para a bioquímica clínica!). O soro é obtido após a centrifugação do sangue coletado em tubo seco (tubo de tampa vermelha com ativador de coágulo). Devido à formação do coágulo, o soro não contém os fatores da coagulação ou o fibrinogênio. O plasma é obtido após a centrifugação do sangue coletado em tubo com anticoagulante, seja ele EDTA, citrato de sódio ou heparina. A presença do anticoagulante inibe a formação do coágulo. No plasma estão presentes os fatores da coagulação e o fibrinogênio. 12 Unidade I Logo depois da coleta, os tubos precisam ser homogeneizados delicadamente por inversão para que o anticoagulante se misture corretamente na amostra. Idealmente, as amostras sanguíneas normais precisam ser processadas em até quatro horas após a coleta, e as anormais em até uma hora. O desafio do laboratório é saber se a amostra é adequada ou não: ele deve indicar um protocolo que defina o tempo em que as amostras foram processadas, o qual deve ser o mais rápido possível. Habitualmente, o processo de coagulação se completa em um intervalo de 30 a 60 minutos, dependendo de fatores como o tipo de tubo utilizado e a temperatura ambiente (de 22 °C a 25 °C). Atualmente, a incorporação de ativadores ou aceleradores da coagulação nos tubos permite um processo mais rápido, ou seja, em menor tempo e igualmente eficiente. A estabilidade da amostra e o intervalo de tempo entre a coleta e a centrifugação dos tubos coletados são os fatores que determinarão se o material deverá ser rapidamente centrifugado na própria unidade central do laboratório. A definição do tempo ideal, desde o momento da coleta até a separação do soro ou plasma, ainda é uma questão que divide opiniões na literatura, no entanto, de modo geral, esse intervalo está entre uma e duas horas. Vale lembrar que se deve evitar uma centrifugação prematura, por exemplo, para a obtenção de soro, pois há a chance de haver a formação contínua de fibrina, que pode obstruir o dispositivo de pipetagem (probe) do equipamento. O liquor, também conhecido como líquido cefalorraquidiano, está localizado no cérebro e na medula e preenche os ventrículos cerebrais, o espaço subaracnóideo craniano e raquidiano, além do canal da medula. Tem também a função de proteger o encéfalo e a medula espinal de impactos, amortecer e distribuir substâncias nutritivas do encéfalo e da medula espinal. O exame e a análise do liquor fornecem informações importantes em relação ao diagnóstico etiológico (meningites, encefalite e hemorragias) e ao acompanhamento dos processos inflamatórios, infecciosos e neoplásicos dos órgãos envolvidos por ele. Esse exame compreende a análise dos aspectos físicos, bioquímicos e citológicos, e, em geral, todas essas análises são realizadas em laboratórios especializados, normalmente hospitalares. O líquido sinovial é encontrado nas cavidades articulares (ombro, joelho, cotovelo e joelho) e tem como função lubrificar, proteger, transportar nutrientes e remover impurezas do espaço articular. Há uma pequena quantidade de líquido nas articulações, sintetizado pelas células sinoviais, que estão localizadas na membrana sinovial. É formado a partir do ultrafiltrado do plasma acrescido de uma substância chamada ácido hialurônico, proteínas de alto peso molecular, como fibrinogênio e globulinas responsáveis pela viscosidade, glicose e ácido úrico. A análise do líquido sinovial possibilita avaliar o estado da membrana sinovial, determinar o grau de atividade inflamatória articular, investigar a etiologia da doença (como a artrite séptica e sinovite induzida por cristais), além de verificar a presença de hemartrose e obter orientação para o tratamento. A análise compreende as etapas de exame macroscópico, no qual são analisados cor, aspecto e viscosidade; já o exame microscópico engloba a contagem total de hemácias e leucócitos, a contagem diferencial de leucócitos e a pesquisa de cristais, além da análise bioquímica, na qual são dosadas as concentrações de glicose, proteína, ácido úrico e LDH. 13 BIOQUÍMICA CLÍNICA O líquido pleural está localizado entre a pleura parietal e a pleura visceral dos pulmões e tem um volume normal de, aproximadamente, 30 mL. Assim como todos os outros líquidos, a formação do derrame pleural indica que houve alterações nas forças coloidosmótica e hidrostática, modificando o equilíbrio e acarretando o acúmulo do líquido entre as membranas. Várias causas estão relacionadas à formação do derrame pleural, entre elas, infecções bacterianas, hemotórax, tuberculose e neoplasias. Vale destacar ainda que a diferenciação entre transudato e exsudato permite identificar se o processo patológico é local ou não. A análise laboratorial é dividida em características gerais (volume, aspecto, cor, coágulo e densidade); a análise química inclui as dosagens de proteínas, glicose, LDH e pH; a análise microscópica inclui a contagem de leucócitos e a contagem diferencial e de hemácias; a análise citológica, porfim, avalia a presença de células malignas. O líquido peritoneal, ou líquido ascético, é o líquido acumulado dentro da cavidade peritoneal. Assim como todos os líquidos cavitários, a causa para a sua formação costuma estar ligada ao desequilíbrio das forças entre vasos, capilares e tecidos, mas também pode estar relacionada a alguns distúrbios hepáticos, como cirrose, peritonite, perfuração do apêndice e neoplasias. A urina, líquido orgânico que contém substâncias metabólicas a serem eliminadas, tem sua formação nos rins, sendo postereriomente coletada na bexiga e, por fim, expelida pela uretra. Dentro da rotina clínica e laboratorial, o exame de urina é um dos mais pedidos hoje, independentemente da especialidade médica ou condição do paciente, fazendo dele um importante exame de triagem ou para uma condição já estabelecida. Podemos encontrar vários sinônimos para o exame de urina de rotina, como: urina tipo I, exame de urina, sumário da urina, urina simples, análise físico-química da urina e do sedimento, elementos anormais e sedimentoscopia (EAS), exame químico da urina (EQU) e pesquisa de elementos anormais e sedimento (PEAS). O mais utilizado na prática clínica parece ser o exame de urina de rotina. A análise do líquido seminal, ou espermograma, é um exame que avalia a capacidade reprodutiva dos homens, o funcionamento dos testículos e a saúde da próstata e da vesícula seminal, auxiliando na investigação de uma possível infertilidade. A conclusão sobre as informações da avaliação da saúde reprodutiva do homem só deve ser feita após a análise de, no mínimo, dois espermogramas, pois existem alterações biológicas, como febre, e fatores externos, como medicamentos e drogas, que podem gerar discrepância nas análises. Para Motta, Corrêa, Motta (2001) e Lopes (2003), a influência dos fatores de erros não analíticos está relacionada às condições que alteram o resultado dos testes, mas que não estão ligadas ao problema pelo qual o exame foi solicitado. As variações pré-analiticas não fisiológicas podem estar relacionadas à coleta, ao transporte e ao armazenamento das amostras. Para evitar tais erros, que acabam por levar a problemas na interpretação dos resultados, os laboratórios clínicos devem definir claramente quais as variáveis a serem avaliadas a fim de melhor atender a demanda de seus pacientes. A fase pré-analitica necessita de realizações e cuidados na detecção, na classificação e na adoção de medidas para a redução das falhas. Diversos processos pré-analiticos devem ser cumpridos antes 14 Unidade I da análise das amostras. Esses processos podem ser aprimorados pela disponibilização de instruções escritas ou verbais, em linguagem simples, e orientações quanto ao preparo e à coleta da amostra, com o objetivo de facilitar o entendimento de tudo pelo paciente. De forma simples, listamos a seguir alguns importantes aspectos a serem observados objetivando a implementação de um sistema que garanta uma adequada obtenção de amostras/coleta de material biológico para a realização de quaisquer exames laboratoriais e, em especial, para a realização dos exames de bioquímica clínica: • Preparação do paciente: transmitir de forma clara e objetiva as instruções necessárias à preparação correta do paciente antes da coleta, quando exigido. Exemplo: coleta de urina de 24 horas, jejum obrigatório de x horas, restrição alimentar. • Coleta de material: especificar o material a ser colhido (sangue venoso, arterial, capilar, plasma, soro, sangue total, urina rotina, urina de 24 horas etc.). • Horário da coleta: se aplicável, informar o horário da coleta. • Identificação efetiva do paciente. • Identificação correta da amostra colhida. • Cuidados especiais na manipulação e no armazenamento da amostra biológica. • Registro da identidade do colhedor ou receptor da amostra. • Descarte seguro do material empregado na coleta. • Preenchimento correto do cadastro do paciente. Após a chegada das amostras ao laboratório, ocorre a fase de processamento e preocupação com a sua qualidade, que tem o propósito de identificar prováveis distorções nos métodos analíticos a serem empregados e minimizar o risco de obtenção de resultados ilegítimos. Algumas amostras serão rejeitadas por exibir interferentes, como hemólise ou lipemia, exigindo o pedido de nova coleta. Outras serão aceitas, ainda que haja alguma condição inadequada, que deverá ser registrada no laudo para avaliação do resultado pelo clínico. Amostras inapropriadamente identificadas não devem ser aceitas ou processadas, exceto quando forem de complexa aquisição, instáveis ou críticas, como biópsias, líquidos de derrame, líquido cefalorraquidiano, material coletado por punção de sítios profundos, medula óssea, entre outras. Nesses casos, para garantir a rastreabilidade, o laboratório deve ter um processo para receber as amostras, com o reconhecimento do encarregado pela coleta (seja ela efetuada no laboratório ou por terceiros), 15 BIOQUÍMICA CLÍNICA e oferecer os resultados para, quando necessário, corrigir a identificação com o uso de dados que autorizem rastrear esse processo. Os parâmetros de aceitação e rejeição de amostras, tal como a produção de análises em amostras com limitações, são estabelecidos em procedimentos documentados. Deve existir o registro adequado das amostras não conformes com os critérios de aceitação predefinidos. O laboratório deve garantir que os testes realizados com amostras fora dos critérios ideais ou coletadas sem o devido preparo tenham essa condição apontada no laudo, de maneira a aumentar as precauções para a explicação do resultado, quando isso for apropriado. Deve haver, portanto, registros que reconheçam o responsável pela permissão dos diagnósticos realizados em amostras com restrições (ANDRIOLO et al., 2010). Como já citado, entre as inúmeras amostras biológicas que podem ser utilizadas para dosagens bioquímicas, a amostra de sangue obtida por coleta venosa e o posterior fracionamento da amostra de sangue total em plasma ou em soro são indubitavelmente as mais utilizadas, motivo pelo qual decidimos apresentar a seguir uma breve revisão dos procedimentos que envolvem a coleta de sangue venoso, sobretudo pelo método a vácuo, o mais utilizado no momento por suas vantagens técnicas e eficiência na obtenção de amostras com menor índice de hemólise. Também apresentaremos a seguir um recordatório dos principais tubos que são utilizados na coleta de sangue venoso com os principais anticoagulantes e seus mecanismos de ação seus constituintes. 1.2 Coleta de sangue venoso a vácuo A punção sanguínea pode ser executada pelo sistema a vácuo e por seringa e agulha. Na primeira situação, mais comum atualmente, antes da técnica de coleta, compete ao flebotomista checar o nome completo do paciente com o nome impresso nos tubos e fazer a higienização das mãos. A coleta tem início com a preparação do material. Logo após garrotear o braço a 4 cm acima do local escolhido para a coleta, deve-se pedir ao paciente que feche a mão. A técnica segue com a escolha da veia, que deve ser apalpada com o dedo indicador. Após realizar a assepsia, espere secar e rosqueie a agulha no adaptador do sistema a vácuo. Em seguida, insira a agulha em uma angulação oblíqua de 30°, com o bisel da agulha revertido para cima. Coletam-se todos os tubos no mesmo instante, solta-se o garrote e, só depois, retira-se a agulha. A fim de prevenir hematomas, deve-se fazer a compressão com o algodão. Para concluir, é importante trocar o algodão por uma bandagem séptica A coleta de sangue com seringa e agulha é a técnica mais antiga para obter sangue venoso, sendo também usada para aplicar medicamentos. Essa técnica oferece risco para o profissional de saúde, que, além de manipular o sangue, deve também descartá-lo. Por isso, por motivos de segurança, a punção venosa feita com seringa e agulha deve ser dispensada. Essas são as normas do manual CLSI (2008) do Clinical & Laboratory StandardsInstitute (CLSI), antigo National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS), um roteiro de padronização que teve os direitos autorais em português adquiridos pela Anvisa. No entanto, na prática, ainda ocorrem casos de coleta de sangue com seringa e agulha, basicamente em pacientes pediátricos e geriátricos. 16 Unidade I Quando a punção é processada com seringa e agulha, o sangue deve correr para o interior da seringa sem que seja necessário realizar qualquer esforço para puxar o êmbolo da seringa. Quando isso não ocorre, o turbilhamento provocado pelo esforço causa modificações celulares. Terminada a punção, a agulha deve ser removida da seringa e o sangue passado aos tubos, cumprindo a proporção de sangue e anticoagulante. A seguir, veja o passo a passo para a coleta de sangue a vácuo. • Verifique se a cabine da coleta está limpa e abastecida para iniciar as coletas. • Solicite ao paciente que diga seu nome completo para a confirmação do pedido médico e das etiquetas. • Confira e ordene todo o material a ser usado no paciente de acordo com o pedido médico (tubos, gaze, torniquete etc..). • Realize a identificação dos tubos na frente do paciente. • Informe-o (paciente) sobre a técnica a ser utilizada. • Abra o lacre da agulha de coleta múltipla de sangue a vácuo na frente do paciente. • Rosqueie a agulha no adaptador do sistema a vácuo. • Higienize as mãos. • Coloque as luvas. • Posicione o braço do paciente inclinado para baixo, na altura do ombro. • Insira o primeiro tubo a vácuo. Quando o sangue começar a fluir para dentro do tubo, desgarroteie o braço do paciente e peça para que abra a mão. • Realize a troca dos tubos sucessivamente. • Procure homogeneizar o tubo imediatamente após a retirada de cada um, invertendo-o suavemente de cinco a 10 vezes, conforme recomendado pelo fabricante dos tubos. • Após a retirada do último tubo, retire a agulha e faça a compressão no local da punção com algodão ou gaze seca. • Exerça pressão no local (em geral, de um a dois minutos), evitando a formação de hematomas e sangramentos. Se o paciente estiver em condições de fazê-lo, oriente-o adequadamente para que faça pressão até que o orifício da punção pare de sangrar. 17 BIOQUÍMICA CLÍNICA • Descarte a agulha imediatamente após a remoção do braço do paciente em recipiente para materiais perfurocortantes. • Faça um curativo oclusivo no local da punção. • Oriente o paciente para que não dobre o braço, não carregue peso ou bolsa a tiracolo no mesmo lado da punção por, no mínimo, uma hora, e não mantenha a manga da roupa dobrada, o que poderia funcionar como um torniquete. • Verifique se há alguma pendência, fornecendo orientações adicionais ao paciente, se necessário. • Certifique-se das condições gerais do paciente, perguntando se está em condições de locomover-se sozinho. • Entregue o comprovante de coleta com a data provável do resultado e libere o paciente. • Coloque as amostras em local adequado ou as encaminhe imediatamente para o processamento em casos indicados (como materiais que necessitam ser mantidos em gelo), de acordo com o procedimento operacional do laboratório. Um dos problemas que podem prejudicar a coleta, tanto de tubo a vácuo quanto de seringa, é o colabamento da veia devido à inserção incorreta da agulha ou à posição incorreta do bisel (na ponta da agulha, há uma abertura oblíqua em aresta ou quina, um chanfro ou chanfradura). O bisel pode aderir à parede superior ou inferior da veia, impedindo que o sangue flua e gerando o colabamento. A agulha pode ser inserida além da veia ou pode ser parcialmente inserida, provocando o extravasamento de sangue no tecido, ou o deslizamento da veia, quando a agulha escorrega para o lado e não penetra na veia. No caso de colabamento da veia puncionada, aconselha-se virar lenta e cautelosamente a agulha para que o bisel fique desobstruído. Em caso de colabamento venoso, remova ou afrouxe o torniquete para liberar o restabelecimento da circulação. Em seguida, retroceda um pouco a agulha para que o fluxo sanguíneo seja desobstruído. Não são aconselháveis os movimentos de busca aleatória da veia, pois podem ser dolorosos e gerar perfurações arteriais, acarretando em hematoma, pressão do nervo ou lesão direta do nervo. Se o tubo usado falhar por qualquer defeito (por exemplo, por falta de vácuo), procure coletar o material com outro tubo. Não é aconselhável que o mesmo flebotomista tente mais de uma vez uma venopunção. Se possível, outra pessoa deve ser solicitada para completar a coleta no paciente ou o médico deve ser informado (ANDRIOLO et al., 2010). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), os hematomas são o derramamento de sangue abaixo da pele e têm incidência de 2% a 3% em uma coleta de sangue, sendo as causas mais comuns de ocorrência: venopuntura imperfeita ou gorada, punção da pele em ângulo muito grande e saindo da veia, dupla punção da veia com agulha durante a doação e pressão insuficiente após a doação. 18 Unidade I Observação Se você sofrer uma picada com agulha ou outro ferimento a partir de material cortante, ou, ainda, se seus olhos, nariz, boca ou pele lesionados forem expostos, lave imediatamente a área com água, limpe a pele com sabão antisséptico e água, relate o acidente imediatamente ao supervisor, funcionário de controle de risco ou outra pessoa indicada e procure orientação médica. Qualquer lesão cutânea deve ser imediatamente lavada. Logo depois da coleta, os tubos precisam ser homogeneizados delicadamente por inversão para que o anticoagulante se misture corretamente na amostra. Idealmente, as amostras sanguíneas normais precisam ser processadas em até quatro horas após a coleta, e as anormais em até uma hora. O desafio do laboratório é saber se a amostra é adequada ou não. Ele deve indicar um protocolo que defina o tempo em que as amostras foram processadas, e esse tempo deve ser o mais rápido possível. Os tipos de amostras sanguíneas colhidas para análise são o soro, que é a parte líquida do sangue obtido quando coletado em tubo sem aditivo após a centrifugação; e o plasma, que é a parte líquida do sangue adquirido quando coletado em tubo com anticoagulante e após a centrifugação. Na amostra de sangue total, o sangue mantém suas propriedades próximas à normalidade, alcançado quando coletado em tubo com anticoagulante, e não sofre o processo de centrifugação. Conforme a análise, o exame poderá ser feito no sangue total (exemplo: hemograma); no plasma (exemplo: glicose e provas de coagulação) e no soro (exemplo: bioquímicos e sorológicos). Quando a análise for efetuada no soro, este será obtido por meio da coleta em tubo sem anticoagulante (seco), para que aconteça o processo de coagulação. Quando se planeja fazer a análise no plasma, a amostra deverá ser obtida em tubo de ensaio, incluindo um anticoagulante específico. Dessa forma, não ocorre a coagulação, pois o anticoagulante atrapalha um dos fatores da coagulação (geralmente, o cálcio), dificultando a formação do coágulo. A estabilidade da amostra e o intervalo de tempo entre a coleta e a centrifugação dos tubos coletados são os fatores que determinarão se o material deverá ser rapidamente centrifugado na própria unidade central do laboratório. A definição acerca do tempo ideal, desde o momento da coleta até a separação do soro ou plasma, ainda é uma questão que divide opiniões na literatura. No entanto, de modo geral, esse intervalo está entre uma e duas horas. Deve-se evitar uma centrifugação prematura, por exemplo, para a obtenção de soro, pois pode ocorrer a formação contínua de fibrina, que irá obstruir o dispositivo de pipetagem (probe) do equipamento. Habitualmente, o processo de coagulação completa-se em um intervalo de 30 a 60 minutos, na dependência do tipo de tubo utilizado, a temperatura ambiente de 22 °C a 25 °C. Atualmente, a incorporação de substâncias denominadas ativadores ou aceleradores da coagulação nos tubos permite que o processose complete em um intervalo de 15 a 30 minutos. As amostras devem ser identificadas com o nome completo do paciente, seu local de origem, o exame a ser realizado e a data da coleta. 19 BIOQUÍMICA CLÍNICA Deve ser enviada uma amostra para cada exame a ser realizado, com volume adequado, de forma a possibilitar o manuseio da amostra dentro do laboratório, e as amostras devem estar associadas de acordo com cada setor de processamento: Biologia Molecular, Sorologia, Microbiologia, Bioquímica etc. 1.3 Como separar e armazenar o soro Após a retração do coágulo, o soro pode ser separado de duas maneiras: espontânea ou mecânica. Para realizar a separação espontânea, siga os seguintes passos: • aspire e transfira cuidadosamente o soro para um tubo limpo, previamente identificado; • use uma pipeta Pasteur ou automática (cuidado para não tocar no coágulo a fim de que as células não se misturem com o soro); • guarde em geladeira por, no máximo, 72 horas, ou em congelador a – 20 °C, até o envio ao laboratório. Para realizara separação mecânica, os passos necessários são: • centrifugue o sangue por 10 minutos a 1.500 rpm; • retire o tubo após a completa parada da centrífuga; • aspire, transfira cuidadosamente e guarde o soro até o envio ao laboratório, conforme descrito na separação espontânea. 1.4 Recomendações do CLSI (international clinical laboratory standardization) para a sequência de tubos na coleta de sangue venoso a vácuo Por muito tempo, os tubos de vidro foram o padrão para retirar amostras de sangue nos laboratórios clínicos. Porém, devido ao aumento do interesse pela segurança dos profissionais dos laboratórios, além da necessidade de simplificar a eliminação de resíduos biológicos, novos tubos de plástico foram desenvolvidos. Os tubos de plástico possuem algumas vantagens em relação aos de vidro, como maior resistência a altas velocidades de centrifugação, menor criação de resíduos sólidos após a incineração e maior flexibilidade para uso em laboratórios automatizados e com manipulação de amostras por meio de sistemas robotizados. A sugestão para a sequência dos tubos durante a coleta é respaldada no CLSI H3-A6 (2007) e deve ser reconhecida para que não ocorra a contaminação cruzada dos anticoagulantes quando há coleta de vários analitos no mesmo indivíduo. Vale acrescentar que a mudança na sequência de tubos pode causar a contaminação por aditivos no tubo seguinte e produzir resultados alterados nos analitos, significativos nesse tipo de interferência. A ordem de coleta do CLSI foi, a princípio, alterada, considerando a coleta em 20 Unidade I tubos plásticos, pois os tubos plásticos para soro (tampa vermelha ou amarela com gel separador) incluem o ativador de coágulo, podendo causar variação nos resultados dos testes de coagulação. Correspondente a esse elemento, esses tubos devem ser colhidos após o tubo para coagulação (tampa azul). Observe a sequência de coleta para tubos plásticos pelo CLSI H3-A6 (2007): 1 – Frascos para hemocultura. 2 – Tubos com citrato de sódio (tampa azul). 3 – Tubos para soro com ativador de coágulo, com ou sem gel separador, para a obtenção de soro (tampa amarela e/ou vermelha). 4 – Tubos com heparina (tampa verde). 5 – Tubos com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) (tampa roxa). 6 – Tubos com fluoreto/EDTA (tampa cinza). Tubos de vidro Tubo seco Tubo citrato Tubo VHS Tubo seco Tubo gel Tubo heparina sódica Tubo EDTA K2/K3 Tubo fluoreto com EDTA K2/K3 Tubo VHS Tubo citrato Tubos de plástico Figura 1 – Ordem de coleta Podemos distinguir os seguintes tipos de anticoagulantes: • EDTA: anticoagulante que age em conjunto com o cálcio. Indicado para exames ligados à área de hematologia e tipagem sanguínea. Sua função é exercer a preservação de plaquetas. Frasco com tampa roxa. 21 BIOQUÍMICA CLÍNICA • Citratos: anticoagulantes que agem em conjunto com o cálcio, mas de forma diferente do EDTA. São utilizados nos exames de coagulação. Frasco com tampa azul. • Fluoretos: anticoagulantes que atuam em conjunto com o íon cálcio, sua utilização se destina a exame de glicemia por ser um inibidor enzimático, mantendo a glicose. Frasco com tampa cinza. • Heparina: anticoagulante produzido pelo fígado, que age diretamente na proteína trombina, impedindo a formulação da fibrina. Utilizado em exames de gasometria, hematologia e imunologia. Não é indicado para teste de coagulação, fosfatos e esfregaços para hemograma. Frasco com tampa verde. Segundo o CLSI, todos os tubos precisam ser homogeneizados por inversão, e o número de inversões pode mudar de acordo com o fabricante. Não se deve homogeneizar tubos de citrato fortemente devido ao risco de ativação plaquetária e distorção nos testes de coagulação. Lembrete Os profissionais precisam saber não só o que acontece se as medidas corretas não forem seguidas, mas também quais erros podem ocorrer, que efeito pode haver sobre a amostra e, principalmente, sobre o paciente. Observação A temperatura ambiente em laboratórios clínicos deve estar entre 20 °C e 26 °C para manter a estabilidade das reações sorológicas e a confiabilidade dos resultados. Importante reforçar que, além de todos os cuidados já apontados para uma coleta eficiente, a qual representará a certeza de um exame bem realizado com laudo adequado, devemos atentar também questões que envolvem a possibilidade de lipemia e de hemólise das amostras, situações que podem, indubitavelmente, trazer complicações para a realização dos exames e para a interpretação dos laudos. No contexto da bioquímica clínica, hemólise significa o rompimento da membrana da hemácia, ocasionando a liberação da hemoglobina e de outros elementos internos no líquido circundante. Ela pode ser criada in vivo e/ou in vitro. Enquanto a hemólise in vivo lembra uma situação clínico-patológica, a in vitro confirma erros na técnica de coleta, processamento, transporte ou armazenamento da amostra (como o uso prolongado do torniquete, o uso do sistema de coleta a vácuo e o transporte do sangue da seringa para o tubo sem remover a agulha). Embora as tecnologias de automação auxiliem na resolução de problemas relacionados à amostra, como sensores de coágulo e leitura de lipemia ou hemólise, a existência do coágulo prejudica o equipamento, causando obstrução no sistema. Por sua vez, a hemólise intensa também pode elevar 22 Unidade I a dosagem de hemoglobina e reduzir o número de hemácias com concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) aumentado. O termo lipemia, por sua vez, está ligado a uma série de ocorrências metabólicas referentes ao acúmulo de lipoproteínas (LP) ricas em triglicérides (TG), quilomícrons (Qm) e seus remanescentes, lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e seus resíduos, verificada após a ingestão de gorduras. Depois de uma refeição gordurosa, o pico de quilomícrons é atingido, normalmente, entre três e seis horas, e, após o período de 12 horas, esses elementos não são mais detectáveis em pessoas normais. A existência de lipemia no sangue interfere na dosagem de hemoglobina, fornecendo resultados de CHCM falsamente aumentados, por exemplo. Saiba mais Para aprofundar o estudo sobre hemólise e lipemia, acesse os textos indicados a seguir: BRASIL. Ministério da Saúde. Laboratório de hemostasia: gestão da fase pré-analítica: minimizando erros. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/laboratorio_ hemostasia_gestao_fase_pre_analitica.pdf. Acesso em: 20 set. 2020. ANDRIOLO, A. et al. Gestão da fase pré-analítica: recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial para coleta de sangue venoso. 2. ed. Barueri: Manole, 2010. Disponível em: http:// www.sbpc.org.br/upload/conteudo/320090814145042.pdf. Acesso em: 20 set. 2020. Outro aspecto importante para a realização dos exames bioquímicos é a questão do jejum. A maior parte das coletas para exames de sangue pode ser realizada com três horassem consumir alimentos e, em alguns casos, até mesmo sem a obrigação de jejum. O clássico período de 12 horas foi estabelecido com origem no tempo máximo que uma pessoa normal gasta para metabolizar todo o alimento absorvido na última refeição, todos os valores de referência dos exames foram determinados com base em um grupo de pessoas nessa circunstância de jejum. Porém, devido ao metabolismo diferente de cada pessoa, nos dias de hoje, a maioria dos exames pede até três horas de jejum. Em alguns casos especiais, o médico pode pedir exames com um intervalo de duas horas desde a última refeição: são os exames identificados como em estado pós-prandial. Nessa situação, o médico faz a solicitação por escrito. Para a porção de glicose para diagnóstico de diabetes, o menor tempo ainda é de oito horas, e para colesterol ainda são necessárias 12 horas. O jejum fixado para o perfil lipídico é de 12 a 14 horas, em razão da dosagem de triglicérides. Ainda assim, para todos os exames, mantém-se a regra de não ultrapassar 14 horas de jejum. 23 BIOQUÍMICA CLÍNICA A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratroial (SBPC/ML) entende que, apesar de exames com e sem jejum apresentarem diferenças, é possível interpretar e avaliar o risco de evolução de doenças ateroscleróticas, como infarto e AVC, a partir de resultados obtidos sem o jejum. Mas isso com a condição de que os laudos de exames contenham o tempo de jejum do paciente e que os valores de referência sejam readequados. Estudos recentes mostram que é possível fazer a avaliação do perfil lipídico sem o jejum, com a vantagem de refletir as condições fisiológicas do dia a dia e de evitar o desconforto e possíveis complicações do jejum prolongado. Além disso, há um consenso europeu que afirma que as pequenas variações observadas entre dosagens com e sem jejum para definição de valores de risco cardíaco poderiam ser corrigidas se fossem estabelecidos novos valores referenciais. A dosagem com jejum prolongado seria necessária somente quando o nível de triglicérides, fora do estado de jejum, estivesse acima de 440 mg/dL. No quadro a seguir são dadas as recomendações para a coleta do perfil lipídico com e sem jejum. Quadro 1 – Recomendações para realização de perfil lipídico com e sem jejum Sem jejum Na maioria dos pacientes, incluindo: Avaliação inicial do perfil lipídico Avaliação de risco cardíaco Paciente com internação por síndrome coronária aguda Crianças Se solicitado pelo paciente Pacientes diabéticos Idosos Pacientes em terapêutica estável Com jejum Indicada em: Triglicérides sem jejum > 440 mg/dL Avaliação de especialista em paciente com hipertrigliceridemia conhecida Pacientes com pancreatite por hipertrigliceridemia Início de uso de medicações que cursam com hipertrigliceridemis severa Quando acompanhado de outros exames que necessitem de jejum Adaptado de: Noordestaard et al. (2016). Observação A coleta de amostras de sangue para testes sorológicos deve ser realizada preferencialmente com o paciente em jejum. Nos testes sorológicos para doenças sexualmente transmissíveis (DST) e AIDS, o fato de o paciente não estar em jejum não impede a coleta, a menos que ele tenha ingerido alimentos gordurosos nas últimas três horas. 24 Unidade I 2 MÉTODOS ANALÍTICOS No laboratório clínico, o conhecimento das diferentes metodologias faz-se necessário para compreender as diversas situações no dia a dia do laboratório clínico bem como a tomada de decisões em casos de eventuais problemas. 2.1 Reações colorimétricas e cinéticas (com ou sem coenzimas) em equipamentos semiautomatizados, automatizados e manuais Nas reações colorimétricas, o produto formado tem uma cor, e a intensidade dessa cor pode ser medida através de leitura de uma faixa específica do espectro. Esse tipo de reação colorimétrica é amplamente utilizado com as metodologias cinéticas, ou seja, aquelas que envolvem a velocidade da formação de um produto em um dado intervalo de tempo. Uma molécula orgânica que se liga a uma enzima para ativar a reação química é chamada de coenzima. As coenzimas podem ou não ser utilizadas como substratos nas reações químicas utilizadas nas técnicas laboratoriais. Elas podem ser adicionadas aos testes para favorecer o aumento da velocidade, por exemplo, em uma reação do tipo cinética, com a consequente diminuição do tempo. Os equipamentos laboratoriais vêm, ao longo do tempo, evoluindo e diminuindo a necessidade de uma prévia manipulação das amostras, contudo, além das formas automatizadas para a realização dos exames, existem as formas semiautomatizadas e as manuais. Sabe-se que a luz consiste em uma onda eletromagnética que possui um comprimento incluído em um determinado intervalo que vai da luz ultravioleta (UV) até a luz infravermelha (IV). No entanto, o olho humano é capaz de visualizar um intervalo menor da luz, sendo suas faixas extremas não identificáveis pelos olhos humanos. Vale ressaltar que a luz branca é formada pela união de todas as cores contidas nessa faixa UV – IV, cores que podem ser vistas quando um feixe de luz branca incide sobre um prisma (elemento poliédrico capaz de refratar a luz), conforme visto a seguir. Figura 2 – Prisma óptico refratando a luz branca e expandindo o espectro de luz que abrange do infravermelho até o ultravioleta 25 BIOQUÍMICA CLÍNICA As análises colorimétricas consistem em uma metodologia química analítica que mensura a intensidade de luz emitida por um determinado reagente indicando a concentração de determinada molécula ou partícula, ou seja, o reagente somado à molécula torna-se colorido, e essa intensidade de cor é capturada pelo equipamento, o espectrofotômetro. Leitor Fonte de entrada Fenda de saída Monocromador Fonte de luz Cubeta contendo amostra Leitor Prisma Figura 3 – Princípio de funcionamento do espectrofotômetro O mecanismo de funcionamento desse equipamento baseia-se na absorção (absorbância – I0) e transmissão (transmitância - I) da luz emitida em determinada solução. Dependendo da concentração de moléculas (soluto) na solução, a luz será mais ou menos absorvida, tendo seu comprimento de onda modificado em nanômetros (nm). 100% transmitância 0% absorbância 0% transmitância 100% absorbância Figura 4 – Relação de valores entre absorbância e transmitância Para que a leitura seja possível, é necessária a presença de um reagente específico para interagir com a molécula que se está avaliando. Por exemplo, se o objetivo da análise for avaliar a concentração de glicose no soro de uma pessoa, será necessário o uso de um reagente que possa interagir somente com a glicose, uma vez que a leitura se baseia na cor que a glicose terá após interagir com o reagente, de forma que, na presença de outros componentes do soro, pode haver algum tipo de interferência na leitura. Se houver aplicação da técnica de acordo com os protocolos descritos para cada leitura, o resultado será altamente específico e fidedigno. Existe um outro método de análise que se baseia na absorção da energia radiante na faixa do ultravioleta (340 nm e 365 nm), conhecido como reações de ultravioleta. Tal método é usado na avaliação de enzimas hepáticas e ureia, por exemplo. As análises colorimétricas são consideradas metodologias estáticas porque, uma vez adicionado o reagente à amostra, a reação acontece imediatamente e não muda mais, porém, existem reações que 26 Unidade I levam determinado tempo para acontecer, tempo o qual acaba se tornando um método de avalição para algumas substâncias, nesse caso, estamos diante de uma reações cinéticas. Levando em conta que toda reação química gera um produto, a análise por reação cinética avalia o tempo de formação desse produto, que pode levar segundos, minutos ou até mesmo horas (mas mesmo aqui o produto é analisado por colorimetria). Nesse tipo de análise são utilizadas enzimas e coenzimas, que são catalisadores (aceleradores) de reações químicas orgânicas. Na reação cinéticacontínua, há análises contínuas da formação do produto. 5 a b Tempo de reação (min) Ab so rb ân ci a c 0 0,200 0,000 0,400 0,600 0,800 10 15 20 Figura 5 – Exemplo de um resultado de análise de reação cinética Na reação cinética em tempo fixo com medição em ponto final, a análise requer muita atenção em relação ao tempo de incubação e à temperatura, baseando-se em conhecimentos prévios sobre a reação que será realizada, bem como sobre seus tempos. Uma vez que se conhece o padrão da reação, pode-se comparar com a reação decorrente da amostra. 50 Tempo de reação (min) Ab so rb ân ci a 0,200 0,100 T1 T2 0,300 0,400 0,500 10 15 20 Figura 6 – Exemplo de um resultado de análise de reação cinética em tempo fixo com medição em ponto final 27 BIOQUÍMICA CLÍNICA 2.2 Fotometria A fotometria é uma área da óptica que mede a luz de acordo com o brilho emitido e que é captado pelo olho humano. Conceitualmente, o termo cromóforo se refere à quantidade de luz que é absorvida por determinada substância ou objeto, ou seja, quanto mais cromóforo for um objeto, maior a quantidade de luz absorvida e mais escuro ele será. No início das aplicações analíticas pelo método de fotometria, fazia-se apenas a observação visual para determinar a concentração de determinada substância, afirmando-se que quanto mais escura uma substância, mais concentrada ela era. Com o passar do tempo, notou-se que as mesmas substâncias vistas, por indivíduos diferentes, resultavam em análises diferentes, já que o olho humano não obedece a um padrão na visualização de cores, podendo variar entre cada um. Assim, com o intuito de eliminar essa variável, criaram-se soluções padrões por meio das quais se comparavam as substâncias submetidas à análise por fotometria, porém ainda assim as análises não eram tão precisas quanto necessário. Posteriormente, foram criados equipamentos capazes de quantificar com precisão a emissão de fótons (partícula elementar da força eletromagnética) por determinada substância. A luz consiste em uma onda eletromagnética, sendo, assim, composta de dois tipos distintos de ondas: a elétrica e a magnética, que interagem entre si. E é a interação entre as ondas que compõem a luz, juntamente com a interação da luz com a matéria, que é usada como princípio básico das análises por fotometria. O espectro de luz varia de acordo com a substância em um determinado solvente, e essa variação faz com que esse tipo de análise se baseie em comparação, a qual se dá através do confronto entre o espectro de uma substância e um espectro conhecido. As análises qualitativas fornecem resultados pouco específicos, porém de extrema importância para avaliar a presença ou ausência de determinada substância. Já os resultados quantitativos oferecidos pela fotometria são precisos e vão além da presença ou não, indicando também a quantidade/concentração de determinada partícula em uma quantidade conhecida de solvente. Em linhas gerais, a diferença entre espectrofotometria e fotometria é que na espectrofotometria mede-se a absorção de uma faixa de cor dentro do espectro UV–IV, enquanto na fotometria mede-se a intensidade do brilho e a absorção de luz emitida pela substância. Trata-se, portanto, de metodologias distintas, utilizadas para substâncias diferentes e com equipamentos diferentes. 2.3 Quimioluminescência e eletroquimioluminescência A quimioluminescência baseia-se na emissão de luz sem calor após uma reação química. Isso porque, quando um átomo recebe alguma forma de energia, os elétrons mais próximos ao núcleo passam para as camadas mais externas e retornam para as proximidades nucleares, num movimento (excitação eletrônica) que gera energia em forma de luz. Um exemplo comum de reação de quimioluminescência é o luminol, muito utilizado em medicina forense, o qual consiste em uma substância formada por C8H7N3O2 + H2O2 que, ao interagir com moléculas orgânicas como o sangue, utiliza o ferro da hemoglobina como catalisador da reação, gerando uma luz azul brilhante. 28 Unidade I Já a eletroquimioluminescência consiste na análise quimioluminescente com uma aplicação de corrente elétrica (eletrodos com polos positivos e negativos). Constitui-se em uma metodologia extremamente delicada e precisa que une as vantagens da quimioluminescência com o controle absoluto da voltagem aplicada para se obter a reação esperada. As análises realizadas por quimioluminescência e eletroquimioluminescência utilizam anticorpos ligados a marcadores luminescentes (cromógenos) como compostos quimicamente semelhantes ao luminol, derivados de acridina (C13H9N), um corante usado em marcação de ciclo celular e o sistema avidina-biotina. Anticorpos são moléculas proteicas produzidas por células de defesa (linfócitos B ou plasmócitos) com a seguinte estrutura: Fração FaB (região de ligação com o antígeno) Fração Fc (fração de ligação com células e sistema complemento se a outra célula) Figura 7 – Esquema clássico de um anticorpo indicando suas regiões específicas A principal característica dessa molécula é sua altíssima especificidade para se ligar e neutralizar partículas exógenas (antígenos), e a aplicação dessas moléculas nas análises por quimio e eletroluminescência lança mão exatamente de tal especificidade. Para tanto, anticorpos são construídos artificialmente, contendo em sua porção FaB uma molécula conhecida como fluorocromo, que emite luz ao interagir com a substânciaem análise. A B Enzima Fluorocromo Anticorpo primário Antigênio Figura 8 – Esquema de reação utilizando anticorpos marcados por fluorocromo. Na detecção direta, o anticorpo marcado liga-se diretamente à partícula pesquisada, na detecção indireta, um anticorpo primário liga-se à partícula e, só então, é adicionado um anticorpo secundário marcado específico para se ligar ao anticorpo primário 29 BIOQUÍMICA CLÍNICA 2.4 Ensaios imunoenzimáticos: marcadores tumorais, drogas terapêuticas e de abuso Elisa (Enzyme-lynked Immunosorbent Assay) é o nome dado a uma metodologia amplamente usada para a confirmação de infecções virais, porém também com muitas aplicações bioquímicas. Vale alertar que, nas análises por Elisa, há a necessidade de preparar antígenos e anticorpos conhecidos para padronizar a técnica. Ao contrário das metodologias vistas anteriormente, entre as quais, por exemplo, há o uso de um fluorocromo, no ELISA utiliza-se uma enzima que serve como marcador do anticorpo, porém o produto final também é analisado por colorimetria. Adicionar anticorpo Anti-A conjugado à enzima Lavar o anticorpo não ligado Medir a absorção de luz produzida pelo produto corado A enzima torna corado o substrato incolor Amostra 1 (antígeno A) Amostra 2 (antígeno B) Figura 9 – Protocolo padrão da metodologia Elisa As metodologias citadas fazem parte de uma grande diversidade de técnicas diagnósticas disponíveis atualmente e têm inúmeras aplicações nas análises laboratoriais. Vejamos alguns exemplos. 30 Unidade I 2.4.1 Marcadores tumorais São as substâncias químicas presentes no sangue ou urina somente em casos de tumores, uma vez que são produzidas por eles. O mais popularmente conhecido é o antígeno prostático específico (PSA), presente em altas quantidades em homens com câncer de próstata. Geralmente esses marcadores são encontrados em níveis baixos em pacientes que não apresentam nenhum tipo de tumor, dessa forma, devem ser sempre considerados a história clínica e os valores de referência para o diagnóstico (retomaremos esse tema, com mais detalhes, à frente). 2.4.2 Drogas terapêuticas ou de abuso O princípio da reação é o mesmo de outras análises que se utilizam desse tipo de técnica, uma vez que se faz uso de anticorpos altamente específicos, construídos artificialmente para se ligarem a moléculas de drogas terapêuticas. Por exemplo, em pessoas que fazem uso contínuo de medicamentos, essa técnica se mostra útil para avaliar se há algum tipo de acúmulo do princípio ativo do fármacoque poderia levar, a médio e longo prazo, a algum tipo de dano, reversível ou não. Em relação à detecção de drogas de abuso como maconha, cocaína, heroína, utiliza-se o mesmo princípio, ou seja, a alta especificidade do anticorpo marcado por substâncias luminescentes. A coleta de sangue deve ser realizada em momentos em que a concentração é mínima (geralmente, imediatamente antes da dose seguinte), para alguns medicamentos, ou concentração máxima, dependendo do medicamento prescrito, podendo até ser solicitada uma coleta aleatória. A interpretação correta dos resultados obtidos depende do momento em que a amostra foi colhida e, juntamente com esses testes, deve-se fazer um perfil renal e um perfil hepático, entre outros exames que possam se mostrar necessários. No caso do lítio, por exemplo, usa-se soro, no plasma ou nas hemácias, pois há correlações entre a concentração eritrocitária e efeitos adversos neurológicos. Já a determinação de metotrexato (MTX) no plasma é realizada por cromatografia líquida de alta eficiência por arranjo de fotodiodos (CLAE-PDA). Há também os imunoensaios que, pelos métodos automatizados, apresentam rapidez e simplicidade de execução, embora possam apresentar falsos positivos caso haja reatividade cruzada com alguns interferentes endógenos, como no caso da digoxina (digoxin-like immunoreactive substances ou DLIS), ou reatividade cruzada dos anticorpos ou interferentes como bilirrubina alta, hemólise, lipidemia alta. Entretanto, a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) e a cromatografia gasosa (GC) são referências na validação de ensaios de TDM. A cromatografia líquida pode ser acoplada a espetrometria de massa (LC-MS, LCMS-MS), então considerada “gold standard” (ou seja, “método padrão” ou “método ouro” da TDM pela elevada sensibilidade e especificidade). Há programas de computador em farmacocinética clínica que usam regressão linear, regressão não linear ou a estimativa bayesiana (“gold standard” na análise de dados). Tal metodologia estima a probabilidade de se obter um parâmetro farmacocinético a partir da concentração plasmática do fármaco e da farmacocinética populacional, isto é, considera-se a distribuição desse parâmetro na população a que pertence o doente. 31 BIOQUÍMICA CLÍNICA 2.4.2.1 Técnicas analíticas das drogas de abuso Vários são os testes usados em laboratórios de pesquisa e em laboratórios clínicos, mas podemos destacar os principais. Espectrofotometria Um dos métodos analíticos mais utilizados é o colorimétrico associado ao espectrofotômetro. Um exemplo de uso é a determinação do medicamento captopril no sangue, utilizando-se o reagente Folin-Ciocalteau, o qual entra en reação com a substância farmacologicamente ativa e forma um cromógeno na cor azul dosado no espectrofotômetro a 670 nm. Teste de Scott Esse teste é usado para detectar a presença de cocaína. O cloridrato de cocaína é um sal solúvel em água, obtido na forma de pó, podendo ser usado dessa forma (aspiração do pó) ou via intravenosa. O crack é um subproduto da pasta da cocaína, apresentando-se como pedra e pouco solúvel em água, no entanto, facilmente volatilizado quando aquecido. O teste de Scott é um teste colorimétrico que utiliza o tiocianato de cobalto a 2% de glicerina em meio ácido, reagindo com a cocaína e gerando uma coloração azul turquesa (resultado positivo). Se usarmos um espectrofotômetro, a presença de cocaína será detectada com máximo de absorção na região de 320 nm a 330 nm. Observação Esse teste rápido é usado em portos e aeroportos para detecção de cocaína em bagagens. Caso haja um resultado positivo, ocorrerá a prisão dos traficantes. Teste de Duquenois-Levine Trata-se de um teste colorimétrico com técnica qualitativa para detectar maconha. A reação é feita com uma solução que contém acetaldeído e vanilina em etanol 95% mais o reagente de Duquenois-Levine e ácido clorídrico. Em caso positivo, observa-se a formação de um anel com coloração violeta na amostra, resultado da reação de protonação da vanilina e da reação com o THC, formando um complexo. Teste de Mayer O teste de turbidez de Mayer corresponde a um teste de precipitação para determinar presença de alcaloides (caso da cocaína, por exemplo) na amostra. Porém, não apresenta uma especificidade alta. Para a identificação, utilizam-se ácido clorídrico e reagente de Mayer (tetraiodo mercurato II potássio) 32 Unidade I que, ao reagirem com a amostra, formam um precipitado branco leitoso com aspecto de coágulo, com turvação da amostra. Cromatografia em camada delgada (CCD) É uma técnica física que separa substâncias com base nas interações com as fases da cromatografia: fase móvel e fase estacionária, sendo que a fase estacionária, ou seja, fixa, é sólida, podendo até ser papel de filtro. A fase móvel pode ser gasosa, líquida ou se mostrar um fluido supercrítico (substância que foi submetida à temperatura acima de seu ponto crítico, apresentando propriedades intermediárias entre líquido e gás), movendo-se sobre a fase estacionária (e junto a ela movem-se os componentes da mistura a ser estudada). Saiba mais Tswett, botânico, em 1910, publicou em seu livro Clorofilas no mundo vegetal e animal sua invenção para a separação de substâncias coloridas presentes em vegetais, a cromatografia, nome que não foi dado à toa, vindo do grego chroma (cor) e graph (grafia), ou seja, cromatografia nada mais é do que a grafia das cores. Tswett empregou inulina dentro de uma coluna como fase fixa, usando vários solventes para separar os anéis de cor verde e amarelo. Você pode conhecer mais detalhes dessa história por meio do artigo indicado a seguir. ETTRE, L. S. M. S. Tswett and the inventios of chromatography. LCGC North America, v. 41, n. 5, p. 459-467, 2003. Disponível em: https://cdn.sanity.io/files/0vv8moc6/chroma/1d8bd9c34045e f61d93b9002b40e9335d19de2ed.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. Como feito por Tswett, pode-se usar a fase estacionária dentro de colunas de vidro ou de outro material (aço inoxidável) ou aderidas em placas ou até papel de filtro; a fase móvel será um solvente puro ou misturado com outros solventes. Então, com o auxílio de um revelador, identificam-se manchas de acordo com a polaridade entre as fases. No caso da maconha, usa-se como fase móvel uma solução hexano/éter etílico e como revelador uma solução etanólica de Fast Blue RE Salt e vapor de hidróxido de amônio. Após a revelação, observa-se a coloração da mancha e determina-se o seu RF, comparando com a amostra padrão de referência. Para a cocaína, opta-se por clorofórmio/acetona/hidróxido de amônio como fase móvel, cabendo à solução de Dragendorff (solução de iodeto de bismuto de potássio) a função de revelar, para, assim, obtermos o RF. O RF, também conhecido como razão de frente ou fator de retenção, é calculado por meio da divisão do caminho da amostra pelo caminho do solvente. 33 BIOQUÍMICA CLÍNICA 8 cm10 cm 4 cm 5 cm Ponto de origem Fim da corrida RFA = 8/10 = 0,8 RFB = 4/10 = 0,4 RFC = 5/10 = 0,5 A B C Solvente Figura 10 – Esquema de uma cromatografia em papel ou em sílica gel – cromatografia em camada delgada (CCD). Supondo que a amostra A seja cocaína, podemos sugerir que a amostra C terá cocaína, uma vez que possui o mesmo RF Cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) ou High performance liquid chromatography (HPLC) Esse método identifica e quantifica componentes de uma mistura usando a fase estacionária que fica dentro de uma coluna com algum material adsorvente e um líquido (fase móvel) que empurra os componentes por essa coluna (geralmente de aço inoxidável). É o método de escolha para identificação de drogas utilizadas em suspeita de casos de doping. A Clae é a técnica mais utilizada até mesmo para a quantificação dos níveis plasmáticos da droga, bem como os seus metabólitos presentes no sangue. Saiba mais Para saber se a causa mortis de uma pessoa (ou animal) está relacionada à ingestão de drogas, é necessáriofazer uma necrópsia. Em situações de post-mortem, podem ser usados como amostra sangue, urina, conteúdo gástrico, humor vítreo e mesmo órgãos (especialmente o fígado, mas podem ser investigados também o rim, a bile, o pulmão, o baço, o músculo esquelético e o cérebro, no caso de humanos). Os laudos são possíveis uma vez que são utilizados métodos cromatográficos como cromatografia gasosa (GC), cromatografia líquida (LC) e HPLC acoplado a espectrofotometria de massa. Leia mais sobre química forense no artigo indicado a seguir. MOTA, L.; DI VITTA, P. B. Química forense: utilizando métodos analíticos em favor do poder judiciário. Disponível em: http://www.revista.oswaldocruz. br/Content/pdf/Qu%C3%ADmica_Forense_utilizando_m%C3%A9todos_ anal%C3%ADticos_em_favor_do_poder_judici%C3%A1rio_.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. 34 Unidade I Como cada componente interage de forma diferente com o material da coluna (pode ser sílica, por exemplo), saem da coluna com velocidades diferentes e passam por outro aparelho (detector que pode ser um espectrofotômetro) caracterizando a absorção em determinados comprimentos de onda e registrando em cromatogramas. O HPLC pode separar compostos não voláteis e termicamente instáveis, já a CG corresponde a um equipamento simples e de baixo custo (se comparada com o HPLC), além de ser rápida e muito precisa. Cromatografia gasosa acoplada ao espectrofotometro de massa (Lc-Em) É uma das técnicas mais empregadas na área forense, permitindo a detecção de várias substâncias e seus interferentes, apresentando alta sensibilidade e seletividade e fornecendo resultados precisos e exatos. É muito utilizada pela criminalística em todo o Brasil e indicada como referência nos guias de análise do Escritório das Nações Unidas contra as drogas e o crime (UNODC, do inglês United Nations Office on Drugs and Crimes). Sabemos que não há dois compostos com um mesmo espectro de massas (EM). Nessa técnica, criam-se íons dos compostos (para isso, a substância deve estar no estado gasoso), que são separados em um campo elétrico de acordo com a sua taxa de massa/carga (m/z), sendo, então, detectados qualitativa e quantitativamente de acordo com sua taxa m/z e abundância. A amostra é injetada no cromatógrafo, volatilizada no injetor do equipamento e vai para a coluna com a fase estacionária e um gás de arraste (hélio ou hidrogênio), que separa os íons. Por fim, o resultado é comparado com o banco de dados do espectro de massas de várias substâncias químicas. Vale ressaltar que a técnica com EM pode ser realizada usando, em vez da CG, o HPLC. Espectroscopia de Raman Chandrasekhar Raman, um físico indiano, demonstrou em meados de 1930 que, quando os fótons interagem com uma molécula, essa molécula evolui para um estado de maior energia e depois, quando ocorre um relaxamento, o nível de energia vibracional fica diferente do seu estado inicial, produzindo um fóton de energia diferente. A diferença entre a energia do fóton incidente e a energia do fóton propagado é chamada de deslocamento Raman. Quando a mudança na energia do fóton propagado é menor que a energia do fóton incidente, a difusão é chamada de difusão Stokes. Caso o relaxamento na etapa final for menor que a do estado de excitação inicial, temos uma difusão anti-Stokes. Há uma variedade de mercados que se utilizam dessa técnica, como a indústria farmacêutica (medicamentos e pureza da matéria-prima), áreas que trabalham com carbono e diamante, com gemologia (análise de pedras preciosas), geologia e mineralogia, ciência forense (drogas de abuso e falsificação de objetos), nanotecnologia, arte e patrimônio (veracidade da obra), pesquisas biológicas e biomédicas. 35 BIOQUÍMICA CLÍNICA Espectroscopia de absorção e emissão atômica A espectroscopia de absorção atômica baseia-se na identificação de átomos e na quantificação da energia eletromagnética que é absorvida em um determinado comprimento de onda. A espectroscopia de emissão atômica apresenta o mesmo conceito descrito anteriormente, a diferença entre elas é que uma absorve e a outra emite energia eletromagnética (no caso em particular esta emite em um determinado comprimento de onda). Vale destacar ainda que nos dois casos a amostra deverá ser atomizada, isto é, decomposta em átomos ou íons por meio de uma chama, forno ou um plasma. A espectroscopia de absorção atômica apresenta amplas vantagens, como alta sensibilidade, capacidade de distinguir elementos mais complexos, identificação de substâncias com concentrações em partes por milhão (ppm) ou partes por bilhão (ppb). Essa técnica é muito utilizada para drogas terapêuticas e drogas ilícitas, contudo, trata-se de um método ainda muito caro. 2.5 Eletroforese: princípios e equipamentos O princípio básico da eletroforese é o deslocamento de moléculas eletricamente ativas através de um gel após a aplicação de uma corrente elétrica. Foi inventada em 1948 pelo químico Arnie Tiselius, ganhador do prêmio Nobel. A eletroforese consiste em separar moléculas de acordo com seu peso molecular: moléculas muito grandes não conseguirão migrar ao longo do gel, o que não acontece com as moléculas menores. Atualmente, se mostra uma técnica amplamente utilizada na detecção de ácidos nucleicos (DNA e RNA) e proteínas como hemoglobina, lipoproteínas e albumina. Os géis mais utilizados são o de agarose para ácidos nucleicos e o de poliacrilamida para proteínas (a diferença entre eles é o tamanho da rede que oferecem). Eletroforese em gel de agarose Agarose é um pó (polissacarídeo) que, adicionado a uma solução tampão (TBE) previamente preparada, polimeriza-se formando um gel firme no qual serão aplicadas as amostras. Figura 11 – Representação de gel de agarose preparado em cuba específica 36 Unidade I A concentração da agarose determina o tamanho da rede que será formada e isso é baseado na amostra a ser analisada. Após a “corrida” das amostras, o gel é retirado e colocado em solução de brometo de etídio que fará com que a amostra que se deslocou no gel “brilhe” após a colocação em câmara de luz UV. Figura 12 – Resultado obtido de uma corrida em gel de agarose Eletroforese em gel de poliacrilamida A poliacrilamida é uma substância formada por dois tipos de polímeros, acrilamida (com conformação linear) e bisacrilamida (com conformação em forma de “T”), e são as diferenças entre as moléculas que levam à formação de uma rede diferenciada e mais “fechada”, útil na detecção de proteínas que são consideradas moléculas pequenas quando comparadas aos ácidos nucleicos, por exemplo. Ao contrário da eletroforese em gel de agarose que acontece na posição horizontal, a eletroforese em gel de poliacrilamida deve ser realizada na posição vertical e em equipamento diferenciado. A técnica utilizada para detecção e separação de proteínas em gel de poliacrilamida é chamada de Western Blot e envolve uma série de etapas que devem ser seguidas com rigor para o sucesso da análise. Solução de gel separador Solução de gel de empilhamento Isopropanol Aparato para gel Gel de acrilamida Pente Figura 13 – Representação das etapas da técnica de Western Blot 37 BIOQUÍMICA CLÍNICA Polimerase Chain Reaction (PCR): reação da cadeia de polimerase Trata-se de uma técnica de separação de moléculas que envolve a migração de partículas em determinado gel durante a aplicação de uma diferença de potencial. As moléculas são separadas de acordo com o seu tamanho, pois as de menor massa migrarão mais rapidamente que as de maior massa. O produto da PCR que tem carga negativa migra para o polo oposto, positivo, ocorrendo a separação molecular da amostra e permitindo a visualização de bandas. A agarose é um polissacarídio que forma uma espécie de rede, prendendo as moléculas durante a migração. O gel de agarose é corado com brometo de etídeo, um intercalante de DNA que se torna visível quando exposto à luz ultravioleta. Já a poliacrilamida é uma mistura de dois polímeros, acrilamida (molécula linear)
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