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Unidade 1 Livro Didático Digital Adriana Ferreira Serafim de Oliveira Patrícia Valéria Vieira da Costa Análise do Discurso Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoras ADRIANA FERREIRA SERAFIM DE OLIVEIRA PATRÍCIA VALÉRIA VIEIRA DA COSTA Adriana Ferreira Serafim de Oliveira Olá. Meu nome é Adriana Ferreira Serafim de Oliveira. Sou Doutora em Educação pela UNESP - Rio Claro, com foco em inclusão social, direitos fundamentais e políticas públicas para as mulheres vítimas de violência de gênero. Estágio doutoral em Psicologia Social com bolsa PSDE - CAPES na “Universidad Complutense de Madrid - Facultad de Ciencias Políticas y Sociología” com pesquisas desenvolvidas em Madrid e cercanias quanto aos serviços públicos de atendimento à mulher vítima de violência de gênero e quanto à legislação dessa temática a pesquisa foi desenvolvida com a orientação de professor da “Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid”. Tem experiência em trabalhar com a metodologia qualitativa. Mestra em Direitos Fundamentais Difusos e Coletivos pela UNIMEP de Piracicaba, com foco em Direitos Humanos e Direito Internacional, com bolsa do programa PROSUP-CAPES. Pós- graduada em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP). Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Pós-doutorado em curso pela FD-UPM. Revisora e parecerista de periódicos qualificados. Professora universitária. Advogada Patrícia Valéria Vieira da Costa Olá. Meu nome é Patrícia Valéria Vieira da Costa. Sou formada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa, pela Universidade Estadual da Paraíba, possuo Mestrado em Literatura e Interculturalidade e atualmente faço Doutorado em Literatura e Interculturalidade, ambos pela mesma instituição. Tenho experiência docente no ensino básico, por meio das disciplinas de Literatura e Produção de textos, passando por turmas do ensino Fundamental II ao ensino Médio. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fomos convidadas pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estamos muito felizes em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte conosco! AS AUTORAS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: ICONOGRÁFICOS INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova com- petência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO A Linguística Imanente Versus Linguística do Discurso..........10 A Linguística Imanente .........................................................................................................10 Estruturalismo..................................................................................................11 Gerativismo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 A Linguística do Discurso...........................................................................................................14 Linguística Cognitiva ..................................................................................................14 Sociolinguística Variacionista ............................................................................16 A Língua Enquanto Objeto da Linguística- Consequências dessa Perspectiva Teórica ......................................................................19 A Subjetividade da Linguagem .....................................................................................20 A enunciação ...................................................................................................................................23 O Discurso Enquanto Objeto de Estudo da Linguística (a Análise do Discurso) – Consequências Dessa Perspectiva Teórica..........26 A interpretação ...............................................................................................................................28 Condições de produção e Interdiscurso ................................................................32 Outros Aspectos Relevantes à Análise do Discurso ......................35 Formação Discursiva....................................................................................................................36 O discurso se constitui em seus sentidos: ..............................................36 Ideologia e Sujeito..........................................................................................................................37 Análise do Discurso 7 LIVRO DIDÁTICO DIGITAL UNIDADE 01 Análise do Discurso8 Você sabia que a área da Linguística é uma das mais importantes para o conhecimento da Língua? Desde o início do Século XX que linguistas de variados países mergulham nessa área, com o intuito de desvendar os mistérios que circundam a linguagem. Nesta disciplina, você conhecerá o percurso teórico que se inicia com o famoso Saussure, considerado o “O pai da linguística moderna”, até as concepções mais contemporâneas relativas aos estudos sobre a linguagem. Nessa primeira unidade, apresentaremos a você um estudo convidativo a conhecer a Linguística Imanente, bem como a Linguística do Discurso, chegando ao interessante conteúdo que é objeto da nossa disciplina em questão: A Análise do discurso. Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! INTRODUÇÃO Análise do Discurso 9 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso objetivo é auxiliar você a atingir os seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender as diferenças entre a Linguística Imanente e a Linguística do Discurso; 2. Entender como a Língua se torna objeto da enunciação para a Linguística moderna, e como a compreensão da enunciação interfere positivamente na origem da Análise do Discurso; 3. Conceber a Análise do Discurso enquanto resultante dos estudos que a antecedem, além de assimilar como essa perspectiva amplia as compreensões linguísticas anteriores; 4. Investigar como a Análise do Discurso se tornou uma perspectiva crítica, nos contextos históricos, sociais, econômicos e etc., para o estudo da linguagem. Então? Preparado(a) para conhecer o fantástico mundo da Análise do Discurso? Vamos ao trabalho! OBJETIVOS Análise do Discurso10 A Linguística Imanente Versus Linguística do Discurso INTRODUÇÃO Caro aluno(a), ao término deste capítulo, você será capaz de entender como funciona a Análise do Discurso. Isso será fundamental para a compreensão de uma das grandes correntes de estudo do curso de Letras, responsável por grande parte das pesquisas na área, bem como contribuirá para exercício de sua docência em salade aula. E então? Motivado para desenvolver essa competência? Vamos lá. Avante! A Linguística Imanente Desde a antiguidade, o homem passa por motivações práticas que o leva a refletir sobre a estrutura das línguas e seus usos. Apesar de Pêcheux (1990, p.38) afirmar que a “reflexão sobre a linguagem não tem evidentemente, começo histórico assimilável”, desde o antigo Egito, passando por Fenícios e Hindus, além de outros povos, o registro escrito é problematizado pela tomada de consciência, geralmente empírica, da estrutura da língua para fins de comunicação. Essa realidade nos leva a compreensão da imanência da língua, ou, mais propriamente, sua realidade material. Formalmente, a linguística imanente está para a “teoria da linguagem”, como coloca o dinamarquês Hjelmslev, em seu livro “Prolégomenès à une théorie du langage” (Prolegômenos a uma teoria da linguagem). Como, então, consideramos as Linguística Imanente nos dias de hoje? Hoje em dia, a linguística Imanente é um dos princípios do que chamamos mais comumente de Linguística formal, que antecede e ilumina o posterior surgimento da Linguística do discurso. Em se tratando de Linguística formal, é necessário compreender que essa concebe a língua enquanto estrutura. Sendo assim, “A língua é entendida como um objeto autônomo independente das intenções de uso e da situação comunicativa (MALELOTTA, 2008, p.87). No contexto Análise do Discurso 11 formalista, surgiram duas vertentes: O estruturalismo, do suíço Ferdinand Saussure, que inaugura a Linguística moderna; e o Gerativismo, do norte- americano Noan Chomsky (1957). Estruturalismo Preparado (a) para conhecer o famoso “Pai da linguística moderna”? Vamos lá! A teoria Saussuriana ganha espaço nos estudos linguísticos por meio da publicação póstuma do “Curso de Linguística geral” (1916), um compilado de escritos de Saussure efetivado por seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye. Para Fiorin (2002), apesar de, no livro, não estar claramente exposto dessa forma, os estudiosos costumam dividir a teoria saussuriana em quatro princípios ou dicotomias, são elas: Sincronia versus Diacronia Indo de contra ao estudo da evolução histórica das línguas, a diacronia, (vigente até fins do século XIX), Saussure prioriza a descrição sincrônica, objetivando descrever a estrutura de uma determinada língua em seu recorte temporal, sem levar em consideração seu processo evolutivo. Sobre essa perspectiva, Fiorin (2002, p. 79) comenta que: Contrariamente ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista sincrônico vê a língua como um sistema em que um elemento se define pelos demais elementos. No estudo sincrônico, um determinado estado da língua é isolado de suas mudanças através do tempo de e passa a ser estudado como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem, ao mesmo tempo, uns com os outros. Língua versus fala Saussure elege a língua como seu objeto de estudo na linguística, já que a considera sistêmica e coletiva. Para ele, a língua define-se enquanto um sistema composto por signos linguísticos, encadeados para formar Análise do Discurso12 um todo organizado em que cada signo é interdependente e definido por sua ordem e função. Significado versus significante Para o estudioso, essa é a dicotomia mais importante, posto que forma o signo linguístico acima mencionado. Para Saussure tudo é signo, já que tudo significa algo. Sendo assim, significante seria a imagem acústica, material, de algo, como por exemplo escrever a palavra “computador”. Já o significado é o conceito imaterial disso, ou seja, as interpretações que competem a esse signo: aparelho tecnológico; meio comunicacional, etc. Sintagma versus paradigma O Paradigma é o conjunto de componentes do qual o sujeito pode se valer para compor seu enunciado; já Sintagma é a escolha. Por exemplo, um sujeito pode dizer “A água está fria”. A palavra “fria” poderia facilmente ser substituída por “temperatura”, por exemplo. No entanto, a escolha feita foi “água”, o que caracteriza o eixo do sintagma. Já os outros termos como “temperatura”, etc., que poderiam ser escolhidos, constituem o paradigma. Como vimos, o Estruturalismo Saussuriano pode ser pensado como o estudo da língua enquanto um sistema fechado em si mesmo, sem interferência de fatores extralinguísticos como o contexto situacional, dentre outros. Críticas à parte, o Estruturalismo influenciou diversas vertentes da produção de conhecimento linguístico no decorrer do século XX. Gerativismo A partir da segunda metade do século XX, surgiu uma nova abordagem linguística, o Gerativismo. Formulado pelo linguista Chomsky, manifestou-se como uma nova proposta de investigação da linguagem. Esse estudioso optou por uma postura racionalista para formular sua teoria dos estudos linguísticos. Para Chomsky (2005), a língua deve ser estudada de forma lógica e abstrata. Nesse contexto, essa passa a constituir um sistema de regras e princípios compostos na mente humana, Análise do Discurso 13 considerando que qualquer sujeito exposto a um ambiente apropriado pode adquirir (a gramática de) qualquer língua. Pragmático, Chomsky tem como base da gramática gerativa três questões básicas, a saber: “a) O que constitui o conhecimento da Língua? b) Como é adquirido o conhecimento da Língua? c) Como é usado o conhecimento da língua?” (CHOMSKY, 1994, p.23). A resposta a essas questões, para o pesquisador, está na mente humana, que possui uma gramática internalizada, explicada de duas maneiras: Gramática enquanto dicionário mental de formas da língua; gramática enquanto sistema de regras e princípios que atuam sobre as formas. Nesse ínterim, a gramática une-se com os demais sistemas conceituais mentais para articular o som. No processo formal, as expressões primeiro passam pelas regras para só depois ganharem significação. Para o Gerativismo, o ser humano nasce com um conjunto de princípios relacionados ao funcionamento da língua, ou seja, a aquisição da linguagem torna-se uma herança genética. Se genético, portanto, comum entre todas as línguas. Assim, a abordagem gerativa busca as características gerais da linguagem, explicando e descrevendo propriedades que compõem o que o Chomsky chama de Gramática Universal (GU). Considerado um dos maiores teóricos contemporâneos, Chomsky contribuiu de diversas maneiras para os estudos linguísticos. Apesar de formalista tal como Saussure, o estudioso não concorda com a concepção de que a língua é uma convenção social, mas sim um fenômeno biológico humano. Ambos, Saussure e Chomsky, aproximam-se quando consideram a língua uma forma homogênea e idealizada. No entanto, diferem-se quando, por exemplo, para o primeiro, a língua é um conjunto de signos sociais; enquanto que, para o segundo, ela é um conjunto de sentenças formuladas com bases biológicas. Análise do Discurso14 A Linguística do Discurso A linguística do discurso ultrapassa os limites da linguagem enquanto um sistema formal, passando a valorizar os usos da língua em situações reais de comunicação, além das relações entre função e forma. Ou seja, para a Linguística do discurso a língua é uma estrutura formal perpassada por realidades subjetivas tanto históricas quanto sociais, que influenciam e são influenciadas pelo sistema. Essa nova perspectiva motivou o surgimento de diversas vertentes que, apesar de suas particularidades, de uma maneira geral: (...) considera a língua em uso, observando os fenômenos de variação e mudança linguísticas, as interpretações face a face (e de outros tipos) entre falante e ouvinte, as influências sociais e psicossociais na estrutura da língua, a ideologia e a construção da subjetividade, os atos de fala no lugar de frases e sentenças verdadeiras e gramaticais, as implicaturasconversacionais entre outros fatores. (MARTELLOTA, 2008, p.88) Dentre muitas vertentes, ressaltaremos duas das principais, a saber: a Linguística cognitiva e a Sociolinguística variacionista, refletindo proximidades e distanciamentos em relação ao paradigma formalista. Linguística Cognitiva O que seria a Linguística cognitiva? Surgiu no final da década de 1970, na Califórnia, a Linguística Cognitiva, resultante de rupturas teóricas de alguns dos gerativistas. Nesse período, se destacaram nomes como George Lakoff e Charles Fillmone. Com o tempo, essa abordagem passou a ser chamada de Sociocognição, visando destacar o poder do contexto social para a linguagem (já não mais autônoma): Cultura e sociedade como bases da cognição humana, da compreensão do mundo. Portanto, essa vertente não separa conhecimento linguístico do conhecimento não linguístico, assumindo uma postura que vai de contra a visão racionalista do gerativismo. Análise do Discurso 15 Para a Sociocognição, os interlocutores são o centro da construção de sentido, ou seja, a comunicação entre indivíduos em situações reais de interação discursiva é o ponto chave. A linguagem deixa de ser um sistema que independe do falante ou um conjunto de regras finitas e ganha uma dimensão social e cognitiva cuja função é possibilitar a seus usuários meios para reportar o discurso alheio, influenciar outras pessoas, narrar acontecimentos, fazer avaliações, ser impreciso, falsear informações, predizer o futuro, expressar sentimentos. (SALOMÃO, 199, p.65) Para Lakoff & Johnson (1999), a mente não é separada do corpo, assim, muitos dos significados se dão por meio da estrutura corporal humana, chamados teoricamente de pensamentos corporificados. Aqui, consideramos a soma da inferência conceptual à inferência sensório-motora. EXPLICANDO MELHOR Quando usamos expressões relativas ao espaço, sendo que esse significa tempo. Vejamos: Dias atrás estive em São Paulo. Temos acima, originalmente, a palavra “atrás” como um referente espacial (atrás de algum lugar, posicionamento). No entanto, no contexto dessa oração a palavra sublinhada refere-se a um tempo anterior, sensorial. Como vimos, a mente humana desenvolve um processo de reelaboração de informações que surgem inicialmente de domínios cognitivos distintos. A esse processo damos o nome de “mesclagem”, em que relações sintáticas abrem margem para os aspectos semânticos, em busca de sentido (s). Análise do Discurso16 Observe a figura abaixo: Figura 1: Modelo esquemático do processo de mesclagem conceptual Baseado em Fouconnier e Turner (2002). Fonte: o autor. Segundo Fouconnier e Turner (2002), esse processo se dá por pelo menos a conexão de quatro domínios: dois inputs de entrada; um esquema genérico (possibilidade de interação) e a mescla (o novo significado). Podemos perceber, portanto, que a Sociocognição ultrapassa o Formalismo em diversos aspectos. Dentre eles, a crítica à limitação gerativa, posto que apesar de se aproximar das ciências cognitivas, o Gerativismo entende a linguagem como autônoma, priorizando a sintaxe, enquanto que a Sociocognição valoriza a semântica por meio da utilização dos sentidos para o processo de construção da linguagem. Por fim, enquanto que na linguística formal o sujeito é irrelevante, na Sociocognição o sujeito é o centro na construção de sentido, ou seja, o homem significa o mundo de acordo com suas experiências pessoais, sociais, econômicas e culturais. Sociolinguística Variacionista As pesquisas em torno da Variação linguística surgiram nos Estados Unidos na década de 60, pela iniciativa de Willian Labov. Para Labov (2008), um dos principais intuitos dessa nova perspectiva Análise do Discurso 17 é identificar, descrever e interpretar as variações da língua levando em consideração grupos étnicos, etários, regionais, de gênero, etc., que compõem a sociedade. Segundo Wenreich, Labov & Herzog (2006), a sociolinguística enfoca a língua em seu contexto usual. Para tanto, torna-se relevante aspectos linguísticos formais, sociais e culturais quando da necessidade de investigação sobre variações e mudanças linguísticas, principalmente pela consciência de que a variação em seu uso não ocorre de maneira aleatória, mas sim condicionada por um arcabouço de regras organizadas pela divisão social em classes. É possível identificar, primeiramente, dois grandes grupos: O da norma padrão, linguagem de prestígio social, regida, comumente, pelo domínio da gramática normativa, geralmente trabalhada de maneira intensiva nos ambientes escolares, principalmente por estar articulada, sobretudo, à ascensão social dos indivíduos; e a norma não padrão, geralmente estigmatizada por não oferecer os mesmos acessos socioeconômicos que a padrão disponibiliza aos sujeitos. No combate a construção de estigmas linguísticos, a Sociolinguística elege a diversidade linguística, que considera não só as regras da língua como, sobretudo, as relações de poder. Essa consideração é resultado da ciência da língua enquanto instituição social locada historicamente e que, por isso, funciona em diversos contextos situacionais. Vejamos a tirinha abaixo: Fessora a senhora ia mi castiga pur arguma coisa que eu num �z? Claro que não, Bento! Inda bem, fessora, pruque eu num �z a lição di casa, hoje! Fonte: Adaptado de https://bit.ly/32E3C16 Análise do Discurso18 Chico Bento é um personagem cujo modo de falar difere da norma culta padrão, já que caracteriza, em sua fala, uma variação regional. A tirinha, para registrar esse modo de fala, reproduz a linguagem proveniente do contexto social a que ele está inserido. No diálogo com a professora (que domina a norma padrão, o que lhe garante status social para exercer o cargo que ocupa) percebemos que o “susto” dela se deve não aos supostos “erros” linguísticos cometidos por Chico, mas sim, pela sua esperteza em se livrar da hipótese de um castigo, revelando a compreensão da professora não só do uso oral da língua, como também o domínio das Variações linguísticas. Em relação ao Estruturalismo, a Sociolinguística se aproxima dessa linha de pensamento ao, como Saussure, considerar a linguística como um fenômeno social. Apesar disso, as diferenças são mais reconhecíveis. Dentre elas, o fato Sociolinguística Variacionista fazer uso de uma reflexão diacrônica (diferentemente de Saussure) já que essa valoriza os processos sócio históricos influenciadores das mudanças da língua. Além disso, diferentemente do Gerativismo, para a Sociolinguística é fundamental a coleta do maior número de dados de falantes possível em situações de fala reais, por meio de recursos de áudio. SAIBA MAIS Para aprofundar seus conhecimentos em torno da Sociolinguística, recomendamos os livros “A língua de Eulália”, bem como “Preconceito linguístico”, ambos de Marcos Bagno. Análise do Discurso 19 A Língua Enquanto Objeto da Linguística- Consequências dessa Perspectiva Teórica INTRODUÇÃO Anteriormente vimos que Saussure, considerado “pai” da Linguística moderna, em suas dicotomias, privilegia a língua, já que essa “é um sistema supra individual utilizado como meio de comunicação entre membros da sociedade” (COSTA, 2008, p.116). Ela se faz, para o estudioso, enquanto parte essencial da linguagem, posto que, sem ela, é impossível conceber o contato entre indivíduos de uma mesma sociedade, daí surge seu caráter social. A fala, nesse contexto, tem um papel secundário, já que é considerada específica de cada indivíduo. Aprendemos, no decorrer dos estudos entre Linguística imanente e Linguística do Discurso que a língua, bem como a fala, tomam maiores amplitudes conceituais que ultrapassaram as concepções estabelecidas por Saussure, conforme os estudos linguísticos foram avançando durante o século XX, o que não tira de Saussure a iniciativa ter colocado a língua como um dos principais objetos da linguísticamoderna. A partir de Saussure, muitos estudiosos debruçaram-se sobre o estudo da língua. Dentre eles temos o linguista francês Èmile Benveniste, e porque vamos enfocá-lo? A escolha por esse teórico justifica-se, pois, apesar de partir de Saussure, ele conseguiu ampliar a concepção de língua por meio da possibilidade de análise de sua particularidade à luz de outras grandes ciências, como a Psicologia social, Filosofia, Pragmática e a Antropologia, por exemplo. Assim, Benveniste contribuiu de maneira significativa para o legado da língua e para consequências positivas no sentido da ampliação desse conceito no âmbito da linguística. Vamos conhecê-lo? Vejamos o trecho a seguir: Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a [...]. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro Análise do Discurso20 homem, e a linguagem ensina a própria definição do homem (BENVENISTE, 2005, p. 285) Ou seja, para Benveniste a linguagem é natural, compõe a natureza humana, portanto, é nela que se faz o sujeito, é por meio dela que se pode emergir um “eu”, subjetivo, consciente de sua existência. A subjetividade é, para o linguista, norte para a compreensão da linguagem e, por isso, daremos ênfase a ela agora. A Subjetividade da Linguagem Para compreender a concepção do homem enquanto sujeito, Benveniste elabora uma relação dialética em que o “eu” cria uma interdependência com o “tu”, chamada de “eco”. Essa polaridade constituída torna-se a condição fundamental da linguagem, já que existe no homem para fazê-lo sujeito, na medida em que o “eu”, marca absoluta de subjetividade, é transcendente ao “tu”, ou seja, necessita de um tu para estabelecer sua existência. É nesse ponto que Benveniste concebe a língua enquanto categoria de maior importância enunciativa. Isso porque “eu” e “tu”, pronomes pessoais existentes em todas as línguas, não existem por si mesmos, mas sim, pela atribuição de uma referência. Em outras palavras, Benveniste quis dizer que o “eu” não existe sozinho, há a necessidade de um outro, o “tu”, para afirmar a existência do sujeito e vice- versa, portanto, é a língua, na enunciação, que concretiza a existência. Na subjetividade da linguagem os pronomes “eu” e “tu” são essenciais. Vejamos esta colocação de Juchem (2008, p.17): Esses pronomes, assim como outros indicadores autorreferenciais, diferem de todos outros signos linguísticos por terem como referência o sujeito que enuncia e a instância de discurso em que são enunciados. Eu e tu só têm referência na “realidade do discurso”, sendo o eu a pessoa que enuncia a instância de discurso que diz eu em referência a um tu, dada a situação de alocução. Eu e tu sofrem um duplo processo: de eu referente enquanto enunciado e de eu referido enquanto tu enuncia, assim sucessivamente. Pode-se dizer que eu e tu Análise do Discurso 21 transitam entre os locutores nas instâncias de discurso porque se pressupõem. Portanto, “eu” e tu”, instituídos pela língua, constituem, por meio da linguagem, o sujeito e seu interlocutor e vice-versa. Para Benveniste (2005), a subjetividade reside na ciência de que o “eu” só existe quando tem consciência de si por meio da enunciação, permitindo ao “tu” que esse também seja “eu”, como um retorno. EXPLICANDO MELHOR Para esclarecer essa concepção, vejamos a tirinha a seguir: As vezes eu me per- gunto a mesma coisa As vezes me pergunto por que estou aqui. Você também se pergunta por que está aqui? Eu me pergunto por que você está aqui Fonte: Adaptado de https://bit.ly/31H8bIF Repare que o “eu” e o “tu” trocam de posição durante o diálogo, e é exatamente a essa consciência subjetiva da existência de dois indivíduos por meio da língua, ou seja, eles existem por meio da linguagem. Além dos pronomes pessoais supraditos, Benveniste (2005) conclui que há, nas instâncias do discurso, enunciados que rementem ao que chamamos de situações objetivas, representadas pela terceira pessoa, assim, “o membro não marcado da correlação de pessoa [...] sendo o único modo de enunciação possível para as instâncias de discurso que não devam remeter a elas mesmas” (ibid., p. 282). Exemplificando, existem quatro propriedades que diferenciam a terceira pessoa “ele”, do “eu” e “tu”: a) de combinar com qualquer referência de objeto; b) de não refletir a instância de discurso; c) de ter uma grande variação pronominal ou demonstrativa; d) de não se equiparar ao aqui-agora. Nesse contexto, o pronome “ele” “não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um Análise do Discurso22 objeto colocado fora da alocução. Ele só existe e se caracteriza por oposição a pessoa eu. (BENVENISTE, 2005, p. 292). RESUMINDO Até agora vimos que, para Benveniste, uma das formas de organização da língua se dá pelo par dialético eu/tu, que subjetivamente constitui sujeitos quando esses enunciam. Além do par opositivo eu/tu, Benveniste elege também, para a organização das línguas, a noção de tempo. Se é no exercício da língua que encontramos sua subjetividade, logo, o tempo é presente a todo instante, posto que é “O tempo em que se fala”. É no presente em que se manifesta o “eu” e tudo atribuído a ele. O tempo, portanto, marca o aqui- agora da linguagem. Figura 2 – Os tempos Quadro da Enunciação Eu Tu Aqui / Espaço Agora / Tempo Fonte: @Slideshare Acima, temos o quadrinômio eu-tu-aqui-agora, representado pelo quadro da enunciação, perspectiva basilar dos estudos da língua propostos por Benveniste que veremos com mais profundidade a seguir. Análise do Discurso 23 A enunciação Para Benveniste, a enunciação é definida como “o colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, 2006, p. 82). Ou seja, enunciar é o ato de colocar a linguagem em funcionamento. Segundo Juchem (2008, p.18), ela é vista por meio de três principais aspectos: a) o primeiro remete à realização vocal da língua, possível por um ato individual no interior da fala, sendo que, nem mesmo para o mesmo sujeito essa realização é idêntica, ainda que sobre a mesma experiência vivida; logo, a irrepetibilidade da enunciação ocorre até para o próprio locutor; b) dessa produção individual decorre o segundo aspecto, que supõe “a conversão individual da língua em discurso”, processo definido como semantização da língua, segundo Benveniste (ibid., p. 83)11; c) a terceira abordagem pretende traçar um quadro formal da enunciação sob consideração do ato em si, as situações e os instrumentos de sua realização. Essencial para a existência da enunciação é o interlocutor: sem ele só há apenas uma possibilidade de língua, não o ato concreto. Entretanto, o interlocutor só existe se houver, da parte do locutor, uma apropriação da língua que estabelece um movimento de referência e correferência, já que um pede o outro, um “tu”, uma via de mão dupla. Em outras palavras, é na enunciação que o “eu” apropria-se da língua, concretizando-se no tempo, o presente. Para Benveniste (2006), passado e futuro não fazem parte da enunciação, pois o enunciado é sempre atualização. Assim, o tempo é sempre presente, contínuo e coextensivo, um aqui-agora que só existe pelo ser. Dessa maneira, podemos entender a referência como importante para o enunciado, já que o “eu” se encontra no centro da língua, marcado pelo presente. Nesse âmbito, se toda língua perpassa o sujeito, toda ela tem referenciação, ou seja, todos os signos estão ligados ao “eu” e são, portanto, referenciais. A língua, na teoria da enunciação, é sempre Análise do Discurso24 referência, não diretamente ao mundo, mas sim em relação ao sujeito com o mundo. REFLITA Se a língua é referência, como, então, os signos são referenciados na enunciação? A resposta é simples. Para Benveniste há, na língua, um aparelho de “funções”, que se adequa ao contexto comunicacionalda enunciação. Essas funções são a intimação, interrogação e asserção, e todas denotam sentidos específicos de comunicação. RESUMINDO O quadro formal da enunciação, para Benveniste, é o eu- tu-aqui-agora, considerando índices de pessoa, espaço/ tempo, referindo-se, sempre, a enunciação. Flores e Teixeira (2005, p.36) esclarece que “o aparelho formal da enunciação é uma espécie de dispositivo que as línguas têm para que possam ser enunciadas. Esse aparelho nada mais é que a marcação da subjetividade na estrutura da língua”. O aparelho pode ser sempre universal, porém, seu uso é sempre individual, mesmo que o propósito da teoria enunciativa não seja o sujeito em si, antes, as suas marcas no ato da enunciação. ACESSE Tem curiosidade em entender ainda mais sobre o processo de enunciação de Benveniste? Acesse https://bit. ly/2YHlYNv, disponível no Youtube. http://https://bit.ly/2YHlYNv http://https://bit.ly/2YHlYNv Análise do Discurso 25 Colocadas as concepções de Benveniste sobre a língua, resta-nos a pergunta: Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Podemos listar algumas, vejamos: 1. Diferentemente da linguística formal, Benveniste reconhece o sujeito como pertencente ao sistema da língua; além disso, o linguista considera a natureza da subjetividade, marcando a necessidade de reconhecer a língua enquanto instância(s) do discurso, não apenas um repertório de signos como outrora colocado por Saussure; 2. Benveniste atribui à língua o status de significação, que só se dá por vias do discurso, ou seja, na enunciação. Flores (2008, p. 12) exemplifica com clareza essa perspectiva quando diz que “É no uso da língua que um signo tem existência; o que não é usado não é signo; e fora do uso o signo não existe. Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora da língua”; 3. Para Benveniste o foco é o sujeito, é ele quem atualiza o sistema linguístico, articulando e significando. Desse modo: A língua- Subjetividade Sujeito- Intersubjetividade (Relembramos aqui a relação interdependente entre os pronomes pessoais “eu” e “tu”) 4. Por fim, Benveniste inaugura um pensamento novo sobre a língua: A enunciação, que contribuirá, mais a frente, para os pressupostos da Análise do Discurso estudada na contemporaneidade e proposta por essa disciplina. Análise do Discurso26 O Discurso Enquanto Objeto de Estudo da Linguística (a Análise do Discurso) – Consequências Dessa Perspectiva Teórica INTRODUÇÃO Até então, os capítulos anteriores propuseram um percurso dos estudos linguísticos até que pudéssemos chegar, de maneira mais clara, ao ponto central de nossa disciplina: A Análise do Discurso. Vamos conhecê-la? Como vimos anteriormente, existem muitas maneiras de estudar a linguagem: a língua enquanto sistema de signos; as diferentes normas de linguagem (lembremos da norma culta e da variação linguística); a enunciação, dentre outras. Essa variedade expõe muitas maneiras de significar, e foi a partir dessa ciência que surgiu a Análise do Discurso. O que seria então, caro aluno (a), a Análise do Discurso? Considerada enquanto uma teoria política de Leitura, A análise do Discurso nasce na França na década de 1960, tendo como Fundador o estudioso Michel Pêcheux. Para Orlandi (2007 p. 15) essa perspectiva, como seu próprio nome refere: Não trama a língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra Discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. (Grifo nosso). Ou seja, a Análise do discurso, diferente de algumas das concepções anteriores, não trabalha com a língua na qualidade de um sistema abstrato. Ela procura entender a língua enquanto sentido (s), como um trabalho simbólico, parte constitutiva do homem e da história desse. Nesse âmbito, por meio dessa perspectiva surge a oportunidade de entender o que faz o homem ser o que é, compreender sua capacidade de significar e Análise do Discurso 27 significar-se. Portanto, na Análise do Discurso a linguagem (o discurso) torna-se mediadora entre o homem e sua realidade individual e social. O que interessa à Análise do Discurso é o movimento: as maneiras de significar; pessoas se comunicando e trocando experiências, compreendendo sentidos, compreendendo seu lugar na sociedade, por meio da interpretação. Se o meio em que o discurso é produzido é significativo, vale à Análise do Discurso a consideração da linguagem à sua exterioridade. Assim, ela se materializa na ideologia, ou seja, ela tem, em parte, uma ordem própria (as regras de uso, as gramáticas); em outra, uma relativa autonomia (o campo da semântica, das possibilidades de interpretação). Exemplo: Para compreender melhor a questão ideológica, atentemos para a charge abaixo: Fonte: @Wordpress Se analisássemos a charge acima à luz de unicamente de seu conteúdo, leríamos de maneira literal, e seu objetivo (a crítica à corrupção por meio da sátira), não seria atingido. A Análise do Discurso propõe olhar o texto acima unindo sentidos e contexto situacional, considerando a compreensão da ideologia que lhe cerca: a linguagem pode sugerir múltiplos efeitos de sentido em um único texto. Assim, essa perspectiva Análise do Discurso28 sugere interpretar as linguagens que produzimos e que lemos/ ouvimos/ vemos e etc. A interpretação, nessa conjuntura, é o primeiro destaque que daremos no estudo da Análise do Discurso. A interpretação Para Orlandi (2007, p. 25), A proposta intelectual em que se situa a Análise do Discurso é marcada pelo fato de que a noção de leitura é posta em suspenso. Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Linguística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história. Ou seja, a perspectiva discursiva enfatiza a questão do contexto (Social, histórico, político, econômico) enquanto peça chave para haver sentido e, assim, linguagem. Nesse sentido, a interpretação ganha espaço por permitir a leitura e compreensão desses variados contextos. A Análise do Discurso, por esse viés, acaba por teorizar a interpretação, colocando-a como uma proposta de análise que não se fecha em si, mas trabalha seus mecanismos, limites, como partes do processo de construção de significação. Na interpretação proposta pela perspectiva discursiva não há um sentido verdadeiro, único, revelado por um método. Há, sim, uma construção de dispositivos teóricos capazes de dar conta das mais diversas produções emergidas da linguagem. Análise do Discurso 29 EXPLICANDO MELHOR Para compreender como funciona a perspectiva discursiva com mais clareza, vamos agora distinguir inteligibilidade, interpretação e compreensão, unido as explicações à exemplos. Inteligibilidade A inteligibilidade faz referência ao sentido da língua. Vejamos este exemplo: “Ela pediu esse”. Essa frase é inteligível, basta dominarmos o português para ler esse enunciado. Entretanto, ela não pode ser interpretada, pois não conseguimos chegar à conclusão de quem era ela e/ ou o que ela pediu. Interpretação Pensemos na seguinte situação hipotética: Maria vai ao restaurante com seu noivo, Carlos, e sua amiga, Júlia. Enquanto Júlia vai ao banheiro, Maria solicita ao garçom um dos pratos do Menu. Ao voltar à mesa, Júlia pergunta a Carlos o que Maria pediu e ele prontamente responde, indicando com os dedos no Menu: “Ela pediu esse”. Pelo exemplo acima podemos perceber que a interpretação necessita de um co-texto (as outras faces do texto) e o contexto em si. Interpretando, ela é Maria e esse é o prato solicitado.Compreensão Utilizando a mesma situação hipotética, nas palavras de Carlos poderíamos compreender que Júlia pediu determinado prato porque gosta mais, ou porque pode ter alguma restrição alimentícia, por exemplo. A compreensão, nesse sentido, é entender como um objeto simbólico (texto, pintura, enunciado, etc.), produz sentidos. É compreender como funcionam as interpretações. Quando interpretamos já estamos presos a um sentido. Assim, a compreensão procura explicitar os processos de significação presentes na situação comunicacional para que assim possam ser entendidos outros sentidos possíveis. Análise do Discurso30 Resumindo, a Análise do Discurso, para Orlandi (2007, p. 26): Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez, implica explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido. Produzem-se assim novas práticas de leitura. Se a interpretação é um dispositivo teórico de análise da Análise do Discurso há, portanto, o analista e o método produzido no alcance teórico da perspectiva discursiva. Cada analista necessita formular uma questão que desencadeie uma análise, e cada material de análise pede que seu analista eleja conceitos que outro analista não elegeria, criando assim conceitos diferentes de análises. Embora a teoria ilumine a análise, essa é escolhida dentre tantas pelo analista, em sua liberdade para a construção de interpretações. O Analista analisa e compreende o processo discursivo, podendo, então, interpretar seus resultados de acordo com os instrumentos teóricos escolhidos dos campos disciplinares dos quais ele optou. Dessa maneira, o analista do discurso desfaz a ilusão da transparência da linguagem, já que passou por um processo material de constituição e significação do (s) sujeito (s). É desse estudo detalhado, metódico, teórico e principalmente interpretativo que deriva, Para Orlandi (2007, p. 28), a riqueza da Análise do Discurso “ao permitir explorar de muitas maneiras essa relação trabalhada com o simbólico, sem apagar diferenças, significando-as teoricamente.” Nesse contexto, o que se dizemos não são apenas mensagens a serem decodificadas, mas sim: Efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de Análise do Discurso 31 produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Desse modo, as marfes do dizer, do texto, também fazem parte dele. (ORLANDI, 2007, p.30) Para compreender melhor, vejamos o exemplo a seguir: Exemplo: Mais cedo ou mais tarde sua esposa vai dirigir. Esta é uma das razões para você pos- suir um Volkswagen Fonte: Adaptado de https://bit.ly/2QxUUfc Enquanto analista do Discurso, quais vestígios precisamos apreender para interpretar o anúncio acima? Considerando o universo dos anúncios, propagandas, não basta apenas decodificar a linguagem verbal. Há de se levar em consideração o contexto situacional; as escolhas linguísticas; o texto não verbal; dentre outros. No exemplo acima nos deparamos com um anúncio publicitário dos anos 60. Na época era comum e, inclusive, engraçado, sentenças que maculassem a imagem da mulher. O texto verbal, portanto, pode ser interpretado como uma “piada” em relação às capacidades limitadas da mulher ao fato de dirigir. A empresa, em contrapartida, oferece um produto Análise do Discurso32 que “alivia” a preocupação masculina, já que possuí peças baratas e fáceis de encontrar. Ou seja, o homem não precisaria se preocupar com mais esse “problema”: a WV se preocupa por ele. Fica claro aqui como a condição de produção de um discurso afeta a construção da linguagem. Se hoje, no século XXI, o mesmo anúncio publicitário fosse veiculado em jornais, revistas e internet, muito provavelmente seria tachado como machista e anacrônico, e a empresa sofreria as represálias cabíveis. Portanto, as condições de produção e Interdiscurso são de grande significado para o analista do discurso e, mais amplamente, para a Análise do Discurso em geral. Assim, cabe-nos agora aprofundar essas perspectivas. Condições de produção e Interdiscurso Para Orlandi (2007), as condições de produção compreendem sujeitos, situação e a memória. Essa última, inclusive, bastante significativa, como veremos mais à frente. As condições de produção, para a autora, consideram duas circunstâncias: o contexto imediato e o contexto sócio histórico, ideológico. No último exemplo que apresentamos (o caso do fusca da Volkswagen), o contexto imediato é o “simples” anúncio de um carro e a sugestão de que esse é resistente e acessível e, por isso, deve ser comprado. Já o contexto amplo é o que revela efeitos de sentidos inerentes do funcionamento da nossa sociedade, como por exemplo o mercado automobilístico e a antiga cultura de que veículos eram destinados a homens, já que à mulher destinava-se o lar. Nas entrelinhas, observamos que a suposta aceitação de uma mulher dirigindo, reação lenta do Feminismo no decorrer do século XX, vem transvestida do machismo que reinava com todas as forças naquele contexto em particular. O anúncio, assim, revela um posicionamento sócio histórico social comum à época em que fora publicado. É aqui que o conceito de memória ganha forças quando pensada em relação ao discurso. No contexto teórico da Análise do Discurso, inclusive, podemos chamá-la de Interdiscurso: Análise do Discurso 33 Definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos de memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada palavra. (ORLANDI, 2007, p.31) Ora, só conseguimos, hoje, interpretar de maneira significativa o anúncio produzido no século XX graças a nossa memória discursiva: o discurso do machismo não é novo, é um já-dito não só naquela época, como se perpetua na nossa. Lá nos anos 60, o texto verbal anunciava uma forma de pensamento traduzida discursivamente que antecede sua produção. Assim, o texto a que tivemos contato caracteriza-se como um interdiscurso, um conjunto de formulações já existentes sócio historicamente que se traduzem em um novo texto. Assim como a interdiscursividade, enquanto memória, nos faz considerar acontecimentos passados como matéria para os novos, também é esquecimento, outro aspecto importante da Análise do Discurso que conheceremos agora. ACESSE Quer saber mais sobre a interdiscursividade na Análise do Discurso? Acesse ao vídeo “Interdiscurso e memória discursiva”, disponível no Youtube por meio do Link: https:// bit.ly/3jtiypH Para Pêcheux (1975) existem dois tipos de esquecimento no discurso, são eles: 1. O esquecimento número dois, da ordem da enunciação: Ao falarmos sempre optamos por uma forma e não outra. No entanto, o que dizemos sempre poderia se dito de outra maneira, com outras escolhas linguísticas. Ao falarmos “Feliz”, poderíamos ter optado por “alegre” ou “contente”, por exemplo. Entretanto, nós nem sempre temos consciência disso. Este https://bit.ly/3jtiypH https://bit.ly/3jtiypH Análise do Discurso34 “esquecimento” é parcial, semiconsciente, que exemplifica que o modo de dizer tudo tem a ver com os sentidos. 2. O esquecimento número um, ou esquecimento ideológico: Instância do inconsciente, é resultante do modo como somos afetados ideologicamente. Por ele temos, quando elaboramos um discurso, a ilusão de sermos originais, os primeiros a dizer/escrever/falar, etc. No entanto,quando nascemos, os discursos já estão em processo, apenas entramos no movimento. Na verdade, a língua se materializa em nós e o esquecimento é, voluntariamente, uma necessidade para que a linguagem funcione na produção de sentidos e sujeitos: retomando palavras já existentes como se fossem deles e, assim, movimentando as possibilidades da linguagem. Análise do Discurso 35 Outros Aspectos Relevantes à Análise do Discurso INTRODUÇÃO Além dos aspectos supraditos, outros se fazem importantes para uma compreensão mais completa em relação à análise do Discurso, são eles: Paráfrase e Polissemia; Formação Discursiva e Ideologia e sujeito. Iremos, agora, vê-los um por um, antes de concluirmos nosso estudo. Paráfrase e Polissemia Quando pensamos a linguagem de maneira discursiva, é impossível dissociar essa compreensão da tensão entre processos parafrásticos e polissêmicos. Para Orlandi (2007, p.36): Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, a polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura com os processos de significação. Ela joga com o equívoco. Ou seja, sempre falamos algo dito, porém, pela polissemia, esse algo dito se transforma em outro. É assim que os sujeitos (re) significam e (se) significam a todo instante. Dessa maneira, acabamos por concluir que a incompletude é condição para a linguagem: os discursos (sujeitos e sentidos) já estão prontos, contudo, eles estão sempre se refazendo, em um movimento constante da história e do simbólico. Análise do Discurso36 Formação Discursiva A noção de Formação Discursiva é basilar na Análise do Discurso, e o porquê é simples: é ela que permite entender o processo de produção de sentidos e sua relação com as questões ideológicas. A formação discursiva é definida por meio de uma formação ideológica dada, ou seja, a partir de um contexto sócio histórico dado, que define o que pode e/ou deve ser dito. Para compreendermos melhor como isso funciona, prestemos atenção nos dois pontos a seguir: O discurso se constitui em seus sentidos: Isoladas, as palavras não possuem sentido nelas mesmas, é necessária uma conjuntura na qual o sujeito se insere em uma dada formação discursiva e não em outra, para atingir um sentido ao invés de outro. Ou seja, as formações ideológicas são representadas pelas formações discursivas que as inscrevem. Daí vem o peso da ideologia. Para Orlandi (2007p. 43): Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Não há sentido que não o seja. Tudo o que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso explicita a maneira como a linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca. EXPLICANDO MELHOR Ou seja, todas as nossas escolhas discursivas, tudo o que falamos ou escrevemos, a maneira como nos posicionamos, sempre estará correlacionada a uma determinada ideologia. As ideologias regem, portanto, nossas formações discursivas. Análise do Discurso 37 Os diferentes sentidos são assimilados pela refe- rência a uma formação discursiva: As palavras, mesmo sendo iguais, podem significar coisas diferentes dependendo da formação discursiva em que estão. Por exemplo, a palavra “Floresta” não significa a mesma coisa para um produtor rural, para um índio ou um cidadão. Além disso, alterada sua letra inicial entre maiúscula e minúscula, podemos obter novos sentidos. O analista do discurso, aqui, tem papel fundamental para a compreensão: ele precisa observar as condições de produção do texto, verificando sempre o funcionamento da memória; além disso, ele necessita verificar o porquê dessa formação discursiva (ao invés de outra), para assimilar os sentidos ali presentes. Para Orlandi (2007), o sentido que, na verdade, é efeito ideológico, não nos deixa perceber, em uma primeira análise, seu fundo material, histórico. Porém, todo sujeito, carregado de ideologia traz, obviamente, uma historicidade em construção que alimenta essa mesma ideologia. Assim, Ideologia e sujeito caminham juntos e, por isso, a partir de agora, caro aluno, iremos conhecer um pouco mais sobre esses dois princípios importantes à Análise do Discurso. Ideologia e Sujeito É interessante perceber como a Análise do Discurso ressignifica a noção de ideologia por meio dos estudos da linguagem. Dessa forma, a ideologia passa a ser definida ideologicamente e é isso que veremos a seguir. Segundo Orlandi (2007, p.44), o fato de que não há sentido sem o movimento de interpretação evidencia a presença da ideologia. Sempre, em contato com um objeto simbólico, há no homem a motivação para se perguntar: “o que isso quer dizer?”. Nesse contexto, no ato de interpretar o sentido surge como evidência, como se ele sempre tivesse estado lá. O trabalho da ideologia, nesse contexto, é colocar o homem em uma relação imaginária com suas condições existenciais e materiais. Análise do Discurso38 A ideologia, portanto, passa a ser condição para a constituição de sujeitos e sentidos. Para Orlandi (2007, p.46): O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Partindo da afirmação de que a ideologia e o inconsciente são estruturas-funcionamentos, M Pêcheux diz que sua característica comum é a de assimilar sua existência no interior do seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências “subjetivas”, entendendo “subjetivas” (...) como “nas quais se constitui o sujeito.” Assim, a subjetividade, enquanto constituinte do sujeito, está para a ideologia do que ele pretende dizer. Entretanto, ao se colocar enquanto sujeito, muitas vezes o homem apaga o fato de que é interpelado pela ideologia. Esse apagamento já nos foi colocado acima: o homem acredita estar dizendo algo novo, nunca antes pronunciado. Para o analista, nesse sentido, entender ideologia enquanto relação necessária entre mundo é linguagem é fundamental. Exemplo: Enquanto analistas, podemos nos perguntar: Como a ideologia atua na charge abaixo? Acabei de ligar Oi, Miguelito! Coisa boa na TV? Mas parece que se você passa desodorante, depois come sal- sichas e aí compra uma máqui- na de lavar roupas, só não é feliz se for muito idiota Fonte: Adaptado de https://bit.ly/2Z3rier Considerando o “esquecimento”, para nós, enquanto sujeitos, a resposta de Miguelito poderia ser inocentemente a compreensão de um todo original, “novo” do que está passando na TV. Entretanto, a charge acima ultrapassa esses limites ao ironizar a ideia de felicidade vendida nas propagandas e programas de TV. Análise do Discurso 39 Nesse sentido, a formação discursiva, se analisada por esse viés, revela um sentido novo pertencente a uma ideologia dominante nos dias atuais que está aparentemente velado na resposta do personagem: O consumo, incentivado como gerador de felicidade em nossa sociedade capitalista das mais diversas formas. Para Orlandi (2007, p.47) o sentido, É assim uma relação determinada pelo sujeito-afetado pela língua- com a história. É o gesto da interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço de relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. EXPLICANDO MELHOR Nós, enquanto sujeitos, somos formados pela ideologia e história que nos cerca, e esses dois elementos são, mesmo que inconscientemente, norteadores do nosso discurso. Muitas vezes ésó pela interpretação, na busca pelo sentido do que dissemos, falamos ou agimos, que compreendemos a (s) origem (s) daquele discurso. Por fim, é importante esclarecer que o trabalho com a ideologia é um trabalho baseado na memória- esquecimento. É justamente o esquecimento que motiva a iluminação de qualquer discurso proposto. No pensar, por exemplo: “Por que ‘fulano’ se colocou dessa forma?”; “Por que eu me posicionei dessa maneira”? temos o primeiro passo para a investigação da formação discursiva de determinado contexto, chegando às conclusões ideológicas na construção de sentidos. Análise do Discurso40 Após essa produtiva imersão teórica em relação à Análise do Discurso, nos perguntamos: Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Iremos, agora, indicar algumas: 1. A Análise do discurso, ao unir campos de conhecimento, rompe suas fronteiras e elege um novo recorte de disciplinas, constituindo um novo objeto de estudo: o discurso; 2. Para a Análise do Discurso, não há apenas transmissão de informação, muito menos linearidade nos elementos comunicacionais. Para ela, a língua não é apenas um mero código, em que se separa emissor e receptor; em que um fala e outro, na sequência, decodifica. Não há transmissão de informação apenas, há um complexo processo de formulação de sujeitos que produzem constantemente sentidos; 3. A língua, para a Análise do Discurso, tem sua ordem própria, porém, é relativamente autônoma; 4. Na perspectiva discursiva, o sujeito da linguagem se constitui enquanto descentralizado, pois é afetado pelo real da língua, bem como o real da história, e o modo como essas o afetam não pode ser controlado por ele. Isso possibilita concluir que o sujeito discursivo age pela ideologia e inconsciente; 5. Por fim, podemos concluir que na Análise do Discurso “Em seu quadro teórico, nem o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes linguísticos (...) nem a língua como fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos.” (ORLANDI, 2007, 22). A língua, assim, sempre será condição para a oportunidade do discurso. Análise do Discurso 41 REFERÊNCIAS BENVENISTE, Émile. A natureza dos pronomes. In: _________. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 2005, p. 277-283. _________. Da subjetividade na linguagem. In: _________. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 2005, p. 284-293. _________. O aparelho formal da enunciação. In: _________. Problemas de Linguística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 2006. p. 81-90. 16. COSTA, M.A. Estruturalismo. In. _________. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. CHOMSKY, N. O conhecimento da língua: Sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994. _________. 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