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LINGUÍSTICA II PROFESSORA Dra. Vera Lucia da Silva ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2690 EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. SILVA, Vera Lucia da. Linguística II. Vera Lucia da Silva. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. 200 p. “Graduação - EaD”. 1. Linguística 2. Linguagem 3. Ensino. EaD. I. Título. FICHA CATALOGRÁFICA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador(a) de Conteúdo Fabiane Carniel Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Flávia Thaís Pedroso Design Educacional Giovana Vieira Cardoso Revisão Textual Silvia Caroline Gonçalves Ilustração André Azevedo Fotos Shutterstock CDD - 22 ed. 412 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-65-5615-124-3 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas Gerência de Contra- tos e Operações Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra- balhamos com princípios éticos e profissiona- lismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- versão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- sional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, pro- duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe- cidos pelo MEC como uma instituição de exce- lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educa- cionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as neces- sidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromis- so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ati- vas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa mis- são, que é promover a educação de qua- lidade nas diferentes áreas do conheci- mento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A Dra. Vera Lucia da Silva Professora Formadora responsável pelas disciplinas de Linguística I e II do Centro Universitário Maringá (Unicesumar). Por meio da área de concentração em Estudos Linguísticos e linha de pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso, possui pós-dou- torado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR/CAPES 5, 2016), doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-SP/CAPES 7, 2014), mestrado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR/CAPES 5, 2006) e graduação em Letras (Português/Francês) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR/CAPES 5, 2002). Especialista em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR, 2015), em Educação a Distância e Tecnologias Educacionais, pelo Centro Universitário Maringá (Unicesumar, 2018) e Docência no Ensino Superior: tecnologias educacionais e inovação (Unicesumar, 2019). Atualmente, os interesses de pesquisas estão pautados teoricamente na Análise de Discurso de linha francesa, com dedicação às questões relacionadas ao ensino e aprendizagem de língua materna na educação a distância. http://lattes.cnpq.br/3139374696864904 A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A LINGUÍSTICA II Prezado(a), estamos iniciando mais uma etapa do curso e, por meio dela, iremos mediar a disci- plina de Linguística II, em que o foco é compartilhar conhecimentos sobre a nossa língua mater- na, ou seja, a portuguesa brasileira, que começamos aprender ainda no ventre da nossa mãe. Esperamos que você, enquanto sujeito ativo, desenvolva uma leitura mediada por críticas e reflexões para que possamos colaborar, a partir de nossos pequenos gestos, para uma transformação social capaz de retirar o nosso modelo educacional adequado para o século XIX, transformando-o para atender às necessidades que a sociedade do século XXI está exi- gindo de todas as pessoas, principalmente daquelas que estão propondo atuar no campo profissional da docência, tendo a língua como sua ferramenta de trabalho. Diante de uma pluralidade de saberes e da exigência de um profissional multifacetado, nossa proposta aqui é apresentar a você algumas das diversas teorias linguísticas existentes e que fazem parte do dia a dia dos cursos de Letras disponíveis no Brasil. Com o intuito de refletir sobre a língua para além de um modelo tradicional que parecia ser único, nosso mergulho teórico será encantador, pois teremos a oportunidade de ter acesso a outras reflexões sobre a língua, para que você possa fazer suas escolhas tanto sobre como mediar um processo de ensino e aprendizagem quanto para dar continuidade à sua formação, caso almeje mergulhar no mundo da docência e da pesquisa. Dentro de um arcabouço teórico amplo, tivemos que fazer escolhas teóricas que resultaram nas cinco unidades que iremos apresentar. Cada uma contemplará uma teoria do campo da linguística e o foco sempre será a língua que falamos e escrevemos. Na primeira unidade, você terá acesso aos conceitos básicos da Teoria Linguística Gerativista e o seu teórico principal, Noam Chomsky. O objetivo é lhe apresentar a língua, a partir de conceitos que a refletem como algo de pertencimento exclusivo e inato de nós seres huma- nos, para chegar a alguns aspectos teóricos e práticos de aquisição do Português do Brasil pelas nossas crianças. D A D I S C I P L I N AA P R E S E N TA Ç Ã O Na segunda unidade, você irá conhecer outra teoria do campo da Linguística, denominada Sociolinguística. Por meio dela, você descobrirá que a língua não é fixa, homogênea e enges- sada, mas flexível, fluida e em constante movimento, ou seja, ela está sempre em processo de variação e mudança. Por meio dessa teoria e seus autores, nosso olhar sobre a língua que falamos e escrevemos hoje (a Portuguesa Brasileira) enxergará mais longe, para além dos preconceitos linguísticos cultivados no solo fértil do senso comum. A terceira unidade foi desenvolvida para que você conheça e pratique, nas suas ações linguís- ticas cotidianas, a Teoria da Semântica. Este campo de saber nos subsidia a lidar com a língua como um campo aberto que, pensada nos seus contextos específicos, uma única palavra possibilita a produção de vários significados. Um campo de saber riquíssimo para pensarmos na engrenagem da língua tanto no espaço social quantono chão da escola. A quarta unidade levará você a uma teoria linguística denominada Análise do Discurso (AD) e, por ser considerada uma disciplina de entremeios, pois, além da linguística, o discurso é produzido também pela história e pelos acontecimentos sociais justificados nas lutas de classes. Pela AD, você irá descobrir que a língua é opaca e capaz de produzir efeitos de sentidos, conforme a posição do sujeito que enuncia. Enfim, trata-se de mais uma teoria linguística que irá auxiliar a estabelecer uma relação menos ingênua (sem tanta inocência) com os fatos cotidianos. Na quinta unidade, elaboramos uma proposta sobre o ensino e a aprendizagem da nossa língua materna (a Portuguesa Brasileira), a partir de um contraponto, simultaneamente, diver- gente e convergente, entre a Gramática Normativa Tradicional e as sugestões apresentadas por linguistas contemporâneos que pensam sobre a temática. Selecionamos os pronomes, dentre um dos temas das dez classes gramaticais, para apresentar a forma como ele era (e ainda é) pensado pelo modelo tradicional e também como deve (ao menos deveria) ser pen- sado para uma realidade linguística brasileira, pautada no decorrer do século XXI. Desejo-lhe uma ótima leitura e que os resultados abram espaços para o início de uma jorna- da com resultados profícuos para desbravar uma área que ainda merece cuidado e carinho. Mergulhe por inteiro! ÍCONES Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele- mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conceituando No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. quadro-resumo Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. explorando ideias Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! pensando juntos Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno- logia a seu favor. conecte-se Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 05 UNIDADE 04 FECHAMENTO LINGUÍSTICA GERATIVA: CONCEITOS TEÓRICOS E PRÁTICOS SOBRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 10 SOCIOLINGUÍSTICA: VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO 52 90 SEMÂNTICA: A TEORIA DO SIGNIFICADO 118 ANÁLISE DO DISCURSO: FUNDAMENTOS INTRODUTÓRIOS 158 ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA: REFLEXÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS 193 CONCLUSÃO GERAL 1 LINGUÍSTICA GERATIVA: CONCEITOS TEÓRICOS e práticos sobre a aquisição da linguagem PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Retornar para avançar: Linguística I • Gerativismo: que teoria linguística é essa e quem é seu principal autor? • Behaviorismo: estímulo, resposta e reforço na aprendizagem da língua • Linguística gerativa: fases, aplicações e conceitos principais • Aquisição de linguagem do português brasileiro: risos, tropeços, balbucios e meias falas. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Lembrar alguns aspectos teóricos da Linguística I e preparar o(a) estudante para conhecer e refletir sobre a Linguística Gerativa • Apresentar a teoria e seu principal autor • Conhecer a fase behaviorista e sua influência na fase gerativista • Compreender a teoria gerativista e suas fases de desenvolvimento • Compreender a aplicação da teoria gerativa na aquisição do Português Brasileiro. PROFESSORA Dra. Vera Lucia da Silva INTRODUÇÃO Prezado(a) estudante, nesta unidade de abertura de Linguística II, iremos iniciar uma reflexão sobre uma das diversas temáticas sobre a (e da) língua que compõe o leque teórico da malha curricular dos Cursos de Letras em todo o Brasil, a partir de um período considerado pós-saussuriano. Histo- ricamente, retornaremos aos meados do século XX (1950) para lhe apre- sentar o gerativismo, pautado na justificativa de se tratar de uma temática linguística importante para pensarmos a língua, enquanto componente que habita na mente do ser humano, este ser sociável que tem a língua como o grande diferencial, em relação as outras espécies. Há aspectos temporais e também teóricos que nos limitam em pro- mover um debate interdisciplinar e transversal sobre a língua, dentro da temática gerativista, que iremos apresentar a você. Diante disso, como mar- co inaugural desta fase de estudos que estamos iniciando, apresentaremos os componentes teóricos básicos sobre a teoria linguística gerativista e seu autor principal, Noam Chomsky, bem como as pistas sobre os desdobra- mentos atuais da teoria. Diante do universo multifacetado de teorias linguísticas existentes hoje, optar pela apresentação desta temática exigiu maturidade acadêmica para desenvolver um direcionamento pautado em autores e teorias específicas, concomitantemente ao fato de que, outros autores, não menos importan- tes, não foram contemplados aqui, por questões simples como de espaço e também para evitar a famosa “salada teórica”. No entanto, isso não impede que os sedentos por conhecimento ampliem os conceitos tratados aqui e que serão norteados, não por acaso, com os componentes teóricos da aqui- sição de linguagem desenvolvidos a partir das inquietações do linguista e ativista político Noam Chomsky, considerados a partir de três aspectos: a) contexto histórico, definição e seu principal autor; b) conceitos básicos e desdobramentos evolutivos da teoria e c) aspectos teóricos e práticos do processo de aquisição da linguagem pela criança. U N ID A D E 1 12 1 RETORNAR PARA AVANÇAR: linguística I Durante o percurso da disciplina de Linguística I, você teve acesso aos com- ponentes teóricos do seu objeto científico, ou seja, a língua pensada em uma perspectiva para além do senso comum e das reflexões pautadas somente pela gramática tradicional. Situamos você no contexto desta disciplina e demos iní- cio a um debate sobre a língua e as possibilidades teóricas para refletir sobre ela, retomando campos básicos de saberes como a linguística histórica e a formação da nossa Língua Portuguesa Brasileira. Isso será feito pela abordagem da macrolinguística, ou seja, por meio de temá- ticas que refletem a língua atrelada aos elementos sociais, culturais e históricos e que se configuram por meio de temáticas como o Gerativismo, a Sociolinguística, a Semântica, a Análise do Discurso que teremos a oportunidade de conhecer durante o percurso de Linguística II. Muitas temáticas que compõem o campo de saber da Linguística não serão mencionadas aqui, mas está inteiramente dis- ponível a você, nas bibliotecas, repositórios, artigos científicos e livrarias virtuais. U N IC ES U M A R 13 Como a língua somente será analisada de forma competente se o analista a considerar como algo que está sempre aberto e em constante movimento, é cabível, neste momento, pensá-la por meio do falante e, claro, de forma interdependente aos acontecimentos que compõem nossa vida enquanto seres sociáveis e afetado pelos acontecimentos. Por isso, dedicaremos as páginas desta unidade para você ter acesso aos aspectos básicos que compõem a teoria linguística gerativista. Ferdinand de Saussure já foi apresentado a você como o responsável pela teoria que revolucionou os estudos linguísticos, a partir do século XX, por meio do lan- çamento da obra denominada Curso de Linguística Geral, o famoso CLG, lançado em 1916, que trouxe em seu arcabouço a base teórica da língua, enquanto objeto científico. O que importa para nós, neste momento, é que foi a apresentação da sua teoria com todos consensos e dissensos ocorridos que, hoje, podemos pensar sobre a (e na) língua por meios de diversas ramificações teóricase a disciplina de Linguística II nos dará a oportunidade de conhecer algumas delas. Nesta unidade, apresentaremos a base teórica do gerativismo de Noam Chomsky e seus desdobra- mentos, por ser considerada uma das primeiras teorias linguística, após Saussure. É importante, nesse momento, afirmar que, para nós, dizer algo é tão natural quanto o gesto de andar ou tão simples como é o ato de voar para o pássaro. Um ato tão natural que não paramos para pensar na complexidade que há em uma situação em que um falante pergunta as horas para o outro, seguida da resposta que define o momento do dia em que estamos. É sobre o modo como os humanos produzem e compreendem suas expres- sões de fala que será tratado nesta unidade, por meio da apresentação de uma ciência denominada Linguística Gerativa. Sua compreensão básica elege a mente humana como componente inato de aquisição da linguagem e, nesse contexto teórico, cabe ao linguista “[...] formular hipóteses sobre como deve ser o conhe- cimento linguístico existente na mente das pessoas” (KENEDY, 2013a, p. 16). U N ID A D E 1 14 2 GERATIVISMO: QUE TEORIA LINGUÍSTICA é essa e quem é o autor principal? Antes de responder à pergunta que intitula esse item, você já pensou sobre como uma criança, após pou- co tempo em contato com falantes (pais, avós, irmãos etc.), sem passar por um treinamento intensivo ex- plícito e mesmo com um sistema neurológico ainda em formação, é capaz de adquirir um conhecimento linguístico rapidamente e de forma descomplicada? Nossa produção sobre esta temática linguística se inicia por meio de uma con- ceituação básica, mas capaz de responder à pergunta que intitula este item. Para iniciar nossa reflexão, nos apropriamos de Guimarães (2014) para definirmos o gerativismo como uma corrente teórica do campo da linguística que reflete sobre o processo de aquisição da linguagem. Ele foi oficialmente criado nos Estados Unidos pelo linguista e ativista político Avram Noam Chomsky (veja sua bio- grafia no “Explorando Ideias”), por meio do lançamento da sua obra Syntactic Structures (Estruturas Sintáticas), no ano de 1957. Figura 1 - Noam Chomsky U N IC ES U M A R 15 ■ Nesse período considerado como pós-saussuriano (o ano de 1957), Chomsky e seu estilo polêmico aparece com uma teoria em que o ponto principal se pautava em um comportamento científico de resistência em relação às propostas teóricas e práticas do behaviorismo (o próximo item será dedicado a este tema). Para tanto, a proposta chomskyana se funda- mentava teoricamente por meio do desenvolvimento de um projeto pe- dagógico ministrado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Não podemos esquecer que estamos tratando de um campo teórico que tem como foco pensar cientificamente sobre a língua e, especificamente no caso do gerativismo que estamos tratando aqui, no modo pelo qual ocorre a aquisição da linguagem em nós, seres humanos. Além disso, no dizer de Kenedy (2013a), gerativismo vem do verbo gerar e, por meio dele, significa o desenvolvimento de uma teoria linguística capaz de descrever os procedimentos mentais que geram as estruturas da linguagem representadas por palavras e frases criadas na mente das pessoas, por meio de regras inconscientes. Ainda amparados no autor, salientamos que a descrição e explicação racional do modo como se adquire e funciona a linguagem humana será discutida neste espaço. Para isso, consideramos o aspecto cognitivo e suas reflexões sobre um conjunto de inteligências humanas, ou seja, fenômenos mentais relacionados à aquisição, armazenamento e ativação de elementos utilizados na aquisição da linguagem (a língua materna que, no nosso caso, é a Portuguesa Brasileira). Novamente estamos inseridos em uma importante teoria que tem como ob- jetivo pensar sobre a língua, cabendo defini-la dentro desse campo teórico, pois, como já sabemos que a língua se apresenta a partir de uma multiplicidade de definições para a comunidade acadêmica que a tem como seu principal objeto de estudo, conforme veremos neste material. Por isso, é importante defini-la aqui, especificamente, dentro do campo teórico gerativista e segundo Kenedy (2013a) como uma habilidade presente na mente humana, uma faculdade cognitiva que habilita o ser humano a produzir e compreender enunciados na língua de seu ambiente (a materna). Nesse momento, vale a pena refletir sobre o gerativismo a partir de uma po- sição prática, ou seja, apresentando alguns questionamentos tal como o de Luft (1985), que apresenta questões desafiadoras sobre o modelo de ensino tradicional (e também atual) da língua materna. Ele afirma que: U N ID A D E 1 16 “ Uma das principais causas de um ensino de língua materna mal orientado, na escola tradicional ingênua, é o pressuposto de que o aluno NÃO sabe a língua. Isso leva a concentrar o esforço de “en- sinar” coisas, sobretudo teoria gramatical. Tem-se a impressão de que o professor de idioma nacional está ensinando português a estrangeiros… com um método ineficiente [...] (LUFT, 1985, p. 72). Se analisarmos os resultados vergonhosos do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA/2016), por exemplo, facilmente iremos perceber que sua posição, nas últimas colocações (63ª em Ciências, 59ª em Leitura, 66ª em Matemática). Posições que refletem, entre tantas possibilidades, políticas públicas ineficazes para o ensino de língua materna que, nesse pódio, se esconde atrás de jargões que culpabilizam “o fracasso escolar dos alunos que não sabem ler, escre- ver e interpretar sua própria língua”. Situação que retoma Luft (1985) ao abordar a reação desmotivada dos estudantes, em relação às desamadas e detestadas aulas de Português. Enquanto isso, fora da escola “a criança e o falante não escolarizados sabem tudo de que precisam para falar em seu nível de comunicação. Apenas não conhecem os termos técnicos, os nomes daquilo que sabem” (LUFT, 1985, p. 43). A prova disso está no fato de que a criança, já nos seus primeiros anos de vida, con- segue evoluir e estabelecer uma regularização da sua fala, de modo prático e coerente: EU TRAZI MINHA BOLA PARA JOGAR. E EU JÁ FAZI MINHA TAREFA, AGORA PODEMOS BRINCAR! Figura 2 - Simulação de diálogo entre crianças / Fonte: a autora. U N IC ES U M A R 17 Veja o que o autor apresenta como exemplos dessa fase: a) * fazi ou * trazi equiparando às regras gerais das formas regulares bati, fugi, comi. b) * abrido, * cobrido, * fazido, * escrevido se assemelhando aos modos re- gulares dormido, comido, batido. Os exemplos registrados com o sinal de asteriscos indicam que tais termos são agramaticais, ou seja, estão em desacordo com as regras gramaticais ensinadas nas escolas e, portanto, não são aceitáveis. No entanto, se fizermos uma reflexão linguística destituídos das normas da gramática normativa tradicional, iremos perceber que essa criança está construindo um arquivo linguístico em que ela se acha exposta e cria suas hipóteses, marcando sua evolução linguística. Sobre tais fatos, veja o que nos diz o autor: “ Parece assombro que qualquer criança em condições físicas, men-tais e sociais normais, seja capaz de elaborar assim a teoria ou a gramática de sua língua. [...]. Trata-se de um saber imediato, sem intermediação da razão, sem nomenclatura. Um saber sintético, não analítico; implícito, não explícito. Enfim, um saber intuitivo, não discursivo (LUFT, 1985, p. 42-43). Esse processo intuitivo e inatista (escreveremos sobre isso logo mais) é inerente à formação da criança que chega na escola dominando sua língua materna, apenas pelo convívio social com seus pares (amiguinhos, pais, avós, irmãos etc.), ou seja, ela não precisa passar por nenhum projeto pedagógico de alfabetização para iniciar sua trajetória como falante e ser social que interage, principalmente e, inicialmente, pela linguagem falada. Nesse caso, o gerativismo é um campo de conhecimento que poderá ajudar a compreendero fenômeno da aquisição da linguagem. Enquanto estudantes, é importante saber que as teorias científicas sempre surgem a partir de reflexões de pensadores que ressignificam ou refutam teorias já existentes, nos eventos acadêmicos. Tais celeumas também ocorreram em meados do século XX, quando Noam Chomsky criticou a influência do behaviorismo, enquanto linha de pensamento vigente e influenciadora no processo de ensino e aprendizagem da aquisição da língua materna. Vamos conhecer os aspectos básicos desta teoria e sua aplicabilidade no processo de ensino de língua, bem como os motivos pelos quais Chomsky o criticou veementemente? U N ID A D E 1 18 O professor, ativista político e crítico radical contra a economia externa americana Avram Noam Chomsky nasceu em 1928, na Filadélfia, em um dos estados americanos denomi- nado Pensilvânia. Em 1955, tornou-se doutor na Universidade da Pensilvânia e, em 1957, lança o resultado do seu trabalho na obra “estruturas sintáticas”. Em 1961, começou a lecionar no Massachusetts Institute of Technology (MIT), mas o que o tornou conhecido e famoso foi sua contribuição à linguística moderna, por meio da formulação teórica e o desenvolvimento do conceito de gramática gerativa transformacional que, ao apresen- tar um sistema de análise linguística lógica, desafiou a linguística tradicional, a partir da consideração de que a única forma de entender o aprendizado de uma língua, por seus falantes nativos, seria por meio da compreensão de estruturas gramaticais inatas (já nas- cidas com o indivíduo) e, portanto, comum a toda a humanidade, ou seja, uma espécie de gramática universal (GU) ou um dispositivo cerebral inato que nos permite aprender e utilizar a língua de forma quase instintiva. Fonte: adaptado de Pacievitch ([2020], on-line)1. explorando Ideias U N IC ES U M A R 19 3 BEHAVIORISMO: ESTÍMULO, RESPOSTA e reforço na aprendizagem da língua Figura 3 - Burrhus Frederic Skinner (1904 - 1990) / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)2. Para compreendermos a teoria lin- guística gerativista, precisamos co- nhecer o behaviorismo por se tratar de uma teoria do âmbito comporta- mentalista do início do século XX e que se constituiu em um dos aspec- tos de crítica, bem como de motiva- ção da criação da teoria de Chomsky, que ocorreu justamente por discor- dar do método behaviorista, no que concerne à aquisição da língua. Segundo Guimarães (2014), a chegada do gerativismo promoveu uma revolução cognitiva, pois que- brou a hegemonia behaviorista na psicologia, na filosofia e na linguística, contribuindo para a compreensão do funcionamento do cérebro humano. Foi neste cenário que Chomsky se destacou não só pela defesa apaixonada de suas ideias, mas por considerar os estudos da lin- guagem que, há séculos, são vistos como a grande prova da singularidade da mente humana, pois é ela que nos torna diferentes das máquinas e de outros animais. U N ID A D E 1 20 O behaviorismo sempre acompanha as reflexões propostas sobre o gerativis- mo como estratégia inicial das reflexões teóricas embrionárias e discordantes de Chomsky a um modelo de pensamento vigente, naqueles meados do século XX, que era praticado sob uma espécie de tríade denominada: estímulo, resposta, reforço. Para conhecer o behaviorismo e seus principais autores, lançamos duas per- guntas básicas que facilitarão o percurso inicial de quem está tendo o primeiro contato com esta teoria: a) O que é behaviorismo? b) Como ele é aplicado em um projeto de pedagógico de ensino de língua? Figura 4 - Perguntas básicas / Fonte: a autora. Dentro do campo da ciência da linguagem, nosso interesse sobre o behavioris- mo se centra, unicamente, no modo como os pensadores, adeptos desta teoria, interpretavam a aquisição da linguagem em um processo de ensino e aprendi- zagem. Antes, porém, cabe salientar de maneira simplificada que o behavioris- mo se define, segundo Baum (2009) como uma ciência do campo da psicologia comportamental, oficialmente fundada em 1913 pelo psicólogo estadunidense John B. Watson (1879-1958), por meio de um artigo intitulado “Psychology as the behaviorist views it” (a psicologia como o behaviorista a vê). U N IC ES U M A R 21 A essência dessa teoria preza pela omissão do estudo da consciência e da in- trospecção (emoção e sentimento) para basear-se somente em dados fisiológicos observáveis e herdados da teoria do condicionamento do médico fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936). Este explicou o modo pelo qual os estímulos se encadeiam com as reações para produzir o comportamento, chegando à con- clusão de que todo comportamento humano poderia ser explicado por meio de condicionamentos (FRAZÃO, [2020], on-line)3. Resumindo: a essência do behaviorismo define que qualquer ser humano, mesmo sendo considerado uma tábula rasa e de mente vazia, poderia ser en- sinado a ter um comportamento determinado, mediante a construção de sua personalidade e inteligência, ou seja, de acordo com a teoria de Watson, qualquer criança poderia ser treinada e transformada em médico, artista, ladrão ou men- digo (GUIMARÃES, 2014). A autora salienta que Chomsky fora considerado “rebelde e inflexível” por ter se negado a continuar com as propostas behavioristas, indo na contramão da hipótese empirista, ou seja, a de que a linguagem é adquirida pelas experiências vividas após o nascimento. Ao negar essa possibilidade, ele assume uma postura acadêmica ousada e desenvolve um pensamento diferente do que já estava estabe- lecido naquele tempo, por meio da sua dissertação de mestrado, na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Interessa saber que foi a partir desta teoria que surgiram novas interpretações conhecida como neobehaviorismo ou behaviorismo radical e é nesse contexto que lembramos o psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904- 1990), discípulo de Watson que lançou sua teoria oficialmente, em 1957, por meio da obra Comportamento Verbal. Ele considerou o comportamento verbal hu- mano e a aprendizagem, por meio da dupla estímulo-resposta (S-R das palavras inglesas stimuli e response) adquiridas de Watson, mas acrescentou um terceiro elemento, o reforço positivo ou negativo. Segundo a autora, os pressupostos de Skinner para a aquisição da linguagem defendem que as crianças aprendem imitando os adultos e por meio do reforço negativo (quando dizem algo "errado" e são corrigidas) e do reforço positivo (quando dizem algo considerado "certo" e são elogiadas/motivadas). U N ID A D E 1 22 Desse modo, sua base científica está amparada na relação entre a atividade do indivíduo (a resposta) e a atividade do ambiente (os estímulos) de forma mecanicista, ou seja, pelo estabelecimento de uma analogia do comportamento a uma máquina, fazendo-a funcionar. Os behavioristas radicais “ [...] acreditavam que o comportamento humano era regido pela tríade estímulo-resposta-reforço: a pessoa recebia algum estímu-lo, externo ou interno, e então desenvolvia uma resposta; se fosse reforçada positivamente, essa resposta viraria um comportamento frequente; se reforçada negativamente, seria abandonada (GUIMA- RÃES, 2014, p. 46). Exemplificando a teoria behaviorista de Skinner, segundo Santos (2012): a criança que está no berço e quer sair, ao ver a mãe (estímulo) começa a chorar (resposta). Se a mãe for até o berço e retirá-la, ocorre um reforço positivo no comportamento da criança, mas se ela não retirar e deixá-la chorando, ocorre um efeito inverso, ou seja, um reforço negativo, pois aprenderá que não é chorando que sairá do berço e ganhará o confortável colinho de mãe. Veja o exemplo no quadro: REPETIÇÃO DO COMPORTAMENTO ABANDONO DO COMPORTAMENTO Quadro 1 - Esquema do estímulo-resposta-reforço proposto por Skinner / Fonte: Guimarães (2014, p. 16). U N IC ES U M A R 23 Vamos para mais um exemplo: a criança, ao ver a mamadeira (estímulo), diz papá e, caso receba o alimento (reforço positivo), aprende que sempreque sentir fome deverá dizer papá (resposta). De acordo com os adeptos do behaviorismo, esse comportamento linguístico explica que a aquisição da linguagem ocorre por meio de um processo automatizado, observacional, ou seja, sem a preocupação de que há outros elementos estruturadores e organizacionais que atuam juntamente durante o processo de aquisição. Seguindo este raciocínio, a questão que se coloca nesse momento é que a apren- dizagem (ou aquisição) de uma língua ocorre por meio de um fenômeno mecani- cista de imitação, trazendo à tona vários questionamentos, entre os quais apresen- tamos somente dois, por considerá-los primordiais no avanço da nossa reflexão: a) Se a aquisição da linguagem ocorre por meio de imitação (estímulo, res- posta e reforço), como explicar o fato de uma criança que, com apenas 4 anos de idade, já é competente em sua língua nativa, dominando a maior parte de suas regras, ultrapassando o método imitativo? b) Se a aquisição da linguagem ocorre por meio de imitação (estímulo, res- posta e reforço), como uma criança enuncia palavras ou frases nunca ouvidas dos interlocutores próximos (pais, avós, irmãos etc.)? Tais reflexões são suficientes para adentrarmos em outro campo teórico que abor- da a aquisição da linguagem por meio de um campo teórico que vai além da base behaviorista, e que questionou esse modelo mecanicista de se adquirir uma linguagem, partindo de questões observáveis e teorizando-as como algo inerente/ inato no ser humano. Tais questões continuarão sendo tratadas aqui, por meio do avanço pela teoria gerativa de Noam Chomsky, situando seus pontos principais. Você já pensou sobre a capacidade que os humanos têm em adquirir e fazer uso de uma língua de forma tão natural e rápida? Já refletiu também por que os outros animais não conseguem falar, mesmo submetidos a treinamentos? Fonte: adaptado de Kenedy (2013a) e Lima Junior (2013). pensando juntos U N ID A D E 1 24 4 LINGUÍSTICA GERATIVA: FASES, APLICAÇÕES e conceitos principais A linguística gerativa já foi brevemente apresentada a você; agora precisamos avançar para conhecer seus principais conceitos, a partir de um registro das fases da teoria e a forma como a aquisição da linguagem é cientificamente praticada em cada etapa do seu desenvolvimento. Já sabemos que Chomsky mergulhou em reflexões profundas sobre o modus operandi da aquisição da linguagem por discordar da influência teórica comportamentalista/behaviorista que acreditava que a língua era adquirida por meio de um processo de repetição artificial e induzida por um aspecto cultural e social, isto é, a língua não era pensada como um produto natural e, portanto, inerente da mente humana. Foi no final da década de 50, especificamente em 1957, como já sabemos, que Chomsky apresentou sua teoria, a partir da discordância de que a língua não é aprendida, mas adquirida. Nesse contexto, ele consegue promover uma revolu- ção científica, registrando sua tese de que a aquisição da linguagem ocorre por meio de uma concepção mentalista/inatista. E o que isso quer dizer? A resposta é simples: a língua faz parte da natureza biológica do ser humano e é sobre essa característica que iremos refletir agora. U N IC ES U M A R 25 Primeira fase: a teoria padrão e o inatismo Iniciamos este tema com duas reflexões, lançada por Kenedy (2013b): A) OS ANIMAIS MESMOS PASSANDO POR TREINOS EXAUSTIVOS, NÃO CONSEGUEM ALCANÇAR UMA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA SEMELHANTE AOS SERES HUMANOS; B) AS CRIANÇAS ADQUIREM A LÍNGUA DE SEU AMBIENTE DE UMA FORMA RÁPIDA, ESPONTÂNEA E SEM ESFORÇO APARENTE. Se as crianças saudáveis constroem seu conhecimento linguístico com um nú- mero reduzido de informações, isso significa que tais fenômenos são explicados pela hipótese do inatismo linguístico, ou seja, pela justificativa de que somos pré-programados para adquirir e usar uma língua natural, ao menos. Considerando a aquisição da linguagem, o inatismo se consolida, pela língua, por considerar que os inúmeros detalhes do nosso conhecimento linguístico es- tariam inscritos em nossos genes, justificando uma disposição biológica exclusiva para adquirir e usar uma língua de maneira natural e rápida. O ponto explicativo desse fenômeno se configura no fato de que a lingua- gem humana está na mente das pessoas e a justificativa chomskyana para esse aspecto se pauta na premissa de que todas as pessoas produzem frases que nunca ouviram, confirmando a predisposição inata de uma criatividade linguística, nas suas interações sociais. Em outras palavras, a regra que justifica essa capacidade criativa se ampara na condição humana de produzir e compreender um conjunto infinito de enunciados, possivelmente jamais produzido, a partir de um pequeno conjunto limitado e finito de regras gramaticais. U N ID A D E 1 26 Esse é o momento de apresentar o conceito denominado “faculdade da lin- guagem”. Dentro de um campo de saber em que se pensa sobre a aquisição da linguagem, o que esse conceito significa? Dentro da concepção gerativista do inatismo, podemos pensar que: “ [...] chegamos a um dos princípios essenciais da teoria gerativa: todo ser humano nasce com a faculdade da linguagem, um módulo men-tal ou dotação biológica específica da espécie humana que o torna apto a adquirir e utilizar pelo menos uma língua natural (GUIMA- RÃES, 2014, p. 27). Por isso, ao afirmar que a linguagem verbal é uma propriedade que nasce com o ser humano, a teoria gerativa assume a postura de que estamos tratando de algo que faz parte do seu código genético. Fato que justifica o termo “faculdade da linguagem” como uma predisposição inata ou, no dizer de Kenedy (2013b, p. 15), como uma “[...] disposição biológica que todos os indivíduos humanos saudáveis possuem para adquirir uma língua e para produzir e compreender palavras, frases e discursos”. Segundo Chomsky (1971), essa concepção inatista nos leva a uma conclusão de que a linguagem humana parece ser um fenômeno único e que se compõe de uma sintaxe pelo fato de apresentar um resultado de organização interna, estru- tura e coerência. O autor ainda ressalta que o inatismo nos capacita a falar muitas coisas que não aprendemos, pois é a partir de tais capacidades inatas (institutos naturais) que somos direcionados para a “[...] a natureza, a maneira e a extensão do que se deve ouvir, esperar ou desejar [...]” (CHOMSKY, 1972, p. 77). Essa engrenagem é explicada por um dispositivo mental que, na teoria chomskyana, denominou como “dispositivo de aquisição da linguagem” (langua- ge acquisition device - LAD). Kenedy (2013a) afirma que os neurônios criados pelo LAD são especializados em retirar informações linguísticas do ambiente, direcionando à seguinte reflexão: que informações linguísticas são essas? Ora, são todos os enunciados construídos na língua da comunidade de falantes a que pertencemos e que estamos expostos desde o primeiro dia de nossas vidas. Veja o que nos diz a autora: U N IC ES U M A R 27 “ O gerativismo defende a interdependência entre inatismo e experiência. Todos nascemos com o LAD, que nos predispõe a aprender qualquer língua natural – ou seja, ninguém nasce predisposto a aprender chi- nês, italiano ou português; nascemos com predisposição para aprender qualquer língua. Depois, à medida que crescemos e somos expostos a uma língua específica, nossa faculdade da linguagem especializa-se e atinge um estado de “maturidade”, que é o conhecimento profundo e abstrato que temos dessa língua em particular, seja ela o chinês, o italiano, o português ou qualquer outra (GUIMARÃES, 2014, p. 28). Estamos agora diante de uma informação em que se faz necessário retomar dois conceitos: língua-I e língua-E. Antes de tratar sobre, observe o quadro e veja como funciona o processo de aquisição de linguagem na hipótese gerativista: DISPOSITIVO DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM - LAD Informações linguísticas do ambiente Conhecimento de uma língua particular Quadro2 - Dispositivo de aquisição da linguagem / Fonte: a autora. Língua-I e Língua-E: conhecimento básico Outra importante característica a ser destacada, dentro deste universo teórico do gerativismo, está relacionada à questão da língua-I (interna) e língua-E (externa). Para tratar dessa abordagem, vamos imaginar a seguinte situação, conforme as reflexões sugeridas por Guimarães (2014): é óbvio que uma criança, em seus pri- meiros anos de vida, localizada no território brasileiro, está exposta a informações linguísticas do Português Brasileiro e, quando ela chegar em um determinado período etário de sua vida, passará a ter um desenvolvimento profundo de uma língua em particular que também é o Português Brasileiro. U N ID A D E 1 28 A criança a qual estamos nos referindo está exposta a duas línguas portugue- sas: a que está dentro da sua cabeça enquanto falante e outra que se presentifica no ambiente e, portanto, facilmente localizável nos dicionários. Um assunto que estimulou Noam Chomsky a propor os termos língua-I e língua-E. A língua-I se refere àquela que se considera como alocada “dentro da cabeça” do falante (aspec- to cognitivo, individual, intensional com “s” para a caracterizar como individual e interior), ou seja, trata-se “ [...] daquele conhecimento inconsciente, subjetivo e abstrato que te-mos de certa língua natural, ou melhor, de certa língua-E. A língua-I corresponde, desse modo, ao estado de maturidade que a faculdade da linguagem, em um indivíduo exposto a estímulos linguísticos normais, atinge no início da puberdade (GUIMARÃES, 2014, p. 31). Nesse caso, a língua-I faz parte do sistema cognitivo humano (faculdade da lingua- gem) que possibilita, desde o nascimento, a perceber e processar a língua-E do am- biente em que está inserido e que o capacita a retirar as devidas informações para criar a sua língua-I, ou seja, seu conhecimento linguístico. Assim, a língua-I “[...] é a forma pela qual as informações contidas no código linguístico do ambiente (a língua-E) es- tão representadas em nossa mente. É [...] a nossa versão interiorizada das informações da língua-E, a nossa cópia particular dessa língua” (KENEDY, 2013a, p. 34). A língua-E, como o próprio nome sugere, corresponde ao que se denomina como língua (ou idioma: português, inglês, francês etc.) que se caracteriza como fenômeno sociocultural (objetivo, extensional com “s” para a definir como co- letiva e exterior), ou seja, é também uma língua usada pela população por um interesse comunicativo que se compreende como um construto independente das propriedades da mente/cérebro. Vamos explicar a ideia por meio de um quadro: ESTÍMULOS LINGUÍSTICOS FACULDADE DA LINGUAGEM CONHECIMENTO LINGUÍSTICO Língua-E Dotação Biológica Língua-l Quadro 3 - A hipótese inatista sobre a faculdade da linguagem / Fonte: Kenedy (2013a, p. 74). U N IC ES U M A R 29 O quadro evidencia a interdependência dos elementos para conseguir o resul- tado, ou seja, os estímulos são condições necessárias para a aquisição do conhe- cimento linguístico. No entanto, nada aconteceria (ou se acontecesse alguma coisa, seria semelhante a um animal treinado) se o ser humano não fosse dotado biologicamente para isso, ou seja, apesar da interdependência entre a língua-E e a língua-I, a pessoa mesmo exposta a um ambiente linguístico considerado ineficiente denominado como fenômeno de pobreza de estímulos, ela consegue se desenvolver linguisticamente, graças ao aspecto modular da mente. Observe como se configura a nossa mente: PROCESSADOR CENTRAL VISÃO LINGUAGEM EMOÇÕES RELAÇÕES SOCIAIS RELAÇÃO MATEMÁTICA RELAÇÃO ESPACIAL MEMÓRIA Quadro 4 - Representação da hipótese da modularidade da mente / Fonte: adaptado de Kenedy (2013a, p. 38). U N ID A D E 1 30 Embora esse modo de conceber o cérebro humano tenha múltiplas interpreta- ções, conforme a teoria em que se está filiado, é importante saber que, em relação ao módulo da linguagem, podemos considerar os seguintes submódulos: a) Fonológico: refere-se às estruturas sonoras da língua. Exemplo: o fone- ma (ou som) /s/, representados pelas letras “s” (sapo), “ç” (açougue) e “ss” (assado) (lembrando que fonema não se confunde com letra). b) Morfológico: morfemas dotados de significação que permitem estruturar e modificar os itens lexicais e reconhecer palavras novas. Ao verbo “estu- dar” pode atribuir vários significados, por meio da adição ou subtração de morfemas: estudarei (o morfema /re/ adiciona o significado de futuro e o /i/ recai sobre a pessoa que fala, a primeira pessoa “eu”), estudava (o morfema /va/ considera uma ação passada, pretérito imperfeito). c) Lexical: dedica-se às palavras, sua pronúncia e significado e suas condi- ções de uso e faz parte do nosso conhecimento linguístico, ou seja, nossa língua-I (diferenciando do conjunto de palavras que estão registradas nos dicionários e se refere à língua-E). Exemplo: por um lado, no dicionário encontramos a palavra “amplexo” e sua definição, mas muitos de nós não a conhecemos e, por outro, apesar de a palavra “tchan” ser consagrada no Brasil há décadas, dificilmente a encontraremos registrada em dicionários. d) Sintático: capacidade de produzir e compreender frases por meio de um controle combinatório inconsciente. Nós, falantes e conhecedores das re- gras da língua portuguesa brasileira, sabemos que a frase “a minha amiga é bonita” é gramatical, enquanto “minha amiga a bonita é” é agramatical (*). e) Semântico: identifica significados em expressões linguísticas como pala- vras, sintagmas e frases. Diante de uma pergunta para apresentar o signifi- cado oposto do sentimento de tristeza, certamente, você e sua competên- cia semântica acerca da sua língua nativa, registraria felicidade ou alegria. U N IC ES U M A R 31 f) Pragmático: voltado para o contexto de uso prático da língua sem que os significados de tais usos estejam explicitados nas frases citadas, mas que produzem seus efeitos. Vamos exemplificar: você está a quase 30 minutos de explicação da teoria linguística gerativista aos seus alunos do segundo ano de Letras e, nesse tempo, o aluno Marcos entra sem justificar em sua aula. Você de forma um pouco ríspida faz a seguinte pergunta: “Marcos, você sabe que horas são?”. Todos nós, com o conhecimento que temos da nossa língua nativa e da situação descrita, sabemos que o(a) professor(a) não quer saber a hora simplesmente, mas alertá-lo sobre seu descompro- misso com a aula, por meio do atraso. A língua-E também é explicada por tais submódulos. Veja: a) Sociocultural: compartilhada por indivíduos que integram uma mesma sociedade e compartilham uma mesma cultura; b) Histórico: constitui e desenvolve ao longo do tempo. Exemplo: o portu- guês que falamos hoje carrega uma herança do latim e de todas as demais línguas que fizeram parte da história de formação do Português Brasileiro – árabe, tupi, italiano, inglês etc.; c) Político: a língua é considerada um dos instrumentos político de uma nação, ou seja, assim como todo país tem uma bandeira, um hino e suas instituições, também possui uma língua oficial. As fases históricas do gerativismo Para situar você, estudante, apresentamos, brevemente, as fases do gerativismo e sua aplicabilidade, mediante exemplos extraídos de autores que se dedicam ao estudo dessa concepção teórica da linguística. Segundo Kenedy (2013a), a primeira fase dessa corrente linguística ocorreu entre os anos de 1960 e 1970 e ficou conhecida como gramática transformacional e seu objetivo fora pautado na descrição do modo como os constituintes das sentenças eram formados, bem como transformados por meio da aplicação de regras. Vamos exemplificar com a sentença “o aluno leu o livro”. Veja: U N ID A D E 1 32 “ A sentença (S) “o aluno leu o livro” é formada pela relação estrutural entre o sintagma nominal (SN) “o aluno” e o sintagma verbal (SV) “leu o livro”. O SN é formado pelo determinante (DET) “o” e pelo nome (N) “aluno”, eo SV, por sua vez, é formado pelo verbo (V) “leu” e pelo outro SN “o livro”, o qual se forma também por uma relação entre DET e N, no caso “o” e “livro” respectivamente. (KENEDY, 2013a, p. 131). Nesse período, tal sentença também poderia ser representada por um esquema denominado diagrama arbóreo, a famosa árvore que os gerativistas fazem para re- presentar as estruturas sintáticas de uma sentença, conforme demonstrado a seguir: S SN SV DET N V SN o estudante leu DET N o livro Quadro 5 - Representação arbórea / Fonte: Kenedy (2013b, p. 131). Os linguistas gerativistas dessa fase explicam a geração de uma estrutura simples, na voz ativa, mas que para ser transformada em voz passiva, seria necessário a formulação de algumas regras transformacionais. Por isso, a denominação de gramática transformacional, pois, a partir de uma estrutura de base existente/ subjacente previamente, denominada estrutura profunda, é possível chegar a uma estrutura superficial, na qual são aplicadas as regras transformacionais. Veja o esquema: U N IC ES U M A R 33 S SN SV DET N V SN o estudante leu DET N o livro ESTRUTURA PROFUNDA REGRAS DE TRANSFORMAÇÃO 1. seleção do verbo “ser” + particípio; 2. movimento do objeto para a posição de sujeito; 3. manifestação do agente como Sintagma Preposicionado (SP). S SN SV DET N V SP o livro P SN por (pelo) AUX PART foi lido DET N o livro Quadro 6 - Transformação de uma sentença ativa em passiva / Fonte: Kenedy (2013b, p. 132) U N ID A D E 1 34 Avançando para a década de 80, do século passado, salientamos que as teorias vão sendo reformuladas tal como ocorre com a tecnologia, o estilo de vida, a moda, as relações sociais etc., e foi nesse período que surgiu a Gramática Universal (GU). Sobre essa fase, precisamos antes ter a noção de que existe no mundo, aproximada- mente, 6.912 idiomas e é partir dessa informação que lançamos uma reflexão que, talvez, ainda não foi pensada por você: será que existe alguma regularidade comum entre tantas línguas naturais heterogêneas? Além disso, será que há diferenças pre- visíveis entre elas? É justamente a busca por essas universalidades, previsibilidades e ordem linguísticas que ocupam o tempo dos gerativistas dessa época. Tais reflexões fornecem o suporte básico para entendermos o avanço da teo- ria, para além do aspecto inato ou da faculdade da linguagem defendido na pri- meira fase. De acordo com Kenedy (2013a), os gerativistas formularam a teoria da GU, a partir de dois mecanismos teóricos denominados princípios universais e parâmetros particulares, e que são desenvolvidos por meio da sintaxe, pois é por meio dessa área que se percebem as semelhanças entre as línguas. Um exemplo disso é que todas as línguas do mundo possuem funções sintáticas como sujeito, predicado e complementos. Dentro do contexto aqui estudado e do autor que nos respalda, de um modo atualizado, entendemos os princípios como propriedades gramaticais válidas para todas as línguas naturais, enquanto que os parâmetros são as possibilidades limitadas de variação entres tais línguas. Vamos compreender o fenômeno na prática, por meio da leitura de duas sentenças: a) João disse que ele vai se casar. Nesse caso, o pronome “ele” pode se referir tanto a João, quanto a outro homem qualquer citado anteriormente. b) Ele disse que João vai se casar. Nesse caso, o pronome “ele” não pode se referir a João, mas a outro homem. Passemos à análise desenvolvida pelo autor: “ Essa diferenciação entre a referencialidade do pronome “ele” nas duas frases pode ser explicada da seguinte maneira: nesse contexto, o pro-nome faz referência a algum elemento que precisa ter sido citado anteriormente no texto – trata-se de um pronome anafórico. É um Princípio da GU que uma anáfora necessariamente deve suceder o U N IC ES U M A R 35 seu referente, e nunca o contrário. É por isso que na frase (a) “ele” pode ser tanto “João” quanto outro homem citado numa frase anterior, já que ambos os termos antecedem o pronome. Já no caso de (b) “João” não pode ser o referente de “ele”, pois o pronome antecede o nome. Se traduzíssemos (a) e (b) para qualquer língua do mundo, o resultado seria sempre o mesmo: em (b) seria impossível ligar o pronome ao nome citado, mas em (a) isso pode ocorrer (KENEDY, 2013b, p. 136). Avancemos nesta compreensão, a partir da seguinte sentença: a) João disse que ele vai se casar. (ele: sujeito preenchido). b) João disse que Ø vai se casar. (Ø sujeito nulo). Analisando as sentenças pela teoria da GU e dos princípios e parâmetros, afir- mamos, respaldados no autor, que a língua portuguesa brasileira aceita frases com sujeitos preenchido e nulo (Ø saí ontem, Ø fomos ao cinema, Ø vai se casar etc.). Logo, trata-se de uma característica do Português Brasileiro e de outras línguas como o espanhol e o italiano, mas inaceitável (considerada incorreta) no inglês, por exemplo. Veja: a sentença “John said that he is going to get married” (João disse que ele vai se casar) é considerada gramatical (correta), enquanto que “* John said that Ø is going to get married” (João disse que vai se casar) é conside- rada agramatical (incorreta). Resumindo: “A existência de sujeito nas sentenças é um princípio da GU, mas a possibilidade de deixá-los nulos nas frases é um parâmetro” (KENEDY, 2013b, p. 137). Como você deve ter percebido, é por meio dos conceitos da GU que os gerativistas conseguem sintetizar a heterogeneidade das línguas do mundo, bem como detectar a homogeneidade entre elas. Avançando por esse percurso cronológico da linguística gerativa, chegamos na década de 90, do século passado, e nos deparamos com desdobramentos da teoria que se denomina como programa minimalista (PM) apresentado à co- munidade acadêmica, em 1995, por meio da obra The Minimalist Program, de Noam Chomsky (O Programa Minimalista). Segundo Borges Neto (2011), não se trata de uma nova teoria de cunho substitutivo do que já foi elaborado até esse momento, mas como algo que movimenta a continuação das reflexões teóricas do programa gerativista sobre a língua. Fato que justifica o posicionamento do autor em considerar o PM como parte da teoria dos princípios e parâmetros. U N ID A D E 1 36 Como o próprio nome sugere, esse momento da teoria que perdura até os dias atuais significa sua reconfiguração no sentido de eliminar aspectos considerados desnecessários a partir desse momento que passa a ser considerado pelo autor como de economia teórica. Para o autor, “ [...] a questão fundamental do PM é o estabelecimento da “medida” que permita a avaliação da “otimidade” das estruturas em satisfazer as condições impostas pelos sistemas externos. Em outras palavras, será considerada “boa”, “gramatical”, “aceitável”, a estrutura que sa- tisfizer inteiramente as condições das interfaces (BORGES NETO, 2011, p. 123). Entre final do século XX e início do século XXI, a teoria de Princípios e Parâ- metros é utilizada para o estudo da sintaxe das línguas naturais. No Programa Minimalista, no entanto, um movimento dessa fase vem se configurando com as formas fonética e lógica. O fato de que a faculdade da linguagem coloca em funcionamento outros sistemas da mente/cérebro em níveis de interface que se relacionam ao som e ao sentido faz pensar em que medida tais sistemas têm relação entre a linguagem (som) e o pensamento (sentido). O projeto da linguística gerativa é observar e examinar as línguas humanas e sua suntuosa complexidade, com o objetivo de descrever os Princípios e os Parâ- metros da Gramática Universal que subjazem à competência linguística dos su- jeitos falantes, dessa forma, podendo explicar como é a Faculdade da Linguagem. U N IC ES U M A R 37 5 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM DO PORTUGUÊS BRASILEIRO: risos, tropeços, balbucios e meias falas A fala da criança e suas peripécias orais são objetos de investigação científica para muitos pesquisadores que pensam sobre a aquisição da linguagem. Nessecaso, estamos lidando com um assunto que se tornou um mote para a ciência linguística e que, por conta disso, produz muitas reflexões sobre como a língua é adquirida e praticada. É sobre tais questões que todo o empreendimento acadê- mico de Noam Chomsky é dedicado para além de uma simples tarefa descritiva. Como já sabemos que a linguagem faz parte de um processo interno da mente humana (a língua - I), voltemos a uma reflexão simples, mas complexa: “por que as crianças nos surpreendem tanto pelo fato de adquirirem suas línguas mater- nas tão rápido e independente do ambiente ser favorável, ou não”? Avancemos na compreensão da língua como uma capacidade natural da espécie humana, ou seja, como algo lógico e dedutivo manifestado desde os primeiros balbucios. Observe os exemplos retirados de Castro e Figueira (2006): U N ID A D E 1 38 a) “Eu não escondei”. b) “Ela não sabe dirijar”. c) “Eu escovi os dentes”. d) “Quanto tempo eu não ouçava esta música”. A leitura das orações supracitadas, certamente, causaram estranhamento em você que percebeu nos verbos “esconder, dirigir, escovar e ouvir” uma conjugação di- ferente para o modo, aspecto, tempo e pessoa. Esse emaranhado que a criança faz, ao falar, possui explicações que passam longe de um simples diagnóstico de erro. Pelo diagnóstico das autoras, apresentamos mais um exemplo. Imagine a situação ocorrida com uma criança de 4 anos: a) Situação 1: a mãe fecha a caixa de brinquedos e a criança decepcionada diz: “cê diabriu! (desabriu = fechou). b) Situação 2: a criança, ao ver uma bexiga murcha, faz a seguinte pergunta: “ela demurcha?” (desmurcha = enche). Vamos para a análise das duas situações: a criança, ao invés de utilizar os verbos “fechar” e “encher”, utilizou o “des” como um ato de desconstrução em relação ao que estava feito, no caso “desabriu” e “desmurcha”. Embora para o adulto seja considerado “erro”, considerando a fase dessa criança e sua relação única com a língua, estabelecida por uma relação paradigmática (conforme já estudamos, as dicotomias de Saussure em Linguística I) colocadas juntas a desligar, desabo- toar, desamarrar, destampar, etc. U N IC ES U M A R 39 Sobre este aspecto, Castro e Figueira (2006) afirmam que há relações entre a fala da criança com a fala do adulto, de modo que a primeira (a criança) tende a incor- porar, constantemente, argumentos que circulam na segunda (o adulto). Entretanto observa-se também que na fala da criança há argumentos que não mostram a mes- ma ligação com a fala do adulto, distanciando-se pelas contradições, deslocamentos e, principalmente, a comprovação que a linguagem pode sofrer a força da ruptura, da não coesão e do não-todo, sempre permeada pela imprevisibilidade. Ainda amparada nas autoras, apresentamos mais um exemplo para que você tenha noção do processo de aquisição da linguagem nas crianças: a mãe, para convencer a criança a comer, argumenta que é preciso “comer para crescer”. Veja como ocorreu uma situação, na hora do almoço, e que nos surpreende pela im- previsibilidade da criança em associar o crescimento ao ato imediato de comer, por meio da palavra “agora” no ato de crescer, simultaneamente, ao ato de comer: Mãe: Vamos comer mais um pouquinho? Criança: Agora não quero mais, manhê. Mãe: Por que você não quer mais? Criança: Porque agora eu não quesci, mãe. (= cresci) Retomando à teoria gerativista já trabalhada, Santos (2012) afirma que pela pro- posta teórica básica de Chomsky, toda criança saudável e inserida em um am- biente social tem um dispositivo de aquisição da linguagem inato, que é ativado, gerando a gramática da língua em que ela está exposta, ou seja, toda criança tem uma Gramática Universal (GU) inata com a regra de todas as línguas e ela selecio- na apenas as regras que estão ativas na língua que está adquirindo. Nesse caso, a “ [...] a gramática universal é formada por princípios, ou seja, “leis” invariantes, que se aplicam da mesma forma em todas as línguas, e parâmetros, “leis” cujos valores variam entre as línguas e dão origem tanto à diferença entre as línguas como à mudança numa mesma língua. (SANTOS, 2012, p. 221). U N ID A D E 1 40 Voltemos ao caso do uso do sujeito: se a criança for exposta à língua inglesa, vai compreender, durante o processo da aquisição da língua que o valor do parâmetro é que o sujeito deve ser sempre preenchido (ex: it is raining). No entanto se ela estiver exposta à língua portuguesa, saberá que o sujeito pode ser omitido (ex: está chovendo). Chomsky (1972), ao tecer reflexões sobre a aquisição da linguagem, afirma que, contrariando as teorias sobre o ensino da língua, não se pode ensinar uma língua, mas apenas despertar no espírito, ou seja, uma espécie de entrega da ponta da linha que vai se desenrolando por si mesma. Para a teoria da aquisição da linguagem, o que isso significa? Veja o que nos diz o autor: “ O aprendizado da linguagem pela criança não é uma doação de palavras, um depósito na memória e a reprodução pelo balbucio com os lábios, mas o crescimento da faculdade de falar devido à idade e ao exercício (CHOMSKY, 1972, p. 80). Perceba que o autor ultrapassa os pensamentos do seu tempo, aprimorando sua reflexão: “ O fato de que nas crianças não tem lugar um aprendizado mecânico da linguagem, mas o desenvolvimento da capacidade linguística, demonstra também que, assim como as principais forças humanas têm um certo momento na vida indicado para o seu desenvolvi- mento, todas as crianças, nas circunstâncias mais diversas, falam e compreendem aproximadamente na mesma idade, só variando dentro de um curto período (CHOMSKY, 1972, p. 80). Resumindo, diz o autor que “[...] a aquisição da linguagem é uma questão de cres- cimento e maturação de capacidades relativamente fixas, em condições externas adequadas” (CHOMSKY, 1972, p. 80). No entanto a base forte desse processo é determinada, em grande parte, por fatores internos e você que, nesse momento, é um estudante da língua, percebeu que a temática é complexa e que este espaço não é capaz de aprofundar e, muito menos, esgotar o assunto. Mas para começar, você deve compreender que a criança consegue se desenvolver por diversos me- canismos, principalmente por meio da linguagem que é adquirida na primeira infância (até os 6 anos) e que, atrelada às suas experiências e descobertas, irão lhe acompanhar por todo o percurso de suas vidas. U N IC ES U M A R 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) estudante, apresentamos algumas reflexões sobre a linguística gera- tiva, como marco inicial das reflexões que serão abordadas, durante o percurso de Linguística II. Apresentamos as fases da teoria, suas definições e elucubrações representadas por autores que tomam como suporte teórico as ideias de Noam Chomsky, por ser considerado o principal representante dessa teoria posta em funcionamento nas produções científicas localizáveis física e virtualmente. Retornamos ao século passado para compreendermos que sempre há críticas em relação aos componentes teóricos que estão no centro das pesquisas e práticas vigentes de um determinado período. Basta relembrarmos as críticas desenvol- vidas por Chomsky em relação ao behaviorismo, especificamente, no processo de como se instrumentaliza a aquisição da linguagem, enquanto componente adquirido por um ser considerado como tabula rasa, mas que ao ser submetido em treinamentos, passa a fazer uso dela nas interações sociais. Chomsky se posicionou fortemente, perante a comunidade acadêmica de sua época, para provocar celeumas, desestabilizar e iniciar um novo ciclo de estudos sobre a linguagem, a partir de componentes teóricos que assegurava à linguagem, um estatuto de pertencimento inato da mente humana e, portanto, pronta para ser desenvolvida por qualquer criança que é inserida no meio social. Salientamos que aqui foi registrada uma base teórica rudimentar de uma teoria que ainda continua sendo explorada, repensada e reformulada. Por isso,ela merece mais leitura, problematizações e reflexões que ultrapassem os limites dessas páginas, com reflexões que vão além de modelos simplistas que pensam o ato de falar como algo mecânico e o ser humano como um ser vazio. A lin- guística gerativa se apresentou para nós para compreendermos que chegamos ao mundo já programados (lembra do inatismo?) para estabelecer nossas relações, por diversas modalidades, mas principalmente pela língua. 42 na prática 1. Ferdinand de Saussure é considerado o pai da linguística moderna, pois foi capaz de revolucionar os estudos desenvolvidos sobre a língua, até aquele início do século XX. A ousadia saussuriana foi capaz de despertar a ousadia de outros pensadores, resultando na diversidade teórica disponível hoje e totalmente acessível àqueles que querem compreender o fenômeno da língua para além do senso comum. Umas das teorias linguísticas disponível é o _________________ que vem formulando um modelo explicativo do modo como a linguagem funciona na mente humana, por meio dos conceitos teóricos do linguista e ativista político ___________________. Ele apresentou sua teoria por meio da obra ______________________, em _______, na Universidade da _______________________, nos ___________________. a) Gerativismo, Noam Chomsky, Estruturas Sintáticas, 1957, Pensilvânia, Estados Unidos. b) Gerativismo, Noam Chomsky, Estruturas Sintáticas, 1975, Pensilvânia, Reino Unido. c) Gerativismo, Noam Chomsky, Estruturas Sintáticas, 1957, Chicago, Estados Unidos. d) Gerativismo, Noam Chomsky, Estruturas morfológicas, 1597, Brasília, Brasil. e) Gerativismo, Noam Chomsky, Estruturas Sintáticas, 1957, Boston, Estados Unidos. 2. Segundo Kenedy (2013b), Chomsky foi um crítico severo da psicologia behaviorista, por discordar das concepções teóricas que defendiam o fato de que todo comporta- mento humano ou animal são gerados externamente por de estímulos e respostas, ou seja, por meio de uma associação criada pela repetição. Em relação à aquisição da linguagem, os behavioristas também defendiam que ela ocorria por meio da repetição, até adquirir um comportamento linguístico, que Chomsky condenou, ao formular a teoria gerativista e a natureza abstrata e mental da linguagem humana. Sobre a teoria behaviorista, leia as afirmativas: I - O behaviorismo é uma teoria criada pelo psicólogo John B. Watson que defen- dia o treinamento repetitivo como método para desenvolver comportamentos determinados nas pessoas. II - O behaviorismo foi oficialmente lançado, no ano de 1957, por meio do discípu- lo de Watson, o psicólogo Skinner, através da obra Estruturas Sintáticas, e sua tríade: estímulo, resposta e reforço. 43 na prática III - Noam Chomsky é um linguista e ativista político americano que ao formular a teoria gerativista, afirmou que a linguagem humana está na mente e, portanto, é considerada como algo inato. IV - Para a teoria gerativista a linguagem é algo que faz parte da condição humana e, ao ser considerada inata e pertencente ao mecanismo mental, ela somente é adquirida após treinos repetitivos e exaustivos de frases prontas. Assinale a alternativa correta: a) Apenas as assertivas I e II estão corretas. b) Apenas as assertivas I e III estão corretas. c) Apenas a assertiva I está correta. d) Apenas as assertivas II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 3. “O gerativismo teve início nos anos de 1950 do século XX, quando Noam Chomsky, norte-americano, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA), formulou suas primeiras ideias a respeito da natureza mental da linguagem huma- na. [...]. Para ele, a teoria linguística deve descrever os procedimentos mentais que ‘geram’ as estruturas da linguagem, como as palavra, as frases e os discursos. [...] ele mesmo levantou a hipótese (isto é, criou uma teoria segundo a qual as frases são criadas na mente das pessoas por meio de aplicações de regras inconscientes, as quais se aplicam sobre certas palavras de modo a ‘gerar’ as frases que pronunciamos e compreendemos” (KENEDY, 2013b, p. 17). Sobre esta afirmação, leia as afirmativas e considere se são verdadeiras (V) ou falsas (F). ( ) Chomsky ao afirmar sobre a natureza mental da linguagem humana, rompeu com a concepção teórica behaviorista e suas ideias de que ela é adquirida por meio da repetição, passando a considerar como uma condição humana inata, ou seja, que já nasce com o indivíduo. ( ) Chomsky ao afirmar que as frases são criadas na mente das pessoas significa que a criança, independente da condição social, econômica e cultural do seu meio, é capaz de gerar/criar frases nunca pronunciadas pelos seus pais, irmão e avós. 44 na prática ( ) Chomsky ao afirmar que as frases são criadas na mente das pessoas significa que a criança, por meio da sua capacidade inconsciente, é capaz de gerar frases de acordo com as regras da sua língua materna, mesmo sem nunca ter ouvido de seus pais. ( ) Chomsky ao afirmar sobre a natureza mental da linguagem humana, fortaleceu a concepção teórica behaviorista, pois sua teoria gerativista, que defende o inatismo, confirmou que a aquisição da língua ocorre por meio de treinamentos repetitivos, até a criança decorar a frase. Assinale a alternativa correta: a) V, V, F, F. b) F, F, V, V. c) V, V, V, F. d) F, F, F, V. e) V, V, V, V. 4. “O fato de que nas crianças não tem lugar um aprendizado mecânico da linguagem mas o desenvolvimento da capacidade linguística, demonstra também que, assim como as principais forças humanas têm um certo momento na vida indicado para o seu desenvolvimento, todas as crianças, nas circunstâncias mais diversas, falam e compreendem aproximadamente na mesma idade, só variando dentro de um curto período” (CHOMSKY, 1972, p. 80). Essa afirmação de Chomsky demonstra que a criança precisa estar inserida socialmente, mas não precisa de métodos que a façam repetir frases prontas para incorporar aprender sua língua materna. Tais fatos significam que: a) A criança já nasce sabendo e falando sua língua materna. b) A criança não nasce sabendo, mas aprende pelo método behaviorista. c) A criança tem capacidade inata, mas somente começa falar aos 8 anos. d) A criança tem capacidade inata e começa a falar nos primeiros anos de vida. e) A criança que diz “fazi (fiz) e tassevelo (travesseiro)” precisa de tratamento. 45 na prática 5. É comum as pessoas pensarem que o conhecimento gramatical se aprende pela repetição e que falamos porque, antes, ouvimos. No entanto, as crianças, geralmen- te, dizem coisas que nunca ouviram, comprovando sua relação inata e ativa com a língua. Em relação à aquisição de linguagem é comum ouvir de crianças em processo de aquisição de linguagem, as seguintes palavras: I - “Eu cabo”, “eu fazi”, “ele iu”. II - Está “chovendinho”. III - Eu “ouvo” música. IV - Hoje eu não “escovi” os dentes. Assinale a alternativa correta: a) As afirmativas I, II e III estão corretas e a IV está errada. b) As afirmativas I, II e III estão erradas e a IV está correta. c) As afirmativas I e II estão corretas e as afirmativas III e IV estão erradas. d) As afirmativas I e IV estão corretas e as afirmativas II e III estão erradas. e) As afirmativas I, II, III e IV estão corretas. 46 aprimore-se GERATIVISMO E O FENÔMENO INATO DA LÍNGUA: DENTRO DA CABEÇA DE NOAM CHOMSKY Noam Chomsky é o linguista americano pós-saussuriano de destaque que lançou, em 1957, a teoria linguística gerativista, por meio da obra Estruturas Sintáticas. A ideia elementar do gerativismo fora romper com o adestramento behaviorista do psicólogo americano Skinner método mecânico de aprendizagem em que a língua é considerada algo externo ao indivíduo). A essência teórica chomskyana é de que o ser humano possui uma capacidade inata e criativa de linguagem, pois crianças de 5 ou 6 anos já falam com desembaraço, assim como falantes humildes e analfabetos também dominam sua língua materna, apesar dos poucos anos de acessoaos bens educacionais mediados pelas instituições de ensino. Essa ideia justifica a facilidade das crianças saudáveis, desenvolverem sua competência linguística já nos primeiros anos de vida, desde que tenha convívio social com outras pessoas. Fato que confir- ma a tese de Descartes (1595-1650): se uma criança for criada entre lobos, ela não e desenvolverá a linguagem, mas, se voltar ao convívio humano, ela pode aprender a falar. Já um macaco, mesmo que seja criado apenas entre humanos, jamais desen- volverá a linguagem. Apesar da capacidade inata, a criança precisa estar inteirada socialmente para desenvolver plenamente a aquisição da sua língua materna; é uma informação mui- to cara para nós, linguistas, refletirmos sobre a importância do convívio social no de- senvolvimento de nossas habilidades. Para contextualizar você sobre esta questão, apresentamos 3 casos conhecidos e que nortearão a reflexão, já posta, sobre o fato de que a aquisição da língua é algo inato, mas há uma dependência de outros fato- res que, ao serem agregados, otimiza o que já faz parte da nossa condição humana. Vamos vivenciar os fatos? 47 aprimore-se 1. Genie: a menina prisioneira Ela nasceu em 1957 (veja: mesmo ano em que Chomsky lançou sua obra Estrutura Sintáticas), mas foi encontrada somente no início da década de 70, com quase 14 anos de idade. Desde 1,6 anos de idade, Genie não teve nenhum acesso à língua, pois foi trancada no sótão da casa e, lá ficou isolada, sem rádio, televisão e sem contato com outras pessoas. Somente seu pai ia até ela, em silêncio, para lhe ali- mentá-la. A menina não tinha nenhum tipo de exposição à língua e à comunicação, ou seja, o estímulo auditivo e verbal era nulo e, além disso, não havia brinquedos ou objetos para brincar. Após o resgate, Genie foi exposta ao convívio social e estudada por oito anos. Sua compreensão linguística progrediu, mas permaneceu muito aquém da de um indi- víduo de sua idade que teve vida social equilibrada. Seu vocabulário cresceu consi- deravelmente, assim como sua habilidade comunicativa. Sua entonação se manteve estranha e sua sintaxe não se desenvolveu muito. Ela nunca conseguiu produzir uma pergunta indireta e sua ordenação de palavras se assemelhava à de uma criança de dois anos de idade. Sua fala permaneceu agramatical apesar de ter recebido intensa atenção, carinho, tratamento, instrução e exposição ao inglês, sua língua materna. 2. Victor: o menino selvagem Em janeiro de 1800, caçadores capturaram um menino selvagem na vila de Saint-Ser- nin, no distrito de Aveyron, na França. A idade do menino nunca pôde ser confirma- da, mas ele aparentava ter ente 11 e 12 anos e não produzia nenhum som a não ser alguns sons guturais que imitavam animais. Após o resgate, a educação de Victor foi atribuída a Jean-Marc-Gaspard Itard, que desenvolveu um plano de estudos envol- vendo treinamentos linguísticos e de inserção interativas e sociais. O treinamento linguístico se mostrou muito frustrante para Itard, pois Victor precisou aprender de onde os sons da fala são originados, para então poder pro- duzi-los e reconhecê-los. Com o treinamento, Victor aprendeu a diferenciar sons da fala dos outros sons, ao seu redor e, posteriormente, aprendeu a repetir a frase “oh 48 aprimore-se Dieu” (ó Deus), muito utilizada por Madame Guérin, uma assistente do instituto no qual Victor estava, e a palavra “lait” (leite), mas ele utilizava a palavra, várias vezes, quando recebia leite, mas sem o sentido comunicativo de estar pedindo leite. O menino ainda aprendeu a reconhecer comandos orais para tarefas rotineiras de casa e Itard tentou expandir sua capacidade linguística por meio de cartões colo- ridos com as letras do alfabeto. Victor “aprendeu” algumas palavras e utilizava seus cartões para pedir as coisas, nas algumas visitas que fazia com Itard, mas o pes- quisador nunca soube se eram realmente pedidos ou se estava apenas mostrando seu “novo brinquedo”. Com o tempo, o menino aprendeu a reconhecer a escrita e a produzir com seus cartões nomes de objetos, alguns adjetivos, como quente, frio, grande, pequeno) e alguns verbos (comer, beber, tocar, jogar). Após cinco anos trabalhando com Victor, Itard tentou novamente ensinar-lhe a falar, mostrando-lhe os movimentos dos órgãos articuladores de maneira exagerada, mas também não funcionou. Frustrado, Itard finalizou, então, seu trabalho com Victor e conseguiu ajuda financeira do governo para que ele morasse com Madame Guérin até que morresse, ainda mudo, no ano de 1828, por volta dos 38 anos de idade. 3. Pedro e João: os meninos do curral O caso desses dois irmãos ocorreu no Brasil e foram descobertos em 1994, após uma denúncia. Eles viviam como animais em um curral de porcos, no sertão pernambu- cano e, no momento do resgate, as crianças estavam nuas, desnutridas e famintas, não andavam como bípedes e não falavam. Não falavam nenhuma palavra, apenas emitiam grunhidos. Após sete anos em cativeiro, com total privação de interação e linguagem, Pedro e João foram colocados sob os cuidados de tutores que cuidaram do processo de socialização. Hoje o caçula, João, é mais comunicativo e ativo do que Pedro, que ainda apresenta mutismo e sérios problemas de interação social. Vale sa- lientar que, quando os meninos foram abandonados no curral, Pedro já tinha entre seis e sete anos de idade e, possivelmente, já teria adquirido alguma linguagem. Fonte: adaptado de Lima Júnior (2013). 49 eu recomendo! Curso básico de linguística gerativa Autor: Eduardo Kenedy Editora: Contexto Sinopse: o autor é pesquisador da teoria linguística gerativista e oferece aos universitários brasileiros um material introdutório com capacidade didática para a compreensão básica da teoria já no primeiro contato. Apesar da complexidade do tema, a comu- nidade acadêmica brasileira foi agraciada com esta obra, que se apresenta com uma linguagem simples e objetiva. Comentário: a indicação foi escolhida pelo fato de o material apresentar exercí- cios com respostas que auxiliam na fixação do conteúdo, bem como a compreen- der a aquisição da linguagem enquanto fenômeno inato. livro O enigma de Kaspar Hauser Ano: 1974 Sinopse: o filme, dirigido pelo cineasta alemão Werner Herzog, acontece em Nuremberg, Alemanha, no século XIX. Refere-se à fi- gura enigmática de uma criança (Kaspar Hauser) que foi entregue a uma família, aos 6 meses de vida, por sua mãe viúva. A partir dos 4 anos, ela foi acorrentada em um porão, sem nenhum con- tato com outras pessoas. Em 1828, aos dezesseis anos, foi deixa- do em uma praça, com uma carta explicando sua história. Comentário: vale a pena assistir ao filme porque ele destaca questões sobre a aquisição da linguagem e ressalta a importância da convivência social. filme 50 eu recomendo! O artigo apresenta uma reflexão sobre o ensino de língua portuguesa brasileira mediado pela teoria linguística gerativista e, ao final, você encontra uma bibliogra- fia importante de teóricos brasileiros para complementar seus estudos. http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/prolingua/article/view/27892/14999 Você quer ver e ouvir Noam Chomsky? Então, assista à entrevista “Noam Chomsky: o conceito de linguagem” e tenha acesso a questões teóricas e práticas importan- tes sobre a aquisição da linguagem. https://www.youtube.com/watch?v=W53UvJoLAwI conecte-se anotações 2 SOCIOLINGUÍSTICA: VARIAÇÃO e mudanças linguísticas do português brasileiro PROFESSORA Dra. Vera Lucia da Silva PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A sociolinguística e a língua: de- finições introdutórias • Preconceito linguístico? Isso existe? • Variação e mudança linguística: conceitos elementares • Norma padrão, culta e curta: onde está a regra? • Variações linguísticas do Português Brasileiro:
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