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Introdução • Gestação múltipla é definida como aquela proveniente de um ou mais ciclos ovulatórios, resultando no desenvolvimento intrauterino de mais de um zigoto ou na divisão do mesmo zigoto, independentemente do número final de neonatos. • É tema de destaque na atualidade devido ao aumento vertiginoso observado em sua frequência durante as duas últimas décadas e a sua associação com riscos elevados, tanto para a mãe como para os produtos conceptuais. • Nessas gestações, observa-se um aumento de cerca de cinco a seis vezes da mortalidade neonatal, quando comparadas com gestações únicas. • O risco de paralisia cerebral, por exemplo, está aumentado oito vezes nas gestações gemelares e cerca de 47 vezes nas trigemelares. • As gestações múltiplas respondem também por cerca de 10 a 15% da mortalidade perinatal. Epidemiologia • A incidência de gestações múltiplas apresenta variações entre as regiões do planeta. • Além dessa variação geográfica, alguns fatores demográficos também interferem na frequência de gestações dizigóticas, sendo mais frequente sua ocorrência quando há história familiar materna e com o aumento da idade materna (até cerca de 37 anos) e da paridade. • No entanto, o aumento acentuado observado ao longo das últimas décadas de vê-se sobretudo ao uso cada vez mais difundido de medicações para indução da ovulação e transferência de múltiplos embriões por ciclo de reprodução assistida. • A incidência de gestações monozigóticas é relativamente constante na natureza (aproximadamente 1 :250 partos); porém, a algumas situações aumentam as chances de divisão do zigoto, como a demora da passagem do ovo fecundado nas tubas uterinas e a ocorrência de microtraumas no blastocisto durante a manipulação realizada nos procedimentos de reprodução assistida. Tipos de Gestação Múltipla • As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo a zigoticidade ou a corionicidade: a) São denominadas polizigóticas quando resultam da fecundação de mais de um óvulo e os produtos conceptuais apresentam materiais genéticos distintos. b) As gestações monozigóticas são resultantes da divisão de massa embrionária inicial comum e os produtos conceptuais resultantes apresentam carga genética idêntica. • Aproximadamente dois terços das gestações gemelares naturalmente concebidas são dizigóticas, e um terço, monozigótica. • O aumento vertiginoso observado na incidência de gestações múltiplas se deve principalmente à maior frequência de gestações dizigóticas; entretanto, as técnicas de reprodução assistida também favorecem a ocorrência de gestações monozigóticas. • Nas gestações polizígóticas, cada zigoto sempre desenvolve seus próprios cório e âmnio. • As gestações monozigóticas, por sua vez têm apresentação variável conforme o momento em que ocorre a divisão da massa embrionária: a) Em cerca de um quarto dos casos, quando a divisão do blastocisto ocorre em até 72 horas, podem ser encontradas duas placentas e dois sacos amnióticos (gestação dicoriônica diamniótica). b) Em 74%, a divisão acontece entre o 4° e o 8° dias após a fertilização, quando já ocorreu a diferenciação das células que dão origem ao cório, resultando em uma placenta e duas cavidades amnióticas (gestação monocoriônica diamniótica). c) Em uma minoria dos casos (cerca de 1%), a divisão do blastocisto ocorre entre o 8° e o 13°dias após a fertilização, isto é, quando já se formaram a placa coriônica e o saco amniótico, dando origem às gestações monocoriônica monoamnióticas. d) Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos embriões, quando o processo de divisão é tardio (ao redor do 14° ao 17° dias). • A corionicidade sempre pode ser determinada com acurácia pelo exame ultrassonográfico precoce, e a monocorionicidade sempre implica monozigoticidade. • Gestações dicoriônicas, por sua vez, podem ter origem tanto mono como dizigótica. • Nesses casos, a polizigoticidade somente pode ser inferida quando há discordância entre os sexos fetais ou pode ser investigada por meio de estudos do DNA (gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser tanto monozigóticos como dizigóticos). • As complicações, do ponto de vista fetal, são mais frequentes nas gestações monocoriônicas em comparação com as dicoriônicas. Portanto, na prática, a determinação da corionicidade, em vez da zigoticidade, é o passo fundamental para nortear a conduta pré-natal e o principal fator determinante do resultado e do prognóstico da gestação. Determinação da Corionicidade • O conhecimento da corionicidade de uma gestação múltipla é quesito importante para proceder ao aconselhamento do casal quanto aos riscos envolvidos na gestação, além de ter fundamental importância para o manejo adequado dessas gestações. • O melhor período para a determinação da corionicidade e da amnionicidade é durante o primeiro trimestre da gestação, quando a acurácia do exame ultrassonográfico chega a 100% (o período entre 6 e 8 semanas é considerado a melhor época e a via preferencial do exame é a transvaginal). • A gestação dicoriônica pode ser definida a partir da 5° semana pela visualização de mais de um saco gestacional e da presença de septo espesso entre eles. • A partir de 9 semanas, a projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas, identificado na base da inserção placentária, forma o sinal do lambda, característico das gestações dicoriônicas. • Com a evolução da gestação, ocorre a regressão da camada coriônica e o sinal do lambda torna- se progressivamente mais difícil de ser identificado. • Portanto, a ausência do sinal do lambda, após o primeiro trimestre da gestação, não constitui evidência de monocorionicidade e não exclui a possibilidade de gestação dicoriônica ou dizigótica, pois as massas placentárias podem se fundir e apresentar aspecto de massa placentária única, sem sinal do lambda. • Por outro lado, a identificação desse sinal em qualquer estágio da gestação deve ser considerada evidência de dicorionicidade. • Nas gestações monocoriônicas, a partir da 7° semana, há identificação de mais de um embrião com vitalidade fetal no interior do mesmo saco gestacional, e o âmnio torna-se visível a partir da 9° semana. • No final do primeiro trimestre, há fusão das membranas amnióticas adjacentes, dando origem a um septo fino entre as duas cavidades amnióticas que se insere de maneira abrupta na placenta, formando o sinal do T. • Durante o segundo trimestre da gestação, a avaliação da corionicidade torna-se prejudicada. • São características das gestações dicoriônicas a persistência do sinal do lambda, a identificação de fetos com sexos discordantes e/ou a presença de placentas inseridas em sítios distintos da cavidade uterina. • Para a determinação da corionicidade em fases tardias da gestação, também foram propostas a avaliação da espessura do septo e a contagem do número de camadas que o compõem. • Essas técnicas, no entanto, carecem de reprodutibilidade, são muito trabalhosas e necessitam de recursos técnicos específicos. • A avaliação invasiva da corionicidade pode ser realizada excepcionalmente nos casos avançados e com fetos do mesmo sexo, em que a determinação é fundamental para a condução do caso. Uma das alternativas nesses casos é a injeção de meio de contraste na circulação de um dos fetos e a investigação do seu aparecimento na circulação do outro, o que denotaria gestação monocoriônica. Diagnóstico • Os achados clínicos relacionados à gestação gemelar incluem volume uterino maior do que o esperado para a idade gestacional, sendo, em regra, a altura uterina 5 cm maior do que a esperada, entre 20 e 30 semanas gestacionais, para gestações únicas. • O exame clínico pode ainda revelar presença de dois polos cefálicos à palpação e ausculta de dois ritmoscardíacos com frequências diferentes entre si e da mãe; entretanto, todos esses achados são tardios e podem ser facilmente confundidos. • Atualmente, a realização do exame ultrassonográfico durante o primeiro trimestre permite diagnosticar com segurança praticamente todos os casos. Particularidades da Fisiologia Materna • O conhecimento das adaptações maternas que habitualmente ocorrem durante a gestação é importante para antecipar os efeitos que a gestação múltipla pode acarretar sobre condições clínicas preexistentes e para aperfeiçoar o manejo das complicações que frequentemente ocorrem nessas gestantes: a) A expansão volêmica observada em gestações únicas é, em média, de 1.570 mL, enquanto nas gestações gemelares é de 1.960 mL. b) Nas gestações gemelares, ocorre um estado hiperdinâmico da circulação materna decorrente sobretudo do aumento do débito cardíaco (cerca de 20% acima do que ocorre nas gestações únicas), que é atribuído ao aumento do volume de ejeção sistólica proporcionado pelo aumento da volemia e da pré-carga. c) Nessas gestações, é observado um aumento maior no volume abdominal e no recrutamento de músculos acessórios para a respiração, que pode suscitar queixas mais frequentes de dispneia nessas gestantes. Não se observa impacto dessas alterações na homeostase gasosa e no equilíbrio acidobásico, quando comparadas com gestações únicas. Algumas gestantes podem apresentar quadros de pielectasia renal devido à compressão da drenagem ureteral pelo útero sobredistendido. Complicações Maternas • As gestações múltiplas estão associadas com aumento de praticamente todas as complicações, exceto o pós-datismo e a macrossomia fetal. • Do ponto de vista materno, ocorre maior frequência de anemia; hiperêmese gravídica; pré- edâmpsia; complicações hemorrágicas da gestação, como placenta prévia e descolamento prematuro de placenta (DPP); infecção puerperal; edema pulmonar e óbito. • Para a maioria dessas complicações, o diagnóstico e o manejo específico não diferem da norma adotada para gestações únicas. • Uma das complicações gestacionais que ocorrem com maior frequência nas gestações múltiplas é a hipertensão arterial. • Vale notar que os níveis de ácido úrico encontrados nas gestações gemelares são superiores aos valores habitualmente observados em gestações únicas. • Principais complicações maternas: a. Anemia b. Hiperêmese c. Abortamento d. DMG e. Polidrâmnio f. Hipertensão e Pré-eclâmpsia g. RPMO h. Prematuridade i. Descolamento prematuro de placenta j. Hemorragia pós-parto k. Anomalias congênitas l. CIUR m. Insuficiência placentária Complicações fetais • Morte fetal intrauterina (principalmente monocoriônicos) • Discordância de crescimento fetal • Malformações fetais • Síndrome de transfusão feto-fetal (transferência desbalanceada de sangue entre as circulações fetais por meio de anastomoses). • Gemelaridade imperfeita • Gêmeo acárdico Acompanhamento da Gestante • Pré-natal de alto risco. • Reposição de ferro e folato a partir de 12 semanas. • Prevenção do trabalho de parto prematuro. • Maturação fetal pulmonar: recomendações divergentes. O ministério da saúde recomenda corticoterapia entre 24 e 34 semanas se houver trabalho de parto prematuro. • US seriada e US anteparto: definir crescimento e apresentação de forma a determinar a via de parto. Via de parto • Apresentação e situação: cefálico/cefálico – parto normal é preferencial. • Recomendações de cesariana: a. Número de fetos ≥ 3 b. Gestações monoamnióticas (risco de enovelamento de cordão) c. Gêmeos unidos d. Síndrome de transfusão feto-fetal e. Anormalidades congênitas f. Gestação com prematuridade extrema g. 1° feto pélvico • Fatores de escolha: a. Viabilidade dos fetos: <24 semanas – parto vaginal b. Número de fetos: maior que 2 – parto cesáreo c. Corionicidade 1. Dicoriônicos: tentativa de parto vaginal espontâneo 2. Monocoriônicos: preferência pela cesariana eletiva (risco de enovelamento de cordão, transfusão feto-fetal e maior taxa de cesariana de emergência) d. Estimativa do peso: segundo gemelar < 1500 g ou 25% maior que o primeiro gemelar indicam cesariana. Momento da interrupção • Dicoriônica-Diamniótica: 37-38 semanas. • Monocoriônica-Diamniótica: 34-37 semanas. • Monocoriônica-Monoamniótica: 32-34 semanas.
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