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Autora: Profa. Maria Teresa de Souza Barboza Colaboradora: Profa. Elizabeth Nantes Cavalcante Teoria Geral do Processo Professora conteudista: Maria Teresa de Souza Barboza Doutora (2015) e mestre (1995) em Direito do Trabalho e Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduada em Direito pela Universidade Mackenzie (1987). Professora titular da Universidade Paulista (UNIP) dos cursos de graduação em Direito e pós-graduação em Direito do Trabalho, Processo Civil e Direito Previdenciário, e do curso de gestão de Serviços Jurídicos, Notariais e de Registro, de Ensino Presencial e a Distância (EaD). Atua como advogada e consultora jurídica em direito do trabalho, mediadora e conciliadora. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B239t Barboza, Maria Teresa de Souza. Teoria Geral do Processo / Maria Teresa de Souza Barboza. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 140 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. CDU 347.8 U511 – 07 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Sumário Teoria Geral do Processo APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 MEIOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS ................................................................................... 11 1.1 Sociedade e direito .............................................................................................................................. 11 1.2 Conflitos e sistema de solução de conflitos .............................................................................. 13 1.2.1 Autotutela (ou autodefesa) ................................................................................................................ 15 1.2.2 Autocomposição ..................................................................................................................................... 17 1.2.3 Heterocomposição .................................................................................................................................. 22 1.2.4 Meios extrajudiciais de composição de conflitos ...................................................................... 26 1.2.5 Função estatal pacificadora (jurisdição) ........................................................................................ 27 2 DIREITO PROCESSUAL ................................................................................................................................... 28 2.1 Direito Processual: noções gerais e teoria geral do processo ............................................ 28 2.2 Direito Processual: conceito, autonomia, natureza jurídica e denominação .............. 30 2.3 Direito Processual: divisão ................................................................................................................ 32 2.4 Direito Processual: relações com outras disciplinas jurídicas ............................................ 34 2.5 Direito Processual: objetivo e a legislação ................................................................................. 36 2.6 Evolução histórica do direito processual brasileiro ................................................................ 37 3 FONTES E INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROCESSUAL .................................................................... 38 3.1 Norma Processual ................................................................................................................................ 38 3.2 Fontes da Norma Processual ........................................................................................................... 41 3.3 Interpretação da norma processual .............................................................................................. 43 3.3.1 Métodos de Interpretação das normas processuais ................................................................. 44 3.3.2 Integração das normas processuais ................................................................................................ 46 4 EFICÁCIA DA NORMA PROCESSUAL NO ESPAÇO E NO TEMPO .................................................... 47 4.1 Eficácia da norma processual no espaço .................................................................................... 47 4.2 Eficácia da norma processual no tempo ..................................................................................... 48 4.2.1 Lei processual nova e processo em andamento ......................................................................... 49 4.2.2 Lei processual nova e a modificação ou extinção de competência ................................... 51 Unidade II 5 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL .................................................................................. 55 5.1 Tutela Constitucional do Processo ................................................................................................ 55 5.2 Princípios Constitucionais do Direito Processual .................................................................... 58 5.2.1 Princípio do acesso à Justiça ou da inafastabilidade do controle jurisdicional ............ 58 5.2.2 Princípio do juiz natural ....................................................................................................................... 59 5.2.3 Princípio do devido processo legal ou due processo of law ................................................. 61 5.2.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa............................................................................. 62 5.2.5 Princípio da igualdade .......................................................................................................................... 65 5.2.6 Princípio da imparcialidade do juiz ................................................................................................. 66 5.2.7 Princípio da vedação da prova ilícita no processo .................................................................... 68 5.2.8 Princípio da presunção de inocência .............................................................................................. 69 5.2.9 Princípio do duplo grau de jurisdição ............................................................................................ 69 5.2.10 Princípio da publicidade .................................................................................................................... 71 5.2.11 Princípio da motivação das decisões judiciais ou fundamentação das decisões .............72 5.2.12 Princípio da celeridade processual ou da duração razoável do processo ..................... 73 5.3 Princípios informativos do procedimento ..................................................................................74 5.3.1 Princípio da inércia da jurisdição e o impulso oficial .............................................................. 74 5.3.2 Princípio da disponibilidade e da indisponibilidade ................................................................. 75 5.3.3 Princípio da oralidade ........................................................................................................................... 76 5.3.4 Princípio da persuasão racional do juiz ou do livre convencimento do juiz .................. 78 5.3.5 Princípio dos meios alternativos de composição de litígios: arbitragem, conciliação e mediação ................................................................................................................................... 78 5.3.6 Princípio da boa-fé e da lealdade processual ............................................................................. 79 5.3.7 Princípio da cooperação ou da colaboração................................................................................ 80 5.3.8 Princípio da economia e da instrumentalidade das formas ................................................. 81 5.3.9 Princípio dispositivo e princípio da livre investigação das provas – verdade formal e verdade real ...................................................................................................................... 81 5.3.10 Princípio inquisitivo ............................................................................................................................. 82 5.3.11 Princípio da eventualidade ou da preclusão ............................................................................. 82 6 JURISDIÇÃO ....................................................................................................................................................... 83 6.1 Jurisdição: conceito e objetivos do Estado ao exercer a jurisdição ................................. 84 6.2 Características da jurisdição ............................................................................................................ 86 6.3 Princípios fundamentais da jurisdição ........................................................................................ 88 6.4 Espécies de jurisdição ......................................................................................................................... 90 6.5 Limites da jurisdição ........................................................................................................................... 93 6.5.1 Limites internacionais ........................................................................................................................... 94 6.5.2 Limites internos ....................................................................................................................................... 95 Unidade III 7 AÇÃO .................................................................................................................................................................... 99 7.1 Ação: generalidades, conceito e natureza jurídica ................................................................. 99 7.2 Condições da ação .............................................................................................................................101 7.2.1 Interesse de agir ....................................................................................................................................102 7.2.2 Legitimidade ...........................................................................................................................................103 7.3 Carência da ação ................................................................................................................................104 7.4 Elementos da ação .............................................................................................................................104 7.4.1 Partes .........................................................................................................................................................106 7.4.2 Pedido ........................................................................................................................................................106 7.4.3 Causa de pedir........................................................................................................................................108 7.5 Classificação das ações ....................................................................................................................109 8 COMPETÊNCIA ................................................................................................................................................110 8.1 Competência: conceito e critério determinativos ................................................................110 8.2 Classificação da competência .......................................................................................................111 8.3 Critérios determinativos da competência ................................................................................113 8.3.1 Critério objetivo .....................................................................................................................................113 8.3.2 Critério territorial ..................................................................................................................................114 8.3.3 Critério funcional ..................................................................................................................................115 8.4 Cooperação internacional ...............................................................................................................115 8.5 Cooperação nacional ........................................................................................................................117 8.6 Competência interna ........................................................................................................................118 8.6.1 Classificação da competência ..........................................................................................................119 8.7 Competência absoluta e relativa .................................................................................................124 8.8 Modificação da competência ........................................................................................................125 8.9 Prevenção ..............................................................................................................................................126 8.10 Declaração de incompetência .....................................................................................................127 8.11 Conflito de competência ...............................................................................................................127 8.12 Competência de foro ......................................................................................................................128 8.12.1 Quadro esquematizado da competência de foro ................................................................. 132 9 APRESENTAÇÃO A presente disciplina tem por objetivo o estudo e o conhecimento dos meios de solução de conflitos sociais – autocomposição, heterocomposição e meios extrajudiciais –, assim como a promoção da compreensão e da importância do direito processual e de seus institutos fundamentais, como a ciência do direito. O estudo inicial do direito processual proporcionará o domínio de conceitos e de terminologia jurídica, argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais envolvidos, necessários para o estudo de outras disciplinas que tomam como base o direito processual. A disciplina promoverá o desenvolvimento das competências e habilidades civis relativas ao estudo das fontes do direito processual, assim como a interpretação e a eficácia da norma processual no tempo e no espaço. No tocante aos objetivos específicos,serão estudados os princípios constitucionais do processo, como princípios normativos de suma importância, e os princípios informativos do procedimento, específicos do direito processual. A jurisdição, como um dos meios de solução de conflitos sociais, será estudada no que se refere a seu conceito, os objetivos do Estado no exercício dessa função, as características, os princípios fundamentais, as espécies e os limites. A disciplina possibilitará o estudo e a compreensão da ação, conceito e natureza jurídica, bem como as condições da ação, que na ausência de uma delas resultará na carência da ação. Será feita a classificação das ações. Por fim, será estudada a competência para o ajuizamento da ação, conceito e critérios determinativos e cooperação internacional e nacional. A base de estudo da disciplina compreende a Constituição Federal e as principais inovações e institutos recentemente incorporados ao nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela legislação atualizada. Assim, a disciplina busca fornecer subsídios necessários para permitir ao aluno a construção do conhecimento a partir de aulas teóricas do curso, estudo da legislação e da jurisprudência, leitura do material didático e de livros doutrinários e análise de problemas e de casos práticos, visando torná-lo apto a enfrentar e solucionar as dificuldades apresentadas no campo do direito processual, bem como proporcionar uma formação crítica a atender às necessidades do mercado profissional na atualidade. Contará também com a resolução dos exercícios, textos complementares, participação do aluno em chats e fóruns e realização de projeto integrado multidisciplinar. 10 INTRODUÇÃO O direito processual é a base de ramos, como penal, civil, do trabalho e outros. Esta disciplina tem por objetivo proporcionar conhecimento teórico do direito processual e a capacidade de utilização de raciocínio jurídico adequado, de interpretação da lei diante de sua aplicação ao caso concreto e de argumentação técnico-jurídica. A jurisdição é um dos mecanismos heterônomos de solução de conflitos de interesses, que se dá por meio do processo, o qual nada mais é do que um instrumento disciplinado pelo direito processual. O direito processual é disciplina importante para a compreensão de várias outras originárias dela, razão pela qual estudaremos o conceito, sua autonomia, denominação, divisão e relação com outras disciplinas jurídicas e o seu objetivo. Para a melhor compreensão e o aprofundamento da disciplina, caberá estudar as fontes, técnicas de interpretação das leis, e a eficácia e aplicação da norma processual. Os princípios constitucionais e específicos do direito processual são importantes para o conhecimento, atuação e formação do raciocínio jurídico capaz de provocar adequadamente a jurisdição como uma das três principais funções do Estado. A ação provoca o Poder Judiciário na solução de conflitos, e para tanto, convém estudarmos o conceito de ação, natureza jurídica, classificação das ações, condições da ação e carência da ação, visando ao seu desenvolvimento válido para fins da pacificação social. Por fim, devemos estudar onde juizar a ação, sua competência e cooperação internacional e nacional. A disciplina proporcionará o estudo e o conhecimento do direito processual, base para estudo e compreensão do direito processual civil, direito processual penal e direito processual do trabalho. 11 TEORIA GERAL DO PROCESSO Unidade I 1 MEIOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS 1.1 Sociedade e direito O ser humano possui uma vocação para viver em grupo da mesma espécie. O crescimento e o desenvolvimento desse grupo de seres humanos deu origem à sociedade. A sociedade é uma necessidade natural do homem, a qual teve importância para a sobrevivência e a continuidade da raça humana. Observando-se a sociedade como um agrupamento social, verifica-se que cada homem possui as suas necessidades, os seus interesses, os seus bens, a sua família e as suas pretensões, podendo resultar em conflitos sociais de interesses contrapostos. No que concerne a necessidade, José Eduardo Carreira Alvim explica que “se o homem é um ser dependente, podemos concluir que a necessidade é uma relação de dependência do homem para com algum elemento”1. Esse elemento necessidade do homem é o bem da vida, que compreende bens materiais e imateriais, e que são capazes de satisfazer as necessidades pela sua utilidade. Considerando a utilidade, que é a aptidão de um bem para atender a uma necessidade, podemos citar como bens materiais o bem casa que tem como utilidade a moradia, a água para quem tem sede, o alimento para quem tem fome, transporte; e como bens imateriais citamos a paz, a liberdade, a honra e o amor. O interesse é juízo que o homem faz quanto à utilidade de um bem, que pode ser de duas espécies, interesse imediato e interesse mediato. Interesse imediato é posição ou situação que atende diretamente à satisfação de uma necessidade, como por exemplo, o alimento para satisfazer a fome. Interesse mediato é posição ou situação que se presta à satisfação indireta de uma necessidade do homem, como por exemplo, o dinheiro para adquirir o alimento quando necessitar. O homem é o sujeito de interesses e o bem é o objeto de interesse. Interesse é a satisfação das necessidades humanas corporificadas nos bens materiais e imateriais. 1 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1. 12 Unidade I No tocante ao interesse, Moacyr Amaral Santos explica que “Os bens da vida se destinam à utilização pelo homem. Sem uns, este não sobreviveria; sem outros, não se desenvolveria, não se aperfeiçoaria. A razão entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é o que se chama interesse. Assim, aquilata-se o interesse da posição do homem, em relação a um bem, variável conforme suas necessidades. Donde consistir o interesse na posição favorável à satisfação de uma necessidade. Sujeito do interesse é o homem; o bem é o seu objeto”2. Com o aperfeiçoamento e o desenvolvimento das condições de vida dos membros em sociedade, surge o Direito como um controle social. Assim, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco entendem que “[...] não há sociedade sem direito: ubi societas ebi jus3”. Ante o aspecto sociológico, os mesmo doutrinadores, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco explicam que o direito é uma das formas de controle social, “[...] entendido como o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios”4. Qual é a função do direito na sociedade? Os autores acima mencionados entendem que a causa dessa correlação está na função que o direito exerce na sociedade, e que é a função ordenadora, explicando que esta função corresponde a “[...] de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre os seus membros A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste”.5 2 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 25-26. 3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 27. 4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 27. 5 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros,2012, p. 27. 13 TEORIA GERAL DO PROCESSO Qual o critério utilizado pela ordem jurídica? O critério utilizado deve ser o do justo e do equitativo, conforme a convicção prevalente em determinado momento e lugar. Quem exerce o direito? O Estado-juiz exerce o direito, com soberania e autoridade para garantir o cumprimento do direito. Como é exercido o direito? O direito é exercido por meio de leis, que são normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares, que regulam as relações jurídicas. 1.2 Conflitos e sistema de solução de conflitos O Estado-juiz exerce o direito regulador, com soberania e autoridade para garantir o cumprimento do direito. Entretanto, a existência de normas regulamentadoras das relações sociais entre pessoas não são suficientes, nem capazes de evitar ou eliminar os conflitos que podem surgir entre elas. Daí surge o conflito de interesses, que precisa ser solucionado com o objetivo da pacificação social e da restauração da paz social. A solução de conflitos tem sua origem quando pelo menos duas pessoas têm o mesmo interesse em um determinado bem da vida, que a só uma pode satisfazer. Moacyr Amaral Santos entende que conflito de interesses “[...] pressupõe, ao menos, duas pessoas com interesse pelo mesmo bem. Existe quando à intensidade do interesse de uma pessoa ou determinado bem se opõe a intensidade de outra pessoa pelo mesmo bem, donde atitude de uma tendente à exclusão da outra quanto a este”6. O conflito de interesses caracteriza-se pela pretensão de uma pessoa, resistida por outra, quanto a um determinado bem ou relação jurídica, gerando uma insatisfação. É certo que a insatisfação é um fator antissocial, independentemente da pessoa ter ou não razão ao bem pretendido. 6 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26. 14 Unidade I Se há um conflito entre duas pessoas, há uma lide, e o Estado-juiz é chamado para dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto (declaração) e, se for o caso, fazer com que as coisas se disponham conforme essa vontade (execução). Moacyr Amaral Santos entende que lide “[...] é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro. Ou, mais sinteticamente, lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”7. Assim, para a eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade deve ser observado o sistema de solução dos conflitos, que constitui um conjunto de meios e de formas de que o ordenamento jurídico é dotado para colocar fim às controvérsias em geral. O sistema de solução de conflitos é composto pela: • Autodefesa ou autotutela: impõe o sacrifício para a satisfação do interesse da parte mais forte sobre o outro mais fraco. • Autocomposição: um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse por meio de um acordo. • Heterocomposição: impõe a participação de um terceiro suprapartes à solução do conflito, Estado-juiz ou árbitro. O Código de Processo Civil, no artigo 3º e seus parágrafos, prestigia as formas alternativas de solução de conflitos de interesses, aqueles outros mecanismos de solução, que somados à jurisdição, se prestam a pacificação social. Transcreve-se o referido artigo a seguir: “Art. 3 Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”8. Os mecanismos alternativos de solução de conflitos são a autocomposição e a heterocomposição, que se diferenciam conforme haja ou não interferência de terceiros no meio de que se valem as partes para compor a lide (conflito). 7 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 31. 8 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16.03.2015. 15 TEORIA GERAL DO PROCESSO Para aclarar a compreensão, segue quadro dos meios de solução de conflitos sociais, a seguir: Métodos de solução de conflitos Autocomposição Conciliação Arbitragem Mediação Jurisdição Heterocomposição Figura 1 Na autocomposição a solução é construída exclusivamente pelas partes, de forma bilateral ou unilateral. Enquanto que, na heterocomposição a solução é imposta por terceiro (agente público ou privado) às partes por meio de uma sentença (judicial ou arbitral). Essas formas de solução de conflitos de interesses contrapostos serão analisados e estudados a seguir. 1.2.1 Autotutela (ou autodefesa) Nas fases primitivas da civilização dos povos não existia um Estado-juiz, sendo que se alguém pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter, teria de utilizar da própria força, para conseguir a satisfação de sua pretensão. A autotutela, ou também denominada de autodefesa, é um meio de solução de conflitos muito primitivo, pois não garante a justiça, mas sim a vitória do mais forte ou do mais astuto sobre o mais fraco ou do mais tímido. O vocábulo “autodefesa” indica o ato pelo qual alguém faz a defesa própria, por si mesma. Supõe defesa pessoal, isto é, as próprias partes procedem à defesa de seus interesses. Autotutela ou autodefesa é a chamada de “justiça pelas próprias mãos”, forma autodefensiva repudiada pelo direito. A prática da autodefesa pode ser definida como crime, quando praticada pelo particular no “exercício arbitrário das próprias razões” (CP, art. 345). Autodefesa consiste na solução direta entre os litigantes pela imposição de um sobre o outro, isto é, impondo à outra parte um sacrifício não consentido por esta. 16 Unidade I Marcus Orione Gonçalves Correia define autodefesa como solução de conflitos em que “[...] um dos sujeitos do conflito impõe, por meio de uma ação própria, a sua vontade sobre a do outro”9. Para distinguir a autodefesa, José Eduardo Carreira Alvim cita o ensinamento de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, que expõe “como notas essenciais da autodefesa: a ausência de um juiz, distinto das partes litigantes e a imposição da decisão por uma das partes à outra”10. Podemos destacar as características da autotutela ou autodefesa, que são as seguintes: • Ausência de juiz distinto das partes e de normas reguladoras das relações jurídicas. • Solução do conflito por ato unilateral de uma das partes, que é imposta à outra parte, sem a intervenção de terceiros (juiz ou árbitro). • Uma das partes impõe a outra parte uma solução, sem cogitar a existência ou inexistência do direito, satisfazendo-se simplesmente pela força. São notórias as deficiências dessa técnica, cuja solução provém de uma das partes interessadas, que é unilateral e imposta. Portanto, evoca a violência, e a sua generalização importa na quebra da ordem e na vitória do mais forte e não do titular do direito. Assim, os ordenamentos jurídicos proíbem a autodefesa como o exercício arbitrário das próprias razões, autorizando-a apenas excepcionalmente, conforme os casos a seguir: • No Direito do Trabalho, admite-se a greve, como manifestação autodefensiva, exercido dentro dos limites legais. • No Direito Civil, admite-se a autodefesa nos casos de direito de retenção (CC, arts. 578, 644, 1.219, 1.433, II, e 1.434 etc.), desforço imediato (CC, art. 1.210, § 1º), e o direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes que ultrapassem a extrema do prédio (CC, art. 1.283). • No Direito Penal, o legislador autoriza a autodefesa nos casos de atos que, embora tipificados como crime, sejam realizados em legítima defesa ou estado de necessidade, que são meios excludentes da ilicitude do ato (CP, arts. 23, 24 e 25) e o poder estatal de efetuar prisões em flagrante (CPP, art. 301).• No plano internacional, como ações autodefensivas tem-se a agressão bélica, ocupações, invasões, intervenções, etc. 9 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 4. ed. São Paulo: Saraíva, 2007, p. 6. 10 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 10. 17 TEORIA GERAL DO PROCESSO 1.2.2 Autocomposição Surgiu a autocomposição, a partir do momento em que o homem compreendeu que seria melhor um acordo, em vez que correr o risco de perder seus bens. Autocomposição consiste na solução direta entre os litigantes através de acordo firmado entre eles, isto é, o conflito é solucionado por ato das próprias partes conflitantes, sem emprego de violência, sem a intervenção de um terceiro, mediante ajuste de vontades. O vocábulo “autocomposição” é composto pelo prefixo auto, que significa “próprio”, e do substantivo “composição”, que equivale a solução, resolução ou decisão do litígio por obra dos próprios conflitantes (litigantes). Na autocomposição, um ou ambos os litigantes consentem no sacrifício de seus próprios interesses, daí a sua classificação em unilateral e bilateral. A renúncia ao direito é um exemplo da unilateral e a transação da bilateral, quando cada uma das partes faz concessões recíprocas. Características da autocomposição: • Meio alternativo de solução dos conflitos autocompositivo, por meio do qual as partes conflitantes chegam a um acordo. • Solução por ato das próprias partes, sem a intervenção de terceiros. • Uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele. • Para a solução cogita-se a existência ou inexistência do direito. • Solução autocompositiva admitida sempre que não se tratar de direitos indisponíveis, que são os direitos da personalidade, tais como: vida, incolumidade física, liberdade, honra, propriedade intelectual, intimidade, estado, etc. Lembrete O CPC, art. 3º, §§ 2º e 3º, dispõe que a solução consensual dos conflitos está prevista na norma fundamental do processo civil. 1.2.2.1 Espécies de autocomposição São espécies de autocomposição, a negociação, a conciliação e a mediação. Passamos a estudar todas elas. 18 Unidade I a) Negociação Negociação é importante método autocompositivo que antecede todos os outros de resolução de conflitos. É o procedimento no qual as partes, direta e consensualmente, põem fim a um conflito pela própria deliberação dos conflitantes (litigantes). É, normalmente, a primeira forma de compor litígios, e caso não seja bem sucedida, é possível partir para outra forma alternativa solução de conflitos, como por exemplo, a jurisdição tradicional. Para Petronio Calmon negociação “é o mecanismo de solução de conflitos com vistas à obtenção da autocomposição caracterizado pela conversa direta entre os envolvidos sem qualquer intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador. É uma atividade inerente à condição humana, pois o homem tem por hábito apresentar-se diante da outra pessoa envolvida sempre que possui interesse a ela ligado”11. Roberto Portugal Bacellar conceitua negociação como um processo e uma técnica destinada a resolver diretamente divergências de interesses e percepções que tem por objetivo criar, manter ou evoluir um relacionamento baseado na confiança, gerando ou renovando compromissos múltiplos e facilitando a formulação de opções e proposições para um acordo ou de novos acordos”12. A negociação é um processo bilateral e direto de resolução de impasses ou de controvérsias, no qual existe o objetivo de alcançar um acordo conjunto, através de concessões mútuas. Envolve a comunicação, o processo de tomada de decisão e a resolução extrajudicial de uma controvérsia. Negociação é utilizada para lidar com situações de conflito, é um processo em que duas ou mais partes, com interesses comuns e antagônicos, que se reúnem para confrontar e discutir propostas explícitas com o objetivo de alcançar um acordo. Exemplos de negociação: • As perdas e os ganhos de cada parte são apresentados e constituem as cartas com as quais a negociação se desenvolve, com objetivos claramente definidos. • No plano do direito coletivo do trabalho, as negociações coletivas são conduzidas diretamente entre sindicatos de categorias profissionais e econômicas ou entre sindicato de categoria 11 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 105. 12 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 168. 19 TEORIA GERAL DO PROCESSO profissional e empresa ou empresas do mesmo seguimento econômico, resultando no acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho. b) Conciliação Conciliação é uma espécie autocompositiva de solução de conflitos em que as partes conflitantes (litigantes), que não têm relacionamento anterior, com o apoio de um terceiro como facilitador, o conciliador, visam a obtenção de um acordo consensual. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco entendem que a conciliação, “tende à obtenção de um acordo e é mais indicada para conflitos que não se protraiam no tempo (acidente de trânsito, relações de consumo)”13. Na conciliação, as partes chegam a um acordo pela aceitação da proposta de uma delas, pela convergência e acerto das duas propostas ou pela aceitação da proposta de um terceiro facilitador, o conciliador. A conciliação pode ser compulsória, quando o juiz impõe a realização de uma audiência conciliatória (a compulsoriedade não se refere à realização do acordo) (CPC, art. 334). Há vários tipos de conciliação, extrajudicial e judicial. Extrajudicial quando realizada fora da Justiça e quando ainda não há processo judicial em andamento perante o Poder Judiciário. Poderá ser judicial, quando já se encontra em andamento processo judicial perante o Poder Judiciário e conduzida por conciliador capacitado para atuar para atuar conforme previsto em lei. Dispõe o artigo 334 e seus parágrafos 1º, 2º, 8º, 9º e 11º, o seguinte: “Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. § 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. § 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes. [...] 13 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38. 20 Unidade I § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. [...] § 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. [...]”14. A conciliação das partes é possível em todo momento e fase processual. Neste caso, como se trata de conciliação judicial, o acordo depende da homologação judicial, que o reveste de efeito de irrecorribilidade. E, se não cumprido o acordo pelas partes, pode ser executado diretamente perante o Poder Judiciário. Cabe ressaltar que, o acordo homologado judicialmente tem natureza de título executivo judicial (CPC, art. 515, III). A conciliação pode ser extraprocessual (fora de juízo) ou judicial (ou endoprocessual, que é aquela que se realiza em processo jáinstaurado perante juízo competente), em ambos os casos visa a induzir as próprias pessoas em conflito a ditar as regras a solução do conflito de interesses. Na conciliação extraprocessual, as partes visam obter um acordo antes da propositura de uma ação judicial, com o apoio do conciliador, como os exemplos abaixo: • a transação entre as partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo assinado pelas partes. • a submissão de um à pretensão do outro, com a celebração do acordo, evitando o ajuizamento da ação judicial. • a desistência da pretensão, em não ajuizar a ação judicial. Na conciliação judicial (endoprocessual), a ação judicial está em curso perante o Poder Judiciário, não havendo impeditivo às partes para a conciliação a qualquer momento e fase processual, como os exemplos abaixo: 14 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16.03.2015. 21 TEORIA GERAL DO PROCESSO • a conciliação das partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo assinado pelas partes, cabendo ao juiz a homologação judicial desse acordo (CPC, arts. 334, § 11º, e 487, III, “b”). • a renúncia do direito sobre que se função a ação ou a reconvenção, para que o processo se extinga com resolução de mérito (CPC, art. 487, III, “c”). • a desistência da ação, mediante homologação judicial, para que o processo extinga sem resolução de mérito (CPC, art. 485, VIII). A autocomposição é admitida pela lei processual civil ao dispor que, o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do Código de Processo Civil, competindo-lhe promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com o auxílio de conciliadores e mediadores judiciais, e em audiência de instrução, independentemente se já tentado (CPC, arts. 139, V, e 359). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre a obrigatoriedade da proposta conciliatória em dois momentos processuais: a primeira em audiência, após a qualificação das partes e seus procuradores, e antes da defesa; e a segunda após as razões finais (CLT, arts. 847 e 850). Os processos de competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais estão voltados à autocomposição das partes, destacando a fase conciliatória, vez que só se passa à instrução e julgamento da causa, após tentativa frustrada de conciliação (CF, art. 98, I; e Lei nº 9.099/95, arts. 21 a 26). Observação O Código de Processo Civil dedicou uma seção própria aos conciliares e mediadores, nos artigos 165 a 175. c) Mediação Mediação é uma espécie autocompositiva de solução de conflitos em que as partes conflitantes (litigantes), que têm relacionamento anterior, com o apoio de um terceiro como facilitador, o mediador, visam a obtenção de um acordo consensual. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco entendem que a mediação é um meio autocompositivo de solução de conflitos em que “[...] visa prioritariamente a trabalhar o conflito, constituindo na busca de um acordo objetivo secundário, e é mais indicada para conflitos que se protraiam no tempo (relações de vizinhança, de família ou entre empresas etc.)” 15. 15 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38. 22 Unidade I É um método de composição do conflito com a participação de um terceiro, suprapartes, sempre voluntária, em que o mediador, escolhido ou não pelas partes, e que tem a função de ouvi-las, intermediar a negociação, subsidiar as partes de informação e apoiar as partes na formulação de sugestões de propostas conciliatórias, para decisão das partes. As partes não são obrigadas a aceitar as propostas e celebrar acordo. O mediador nada decide, apenas intermedia e interfere para proporcionar a conversa e a aproximação das vontades divergentes dos litigantes. Geralmente, a mediação é extrajudicial, mas também pode ser judicial. A transação é o resultado da mediação e da conciliação quando as partes chegam a um consenso (acordo) (CPC, art. 487, III, “b”). São exemplos de mediação: • No plano internacional: tratados internacionais entre dois ou mais países. • No plano do direito de família: guarda, regulamentação de visitas e pensão alimentícia de filho; divórcio e partilha de bens, etc. • No plano do direito de vizinhança. Assim como a conciliação, os tipos da mediação são judicial e extrajudicial. A mediação judicial ocorre quando já há processo em tramitação perante o Poder Judiciário, aplica-se o disposto no CPC, art. 334 e seus parágrafos 1º, 2º, 8º, 9º e 11º, acima transcrito. E, a mediação extrajudicial ocorre antes do ajuizamento da ação judicial. Observação A Lei nº 13.140/2015, chamada de Marco Legal da Mediação, regulamenta a mediação judicial e extrajudicial para a solução de conflitos entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. 1.2.3 Heterocomposição Heterocomposição consiste na solução do conflito por uma fonte suprapartes, que decide com força obrigatória sobre os litigantes, que são submetidos à decisão. A decisão não é das partes, mas de uma pessoa ou órgão acima delas. Há mais de um tipo de heterocomposição: a jurisdição ou tutela e a arbitragem. 23 TEORIA GERAL DO PROCESSO A heterocomposição tem como características: • A solução do conflito é dada por ato de terceiro que impõe a solução às partes (e não pelas próprias partes). • Para a solução do conflito cogita-se a existência ou inexistência do direito. • As partes se submetem à decisão proferida pelo terceiro, de forma a observar o cumprimento obrigatório da mesma. a) Jurisdição ou Tutela A palavra jurisdição vem do latim juris dictio, que significa dizer o direito. Jurisdição é uma forma heterocompositiva de solução dos conflitos através de decisão judicial (sentença judicial), mediante a aplicação do ordenamento jurídico, proferida pelo Poder Judiciário. É uma espécie heterocompositiva por que um terceiro alheio às partes conflitantes soluciona o conflito, impondo a solução de forma definitiva e obrigatória às partes. O fim principal da jurisdição é a satisfação do interesse público do Estado na aplicação da norma que disciplina o conflito e a composição dos litígios pelas pessoas ou órgãos investidos, pela lei, desses poderes. No entender de Humberto Theodoro Júnior, jurisdição “é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida”.16 Petronio Calmon conceitua a jurisdição como “o meio heterocompositivo de solução dos conflitos, em que a solução do conflito é imposta por um terceiro imparcial. O terceiro substitui as partes em litígio, aplicando coercitivamente a solução, pondo fim ao conflito que lhe é apresentado por elas”17. A jurisdição ou tutela é a forma de solucionar os conflitos por meio da interveniência do Estado, gerando o processo judicial. O Estado diz o direito no caso concreto submetido ao judiciário, impondo às partes a solução do litígio. As características da jurisdição são: • A solução dos conflitos é imposta pelo Estado-juiz, que examina as pretensões e resolve os conflitos de interesses das partes. • Os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos. 16 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 110. 17 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 33. 24 Unidade I • O conflito de interesses é deduzido em juízo, proferindo o Estado-juiz decisão substitutiva da vontade das partes. • A jurisdição é exercida através do processo, que pode ser conceituado como, o instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em buscade solução. O processo é um meio efetivo para a realização da justiça. • A jurisdição é exercida por meio do processo, uma vez que as partes do conflito o transformam em lide, entregando ao Estado-juiz a missão de solucionar a controvérsia. A partir da jurisdição decorre o estudo da teoria geral do processo, do direito processual, princípios, competência, dos poderes do juiz no processo, da exigência de fundamentação das decisões e do duplo grau de jurisdição. b) Arbitragem Arbitragem é um mecanismo heterocompositivo de solução dos conflitos de interesse, em que as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem (Lei n. 9.307/96, art. 3º). É uma forma de decisão extrajudicial dos conflitos. A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), no artigo 1º, dispõe que: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”18. Na arbitragem quem julga não é um juiz investido de jurisdição pelo Estado, mas um árbitro escolhido pelas partes, que profere uma decisão chamada sentença arbitral. A Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), no seu art. 18, dispõe que: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. As características da arbitragem são: • A solução do conflito é dada por árbitro, que é uma terceira pessoa que irá solucionar por meio de uma decisão, a sentença arbitral. • A arbitragem é admitida somente em matéria civil e em litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Não é admitida em matéria penal. • O(s) árbitro(s) é(são) pessoa(s) de confiança de ambas as partes, escolhido(s) pelas mesmas. 18 Lei de Arbitragem. Lei nº 9.307/96, atualizada pela Lei nº 13.129, de 2015. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 21 fev. 2021. 25 TEORIA GERAL DO PROCESSO • O(s) árbitro(s) não é(são) investido(s) do poder jurisdicional, não podendo realizar a execução de suas próprias sentenças, nem impor medidas coercitivas. • A sentença arbitral contém os termos da solução do conflito imposta às partes e com força obrigatória no seu cumprimento. • Desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral, que uma vez proferida pelo árbitro deve ser obrigatoriamente cumprida pelas partes. • Sentença arbitral tem natureza jurídica de título executivo judicial (Lei n. 9.307/1996, art. 31; CPC, art. 515, VII). • A arbitragem pode se dar por compromisso arbitral (contrato firmado entre as partes, para a solução de um eventual conflito futuro) ou por cláusula arbitral (decidem pela arbitragem em cláusula de contrato que celebram, para a solução de conflitos existente). O árbitro deve ser pessoa capaz, terceiro escolhido pelas partes, que deve atuar de forma imparcial na solução do conflito. Cabe ressaltar que, o árbitro é pessoa de confiança das partes, que decidirá de modo a solucionar o conflito impondo tal solução para cumprimento obrigatório para as partes. Trata-se de decisão que impede o acesso ao juízo natural, para questionar seu mérito, porquanto opção das partes. Pode ser formado um Juízo Arbitral, composto por um árbitro, ou um Tribunal Arbitral, composto por mais de um árbitro, sempre em número ímpar, mas todos escolhidos pelas partes. Arbitragem tem natureza jurídica de justiça privada, pois o árbitro não é funcionário do Estado, nem está investido por este de jurisdição, como acontece com o juiz. É uma forma de heterocomposição, pois não são as próprias partes que resolvem o conflito, como ocorre na autocomposição, mas um terceiro que é chamado para decidir o litígio. A sentença arbitral difere da decisão judicial pelos fundamentos, por que a sentença arbitral não aponta, obrigatoriamente, fundamentos jurídicos, podendo se apoiar em aspectos econômicos, de bom senso ou de conveniência no caso concreto. O árbitro não está investido do poder jurisdicional, por que sua autoridade para decidir é atribuída pela vontade dos particulares cujos interesses são apreciados. A sentença arbitral tem natureza jurídica de título executivo judicial (Lei n. 9.307/1996, art. 31; CPC, art. 515, VII), que se não cumprida, pode ser executada perante o Poder Judiciário. Para aclarar a compreensão, segue a diferença entre jurisdição e arbitragem: 26 Unidade I Quadro 1 Jurisdição Arbitragem Juiz, órgão do Estado, diz o direito no caso concreto a ele submetido, pois está investido da função jurisdicional. Árbitro é um particular, maior e capaz, de confiança e escolhido pelas partes conflitantes, para atuar na solução do conflito que lhe é apresentado para decidir, de quem é o direito. O juiz soluciona o conflito por meio da sentença judicial. O árbitro soluciona o conflito por meio da sentença arbitral. Juiz determina às partes o cumprimento forçado da sentença. O árbitro não impõe o cumprimento da sentença arbitral às partes, que deve ser executada perante o Poder Judiciário. Saiba mais A Lei n. 9.307/96, com alteração da Lei n. 13.129/2015, chamada de Lei da Arbitragem, regulamenta a arbitragem como mecanismo alternativo de solução de conflitos. 1.2.4 Meios extrajudiciais de composição de conflitos O atual Código de Processo Civil prestigia os meios alternativos de solução de conflitos, isto é, incentiva a utilização pelas partes conflitantes de outros meios que se servem à pacificação social, de forma a não depender da jurisdição e até mesmo evitar a provocação da prestação jurisdicional para a solução dos conflitos, eis que o Poder Judiciário se apresenta abarrotado de processos (CPC, art. 3º e parágrafos). Esses meios alternativos ou substitutivos da jurisdição de solução de conflitos são chamados de formas extrajudiciais de composição de litígios, eis que solucionados fora do Poder Judiciário, com a participação ou não de um agente privado (sem a participação de agente público, como o Estado-juiz). Todas as formas extrajudiciais de composição de conflitos só podem ocorrer entre pessoas maiores e capazes e quando a controvérsia se referir a bens patrimoniais ou direitos disponíveis. A solução extrajudicial autocompositiva poderá ser obtida por meio de transação ou de conciliação, com a utilização dos mecanismos da negociação, conciliação ou mediação. Na conciliação e na mediação haverá a participação de um terceiro que atuará como facilitador e intermediador à solução do conflito pelas próprias partes. Na conciliação ou mediação extraprocessual, as partes visam obter um acordo antes da propositura de uma ação judicial, com o apoio do conciliador ou mediador, como os exemplos abaixo: • a transação entre as partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo assinado pelas partes. 27 TEORIA GERAL DO PROCESSO • a submissão de um à pretensão do outro, com a celebração do acordo, evitando o ajuizamento da ação judicial. • a desistência da pretensão, em não ajuizar a ação judicial. Recomenda-se que, os termos do acordo sejam transcritos e que sejam assinados pelas partes e duas testemunhas, para fins de execução perante o Poder Judiciário no caso de não cumprimento dos termos do acordo (CPC, art. 784, III). Observação O Código de Processo Civil, art. 165, §§ 2º e 3º, dispõe sobre o método consensual mais adequado, se conciliação ou mediação. A solução extrajudicial heterocompositiva será obtida por meio da arbitragem, com a participação do árbitro ou árbitros (agente privado), que tem por função proferir uma sentença arbitral solucionando o conflito que lhe foi posto à decisão. A decisão das partes pela solução do conflito por meio do juízo arbitral ou tribunal arbitral importa na renúncia à via judiciária. Porém, a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença judicial (Lei nº 9.307/1996, art. 31). 1.2.5 Função estatal pacificadora (jurisdição) O Estado no exercício do Poder Judiciário,com imparcialidade, é o mais apto a solucionar uma situação conflitiva, passando o conflito à apreciação da jurisdição. Logo, o conflito, em si, seria um dado sociológico, que antecede a lide ou litígio. Essa constatação é importante, na medida em que nem todo conflito é deduzido em juízo. Para Carnelutti, lide é “conflito de interesses deduzido em juízo”19. Lide é o conflito de interesses, qualificado pela existência de uma pretensão resistida. Se uma pessoa pretende o bem da vida (material ou imaterial) e encontra resistência relevante em outra pessoa, somente o Poder Judiciário, como regra quase absoluta, pode, pela atuação do processo, solucionar a questão. A função jurídica do Estado regula as relações intersubjetivas através de duas ordens de atividades: • Legislação: estabelece as normas de caráter genérico e abstrato, sem destinação particular a nenhuma pessoa e a nenhuma situação concreta, que devem reger as mais variadas relações, dizendo o que é lícito e o que é ilícito, atribuindo direitos, poderes, faculdades e obrigações. 19 CARNELUTTI apud CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraíva, 2010, p. 20. 28 Unidade I • Jurisdição: o Estado busca a realização prática daquelas normas em caso de conflito entre pessoas, declarando qual é o preceito pertinente ao caso concreto (processo de conhecimento) e desenvolvendo medidas para que esse preceito seja realmente efetivado (processo de execução). A jurisdição é atividade do Estado de solucionar conflitos interindividuais na medida em que é provocado mediante a aplicação do ordenamento jurídico, a promoção dos valores humanos e o bem-comum, visando a pacificação social com justiça. 2 DIREITO PROCESSUAL 2.1 Direito Processual: noções gerais e teoria geral do processo A vida em sociedade depende da normatização do comportamento das pessoas, disciplinando a vida social e as diversas relações sociais, cabendo ao Estado estabelecer os direitos de cada um, no campo material, como na área de direito civil, direito do trabalho, direito penal e outros ramos do direito. Para essa normatização das relação jurídicas interpessoais damos o nome de direito material ou, também chamado de, direito substancial. Marcus Orione Gonçalves Correia explica que “As normas de direito material disciplinam as relações jurídicas entre pessoas, estabelecendo seus direitos e obrigações”20. Muitas vezes a existência de normas imperativas e obrigatórias elaboradas pelo Estado, por meio do Poder Legislativo, que regulamentam as relações sociais nas mais diversas áreas do direito material, como direito civil e direito do trabalho, e outros, não são suficientes para manter o bom, correto e adequado comportamento dos cidadãos e da relação entre eles, ou fazer cumprir as regras sociais, daí surge o conflito de interesses. Assim, há a necessidade do direito processual, ramo do direito público, também elaborado pelo Estado e por meio do qual este exerce uma das suas principais funções soberanas, a Jurisdição, para fazer valer o direito material eventualmente desrespeitado. Nessa linha de raciocínio, Cassio Scarpinella Bueno ensina que o direito processual civil é um ramo do direito público, voltado ao estudo da atividade-fim do Poder Judiciário, e que deve ser estudado a partir da Constituição Federal.21. O objetivo do exercício da função jurisdicional pelo Estado, com aplicação do direito processual, é a paz social. A pacificação dos conflitos de interesses surgidos entre os cidadãos, que instrumentalizado pelo direito processual, é possível aplicar as normas de direito material ao caso concreto, concedendo o direito à quem o tem. Não se admite a justiça feita com as próprias mãos. 20 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraíva, 2010, p. 26. 21 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 47. 29 TEORIA GERAL DO PROCESSO Humberto Theodoro Júnior explica que a jurisdição, “que incumbe ao Poder Judiciário, e que vem a ser a missão pacificadora do Estado, exercida diante das situações litigiosas. Por meio dela, o Estado dá solução às lides ou litígios, que são os conflitos de interesse, caracterizados por pretensões resistidas, tendo como objetivo imediato a aplicação da lei ao caso concreto, e como missão mediata ‘restabelecer a paz entre os particulares e, como isso, manter a da sociedade”22. Para cumprir essa importante missão, o Estado utiliza do processo, que pode ser civil, trabalhista, penal, etc., de acordo com o ramo do direito material objeto do conflito de interesse. O processo é regulamentado pelo direito processual, também denominado de instrumental, que compreende a aplicação do direito material (ou substancial), que indica quais os direitos de cada um para fins da composição dos conflitos, tendo em vista o caso concreto levado pelas partes à solução pelo Poder Judiciário. Marcus Vinicius Rios Gonçalves distingue o direito material e o direito processual, explicando que as normas do direito processual “tratam do processo, que não é um fim em si mesmo, mas apenas um instrumento para tornar efetivo o direito material” 23. O direito processual como ramo da ciência jurídica que estuda as normas pertinentes à relação jurídico-processual, é um só, visto que também é uma só a função jurisdicional, e desses princípios fundamentais se originam normas processuais especializadas de acordo com a natureza dos conflitos a solucionar, como o direito processual civil, direito processual do trabalho, direito processual penal, direito processual tributário e outros ramos do direito processual. Como é una a jurisdição, função exercida pelo Estado, é uno também o direito processual, sendo um sistema de princípios e normas que se aplicam a todos os demais ramos do direito processual. Conforme a corrente unitarista, que é o entendimento doutrinário dominante, o direito processual é um só, que corresponde a um instrumento para fazer valer o direito material, e serve de base para vários outros ramos, todos originários do direito processual e com correlação aos diversos ramos do direito material (direito civil, direito penal, direito do trabalho), se dividindo em direito processual civil, direito processual penal e direito processual do trabalho. No que concerne a essa correlação do direito processual com outros ramos do direito processual, é que nos cabe destacar a importância do estudo da nossa disciplina Teoria Geral do Processo, como pilar do ordenamento processual naquilo que é comum aos diversos tipos de processo, como os princípios e institutos fundamentais da ciência processual, aplicáveis a todos os demais processos, como por exemplo, princípios fundamentais, conceitos de jurisdição, ação e processo, e aos muitos outros institutos como a citação, a intimação, a sentença, a coisa julgada etc. 22 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 3. 23 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual. Vol. I. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 26. 30 Unidade I A doutrina moderna desenvolveu uma teoria geral do processo cujos conceitos são aplicados a todos os seus ramos indistintamente. Para melhor explicar, José Eduardo Carreira Alvim define a teoria geral do processo como “o conjunto de conceitos sistematizados que retratam os princípios fundamentais do direito processual (nos seus distintos ramos), enquanto ramo do direito público que contém o repositório de princípios e normas que disciplinam os diversos tipos de processo e seus respectivos procedimentos”24. Logo, a teoria geral do processo estuda elementos comuns a todos os ramos da ciência do processo, como base para o estudo de outros ramos do direito processual, como o direito processual civil, o direito processual penal e o direito processual do trabalho, disciplinas estas que serão estudadas futuramenteno correr do nosso Curso de Direito. 2.2 Direito Processual: conceito, autonomia, natureza jurídica e denominação Como já explicado anteriormente, lide se estabelece entre dois sujeitos, titulares de interesses contrários, e necessita ser solucionado. Lide perturba a paz social, e no entender de Moacyr Amaral Santos, “é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”25. O Estado, no exercício da função jurisdicional, cumpre essa importante missão, se utilizando do processo para a composição das lides surgidas nas relações sociais. É por meio do processo que o Estado compõe a lide, concedendo o direito à quem o tem no caso concreto que lhe foi apresentado à solução pelas partes conflitantes. Feita esta introdução, o que é processo? Processo é um complexo de atos coordenados, instrumento por meio do qual o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto, que lhe é posto à solução de um conflito de interesses. O processo é regido por princípios e leis, constituindo o fenônemo que se situa no campo do direito. E, seguindo esse raciocínio, é que Misael Montenegro Filho explica que processo “é o instrumento utilizado pela pessoa que exercitou o direito de ação para obter resposta jurisdicional que ponha fim ao conflito de interesses instaurado ou em vias de sê-lo”26. 24 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 41. 25 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 31. 26 MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 131. 31 TEORIA GERAL DO PROCESSO O processo é regulamentado pelo direito processual, também denominado de direito instrumental ou de direito formal, que prevê o direito de o interessado apresentar uma petição inicial com uma pretensão contra outrem e os demais atos processuais necessários para a prolação da sentença (de mérito ou terminativa), que confere a solução do conflito de interesses, tendo em vista o caso concreto levado pelas partes à solução pelo Poder Judiciário. Cabe conceituar o direito processual, que para Moacyr Amaral Santos é um “sistema de princípios e normas legais que regulam o processo, disciplinando as atividades dos sujeitos interessados, do órgão jurisdicional e seus auxiliares”27. Melhor explicando, o mesmo autor entende que o direito processual “constitui o sistema de princípios e normas legais regulamentadoras do exercício da função jurisdicional”28. O direito processual é uma ciência autônoma no campo da dogmática jurídica, cuja natureza é de direito público, constituída de princípios próprios, que regula a atividade jurisdicional do Estado, e que tem como base a Constituição Federal. Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco o “[...] direito constitucional estabelece as bases do direito processual ao instituir o Poder Judiciário, criar os órgãos (jurisdicionais) que o compõem, assegurar as garantias da Magistratura e fixar aqueles princípios de ordem política e ética que consubstanciam o acesso à justiça (acesso à ordem jurídica justa) e a garantia do devido processo legal (due process of law). O direito processual, por sua vez, inclusive por meios de disposições contidas no próprio texto constitucional, cria e regula o exercício dos remédios jurídicos que tornam efetivo todo o ordenamento jurídico, em todos os seus ramos, com o objetivo precípuo de dirimir conflitos interindividuais, pacificando e fazendo justiça em casos concretos”29. Assim, a autonomia do direito processual se evidencia pelo sistema de princípios que o regem e que lhe são próprios, como também das leis que o constituem, com características próprias. No tocante à natureza jurídica, o direito processual é ramo de direito público, que regula o exercício de parte de uma das funções soberanas do Estado, que é a jurisdição. Na relação jurídica processual, se encontra o Estado em posição de superioridade em face dos particulares, fazendo uso do seu poder de império (ius imperii). 27 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35. 28 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35. 29 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 56. 32 Unidade I Ademais, deve-se considerar que, mesmo quando o conflito de interesses é eminentemente privado (entre dois particulares), há no processo sempre um interesse público, que é o da pacificação social e o da manutenção do império da ordem jurídica, mediante a realização da vontade concreta da lei. As normas de direito processual são, em sua maioria, cogentes, eis que não se encontram à disposição das partes a possibilidade de alterá-las. 2.3 Direito Processual: divisão Apesar de o direito processual ser uno e indivisível, a ciência processual o desdobra em vários outros ramos, todos com autonomia e independência, como o direito processual civil, direito processual penal, o direito processual do trabalho e direito processual tributário, dente outros, se diferenciando entre eles pela pretensão posta em juízo. No que concerne ao direito processual como regulador do exercício da função jurisdicional, em face de conflitos de interesses concretos e que devem ser compostos segundo a vontade da lei, Moacyr Amaral Santos explica que “[...] no exercício da função jurisdicional, o Estado terá que considerar a natureza da lide, e, portanto, a pretensão, que a caracteriza, para, conforme o seja, dar atuação à lei reguladora da espécie, aplicando a medida jurídica que desta resultar”30. Alguns doutrinadores entendem que, conforme a natureza da lide, o direito processual se divide em dois, o direito processual civil e o direito processual penal. E, assim justifica Vicente Greco Filho dizendo que “[...] direito processual civil e o direito processual penal são comuns em relação aos outros que são especiais, porque regem a atuação da jurisdição toda vez que não se aplicam as jurisdições especiais”31. Humberto Theodoro Júnior define o direito processual civil “como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil”32. Para Guilherme de Souza Nucci direito processual penal é [...] o corpo de normas jurídicas com a finalidade de regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto. É o ramo das ciências criminais cuja meta é permitir a aplicação de 30 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 36. 31 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justiça. Vol. 1. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 87. 32 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 4. 33 TEORIA GERAL DO PROCESSO vários dos princípios constitucionais, consagradores de garantias humanas fundamentais, servindo de anteparo entre a pretensão punitiva estatal, advinda do direito penal, e a liberdade do acusado, direito individual”33. As lides que não sejam de natureza penal, se compõem conforme as normas do direito processual civil, vez que na maioria das vezes são interesses tutelados pelo direito privado, direito civil, direito comercial etc. Há lides cujos interesses são tutelados pelo direito público, como direito constitucional, direito administrativo, direito tributário etc., que também se aplica o direito processual civil. Assim, o direito processual civil tem ligação com todos os demais ramos do direito, muitas vezes com aplicaçãosubsidiária no processo penal, no processo do trabalho, no processo tributário e outros. Cabe ressaltar que, a maior parte dos princípios que regem o direito processual civil está previsto na Constituição Federal e alguns deles reproduzidos no Código de Processo Civil. A jurisdição comum é disciplina pelo direito processual civil e o direito processual penal, e a jurisdição especial disciplinada por leis especiais para as quais é dado tratamento especial, como para o direito processual do trabalho, o direito processual eleitoral e o direito processual militar. Considerando a jurisdição especial, citamos do conceito de direito processual do trabalho na visão de Amauri Mascaro Nascimento o direito processual do trabalho “[...] é ramo do direito processual destinado à solução judicial dos conflitos trabalhistas. As normas jurídicas nem sempre são cumpridas espontaneamente, daí a necessidade de se pretender, perante os tribunais, o seu cumprimento, sem o que a ordem jurídica tornar-se-ia um caos. A atuação dos tribunais também é ordenada pelo direito, mediante lei coordenadas num sistema, destinadas a determinar a estrutura e o funcionamento dos órgãos do Estado, aos quais é conferida a função de resolver os litígios ocorridos na sociedade, bem como os atos que podem ser praticados não só por esses órgãos mas também pelas partes do litígio. O direito processual tem por finalidade principal evitar, portanto, a desordem e garantir aos litigantes um pronunciamento do Estado para resolver a pendência e impor a decisão”34. A distinção entre os vários ramos do direito processual respeita a natureza da lide, como instrumento para fazer valer o direito material. 33 Nucci, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. . 34 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59. 34 Unidade I O sistema jurídico deve se organizar com coerência a Constituição Federal, o que decorre dos princípios gerais e fundamentais sobre os quais se baseiam o direito processual civil, o direito processual penal, o direito processual do trabalho e outros, em harmonia com princípios específicos de cada ramo do direito processual. 2.4 Direito Processual: relações com outras disciplinas jurídicas O direito processual estabelece uma conexão com todos os outros ramos do direito processual, e que pela sua instrumentalidade atua como correspondente dos ramos do direito material ou direito substancial. Convém diferenciar o direito material do direito processual, para a compreensão da nossa matéria e da sua autonomia como ramo do direito. O direito material, também chamado de direito substantivo, é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas entre as pessoas relacionadas a bens e utilidades da vida, estabelecendo direitos e obrigações, como por exemplo direito civil, direito penal, direito administrativo, direito comercial, direito tributário, direito do trabalho, direito do consumidor, e outros. O direito formal (em oposição ao direito material) ou direito adjetivo (em oposição ao direito substantivo) ou direito processual regula as relações jurídicas no âmbito do processo, instituindo regras de como as partes devem comportar-se em juízo a fim de fazerem valer suas pretensões de direito material. Assim, podemos denominar direito processual como ramo da ciência jurídica que se ocupa dos procedimentos judiciais através do complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, bem como da relação que se estabelece entre os sujeitos do processo, ou melhor, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado. A distinção fundamental entre direito material e direito processual é que este último cuida as relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste. Aos diversos ramos do direito material correspondem correlatamente ramos do direito processual, como abaixo demonstra-se: • Direito material civil = direito processual civil; • Direito material penal = direito processual penal; • Direito material do trabalho = direito processual do trabalho. • Direito material tributário = direito processual tributário. 35 TEORIA GERAL DO PROCESSO Logo, o direito processual é um instrumento a serviço do direito material. Por sua instrumentalidade, o direito processual deve muitas vezes plasmar-se às exigências do direito material, criando procedimentos específicos para atender ao direito material. Por exemplo: ação de consignação em pagamento ajuizado por existir dúvida por parte do devedor sobre à quem deva pagar a dívida e liquidá-la, para este processo a lei processual prevê a possibilidade de serem citados todos os potenciais credores, que passarão a integrar o polo passivo desta ação. O Direito Processual é uno e a unidade entre os diversos ramos do direito processual é clara, como se depreende dos seguintes elementos: • A maior parte são princípios fundamentais previstos na Constituição Federal e que são comuns a todos os ramos do direito processual, como: princípio do devido processo legal, princípio do contraditório e da ampla defesa, o princípio do acesso à justiça, dentre outros. • As noções básicas da teoria geral do processo são comuns a todos os ramos, como conceitos de jurisdição, ação, defesa e processo, bem como os princípios estruturais, da forma como são utilizados no processo civil, processo penal e processo do trabalho. • Em casos de omissões no processo do trabalho e penal, há aplicação subsidiária do processo civil. • Direito penal se enlaça com o direito processual civil, como por exemplo falso testemunho, falsa perícia, fraude processual e outros, sendo que certos ilícitos processuais são também delitos punidos pela lei penal. • A restauração de um direito violado terá de ser feita pela jurisdição civil, sob pena de incorrer em crime de exercício arbitrário das próprias razões, salvo nos casos em que se permite a autotutela. Quanto à natureza jurídica dos direitos processuais civil, penal e trabalhista, pertencem ao ramo de direito público, visto que interessa ao Estado a solução dos conflitos por meio do processo, para a busca da harmonia social a partir da decisão soberana tomada pelo poder estatal, nas relações de direito processual esse mesmo Estado aparece em posição de superioridade (“jus imperii”). Devedor da prestação de decidir, o Estado, mediante a atuação do juiz, submete os particulares a essa mesma decisão, tendo estes de acatá-la. A vontade do Estado substitui a dos particulares a partir da decisão judicial. Lembrete O direito a um processo justo é um direito fundamental e a sua concretização está na elaboração de códigos processuais e de leis em observância a esse direito. 36 Unidade I 2.5 Direito Processual: objetivo e a legislação As normas de direito material disciplinam as relações jurídicas interpessoais, estabelecendo direitos e obrigações. As normas de direito processual regulam as relações jurídicas no âmbito do processo, como regras sobre os sujeitos legitimados a participarem do processo e as práticas de atos processuais a fim de fazer valer suas pretensões de direito material. A função jurisdicional consiste na aplicação da lei, que é norma geral e abstrata de tutela de interesses e reguladora da composição de conflitos de interesses nos casos concretos que são postos à solução. Há uma correlação entre o legislativo e o judiciário, vez que aquele elabora leis de modo a regulamentar as relações jurídicas, que se não observadas cabe ao órgão jurisdicional a composição dos conflitos por meio do proferimento da sentença pelo juiz, impondo às partes o direito objetivo, ao conceder o direito à quem o tem. O processo tem função pública Assim, considerando que o processo tem por finalidade a atuação do direito objetivo, vez que se destina a satisfazer o interesse
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