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O'dwyer - Os quilombos e a prática profissional dos antropólogos

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Os quilombos e a prática profissional dos antropólogos
Até a constituição federal de 1988, o termo quilombola era quase que
exclusivo dos historiadores, mas a partir daí o quilombo adquire uma significação
atualizada por causa do art.68 da ADCT dando direitos territoriais aos
“remanescentes de quilombo” que estejam ocupando suas terras (p.13).
O uso desse termo, que até então não era utilizado, levantou a questão:
quem são os remanescentes de quilombos? O antropólogo aparece como uma das
figuras que farão o esforço de responder esta pergunta, pois no texto, é preciso que
esses sujeitos históricos presumíveis existam no presente e tenham ocupado uma
terra, que por direito, deverá ser em seu nome titulada, "uma forma atual de
existência capaz de realizar-se a partir de outros sistemas de relações que marcam
seu lugar no universo social determinado” (p. 13,14).
Tal aspecto na legislação faz com que antropólogos sigam o princípio básico
“fazer o reconhecimento teórico e encontrar o lugar conceitual do passado no
presente” ( Sahlins, 1990 apud O’dwyer, pg. 14). Numa perspectiva antropológicas
esses indivíduos ou atores sociais organizados de acordo com sua situação atual
faz com que eles sejam conceituados como grupos étnicos que existem ou
persistem ao longo da história como “tipo organizacional”, segundo processos de
exclusão ou inclusão que possibilitam construir fronteiras entre os de dentro ou de
fora. Isso sem referência necessária à preservação de diferenças culturais herdadas
que sejam facilmente identificáveis por qualquer pessoa de fora, supostamente
produzidas pela manutenção de um suposto isolamento geográfico e/ou social ao
longo do tempo (p. 14).
Com Barth (1969 e 2000), a permanência das fronteiras entre os grupos
deixa de ser colocada em termos dos conteúdos culturais que encerram e definem
suas diferenças. A contrastividade cultural não depende mais de um observador
externo que aponte as diferenças, mas sim dos “sinais diacríticos”, isto é, as
diferenças que os próprios atores sociais consideram significativas. As diferenças
podem mudar, ainda que permaneça a dicotomia entre “eles” e “nós”, marcadas
pelos seus critérios de pertença (p. 15)
Tal abordagem tem orientado a elaboração dos relatórios de identificação, os
laudos antropológicos, das comunidades remanescentes de quilombos, de acordo
com os preceitos legais. Emitindo as diferenças consideradas significativas para os
membros dos grupos étnicos, de acordo com a teoria de Barth. A característica
crítica é a “auto atribuição de uma identidade básica e mais geral” que, com as
comunidades negras rurais, costuma ser determinada por sua origem comum e
formação no sistema escravocrata (p.15, 16).
Para Barth, os critérios de identificação implicam na persistência dos grupos
étnicos e também uma estrutura de interação que permite reproduzir as diferenças
culturais ao “isolar” certos segmentos da cultura de possíveis confrontações e, ao
mesmo tempo, sua interação em outros setores (p. 16).
As comunidades quilombolas, enquanto grupos étnicos atributivos, ou seja,
que devem ser definidos a partir de sinais e emblemas que são socialmente
significativos pelo grupo, possibilita a participação dos membros da identidade
étnica. A observação dos processos de construção dos limites étnicos e sua
persistência no caso das comunidades negras rurais permite considerar que a
afiliação étnica é tanto uma questão de origem comum quanto de orientação das
ações coletivas (p. 16).
A identidade étnica tem sido diferenciada de “outras formas de identidade
coletiva pelo fato de ela ser orientada para o passado” (Seyferth, 1985 apud
O’dwyer) . Essa origem comum presumida parece recuperar a noção de quilombo
da historiografia. Contudo, o passado a que os membros se referem é o da memória
coletiva, que pode ser lendária e mítica (p. 17).
O foco é o limite étnico que define o grupo, no caso da aplicação dos direitos
constitucionais às comunidades remanescentes de quilombo tal limite passa a
contar igualmente com sua concomitante territorial. A participação dos antropólogos
nesse processo foi resultado da pressão do movimento negro, com a criação de
mecanismos de representação, como a Comissão Nacional Provisória de
Articulação das Comunidades Negras Rurai Quilombolas (CNACNRQ –1996), que
exigiram dos órgãos governamentais a aplicação do preceito constitucional. A
Fundação Cultural Palmares e o Incra criaram suas próprias diretrizes e
procedimentos para o reconhecimento territorial das chamadas comunidades rurais
quilombolas (p.17/18).
Os antropólogos, por meio da ABA, tiveram papel decisivo no
questionamento de noções baseadas em julgamentos arbitrários, como a de
“remanescente de quilombo”, ao indicar a necessidade de ter outra dimensão, que
tenha o ponto de vista dos grupos sociais que aspiram à vigência do direito atribuído
pela Constituição Federal. A perspectiva dos antropólogos reunidos no grupo de
trabalho da ABA sobre Terra de Quilombo, em 1994, é expressa em documento que
estabelece alguns parâmetros de nossa atuação nesse campo, de acordo com esse
documento ainda que o termo quilombo tenha conteúdo histórico, este vem sendo
“ressemantizado” para a situação presente dos segmentos negros em diferentes
regiões e contextos do Brasil, tem tido novos significados na literatura especializada
e também para grupos, indivíduos e organizações (p.18).
Contemporaneamente, quilombo não se refere a resíduos ou resquícios
arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se
trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea, nem
sempre surgiram de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo,
consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na
manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação
de um território. A ocupação da terra não é feita em lotes individuais, em sua
maioria é de uso comum. A utilização dessas áreas obedece à sazonalização das
atividades, tendo diferentes formas de uso e ocupação dos elementos essenciais ao
ecossistema, que tem como base laços de parentesco e vizinhança, assentados em
relações de solidariedade e reciprocidade (p. 18/19).
A disputa pela posse de terra, o envolvimento de grandes empreendimentos
agropecuários e madeireiros e a atividade de grilagem por causa da especulação
imobiliária fizeram necessários os relatórios de identificação com prática
administrativa de órgãos governamentais. Tal prática já era presente no caso dos
indígenas nos procedimentos da Funai, porém há uma diferença no caso dos
grupos étnicos quilombolas. (p. 19).
O objetivo da publicação é levar ao público trabalhos que representam um
tipo de intervenção num campo específico de articulação e envolvimento do mundo
intelectual com os movimentos sociais e a mobilização de grupos étnicos que
reivindicam o direito à diferença cultural e à reprodução de suas práticas
econômicas, sociais e o respeito por suas tradições. A elaboração dos relatórios de
identificação, cumpre ainda destacar que a questão da garantia dos direitos
territoriais passa a ser considerada estratégica para assegurar a existência social e
cultural desses grupos que reivindicam a aplicação do art.68 (p. 20).
Os antropólogos brasileiros rompem com o papel tradicional ao assumir sua
responsabilidade social como pesquisadores que detêm um “saber local” sobre
povos e grupos que estudam, fazem de sua autoridade experiencial um instrumento
de reconhecimento público de direitos constitucionais (p.20/21).
Os relatórios de identificação ou laudos antropológicos não podem ser
considerados uma espécie de atestado que garante a atribuição de direitos
definidos pelo arcabouço jurídico. A participação dos antropólogos exige uma
“dimensão interpretativa no estudo de fenômenos sociais (Rabinow& Dreyfus,
1995), o investigador deve fornecer uma explicação para o sentimento de
participação social dos grupose para o sentido que atribuem às suas
reivindicações, assim como para as representações e usos que fazem do seu
território (p. 21).
Almeida (1983), após uma revisão crítica dos elementos que compõem a
definição colonial de quilombo, considera diversos processos sociais e políticos que
permitem discutir a construção histórica de uma autonomia camponesa fora da
grande propriedade territorial e de seu poder de coerção. Devendo considerar “os
deslocamentos ocorridos nessa definição e com o que de fato é, incluindo-se nesse
aspecto objetivo a representação dos agentes sociais envolvidos”. São
consideradas diversas situações sociais, que apontam para sistemas distintos e não
reconhecidos legalmente de apossamento e uso comum da terra na estrutura
agrária brasileira, perpassados por fatores étnicos (p. 22).
Segundo o autor, trata-se de “territorialidades específicas” de grupos sociais
com trajetórias de “afirmação étnica e política”. Ao destacar sobretudo a
necessidade de “leituras críticas e uma reinterpretação jurídica” da categoria
quilombo, incluindo uma “revisão de esquemas interpretativos cristalizados no
mundo erudito”, Almeida contribui muito com o estudo do tema (p.23).
A participação do “profissional de antropologia” tem ocorrido principalmente
na condução de processos administrativos, “deflagrados pelos órgãos oficiais de
proteção das denominadas “minorias étnicas”. Esses “processos de identificação de
grupos étnicos e dos territórios por eles reivindicados”, geralmente são solicitados
em situações de tensão e conflitos territoriais. “Cabe aos próprios membros do
grupo étnico se auto identificarem e elaborarem seus próprios critérios de
pertencimento e exclusão, mapeando situacionalmente as suas fronteiras
étnicas...Ao antropólogo cabe identificar a estruturação interna do grupo e os seus
processos sociais interativos, isto é, contextualizar o grupo, utilizando como
parâmetro as classificações e categorias nativas de auto identificação” (p.23, 24).
“A ideia de um território fixo, é esboçada no interior do grupo étnico quando
este se vê compelido, pelas frentes de expansão ou por setores politicamente
influentes interessados em suas terras, a ordená-las e demarcá-las (Oliveira chama
de processo de territorialização) correndo o risco de usurpação gradual e definitiva
por outros. É tarefa do antropólogo investigar como o território é pensado pelo grupo
no presente” (Oliveira, 1993 apud O’dwyer, p.24).
No contexto de competição e conflito com interesses antagônicos que se
verifica a reafirmação de fronteiras étnicas e do direito a um território exclusivo… a
referência dos moradores ao passado histórico dos quilombos ou mocambos e os
laços de reciprocidade e solidariedade que os unem criam um sentimento de
participação comunitária e identidade étnica no presente (p.30).
Tanto os povos indígenas quanto os “remanescentes de quilombos” são
grupos étnicos conceitualmente definidos pela antropologia como um tipo
organizacional que confere pertencimento através de normas e meios empregados
para indicar afiliação ou exclusão, não se trata de vestígios arqueológicos que
podem ser datados. Os relatórios de identificação privilegiam o modelo nativo,
usando técnicas de observação etnográfica que introduzem uma dimensão
interpretativa na abordagem de situações sociais (p.38, 39).
Referências
Almeida, Alfredo Wagner de. Terras de preto, terras de santo, terras de índio - uso
comum e conflito. In: Cadernos do Naea/ Ufpa. Belém, 1983. p. 163-96.
Barth, Frederik. Introduction. In: Barth F. (ed.). Ethnic groups and boundaries: the
social organization of culture difference. Bergen, Universitets Forlaget; London,
George Allen & Unwin, 1969, p. 9-38.
Barth, Frederik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de
Janeiro, Contra Capa. 2000.
Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Lisboa, Rio de Janeiro, Difel, 1989.
Oliveira, Roberto Cardoso de. A Sociologia do Brasil indígena. Rio de Janeiro,
Tempo Brasileiro; Brasília, UnB, 1978.
Rabinow, Paul& Dreyfus. Michel Foucault: uma trajetória filosófica - para além do
estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, Forense, 1995.
Sahlins, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,1990.
Seyferth, Giralda. Antropologia e a teoria do branqueamento da raça no Brasil.
Revista do Museu Paulista, 30:81-98, 1985.

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