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Urgência e emergência em saúde mental

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DESCRIÇÃO
O conceito de crise em saúde mental e a importância de cuidados articulados em situações de
urgência e emergência.
PROPÓSITO
Conhecer o conceito de crise e as situações de urgência e emergência em saúde mental é
importante para a promoção de um cuidado integral, acolhendo o sujeito e realizando um
trabalho compartilhado e colaborativo em uma rede de atenção à saúde articulada, em um
contexto de reconhecimento da relevância do cuidado em liberdade e fortalecimento dos
serviços territoriais extra-hospitalares.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar situações de urgência e emergência e os desafios para o manejo da crise em saúde
mental
MÓDULO 2
Reconhecer a importância da atuação interprofissional no manejo da crise em saúde mental e
a relevância da articulação em rede para o contorno da crise
INTRODUÇÃO
Este conteúdo contribuirá para que sua atuação como futuro profissional de saúde seja
pautada em um cuidado respeitoso, ancorado na busca pela dignidade e integralidade de
pessoas que se encontram em sofrimento psíquico, nos momentos de crise, em que o pedido
por ajuda pode aparecer de diversas formas.
Dedicar-se a este estudo possibilitará maior sensibilidade para você perceber sinais e sintomas
de crise em saúde mental, assim como para que reconheça que o trabalho em rede, realizado
de maneira colaborativa, contribui para sustentar os aspectos preconizados pela Reforma
Psiquiátrica e os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde: equidade, integralidade e
universalidade.
Para conhecermos melhor sobre urgência e emergência em saúde mental, dividimos este
material em duas partes. Em cada uma delas, teremos um estudo de caso para promover
discussões sobre os principais pontos da temática. Vamos lá!
QUEM É NORMAL?
O que é considerado normal? Qual o limite entre o que é aceitável e o que é desviante? Seria
simples responder a essas reflexões com base em todos os manuais existentes de
MÓDULO 1
 Identificar situações de urgência e emergência e os desafios para o manejo da crise
em saúde mental
diagnósticos em psiquiatria, que atualmente oferecem um grande leque de opções
diagnósticas.
Sem dúvidas, o avanço na área da psicopatologia foi e é essencial para romper com questões
históricas no campo da psiquiatria, como o olhar para as questões psíquicas atribuindo origem
e causa de cunho espiritual ou as práticas violentas sem embasamento científico e terapêutico
direcionadas para a clientela que apresentava sofrimento psíquico. Mas reduzir as respostas
dessas reflexões a classificações nosológicas é reduzir o sujeito ao olhar meramente
biologicista, e não é essa a proposta da saúde mental e da atenção psicossocial.
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam
escutar a música.”
Essa é uma frase conhecida, atribuída ao filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), cuja autoria
não foi confirmada, mas que ajuda a nos introduzir no campo reflexivo sobre diagnósticos
psicopatológicos. Não temos aqui uma resposta definitiva para os questionamentos apontados,
podemos apenas deixar que essas inquietações nos acompanhem durante a atuação e a
formação na área da atenção psicossocial.
Ao longo deste material, discutiremos questões importantes sobre o conceito de crise em
saúde mental: o que é crise? Toda crise faz barulho e é facilmente notada? Como o profissional
deve atuar diante de um agravamento no quadro de um usuário de saúde mental?
Vamos conversar sobre o conceito de crise, para que possamos identificar sinais e sintomas de
agravamento do sofrimento psíquico, considerando que cada sujeito sente de uma forma, ou
seja, considerando sempre a singularidade de cada acompanhamento feito, para, a partir disso,
traçarmos o plano de cuidados necessário.
Antes de entrarmos nesses pontos, convidamos você a conhecer a história de Paulo.
A HISTÓRIA DE PAULO
Paulo tem 38 anos, frequenta o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do tipo II do seu
bairro, ou seja, o CAPS de que ele é usuário funciona durante os dias úteis da semana, até às
18h. O Projeto Terapêutico Singular (PTS) construído para Paulo prevê uma frequência
intensiva no serviço, dessa maneira, todos os dias ele vai ao CAPS.
No CAPS, Paulo tem como profissionais de referência a enfermeira Lívia e o médico psiquiatra
Renato. Duas vezes na semana, ele é atendido por Lívia no consultório, para contar suas
questões e, uma vez por mês, passa por consulta com Renato. Paulo participa da oficina de
passeio, da oficina de literatura e da oficina de cinema. Faz duas refeições diárias no CAPS,
café da manhã e almoço, e retira a medicação prescrita pelo seu médico no próprio serviço
uma vez por semana.
Paulo tem o diagnóstico de transtorno bipolar tipo I, porém, com o acompanhamento do CAPS,
seu quadro permanece estável por bastante tempo. Na rotina do serviço, costuma dizer que
contribui com a organização, comunicando horário de almoço e das oficinas e fazendo lista de
presença para ambos, e a equipe entendeu que tal reconhecimento é importante para ele. Por
muitas vezes, diz que precisa estar no CAPS para se tratar e para cuidar dos demais usuários,
e isso o organiza psiquicamente.
Paulo mora com seu irmão Roberto, com quem possui uma relação conflituosa. Roberto
assumiu os cuidados de Paulo, pois é mais velho. Porém, na mesma medida que se preocupa
e cuida do irmão, Roberto faz constantes ameaças a Paulo sobre internação psiquiátrica, caso
não se comporte. Todos os dias, Roberto liga para o CAPS para reclamar e dar notícias de
Paulo, mas, muitas vezes, fala dele mesmo. O CAPS incluiu tal rotina no PTS de Paulo, pois
não basta cuidar do usuário, é preciso incluir a família. Ouvir Roberto é também cuidar de
Paulo.
Por mais complexa que seja a relação dos irmãos, a convivência de ambos é intensa, sendo
raros os momentos em que se afastam. Basicamente, esse afastamento só ocorre quando
Paulo está no CAPS. Em determinado momento, Roberto foi convidado para trabalhar em outra
cidade por uma semana e precisou aceitar, pois o valor a ser pago daria para organizar as
contas do mês. Diante de tal fato, o CAPS começou a ajudar na organização para essa
semana em que Roberto estaria ausente.
Paulo passaria mais tempo durante todos os dias da semana no CAPS e, durante a noite, teria
uma cuidadora já conhecida, contratada por Roberto, para ajudar com as medicações e
refeições. Tudo parecia fluir bem, até que a data da viagem se aproximou.
Dois dias antes de Roberto viajar, Paulo ligou para o CAPS comunicando que não iria, pois se
sentia “muito bem para se tratar em um CAPS” e acrescentou que “descobriu ser filho do dono
da maior empresa de televisão brasileira”. Lívia, a enfermeira que atende Paulo, percebeu que
seu discurso estava diferente e insistiu que ele fosse ao serviço, porém não obteve sucesso.
Sendo assim, o CAPS organizou uma visita domiciliar no mesmo dia para avaliar a situação.
Na casa de Paulo, os profissionais puderam notar que ele se encontrava exaltado, hostil e com
fala acelerada, demonstrando um fluxo incessante de pensamentos. Roberto contou que Paulo
estava sem dormir há dois dias. Paulo apresentava delírio de grandeza, dizendo ser dono do
país e que não deixaria ninguém encostar nele. Foi preciso acionar o Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU) e levá-lo para o serviço de emergência da região. Os profissionais
do CAPS acompanharam esse percurso, junto com o irmão.
No serviço de emergência, após avaliação da equipe do local e conversa com Roberto e
profissionais do CAPS, foi decidido que Paulo permaneceria em observação. Após muitas
horas, com o quadro um pouco menos instável, Paulo pede que todos o ajudem a suportar ficar
longe do seu irmão. Dessa maneira, nos dois dias em que ficou no serviço de emergência, a
equipe do CAPS se fez presente, assim como a cuidadora que havia sido contratada. Quando
teve alta, Paulo sentiu-se mais seguro para lidar com os dias de ausência de Roberto.
Nessepequeno recorte da história de Paulo, você consegue perceber o quanto é importante
um trabalho articulado para sustentar o cuidado no território, incluindo a atenção à crise?
Consegue perceber a delicadeza das relações e o quanto é importante conhecer a dinâmica
familiar dos usuários, podendo acolher de maneira singular cada caso? Na situação de Paulo,
por mais conturbada que fosse a relação com Roberto, o CAPS precisava, além de fazer
intervenções nas dificuldades, dar lugar ao que foi construído entre os irmãos. Se os
profissionais do CAPS entrassem numa posição de separar os irmãos em função dos conflitos
existentes, imagine o quão drástico isso seria para Paulo!
A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
Pensando na história de Paulo, conseguimos identificar o momento em que ele entrou em
crise, considerando sua história de vida e os sintomas apresentados no momento. Nosso
caminho nesse estudo é na direção da atenção psicossocial, ou seja, entendemos que a crise
não se reduz a sinais e sintomas, como pressupõe o modelo médico, e sim tem forte relação
com fatores determinantes no âmbito psicossocial que podem desencadear um agravamento
psíquico.
Se, por acaso, algum dia, você conhecer ou atuar em algum serviço de urgência e emergência,
pensando nas questões da saúde mental, você vai perceber a dificuldade de romper com o
modelo da psiquiatria tradicional, ainda vigente fortemente nesses espaços que exigem
intervenção imediata, com predomínio da lógica biologicista, com forte conduta
medicamentosa.
Para Bonfada e colaboradores:
MESMO DIANTE DE TANTAS LIMITAÇÕES,
HISTORICAMENTE, A ASSISTÊNCIA INDIVIDUAL E
CURATIVISTA ASSUMIU O PAPEL DE PROTAGONISTA
DA PRODUÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE. TAL
SITUAÇÃO GANHA FORÇA NA ATUALIDADE PELA
EXISTÊNCIA DE UMA SÉRIE DE DETERMINANTES. UM
DELES SERIA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL AINDA
EMBASADA EM REFERÊNCIAS QUE NÃO DÃO
SUPORTE PARA A REALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA
QUE TENHA COMO EIXO ESTRUTURANTE A
INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO À SAÚDE E QUE,
SOBRETUDO, ESTEJA VOLTADA PARA A
TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE DE SAÚDE DOS
MAIS DIVERSOS ESPAÇOS SOCIAIS. OUTRO
DETERMINANTE É A INFLUÊNCIA MERCADOLÓGICA
CAPITALISTA QUE, SOB A INFLUÊNCIA DAS
GRANDES EMPRESAS EM SAÚDE, PRINCIPAIS
PRIVILEGIADAS POR ESSA ORGANIZAÇÃO, APONTA
A ATENÇÃO CURATIVA COMO SENDO RENTÁVEL E A
SAÚDE COMO UMA MERCADORIA A SER CONSUMIDA
E NEGOCIADA.
(BONFADA et al., 2012, p. 557)
ENTÃO A MEDICAÇÃO E O DIAGNÓSTICO NÃO
SÃO IMPORTANTES?
Claro que são! Como dissemos, o avanço na psicofarmacologia e nos estudos da
psicopatologia têm grande relevância, principalmente quando olhamos para a história da
loucura, com predomínio de condutas extremamente violentas e empíricas por séculos. A
chegada do olhar científico possibilitou o rompimento com práticas equivocadas e punitivas.
 COMENTÁRIO
Ao mesmo tempo, o uso banalizado da medicação e o excesso de diagnósticos psiquiátricos
podem contribuir para uma tutela de pessoas consideradas desviantes, configurando também
uma violência, porém velada. É preciso incluir a medicação e o diagnóstico dentro do cuidado
como ferramentas importantes, mas não exclusivas.
COMO AGIR DENTRO DE SERVIÇOS DE
URGÊNCIA E EMERGÊNCIA?
Perceba que, neste conteúdo, falaremos de urgência e emergência num aspecto maior, muito
além de serviços; de momentos de agudização de sintomas psíquicos que precisam ser
acolhidos nos mais diversos espaços do SUS e do território, desde a atenção primária até os
serviços de urgência e emergência, como Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e pronto-
socorro. Ou seja, olharemos para esse tema na perspectiva da integralidade.
 ATENÇÃO
É importante entendermos que nem toda crise necessita de internação e que não se trata
somente de intervenção do profissional médico.
Muitas vezes, a crise é uma tentativa de saída e busca de resolução para alguma questão
conflituosa. Lembrando-se da história do Paulo, você consegue perceber que a separação do
irmão era grave para ele e que depois de todo um conjunto de ações, com diferentes atores,
ele conseguiu pedir ajuda para suportar?
EMERGÊNCIA, URGÊNCIA E CRISE EM
SAÚDE MENTAL
Antes de prosseguirmos, é importante compreender as diferenças entre emergência e urgência
na área de saúde, pois muitas vezes os conceitos são utilizados de maneira equivocada.
Emergência
Significa risco iminente de vida, sendo necessária a intervenção o mais breve possível.

Urgência
Significa agudização de uma questão clínica, sem risco iminente de vida.
Trazendo para a saúde mental, essa linha tênue entre os conceitos fica mais complexa ainda
de diferenciar no contexto de crise.
MAS O QUE SERIA CRISE EM SAÚDE MENTAL?
Quando buscamos nos mais diversos dicionários da língua portuguesa, vemos definições
variadas, mas trazendo para o viés da saúde mental, conseguimos encontrar: “alteração
súbita”; “momento decisivo”; “estado emocional de súbito desequilíbrio”; “manifestação de
sofrimento com maior intensidade”.
No Caderno de Atenção Básica nº 34, de 2013, temos a seguinte definição de crise:
A PALAVRA CRISE VEM DO GREGO KRÍSIS, QUE
SIGNIFICAVA, NA SUA ORIGEM, MOMENTO DE
DECISÃO, DE MUDANÇA SÚBITA; SEPARAR, DECIDIR,
JULGAR. NA HISTÓRIA DA MEDICINA, SEGUNDO
ANTIGAS CONCEPÇÕES, CONSTITUÍA UM MOMENTO
DECISIVO PARA EVOLUÇÃO DE UMA DOENÇA PARA
CURA OU PARA MORTE. PARA OS CHINESES
SIGNIFICA, AO MESMO TEMPO, RISCO E
OPORTUNIDADE.
(BRASIL, 2013, p. 100)
Existem diversas linhas de entendimento e de intervenção na atenção à crise, mas predomina
o consenso que há o reconhecimento que o sujeito está em uma situação grave e aguda.
Para Dias, Ferigato e Fernandes:
A CRISE EM SAÚDE MENTAL CORRESPONDE A
CASOS PSIQUIÁTRICOS CONSIDERADOS AGUDOS,
COM REFERÊNCIA NA INTENSIDADE, FREQUÊNCIA E
GRAVIDADE DE SINTOMAS EM UMA
CORRESPONDÊNCIA HISTÓRICA ENTRE GRAVIDADE,
PERICULOSIDADE E INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA.
ESTA PERSPECTIVA É HEGEMÔNICA AINDA NO MEIO
BIOMÉDICO. NESTE SENTIDO, O CARÁTER AGUDO, A
NOÇÃO DE RISCO, NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO
IMEDIATA E GRAVIDADE DEFINEM O ESPAÇO
INSTITUCIONAL DE CUIDADO. A MAIOR PARTE DOS
QUADROS ENTENDIDOS HOJE COMO CRISE ERA
CLASSIFICADA COMO REFERÊNCIA MÉDICA, COMO
URGÊNCIA OU EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS.
ENTRETANTO, HÁ DIVERGÊNCIAS ENTRE ESSES
TERMOS. ATUALMENTE, PREDOMINA O
REFERENCIAL DE QUE NEM TODA CRISE É UMA
URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA E NÃO
PODE SER MANEJADA DE FORMA ACRÍTICA COM AS
MESMAS TECNOLOGIAS DE CUIDADO.
(DIAS; FERIGATO; FERNANDES, 2020, p. 596)
É importante que você saiba que, embora a crise seja uma agudização e um agravamento de
um quadro psíquico, quando estamos diante de uma abordagem da psiquiatria tradicional, a
conduta é baseada na intervenção medicamentosa, com foco em remissão de sintomas, em
um ambiente mais recluso, protocolar e no modelo médico centrado. Já na abordagem
psicossocial, segundo a qual nos orientamos neste material, considera-se a singularidade de
cada situação, pensando em inclusão, acolhimento dos sintomas e sofrimento, organização de
pontos estratégicos de apoio na comunidade/no território e corresponsabilização do cuidado.
Trazemos aqui pontos descritos por Dell'Acqua e Mezzina (1991) que contribuem para avaliar
situações de crise. Mesmo sendo do início da década de 1990, essa concepção ainda é atual,
sendo preciso identificar pelo menos três entre as cinco questões definidas:
Grave sintomatologia psiquiátrica aguda.
Grave ruptura de relação no plano familiar e/ou social.
Recusa dos tratamentos por afirmação da não necessidade do tratamento, embora aceite o
contato.
Recusa obstinada do contato propriamente dito.
Situações de alarme no contexto familiar e/ou social com incapacidade pessoal de contorná-
las.
A crise em saúde mental escancara a dificuldade de alguns espaços em sustentarem os
princípios da Reforma Psiquiátrica no cotidiano, fazendo intervenções verticais e invasivas. Por
isso, é essencial aprofundar os estudos e as práticas formativas que visem ao reconhecimento
da rede extra-hospitalar como estratégia potente paraacompanhar o usuário, inclusive nos
momentos mais difíceis.
 COMENTÁRIO
É crucial também que haja fortalecimento das políticas públicas na área da saúde mental, da
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com maior investimento nos serviços e dispositivos
territoriais. Muitas vezes, a precarização da rede extra-hospitalar ocasiona uma maior presença
de usuários em crise em ambiente hospitalar.
TECNOLOGIAS LEVES DO CUIDADO
Você já deve ter ouvido falar em tecnologias leves do cuidado. Caso não conheça,
apresentaremos uma breve definição para prosseguirmos. Segundo Merhy (2003), tecnologias
leves do cuidado são: produção de vínculo, acolhimento, escuta, estímulo da autonomia.
Agora, responda a uma pergunta:
VOCÊ ACHA QUE, PARA ATUAR EM SITUAÇÕES DE
CRISE, É POSSÍVEL LANÇAR MÃO DAS
TECNOLOGIAS LEVES?
A resposta é: sem dúvidas! Muitas vezes, esses recursos citados são os que possibilitam
contornar a crise.
Quando falamos em acolhimento, não estamos falando em triagem. Infelizmente, nos dias
atuais, muitos utilizam esses conceitos como sinônimos, mas não são! Pense em acolhimento
como postura e respeito à dignidade. O usuário precisa sair melhor que chegou, mesmo que
receba uma notícia complexa, é necessário que o profissional tenha promovido conforto e
escuta para o acolhimento acontecer.
E em relação ao vínculo? Como podemos produzir vínculo? Sabemos que para isso
acontecer, é preciso deixar o afeto circular. Muitos estudantes e profissionais da área da saúde
ainda acreditam que demonstrar sensibilidade e emoções pode ser prejudicial. Grande engano!
Situações de urgência e emergência podem ser melhor contornadas a partir do vínculo, pois
ele possibilita o protagonismo dos usuários e a corresponsabilização do cuidado.
É muito comum, no cotidiano dos CAPS, quando algum usuário chega em crise, a presença de
um profissional que transmita confiança e que possibilite organizar e acalmar momentos de
angústia e insegurança. Uma atividade proposta nesse momento, uma presença silenciosa,
uma escuta são ferramentas potentes para evitar intervenções invasivas muitas vezes. Ou
seja, a partir de um vínculo construído cuidadosamente, podemos acolher a crise no território.
A IMPORTÂNCIA DE RECONHECER SINAIS
E SINTOMAS
Como você imagina alguém em crise? Lembrando que todos nós temos momentos de crise,
podemos até recuperar alguma lembrança de um momento mais complexo em nossas vidas.
Mas na área da saúde mental e atenção psicossocial, a crise muitas vezes é vista somente
como agitação. Possivelmente, você imaginou alguém agitado quando perguntamos. Mas, sem
dúvidas, crise não se reduz à agitação. Vamos falar um pouco de sinais e sintomas!
Começando pela questão da agitação no momento de crise, os usuários que se encontram
agitados raramente reconhecem que precisam de ajuda e normalmente não chegam
desacompanhados aos serviços. Ou seja, muitas vezes, nesse quadro, os pacientes não
possuem consciência de morbidade! Podem também estar auto ou heteroagressivos,
portanto, colocando a própria integridade ou de terceiros em risco.
 ATENÇÃO
Em quadros de agitação, é crucial que os profissionais descartem questões clínicas como
possíveis causadoras, como hipóxia, hipertermia, hipotermia, hipoglicemia, doenças que
afetam a tireoide, entre outras. É necessário também investigar se houve uso abusivo de
substâncias psicoativas ou se tem relação com síndrome de abstinência. Direções que
apontam para causas clínicas muitas vezes são: início repentino, idade superior a 40 anos,
sem histórico de adoecimento psíquico anterior, confusão mental, desorientação, alucinações
visuais, alucinações cenestésicas e alucinações olfativas.
Agora, vamos analisar um caso de atendimento:
O CASO DE MARIA
Um casal chega ao CAPS de um grande bairro do município do Rio de Janeiro. Quem busca
ajuda é Pedro, pois Maria, sua esposa, encontra-se visivelmente confusa e desorganizada.
Rapidamente, uma dupla de profissionais do serviço, que estava escalada para fazer
acolhimento e atendimentos de primeira vez naquele turno, dispôs-se a atendê-los. Quando a
enfermeira do serviço os convida a sentar nas cadeiras, Maria tira sua vestimenta. Então Pedro
disse: “Ela começou a ficar assim de repente, tem uma semana! Peço para pentear o cabelo,
ela deita. Peço para comer, ela canta. Ela era normal”.
Tal relato chamou a atenção da enfermeira e do psicólogo, que, durante o atendimento,
pediram dados da história de Maria e não perceberam nenhum relato que apontasse para um
adoecimento psíquico anterior.
Em determinado momento, a enfermeira perguntou se Maria estava fazendo uso de alguma
medicação, pois parecia estar com alguma alteração clínica. Pedro respondeu que, há doze
dias, ela começou a usar medicação, pois descobriu diabetes do tipo II. Diante dessa
informação, a enfermeira verificou a glicemia de Maria e viu que ela apresentava grave
hipoglicemia.
Pedro disse que não receberam orientação sobre o diagnóstico e a medicação, contando que
foram em uma clínica com preço mais acessível para Maria ser atendida. Nesse momento, a
enfermeira fez as condutas clínicas necessárias, orientou sobre o diabetes tipo II e a
medicação. O psicólogo entrou em contato com a Estratégia de Saúde da Família (ESF) da
área de referência de Pedro e Maria e explicou a situação, deixando combinado com o
enfermeiro da ESF que os dois iriam até lá para começar um acompanhamento mais de perto.
Os profissionais esclareceram para o casal a importância da Atenção Básica na prevenção de
agravos e na promoção de saúde, em questões como diabetes.
Nesse pequeno relato, você conseguiu perceber o quanto são importantes o olhar atento e a
escuta cuidadosa dos profissionais? A percepção sobre a história de Maria, a avaliação do
estado da condição clínica dela e a posterior articulação com a rede de saúde foram essenciais
para o sucesso do caso. Uma crise psíquica foi descartada, e uma questão clínica foi cuidada.
Não se esqueça de que, normalmente, um agravo clínico tem início súbito e evolui
rapidamente, enquanto uma crise de saúde mental tem início mais lento e evolução gradual e
contínua, com história prévia, mesmo que sejam detalhes minuciosos!
Outras questões podem significar crise, por exemplo, em diversos casos de síndromes
depressivas e também de ideação e/ou comportamento suicida, não necessariamente o
usuário vai apresentar agitação e agressividade. Muitas vezes, o sujeito encontra-se mais
recluso, com predomínio de muitos pensamentos de conteúdo negativo, apresentando retração
social. A crise nem sempre faz barulho e frequentemente não é simples identificar um pedido
de ajuda que vem do outro.
ATENDIMENTO E MANEJO DA CRISE
Lembra a primeira vez que você entrou em uma sala de aula? Uma mistura de sentimentos
acontece com a maior parte das pessoas nesse momento. Muitos se sentem observados,
isolados e deslocados. Se você teve a sorte de alguém se apresentar e te acolher, sem
dúvidas, isso fez toda a diferença para a sua chegada.
Agora imagine uma situação de crise em saúde mental. Como os usuários devem ser
recebidos?
É muito importante, para os usuários em crise que chegam pela primeira vez no serviço, a
apresentação de cada profissional envolvido no atendimento, dizendo nome e ocupação
profissional. A maneira como a entrevista/consulta é conduzida pode determinar todo o
seguimento das condutas, ou seja, é preciso acolher e ser flexível, demonstrando empatia e
atenção.
 ATENÇÃO
É primordial o atendimento em equipe na situação de crise, pois, dessa maneira, evita-se o
agravamento do quadro de pacientes paranoides e promove-se maior segurança para todos os
envolvidos na cena de agitação e/ou outros tipos de sofrimentos psíquicos intensos.
Os usuários que apresentam agitação psicomotora, hostilidade ou qualquer outro sintoma que
seja considerado mais crítico devem ser atendidos em um local com maior privacidade. Outro
aspecto a que se deve ter atenção é evitar que o usuário seja expostoa fatores que aumentam
o estresse e que sejam reconhecidamente gatilhos para aumento do sofrimento, como a
interação com um familiar com quem tenha uma relação conturbada ou outra pessoa que o
usuário dê notícias de um delírio persecutório e/ou desconfiança e desconforto.
Durante o atendimento numa situação de crise, é importante demonstrar parceria e
acolhimento, evitando fazer muitas anotações ou olhar o celular e relógio, por exemplo.
Imagine a seguinte situação: um usuário que apresenta alteração no conteúdo do pensamento,
com delírio de cunho persecutório, chega ao serviço de saúde mental e diz que está sendo
monitorado pela Nasa, acreditando ter um chip implantado na axila, com câmeras por todo o
ambiente. Se, nesse momento, o profissional preocupa-se somente em anotar ou olha
frequentemente para o celular, tal postura pode servir para intensificar o quadro delirante do
usuário. Se o profissional se preocupa em escutar, cuidando para não ser invasivo e não emitir
julgamentos, traçando junto com o usuário uma conversa para acompanhar seu discurso,
temos maiores chances de uma assistência mais resolutiva e humanizada.
 Durante situações de crise, é importante evitar fazer anotações.
Ao encontro dos pontos acima, resumiremos os apontamentos feitos por Paulo Dalgalarrondo
(2019), em seu livro Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, em que ressalta
algumas atitudes que o profissional deve evitar em uma entrevista com o paciente e algumas
formas adequadas de intervenção:
Posturas rígidas estereotipadas: deve buscar uma atitude flexível, que seja adequada à
personalidade do doente, aos sintomas que apresenta no momento, à sua bagagem cultural,
aos seus valores e à sua linguagem.
Atitude excessivamente neutra ou fria: transmite ao paciente a sensação de distância e
desprezo.
Reações exageradamente emocionais: criar um clima de confiança, uma atitude receptiva e
calorosa, mas discreta e de respeito e consideração pelo paciente é o ideal para a primeira
entrevista.
Evitar emitir julgamento ou comentários valorativos.
Evitar reações emocionais intensas de pena ou compaixão: o paciente se beneficia de um
profissional que acolha seu sofrimento de forma empática, mas que não se desespere com ele.
Evitar responder com hostilidade ou agressão às investidas agressivas ou hostis de
alguns pacientes.
Entrevistas excessivamente prolixas: o entrevistador deve conduzir a entrevista para pontos
mais significativos, interrompendo a fala do paciente quando achar necessário.
Evitar fazer muitas anotações durante a entrevista.
A CONTENÇÃO MECÂNICA
Saiba que toda essa reflexão e orientação teórica o ajudará bastante na prática do cuidado na
área da atenção psicossocial, mas a rotina nos serviços contribui bastante para o
aprimoramento das intervenções. Para encerrar este módulo, falaremos sobre contenção
mecânica.
Lembra-se de quando você estudou a história da loucura e aprendeu que os loucos eram
amordaçados e acorrentados? Com o passar do tempo, veio a camisa de força, que hoje
também já é considerada um método violento e equivocado.
Atualmente, utilizamos a contenção mecânica como última ferramenta terapêutica, quando
todas as outras tentativas não mostraram eficácia na proteção ao usuário e aos demais.
Normalmente, os materiais utilizados são: compressas de gaze ou algodão ortopédico,
ataduras de crepom e esparadrapo, utilizadas nos membros superiores e inferiores.
Antes de chegar nesse ponto, é preciso apostar na presença, na palavra, na escuta, ou seja,
nas tecnologias leves do cuidado de que falamos anteriormente. Se houver vínculo com o
usuário, melhor ainda. Esses recursos potentes podem funcionar como contenção para um
momento de alteração aguda do estado mental. Quando essa aposta ainda não é suficiente, o
profissional médico prescreve a contenção química, ou seja, recorre à medicação de
emergência para tentar contornar a crise. Quando, ainda assim, não temos uma melhora no
quadro e os riscos à vida do usuário ou dos demais ainda estão em jogo, recorremos à
contenção mecânica.
Pontos fundamentais: toda a equipe deve ser sensibilizada quanto à função da contenção
mecânica, que tem o intuito de proteção à vida em situações extremas e jamais deve ser
utilizada como punição! Seu uso nunca pode ser banalizado e nem pode virar rotina em um
serviço! É importante que outros membros da equipe estejam na cena de contenção e não
somente as equipes de enfermagem e médica, mesmo que sejam esses a conduzir
tecnicamente o procedimento.
É de grande relevância que a contenção seja feita em local discreto, com preservação da
privacidade do usuário, que já se encontra vulnerável!
 ATENÇÃO
A contenção mecânica pode causar lesões graves, com risco de trauma e restrição de fluxo
sanguíneo. O usuário que está nessa situação precisa ter os sinais vitais monitorados e
deve ser acompanhado durante todo o tempo!
Existem muitos mecanismos menos invasivos de proteger o usuário em momentos de
alterações agudas do estado mental. Precisamos apostar em estratégias de manejo da crise
que preservem o sujeito e promovam respeito e acolhimento, para assim sustentarmos os
pilares da Reforma Psiquiátrica em todos os espaços e contextos!
ATENDIMENTO E MANEJO DA CRISE
Neste vídeo, o especialista fala sobre o uso prioritário de tecnologias leves do cuidado em
contraposição a intervenções invasivas, destacando o uso oportuno da contenção mecânica.
VEM QUE EU TE EXPLICO!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de
estudar.
Quem é normal? – O enfoque reducionista biologicista e suas implicações
A atenção psicossocial - O modelo de atenção psicossocial e o modelo da psiquiatria clássica
A importância de reconhecer sinais e sintomas – Agravo clínico ou crise em saúde mental
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A HISTÓRIA DE WESLEY
Neste módulo, conversaremos sobre acolhimento da crise no território; o papel do CAPS no
acolhimento à crise; as emergências hospitalares e a crise em saúde mental; e a articulação
em rede diante da crise. Antes de entrarmos nesses pontos, convidamos você a conhecer a
história de Wesley.
Wesley tem 40 anos, é usuário do CAPS AD tipo III do seu bairro de referência há 10 anos. A
história de vida dele é marcada por abandono, barreiras sociais e grande vulnerabilidade.
Vamos começar pela infância dele até chegar à idade adulta, quando precisou do CAPS.
MÓDULO 2
 Reconhecer a importância da atuação interprofissional no manejo da crise em saúde
mental e a relevância da articulação em rede para o contorno da crise
Quando nasceu, Wesley e seus dois irmãos foram abandonados pelos pais, que, segundo
informações do usuário, faziam uso abusivo de drogas. Diante disso, ele e seus irmãos
permaneceram por um tempo nas ruas, até que foram separados quando os direcionaram para
instituições diferentes voltadas para o público infantojuvenil. Wesley sofria muito com a
saudade que sentia de seus irmãos e dizia que sonhava com o dia em que ficariam juntos
novamente.
Os anos foram passando e, no início da idade adulta, ele começou a sentir dificuldade com a
rotina rígida do abrigo em que morava, começando a passar mais horas diárias nas ruas. Por
desobedecer frequentemente à rotina do abrigo, foi expulso da instituição, passando a
permanecer nas ruas.
Tudo parecia ficar mais difícil nessa condição, pois não conseguia trabalho e lugar para morar.
Depois de muita recusa e barreiras para acessar necessidades humanas básicas, Wesley
começou a fazer uso inalatório de um solvente de tinta que possibilitava que ele se
desconectasse da fome e do abandono que causavam tanta dor. A situação ia ficando mais
grave: miséria social, solidão, uso abusivo de drogas, fome.
Wesley chegou ao CAPS AD III, em 2011, por meio da recomendação de amigos da igreja que
frequentava naquele período para tentar abandonar o vício das drogas. Ele dizia que buscava
um milagre naquela igreja: queria trabalhar,parar de usar drogas, casar e ter filhos. Apesar de
não ter sustentado esse desejo por muito tempo, foi essencial para a chegada do jovem no
CAPS, a partir da articulação de amigos que conheceu naquele espaço.
No CAPS, Wesley conheceu uma moça que dizia ter o mesmo problema e que gostaria de
parar de usar drogas. Os dois decidiram morar juntos depois de um breve tempo de namoro. O
casal ia para o CAPS diariamente. No serviço, participavam de oficinas, tinham atendimento
individual, atendimento medicamentoso e faziam as refeições. Foi possível garantir o direito de
ambos ao benefício da assistência social, o que possibilitou que cuidassem melhor da casa em
que moravam e também acessar questões básicas, como alimentação, água e energia elétrica.
Mesmo com essa estrutura alcançada, as dificuldades eram grandes. Quando Wesley tinha
uma “recaída”, como chamava, e usava muitas drogas, sua companheira também
acompanhava esse movimento. E um detalhe mais complexo: ele também tinha diagnóstico de
esquizofrenia paranoide. Em função disso, o CAPS AD III entrou em contato com o CAPS II da
região e começaram a fazer contato constante para discussão do caso.
Em determinado momento, Wesley pediu para sair do CAPS AD III e ir para o CAPS II, pois lá
não ouviria tanto dos outros usuários sobre drogas. Depois de muitas discussões, os dois
CAPS decidiram que ele deveria ter referência em ambos os serviços, o que foi muito positivo
para o acompanhamento.
Quando entrava em crise, Wesley chegava com agitação psicomotora e heteroagressividade
no CAPS, dificultando qualquer abordagem, pois ficava muito hostil, dizendo que todos ali
queriam interná-lo. Em um desses episódios de crise, ele pediu para ser atendido pela
enfermeira do local, pois estava sentindo dor no peito. Em função do vínculo construído com
essa profissional, foi possível contornar momentos de crise diversas vezes.
Acontecia assim: quando estava em crise, Wesley sempre chegava gritando e atirando objetos
que estavam ao redor. A enfermeira, que é diarista, já se aproximava e dizia que precisava
verificar seus sinais vitais, pois considerava que ele estava muito preocupado. Enquanto fazia
minuciosamente o exame físico nele, ele ia contando o motivo que o levava a estar daquele
jeito: frequentemente, era o uso abusivo de drogas; outras vezes, era a impossibilidade de
pagar as contas em virtude desse uso abusivo. A enfermeira seguia ouvindo e acolhendo, ao
mesmo tempo que fazia o exame físico. Dessa forma, Wesley não se sentia pressionado e
podia conversar.
Outro ponto importante: Wesley e sua companheira contavam muito com a equipe de
Estratégia de Saúde da Família (ESF) do seu território, que constantemente entrava em
contato com o CAPS para discussão do caso e compartilhamento de ações.
Dessa forma, ele segue com períodos mais conturbados e outros menos pesados. Consegue
suporte na sua igreja, na padaria de sua rua, com uma vizinha que sempre está disposta a
ajudar, e na rede de saúde, tendo somente dificuldade nos serviços de urgência e emergência,
relatando que sempre é visto como um “incômodo” nesses espaços.
Após ler a história de Wesley, você consegue perceber a importância de uma rede de saúde
articulada? Consegue visualizar a potência de contar com outros dispositivos no território, além
dos serviços de saúde? Percebe a relevância do CAPS no acolhimento à crise? Vamos discutir
esses pontos a seguir.
A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
A Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, institui a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes
do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Quando
revisitamos a história, vemos que essa portaria representa um grande avanço, sendo resultado
de muitas lutas sociais em busca de um sistema inclusivo e universal.
MAS O QUE É A RAPS?
 RESPOSTA
A RAPS é a estratégia que visa articular, integrar e alinhar os mais diversos pontos de atenção
para acolher as pessoas que apresentam sofrimento psíquico ou transtorno mental e as
pessoas que fazem uso prejudicial de drogas. A RAPS também deve criar e ampliar pontos de
atenção, ou seja, essa rede busca fazer com que todos os seus componentes possam
funcionar de maneira que atendam às necessidades dessa clientela.
Como muitos estudiosos da área gostam de exemplificar: para imaginar a RAPS, pense numa
rede de pesca. Cada nó representa um serviço ou uma ação, que vão se interligando e fazendo
as mais diversas conexões. Assim é o desenho que guia o funcionamento dessa rede, que vai
acontecendo entre serviços, ações e pessoas que circulam pelos territórios.
A Portaria nº 3.088/2011 traz algumas diretrizes para que a RAPS aconteça na prática do
cotidiano, tanto na assistência quanto na gestão em saúde. Vamos conhecê-las?
DIRETRIZES SEGUNDO A PORTARIA Nº 3.088/2011
Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas.
Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde.
Combate a estigmas e preconceitos.
Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência
multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar.
Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas.
Diversificação das estratégias de cuidado.
Desenvolvimento de atividades no território, que favoreça a inclusão social com vistas à
promoção de autonomia e ao exercício da cidadania.
Desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos.
Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social
dos usuários e de seus familiares.
Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com
estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado.
Promoção de estratégias de educação permanente.
Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentais e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo
central a construção do projeto terapêutico singular.
Todas essas diretrizes visam transformar as relações no que diz respeito à loucura, fazendo
muito mais do que simplesmente fechar manicômios, promovendo mudanças no imaginário
social a partir do momento que objetivam combater o estigma e o preconceito.
E QUAIS SERIAM OS COMPONENTES DA RAPS?
SERÁ QUE PODEMOS LIMITAR AOS CAPS E
SERVIÇOS RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS
(SRT)?
Sem dúvida, não! Se lembrarmos das propostas da Reforma Psiquiátrica, entenderemos que é
preciso muito mais que só os serviços específicos de saúde mental. Podemos também pensar
na história de Wesley e na importância de diversos pontos em seu acompanhamento.
Voltando à pergunta, os componentes da RAPS, segundo a Portaria nº 3.088/2011, são:
I - Atenção básica em saúde, formada pelos seguintes pontos de atenção:
Unidade Básica de Saúde.
Equipe de atenção básica para populações específicas:
Equipe de Consultório na Rua; e
Equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório.
Centros de Convivência.
II - Atenção psicossocial especializada, formada pelos seguintes pontos de atenção:
Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades.
III - Atenção de urgência e emergência, formada pelos seguintes pontos de atenção:
SAMU 192;
Sala de Estabilização;
UPA 24 horas;
Portas hospitalares de atenção à urgência/pronto-socorro; e
Unidades Básicas de Saúde, entre outros.
IV - Atenção residencial de caráter transitório, formada pelos seguintes pontos de
atenção:
Unidade de Acolhimento; e
Serviços de Atenção em Regime Residencial.
V - Atenção hospitalar, formada pelos seguintes pontos de atenção:
Enfermaria especializada em Hospital Geral; e
Serviço Hospitalar de Referência para atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
VI - Estratégias de desinstitucionalização, formada pelo seguinteponto de atenção:
Serviços Residenciais Terapêuticos.
VII - Reabilitação psicossocial.
Notou quantos componentes estão estruturados na portaria? E no cotidiano temos muito mais,
pois são aqueles que entram a partir de cada história, de cada território, como escolas,
padarias, bancas de jornal, entre tantos outros. Você pode estar pensando: e a crise em saúde
mental nesse contexto? Na sequência, abordaremos esse assunto.
A CRISE EM SAÚDE MENTAL NO
TERRITÓRIO E A ATUAÇÃO DO CAPS
Muitos ainda acreditam que um usuário em crise deve ser imediatamente encaminhado para
um ambiente hospitalar, como um serviço de emergência. Pela nossa discussão até aqui, você
já deve estar percebendo que o objetivo da área da atenção psicossocial é fortalecer os
dispositivos extra-hospitalares para contornar a crise. E trazendo um pouco do foco aqui nessa
parte do conteúdo para o CAPS, é crucial que você saiba que o CAPS pode e deve acolher
situações de crise.
Você já estudou, em outros conteúdos, que a proposta do CAPS é ser um serviço substitutivo
de atenção diária, ou seja, o hospital psiquiátrico deve deixar de existir e o CAPS vira o
ordenador da rede, com o cuidado pautado na liberdade e funcionando conforme a lógica do
território.
Atendimento em hospitais psiquiátricos.

Atendimento no CAPS.
É importante que você conheça na íntegra a Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, que
estabelece as modalidades de CAPS e seu funcionamento. Na portaria, as seguintes
atividades são citadas como parte da assistência no serviço:
Atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros).
Atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre
outras).
Atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível
médio.
Visitas domiciliares e atendimento à família.
Atividades comunitárias enfocando a integração na comunidade e inserção familiar e social.
Refeições diárias de acordo com o projeto de cada um.
Com tantas propostas, mesmo em contexto de crise, o CAPS possui um grande leque de
possibilidades de atuação nesse contexto mais crítico. O que dificulta esse acolhimento à crise,
algumas vezes, tem muito mais relação com o sucateamento da rede de saúde mental que
vem ocorrendo nos últimos anos. É importante que tenha mais investimento e aporte financeiro
para os CAPS, a fim de superar desafios para o melhor funcionamento possível acontecer.
Como principais melhorias que os CAPS precisam, podemos destacar melhorias na
infraestrutura, maior investimento em recursos humanos, garantia de remuneração digna e em
dia para os profissionais e manutenção de medicações necessárias para os usuários.
Para você entender um pouco melhor, daremos mais um breve exemplo de acolhimento à crise
no CAPS:
Márcia tem 25 anos e chegou ao CAPS II do seu território após tentativa de suicídio. Ela
contava que sentia vontade constante de morrer e que não conseguia se proteger do impulso
de tentar colocar fim à própria vida quando vinha essa sensação. Diante disso, antes de chegar
ao CAPS, muitos profissionais com os quais a jovem tentou se cuidar no meio privado a
encaminhavam prontamente para internação, alegando que ela era impulsiva e precisava de
vigilância constante.
A equipe do CAPS entendeu que o caso dela era grave e, assim, começou uma forte parceria
com a equipe da ESF de que Márcia era usuária. No Projeto Terapêutico Singular (PTS) dela, a
frequência estabelecida era assim: no CAPS, deveria ser diária; e, na ESF, duas vezes na
semana.
Todos os dias, Márcia ia contar sobre essa vontade repentina de morrer que sentia. Os meses
foram passando e ela conseguiu contar sobre sua infância difícil e sobre sua adolescência
conturbada, passando por um abandono materno, tendo somente um pai distante que fazia uso
abusivo de álcool e desaparecia por dias.
Perceba que o acompanhamento de Márcia foi uma costura entre CAPS e ESF, com o vínculo
sendo construído aos poucos, tendo acolhimento e escuta da equipe e também o desafio de
suportar o sofrimento que a jovem trazia sem querer responder com uma conduta que visava
cercear sua liberdade. As equipes envolvidas demonstraram interesse e Márcia pôde se sentir
acolhida. Atualmente, ela consegue identificar os momentos de crise e procura os serviços
imediatamente quando sua situação se agrava, para pedir ajuda. Não age mais
impulsivamente, mesmo quando a vontade vem, pois sabe que tem suporte no seu entorno.
Após esse breve relato da história de Márcia e todos os outros exemplos, você consegue
perceber que se houver investimento no CAPS e no território, é possível sustentar também
situações de crise em saúde mental? Temos equipes altamente qualificadas, capazes de tocar
a Reforma Psiquiátrica no cotidiano!
OS SERVIÇOS DE URGÊNCIA E
EMERGÊNCIA
Precisamos dar um destaque neste conteúdo para os serviços que fazem atendimentos
voltados para questões de urgência e emergência, pois, nesses espaços, os desafios de seguir
os preceitos da Reforma Psiquiátrica se tornam mais cruciais.
Em artigo científico que discute a questão da atenção à crise em saúde mental, Cruz e
colaboradores fazem uma colocação muito pertinente:
A QUESTÃO AQUI LEVANTADA É SE O CUIDADO
OFERTADO NOS MOMENTOS TRADUZIDOS COMO
SITUAÇÕES DE CRISE AINDA É MARCADO PELA
INSTITUCIONALIZAÇÃO E POR MEDIDAS
INVOLUNTÁRIAS COMO PRINCIPAL RESPOSTA.
INFERE-SE QUE SÃO NESSES MOMENTOS EM QUE
MAIS FREQUENTEMENTE SE RECORRE A
PROCEDIMENTOS TÍPICOS DO CHAMADO MODELO
ASILAR, QUE INCLUEM CONTENÇÃO FÍSICA,
MEDICALIZAÇÃO EXCESSIVA, TUTELA, CONTROLE E
VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS EM SOFRIMENTO
MENTAL INTENSO. A CRISE REPRESENTA,
PORTANTO, UM ASPECTO ANALISADOR PARA A
DISCUSSÃO ACERCA DA REORIENTAÇÃO DO
MODELO DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL QUE SE
BUSCA IMPLANTAR NO BRASIL DESDE O PERÍODO
DA REDEMOCRATIZAÇÃO.
(CRUZ et al., 2019, p. 119)
Como discutimos, existem modelos antagônicos, ou seja, que têm grandes diferenças na
maneira de encarar a questão da loucura, principalmente quando se trata de situações de crise
em saúde mental. Você deve se lembrar da diferença que fizemos entre o modelo de atenção
psicossocial e o modelo da psiquiatria clássica na conduta direcionada para situações de
urgência e emergência, certo?
 Ilustração de 1868 representando o hospital Saint Anne, Paris.
O ambiente hospitalar é historicamente um ambiente médico centrado, principalmente a partir
do período da Idade Moderna (1453- 1789), quando a ciência ganha mais espaço, superando o
domínio religioso, que inclusive tinha nos hospitais verdadeiros espaços de redenção, em que
o objetivo era fazer caridade para remissão dos pecados. Porém, com o Renascimento e as
mudanças na sociedade correspondentes, os espaços hospitalares se transformaram em locais
de estudo e com função terapêutica no enfrentamento de doenças, com a profissão médica
como detentora do saber científico
Mas lembremos quando os hospitais psiquiátricos passaram a inserir os considerados
desviantes em locais isolados da sociedade, com objetivo de remissão de sintomas e cura. A
ideia do tratamento moral imposto no século XVIII ainda permeia alguns espaços, ou seja, o
usuário fica retirado do convívio até se adequar e poder estar em liberdade.
Temos, nos serviços de emergência e urgência, este grande desafio: como agir em situações
de agitação, com risco de vida para o próprio usuário e terceiros, sem condutas mais invasivas,
que precisam ser imediatas?
É OPORTUNO SALIENTAR QUE OS SERVIÇOS DE
EMERGÊNCIA SÃO CONDUZIDOS POR PROTOCOLOS,
COM CONDUTAS E PROCEDIMENTOS BEM
DEFINIDOS, AS EQUIPES GERALMENTE PASSAM POR
TREINAMENTOS PARA QUE ESSES PROTOCOLOS
SEJAM EXECUTADOS COM A DEVIDA SINCRONIA
ENTRE OS MEMBROS DA EQUIPE E NO TEMPO
CERTO. ISSO SE DEVE AO FATO DE QUE, EM MUITOS
CASOS, POUCOS MINUTOS PODEM REPRESENTAR
RISCO DE MORTE PARA O PACIENTE EM
ATENDIMENTO. ENTRETANTO, QUANDO SE TRATA DE
UMA CRISE DE SAÚDE MENTAL, ESSA LÓGICA É
POUCO APLICADA.LIDAR COM A SUBJETIVIDADE
HUMANA E COM O SOFRIMENTO MENTAL NÃO
PARECE FAZER PARTE DAS HABILIDADES DOS
PROFISSIONAIS DE SAÚDE.
(CRUZ et al., 2019, p. 127)
Ao que se sabe, há muitos estigmas e preconceitos relacionados à loucura. E um dos
principais pontos, tidos como parte de falsa concepção, é de que pessoas adoecidas
psiquicamente são tidas como perigosas.
Vamos pensar juntos: se esse pensamento não se modifica, os espaços que isolam e fazem
intervenções opostas às ideias da Reforma Psiquiátrica conseguem sustentação para
permanecer existindo com a concepção equivocada de que é necessário isolar pessoas em
intenso sofrimento psíquico, transferindo todo o poder sobre esses sujeitos para a equipe que
atua nesses espaços.
Outro ponto importante: em espaços de urgência e emergência, as pessoas portadoras de
transtornos mentais, muitas vezes, encontram sérias barreiras para um olhar integral, como se
a loucura anulasse qualquer outra forma de sofrimento ou adoecimento clínico que não seja
mental. Lembra-se da história do Wesley? Ao final, comentamos sobre a dificuldade que ele
enfrenta nesse sentido.
São muitas reflexões sobre as possíveis formas de romper com essa lógica de intervenção à
crise. Buscando responder a essa questão, finalizaremos este módulo com o ponto que fala da
articulação da rede e os desafios e avanços para enfrentar a crise.
DESAFIOS DA ARTICULAÇÃO EM REDE
PARA CONTORNO DA CRISE
Ao longo deste conteúdo, trabalhamos a questão da atenção à crise de diversas formas.
Sabemos que é um assunto muito complexo e que exige muitas mudanças, tanto a nível de
gestão quanto a nível das práticas de cuidado prestadas na assistência.
COMO PODEMOS ENFRENTAR A DIFICULDADE
DE ATENÇÃO À CRISE, ROMPENDO COM
PRÁTICAS AINDA MANICOMIAIS, EM ESPAÇOS
QUE SEGREGAM OS SUJEITOS?
Uma boa resposta é o fortalecimento de serviços 24h que se encontram presentes na RAPS!
Vamos pensar: se alguém está em crise, não dá para aguardar o serviço que fecha às 18h abrir
no dia seguinte. Não é possível dizer para o usuário: “Segura aí, amanhã você volta e continua
em sofrimento!”. Imagine a violência que seria esse tipo de conduta. Infelizmente, temos um
número ainda insuficiente de serviços 24h, por isso, muitas vezes, entram em cena instituições
de internação e emergência psiquiátrica, que não deveriam compor a RAPS.
É preciso maior investimento em CAPS do tipo III, que são serviços que ficam abertos 24h
durante toda a semana, inclusive em feriados. É preciso também maior preparo das equipes
das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) para acolher a clientela que sofre psiquicamente.
São necessárias ações constantes de educação permanente com os serviços da Atenção
Básica para sensibilização do atendimento no território a pessoas que apresentam sofrimento e
transtornos mentais, ou seja, potencializar o matriciamento em saúde mental. É primordial
também construir e atualizar protocolos, como já foi feito, com o Serviço de Atendimento Móvel
(SAMU), para atuação que mantenha a dignidade de pessoas que se encontram em crise e
necessitem do serviço.
Outro ponto é fortalecer e aprimorar a questão dos leitos de saúde mental em hospitais gerais,
reforçando a ideia de um olhar ampliado para os sujeitos que adoecem e entendendo que,
quando precisam de internação psiquiátrica, é o último recurso e deve ocorrer de maneira
breve.
Com toda essa discussão, você provavelmente percebeu que são muitos os desafios que
envolvem a atenção à crise e que as situações de urgência e emergência podem ser cuidadas
em liberdade, contanto que tenhamos redes de saúde fortalecidas, a fim de preservar a
dignidade de todos que adoecem psiquicamente, dando conforto e suporte em todos os
momentos, inclusive nos mais difíceis. Sigamos lutando por uma saúde mental fortalecida e
acolhedora!
RECOMENDAÇÕES PARA LIDAR COM OS
DESAFIOS DA ARTICULAÇÃO EM REDE
PARA CONTORNO DA CRISE
Neste vídeo, o especialista propõe uma reflexão sobre como podemos enfrentar a dificuldade
de atenção à crise, rompendo com práticas ainda manicomiais, em espaços que segregam os
sujeitos.
VEM QUE EU TE EXPLICO!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de
estudar.
A Rede de Atenção Psicossocial – As diretrizes da Portaria nº 3.088/2011
A crise em saúde mental no território e a atuação do CAPS - Portaria nº 336: atividades citadas
de assistência no serviço
Os serviços de urgência e emergência - Implicações do estigma e do preconceito em relação à
loucura
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste conteúdo, exploramos o conceito de crise, as formas de atenção à crise e as
divergências de cuidado entre o modelo de atenção psicossocial e o modelo da psiquiatria
tradicional. Discutimos também alguns sinais e sintomas característicos de momentos de crise
em saúde mental e o manejo deles em situações de urgência e emergência. Ao final, falamos
sobre a importância de uma rede articulada para contorno da crise e acolhimento do usuário.
Aprofundar o estudo nessa área vai ajudá-lo a ter uma atuação mais humanizada e resolutiva,
lembrando que cada pessoa tem uma relação com seu sofrimento e que não é possível
engessar práticas baseadas em sintomas. Precisamos olhar sempre para o usuário com
respeito e singularidade para a Reforma Psiquiátrica acontecer!
 PODCAST
Antes de encerrarmos, o especialista propõe uma reflexão sobre a questão social da loucura
na história do Ocidente e os atuais dispositivos de atenção à saúde mental no Brasil.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o
planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras
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Básica. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Cadernos de Atenção Básica
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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 336, de 19 de setembro de 2005. Estabelece as
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de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS). Consultado na internet em: 17 nov. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece
diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de
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DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto
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DELL'ACQUA, G.; MEZZINA, R. Resposta à crise. In: DELGADO, J. (org.). A loucura na sala
de jantar. São Paulo: Resenha, 1991, p. 53-79.
DIAS, M. K.; FERIGATO, S. H.; FERNANDES, A. D. S. A. Atenção à crise em saúde mental:
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MERHY, E. E.; FRANCO, T. B. Por uma composição técnica do trabalho centrada nas
tecnologias leves e no campo relacional. Saúde em Debate, ano XXVII, v. 27, n. 65,
set./dez. 2003.
EXPLORE+
Leia o artigo Articulação de redes de cuidado entre Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) e Enfermaria de Saúde Mental em Hospital Geral, de Michelle Chanchetti Silva
e Sabrina Helena Ferigato, publicado na revista Interface - Comunicação, Saúde,
Educação, v. 24, 2020.
Leia a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem nº 427/2012, para conhecer
mais sobre as orientações que preservam a dignidade do usuário nesse contexto.
Assista às partes 1 e 2 do documentário “Doenças Psiquiátricas Graves”, produzido por ,
disponíveis no YouTube.
CONTEUDISTA
Alice Medeiros Lima

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