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Patologia Aplicada à Farmácia Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Carolina Vieira Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Neoplasias Neoplasias • Fomentar o conhecimento sobre os processos de alteração da proliferação e da diferencia- ção celular que levam à formação dos tumores benignos e malignos. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução; • Tumores Benignos; • Tumores Malignos; • Metabolismo Tumoral; • Crescimento Tumoral; • Gradação e Estadiamento Tumoral. UNIDADE Neoplasias Introdução Esta importante unidade dedicar-se-á à Oncologia (do grego oncos = tumor e logus= estudo), ou seja, ao estudo dos tumores ou neoplasias. O oncologista inglês Rupert Willis (1898-1980) definiu neoplasia como “uma massa anormal de tecido, cujo crescimento excede aquele dos tecidos normais e não está coordenado com ele, persistindo da mesma maneira excessiva após o término do estímulo que in- duziu a alteração”. O termo tumor acaba por se aplicar como sinônimo de neoplasia. Ambos se referem a qualquer lesão expansiva ou intumescimento localizado, o que pode ser encontrado em diversos outros quadros patológicos, tais como nas inflamações e nos hematomas. Entretanto, com o decorrer do tempo, o termo tumor foi sendo utilizado mais frequentemente para designar processos neoplásicos. Para fins práticos, aqui, utilizaremos o termo tumor para descrever tais lesões expansivas e proliferativas. O termo câncer representa a tradução latina da palavra grega carcinoma (de karkinos = crustáceo, caranguejo), descrito pela primeira vez por Galeno (138-201 d.C.) para indicar um tumor de mama maligno que apresentava veias superficiais tão intumescidas e ramificadas que lembravam as patas de um caranguejo. Atualmente, refere-se como câncer todos os tumores malignos. Os tumores dividem-se em duas grandes classes, tumores malignos e benignos. Ambos possuem dois componentes básicos: (1) células neoplásicas proliferantes, que constituirão o parênquima tumoral, e (2) o estroma, constituído de tecido conjunti- vo e vasos sanguíneos, tendo função de suporte para o desenvolvimento tumoral. As células parenquimatosas determinarão a natureza do tumor e, por sua vez, sua nomenclatura, enquanto o estroma oferecerá todo o suporte necessário para o seu crescimento. Tumores pobres em estroma frequentemente se apresentam com apa- rência mole, no entanto, quando há uma intensa proliferação do estroma contendo colágeno, denomina-se esse processo de desmoplasia. Parênquima e estroma. Disponível em: https://bit.ly/3emAGPn Quatro critérios principais são considerados para a distinção entre tumores benig- nos e malignos: • Grau de diferenciação celular / anaplasia; • Ritmo de crescimento; • Invasão local; • Capacidade de desenvolvimento de metástases. 8 9 Importante! Para darmos início ao estudo dos tumores benignos e malignos, é importante relem- brarmos o conceito de diferenciação celular, que compreende o conjunto de processos pelos quais as células embrionárias se especializam para realizar determinadas funções. Tumores mais diferenciados tendem a apresentar comportamento mais favorável, en- quanto tumores mais indiferenciados tendem a ser mais agressivos. A ausência de diferenciação (especialização) é denominada de anaplasia. Dessa forma, tumores indi- ferenciados podem ser chamados também de anaplásicos. O grau de diferenciação diz respeito ao grau com que as células parenquimais se asse- melham às células normais, tanto em morfologicamente quanto funcionalmente. O ritmo de crescimento do tumor, por sua vez, pode variar e vir a ser mais rá- pido a depender da origem celular do tumor e de outros fatores, como suprimento sanguíneo e dependência hormonal. Já a capacidade de metastatização ocorre quando células oriundas do tumor primário se desprendem e são capazes de colonizar outros órgãos a distância deste tumor inicial. Tumores Benignos As células dos tumores benignos, geralmente, são bem diferenciadas e sua taxa de divisão celular é baixa (baixo índice mitótico), o que lhe confere um crescimento lento. Comumente, as células crescem unidas entre si e não apresentam caráter infil- trativo para os tecidos adjacentes, podendo frequentemente apresentar ao seu redor uma cápsula de tecido fibroso delimitando a expansão desse tumor. No entanto, esse crescimento expansivo, mesmo se tratando de um tumor benigno, pode acarretar prejuízo por causar compressão de estruturas adjacentes. Em síntese, os tumores benignos se diferenciam dos tumores malignos a partir dos seguintes critérios: • Grau de diferenciação: tumores benignos, em geral, apresentam-se como bem diferenciados; • Ritmo de crescimento: tumores benignos tendem a apresentar crescimento lento, muito embora possa também ser rápido; • Invasão local: as neoplasias benignas se apresentam como massas compactas, palpáveis e móveis, geralmente estando envoltas por uma cápsula de tecido con- juntivo fibroso que delimita as margens do tumor. Apresentam crescimento ex- pansivo e tendem a permanecer em seu local de origem, sem aderir a tecidos ad- jacentes. Frequentemente, os tumores benignos são de fácil ressecção cirúrgica; • Metástase: tumores benignos não são capazes de metastatizar, sendo essa ca- pacidade a principal característica dos tumores malignos. 9 UNIDADE Neoplasias Nomenclatura dos tumores benignos Em geral, os tumores benignos de origem mesenquimal são designados pelo sufixo -oma precedido pelo nome da célula de origem do tumor. Por exemplo, um tumor benigno de fibroblastos é chamado de fibroma, enquanto um tumor benigno de condrócitos do tecido cartilaginoso denomina-se condroma. Outros exemplos incluem os osteomas (de osteócitos), os lipomas (de adipócocitos), os leiomiomas (de fibras musculares lisas), as rabdomiomas (de fibras musculares estriadas) e os angiomas (de vasos sanguíneos). Como em toda regra, há exceções, linfoma, melanoma e mieloma são tumores malignos que levam esse sufixo. Neoplasias epiteliais benignas que formam padrões glandulares, bem como tu- mores derivados de glândulas, mas que não necessariamente apresentam padrões glandulares, são denominadas de adenomas. Por sua vez, os tumores benignos de origem epitelial que produzem projeções digitiformes ou verrucosas sobre superfícies epiteliais são chamados de papilomas. Ao se projetarem acima de superfícies muco- sas (como, por exemplo, na cavidade nasal ou na luz do tubo digestivo), recebem o nome de pólipos. Tumores Malignos As células parenquimatosas dos tumores malignos podem variar de bem dife- renciadas a indiferenciadas (ou anaplásicas). A falta de diferenciação é considerada como uma característica básica da transformação maligna, podendo ser notada por meio de alterações morfológicas e funcionais. Células anaplásicas tipicamente apresentam pleomorfismo, isto é, uma variedade de tamanho e de forma. Tal va- riedade pode ocorrer tanto nas células como um todo quanto em seus núcleos. Po- dem ser vistas, muitas vezes, células que são maiores do que as células vizinhas; em contrapartida, pode também haver células que são menores e apresentando ainda um aspecto primitivo. Comumente, os núcleos contêm uma grande quantidade de DNA e se apresentam hipercromáticos (de coloração extremamente escura), podendo ser desproporcionalmente grandes quando comparados ao restante das células. A relação núcleo-citoplasma de uma célula tumoral maligna pode chegar a 1:1, enquanto tal valor para uma célula normal é de aproximadamente 1:4 ou 1:6. Em geral, a forma desse núcleo é extremamente variável e, frequentemente, sua cromatina se apresenta grosseiramente aglomerada e distribuída ao longo da membrana. Pode-se ainda encontrar em populações de células tumorais malignas grandes nucléolos nesses núcleos. Quando comparadas às células de tumores benignos, as células malignas podem apresentar grande número de mitoses, devido à maior atividade proliferativa das células parenquimatosas.Mais importante que o número de mitoses (pois esse número pode ser elevado também em tecidos não neoplásicos, como é o caso da medula óssea, que apresenta rápida renovação e proliferação não neoplásica, contendo muitas células em 10 11 mitose), é se atentar para o fato de que nas células neoplásicas, além de o número de mitoses estar elevado, elas apresentam figuras de mitoses bizarras e atípicas. As grandes massas tumorais malignas crescem de modo anárquico e desorga- nizado, podendo frequentemente apresentar um estroma vascular escasso, o que contribui para o surgimento de grandes áreas de necrose central isquêmica no interior dos tumores. O diagnóstico morfológico de malignidade nos tumores pode ser extremamente difícil, pois uma mesma massa tumoral pode apresentar os dois extremos da diferenciação celular (células bem diferenciadas e células anaplásicas), a despeito da região a ser analisada pelo patologista. As principais características dos tumores benignos e malignos podem ser vistas na Tabela 1. Tabela 1 – Principais critérios de distinção entre tumores benignos e malignos Características Benignos Malignos Diferenciação celular Bem diferenciados (células tumorais semelhantes, tanto morfologicamente quanto fun- cionalmente, às células normais do tecido de origem). Variam de bem diferenciados a indiferenciados. Anaplasia (ausência de diferenciação) Ausente Pode estar presente. Ritmo de crescimento Em geral lento, mas pode ser rápido, com ritmo inconstante. Depende do suprimento sanguí- neo, da presença de hormônios e de fatores de crescimento. Em geral rápido, mas pode ser lento e ter período de latência. Invasão local Massas expansivas e compactas, localizadas em seu sítio de ori- gem, sem capacidade infiltrati- va e invasiva. Crescimento por infiltração pro- gressiva, invadindo e destruindo tecidos circundantes. Metástase Ausente Em geral, pode estar presente (embora alguns tumores, excep- cionalmente, não o façam). Nomenclatura dos tumores malignos A nomenclatura dos tumores malignos segue, em geral, o mesmo padrão da nomenclatura dos tumores benignos, porém, com alguns acréscimos. Os tumores malignos de origem mesenquimal são denominados de sarcomas (do grego sar = carnoso). Por possuírem pouco estroma de tecido conjuntivo fibroso, geralmente, seu aspecto é mais carnoso, como pode ser visto, por exemplo, nos fibrossarcomas, osteossarcomas, condrossarcomas, lipossarcomas, leiomiossarcomas, rabdomiossar- comas etc. Os tumores malignos originados de células epiteliais, independentemente de qualquer uma das três camadas germinativas (endoderme, ectoderme e meso- derme), são denominados de carcinomas. Os carcinomas podem ainda ser mais qualificados, como, por exemplo, carcinomas que apresentam crescimento glandular são denominados de adenocarcinomas. 11 UNIDADE Neoplasias Tabela 2 Origem Benigno Maligno Mesenquimal Cartilagem Condroma Condrossarcoma Fibroblasto Fibroma Fibrossarcoma Tecido ósseo Osteoma Osteossarcoma Tecido adiposo Lipoma Lipossarcoma Músculo liso Leiomioma Leiomiossarcoma Músculo estriado rabdomioma Rabdomiossarcoma Vasos sanguíneos hemangioma Hemangiossarcoma Vasos linfáticos linfangioma Linfangiossarcoma Epitelial Epitélio de revestimento Papiloma Carcinoma Epitélio glandular Adenoma Adenocarcinoma Células do sangue Leucemia Órgãos linfoides Linfoma Sistema melanógeno Nevo Melanoma Células multi- ou totipotentes Teratoma benigno Teratoma maligno • Neoplasias Definicoes e Nomenclatura: https://youtu.be/zU7zggY44iA • Neoplasias Epidemiologia e Ciclo Celular: https://youtu.be/mPQJ3sbJ5Us • Neoplasia Biologia dos Tumores: https://youtu.be/0BXUlBqQ_Ak Características das células tumorais malignas Mediante estímulos carcinogênicos apropriados, as células normais podem evoluir progressivamente para um estado neoplásico maligno. Tal evolução proporcionará às células uma sucessão de características que permitirão que elas se tornem tumo- rigênicas e, finalmente, malignas. Para que possamos compreender a essência do câncer, é preciso olhar para os tumores não somente como massas de proliferação celular descontrolada, mas sim como tecidos complexos compostos por múltiplos tipos celulares distintos que participam de interações heterotípicas entre si, criando um ambiente propício para o desenvolvimento tumoral. A esse ambiente denomina- mos microambiente tumoral. Metabolismo Tumoral O metabolismo das células tumorais possui uma característica muito peculiar e de extrema importância para sua sobrevivência. Observado por Otto Warburg (1883-1970), no início da década de 1920 e ainda muito discutido e estudado, o denominado efeito Warburg da glicólise anaeróbica é um dos principais aspectos metabólicos que caracterizam o câncer. Em seus estudos em diferentes tipos de tumores, Warburg descobriu que as células tumorais, mesmo na presença abundante 12 13 de oxigênio, preferiam metabolizar a glicose pela glicólise anaeróbica. As células tumorais malignas são ávidas por glicose, entretanto, o sítio de crescimento tumoral pode apresentar um pobre suprimento sanguíneo e, consequentemente, nutricional. Ao alterar o metabolismo celular para a glicólise anaeróbica, as células tumorais passam a adquirir capacidade de sobreviver em um meio acidificado, devido ao excesso de ácido láctico gerado. Oncogenes e proto-oncogenes Proto-oncogenes são genes normais que se tornam oncogenes devido a uma mutação ou devido ao aumento de expressão gênica. Os oncogenes foram descritos pela primeira vez em genoma retroviral pelos pesquisadores Harold Varmus e John Michael Bishop, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina em 1989. Esses genes foram denominados de oncogenes virais (v-oncs). Os proto-oncogenes podem se transformar em oncogenes por meio da mudança na estrutura do gene (mutação), resultando na síntese de oncoproteínas, ou seja, pro- dutos genéticos anormais com funções irregulares. Podem também surgir por meio de mudanças na regulação da expressão do gene, promovendo, assim, o aumento da produção de proteínas promotoras de crescimento estruturalmente normais e que irão estimular a proliferação celular. Mutações somáticas Uma outra característica importante das células tumorais é a quantidade de mu- tações somáticas que muitas delas conseguem adquirir com o tempo e carregar em seu DNA. Por exemplo, mutações no gene supressor de tumor TP53, conhecido como “guardião do genoma”, podem resultar na proliferação de células anormais, contribuindo para o surgimento do câncer. A fosfoproteína p53 é responsável pela regulação do ciclo celular, exercendo ação supressora tumoral. Quando as células são agredidas por agentes mutagênicos (substâncias químicas, vírus, radiação etc.) ou sofrem erros na replicação do DNA, a p53 estimula proteínas inibidoras do ciclo celular que agirão parando o ciclo na fase G1 (de síntese de enzimas e de RNA). Tal parada tem como objetivo dar tempo para que os sistemas de reparo do DNA corrijam os defeitos provocados, impedindo sua propagação nas próximas gerações de células. Caso tais defeitos não possam ser reparados, a p53 induzirá a célula a entrar em apoptose. Mutações no gene TP53 estão presentes em cerca de 50% dos cânceres em humanos, principalmente em tumores colorretais, de mama e pulmão. Tais mutações podem resultar de fatores intrínsecos, como mutações genéticas her- dadas, ou extrínsecos, como, por exemplo, dano e instabilidade genética induzidos por radiação, por substâncias químicas carcinogênicas ou por infecção viral. Mecanismos epigenéticos no câncer de mama: o papel dos biomarcadores e da medicina personalizada: https://bit.ly/3emFrbM 13 UNIDADE Neoplasias Proliferação continuada Outro traço fundamental das células tumorais malignas é a capacidade que elas possuem de sustentar a proliferação continuada. Células normais controlam a todo instante a produção e a liberação de sinais promotores de crescimento, garantindo, assim, a homeostase celular.A esse processo denominamos de sinalização mitogênica. As células tumorais desregulam tais sinais e se tornam “mestres de seus próprios destinos”. Os sinais de ativação da proliferação celular são transmitidos, em sua maioria, por fatores de crescimento que se ligam a receptores presentes na superfície celular, agindo tanto de forma autócrina quanto parácrina. Além disso, as células tumorais estimulam as células normais do próprio estroma tumoral a sintetizarem fatores de crescimento em benefício de si mesmas. Transição epitélio-mesenquimal Tumores malignos de origem epitelial são capazes de reativar um programa genético presente durante o desenvolvimento embrionário, denominado transição epitélio-mesenquimal. Tal transição é capaz de alterar o fenótipo epitelial para o mesenquimal. Essa mudança modifica moléculas de adesão expressas pelas células, que, por sua vez, serão capazes de adotar um comportamento migratório e invasivo. Tumores sólidos de origem epitelial, tais como carcinomas de ovário, de mama, pulmão e boca, que ativam a transição epitélio-mesenquimal, apresentam maiores chances de desenvolver metástases. Inibição da apoptose A apoptose, como vista no módulo I, diz respeito à morte celular programada. Tal processo é geneticamente regulado e desencadeado por mecanismos fisiológicos, patológicos ou citotóxicos, sendo controlado por vias de sinalização celular e genes pró-apoptóticos e antiapoptóticos. A morte celular por apoptose serve como uma barreira natural ao desenvolvimento do câncer, uma vez que permite o controle da população de células num tecido. Células que apresentem danos em seu DNA asso- ciados com hiperproliferação devem, em condições normais, entrar em apoptose. No entanto, células tumorais encontram mecanismos para escapar da apoptose e, assim, continuar sua proliferação patológica, progredindo para estados de maligni- dade de alto grau e contribuindo para a resistência terapêutica. As células tumorais desenvolvem uma variedade de estratégias para limitar ou contornar a apoptose – a mais comum está relacionada com a perda da função do gene supressor de tumor p53. Ao fazerem isso, eliminam um importante sensor capaz de identificar danos críticos no DNA e de induzir a morte celular programada. O rápido crescimento neoplásico pode levar à necrose central da massa tumoral se o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos (angiogênese) não ocorrer na mes- ma velocidade com que o tumor se expande. 14 15 Em contraste com a apoptose, na qual a célula morta se retrai, fragmentando-se e sendo a seguir removida pelas células vizinhas, sem ocorrência de reação inflama- tória, as células tumorais necróticas ficam tumefeitas e se rompem, liberando seu conteúdo no microambiente tecidual local. Tal feito fará com que haja a liberação de sinais pró-inflamatórios, recrutando para a arena tumoral células imunes e não imunes que irão promover a remoção dos restos necróticos. No entanto, no contexto tumoral, as células inflamatórias podem também estimular ativamente o crescimento do tumor, por serem capazes de induzir a angiogênese e a proliferação das células cancerosas, bem como sua invasividade. Além disso, células necróticas liberam cito- cinas, como a IL-1α, que podem estimular diretamente células vizinhas a proliferar, sendo mais um potencial facilitador da progressão neoplásica. Dessa forma, tumores malignos podem ganhar algumas vantagens ao tolerarem algum grau de morte celu- lar necrótica para recrutamento de células inflamatórias, as quais trazem consigo fa- tores estimulantes do crescimento para as demais células neoplásicas sobreviventes. Angiogênese tumoral As células tumorais necessitam de nutrientes e de oxigênio para sobreviverem. Para atendimento às suas necessidades nutricionais, as células neoplásicas emitem uma série de sinalizadores químicos que agirão sobre o endotélio vascular do “vaso- -mãe”, iniciando o brotamento de novos vasos sanguíneos, processo este denomi- nado de angiogênese tumoral (Figura 1). A angiogênese consiste em um processo fundamental para o desenvolvimento tumoral e sua evolução metastática, sendo o grau de perivascularização tumoral diretamente relacionado ao prognóstico dos pa- cientes oncológicos. Figura 1 – Angiogênese tumoral. Ilustração da formação de novos vasos sanguíneos a partir de um “vaso-mãe” Fonte: Getty Images A formação de novos vasos sanguíneos a partir de células endoteliais é um pro- cesso fisiológico essencial e está presente na embriogênese, na cicatrização de feri- das, nos processos inflamatórios, no ciclo reprodutivo feminino e na amamentação. 15 UNIDADE Neoplasias Para que o tumor inicie a angiogênese, primeiramente precisa ser capaz de degra- dar a lâmina basal e o faz por intermédio da ação de proteases da matriz extracelular, as quais são liberadas pelo endotélio. As células endoteliais então migram para o estroma perivascular, proliferam e dão início ao brotamento capilar. Invariavelmente, os novos vasos sanguíneos formados apresentam inadequações estruturais e funcionais, comprometendo a oxigenação e dando origem a leitos mi- crovasculares hipóxicos. Em geral, é considerado hipóxico o microambiente que apresente tensão de oxigênio menor que 5 a 10 mmHg. A adaptação das células tumorais à hipóxia é um processo extremamente impor- tante para a sobrevivência e para a evolução tumoral. Uma das principais caracterís- ticas presentes nessas células sobreviventes expostas à baixa tensão de oxigênio é a ativação de uma família de fatores transcricionais induzidos pela hipóxia (HIFs). Dentre os membros de tal família, destaca-se, em especial, a proteína HIF-1α, que, tanto em células normais quanto em células tumorais, tem a regulação de sua estabilidade e atividade celular altamente dependente do suprimento de oxigênio. Em condições hi- póxicas, haverá um acúmulo de HIF-1α, a qual, por sua vez, reordenará diversos even- tos na história natural do tumor, tais como a ativação da via glicolítica, de receptores de fatores angiogênicos via expressão do fator de crescimento do endotélio vascular (vascular endothelium growth fator - VEGF) e de fatores de motilidade. Por exemplo, a expressão de enzimas como óxido nítrico sintase induzida (iNOS) contribui para o acesso das células tumorais ao sistema circulatório, além de facilitar a angiogênese. Sistema VEGF, um Alvo Multi-terapêutico: https://bit.ly/2TIdZNB Crescimento Tumoral Uma das características fundamentais das neoplasias consiste no crescimento te- cidual excessivo e incoordenado em relação àquele dos tecidos normais. No decorrer de sua história natural, um tumor apresentará diferentes períodos de duplicação e crescimento; em geral, quanto menor o tumor, maior será a sua fração proliferativa. Uma célula tumoral começa a dar origem a subclones, os quais podem ser mo- noclonais (a partir de uma única célula que sofreu transformação neoplásica) ou multiclonais (originados da proliferação de várias células transformadas independen- temente). De toda forma, se um tumor for monoclonal ou multiclonal, a célula origi- nal transformada (admitindo-se que tenha um diâmetro de cerca de 10 micrômetros) precisará sofrer ao menos 30 duplicações populacionais para produzir 109 células, o que equivale a aproximadamente 1 grama, que é a menor massa tumoral clinica- mente identificável. Em contrapartida, são necessárias apenas mais 10 duplicações para produzir um tumor com 1012 células, pesando cerca de 1 quilograma, o que possivelmente será incompatível com a vida. A Figura 2 ilustra a cinética do desen- volvimento de um tumor primário. 16 17 Indetectável 10 duplicações 20 duplicações 30 duplicações 40 duplicações 1 célula 10 �m 1 �g 1 mg 1 g 1 kg Clinicamente detectável Potencialmente fatal Figura 2 – Crescimento de um tumor maligno primário Assim como proposto por Charles Darwin (1809-1882) na Teoria da Evolução, durante o crescimento tumoral, haverá uma seleção natural dos subclones mais adaptadosao microambiente tumoral. Capazes de sobreviver aos diversos ataques que o organismo lança no intuito de impedir a progressão tumoral, as células can- cerosas adquirem vantagens seletivas e adaptativas, podendo, inclusive, desenvolver mecanismos que as torne mais capazes de invadir os tecidos adjacentes e de criar metástases. Dessa maneira, este conceito, denominado de “darwinismo tumoral”, cumpre os postulados da teoria evolutiva: seleção, mutação genética, adaptação ao ambiente e capacidade reprodutiva. Os eventos moleculares envolvidos no desenvolvimento tumoral estão resumidos na Figura 3. Reparo bem sucedido do DNA Expansão clonal Progressão tumoral (mutações adicionais) Heterogeneidade tumoral Lesão no DNA Incapacidade de reparo do DNA Célula Normal Lesão do DNA Mutações em células somáticas Ativação de oncogenes promotores de crescimento Inativação de genes supressores de tumor Síntese de oncoproteínas e de proteínas promotoras de crescimento Tumor Maligno Inativação de genes reguladores da apoptose Figura 3 – Fluxograma simplifi cado do desenvolvimento tumoral Fonte: Adaptado de Robbins & Cotran, 2010 17 UNIDADE Neoplasias Vias de disseminação tumoral Metástase (do grego metástatis = mudança de lugar, transferência) é o termo utilizado para designar a formação de uma nova massa tumoral a partir da massa primária, mas sem haver continuidade entre as duas. Tal processo é extremamente complexo e envolve uma série de interações entre as células malignas e os compo- nentes do tecido normal, especialmente do estroma. Os tumores benignos, como vimos anteriormente, geralmente apresentam cresci- mento expansivo e podem comprimir estruturas adjacentes, sendo bem delimitados, mas sem se infiltrarem nos tecidos circundantes. Em contrapartida, a característica mais importante das células tumorais malignas é justamente a sua capacidade de invasão local, utilizando uma via de disseminação pela qual tais células serão levadas a um sítio distante do tumor primário, originando, assim, novos tumores. Um dos grandes medidores da agressividade de um dado tumor diz respeito à sua capacidade metastática, a qual determinará, em grande medida, o prognóstico do paciente. Basicamente, a formação das metástases envolve os seguintes processos: 1. Desprendimento das células neoplásicas da massa tumoral primária; 2. Deslocamento das mesmas através da matriz extracelular; 3. Invasão dos vasos linfáticos ou sanguíneos; 4. Sobrevivência das células cancerosas na circulação; 5. Adesão ao endotélio vascular do órgão a ser colonizado; 6. Migração para o espaço extravascular (diapedese) no órgão-alvo; 7. Proliferação celular no novo sítio; 8. Indução da angiogênese para o suprimento sanguíneo da nova colônia. Implantação nas cavidades corporais ou superfícies Sempre que uma neoplasia penetra em um “campo aberto” natural pode ocorrer a implantação tumoral. Frequentemente, a cavidade peritoneal é a mais afetada, po- rém, qualquer outra cavidade pode ser acometida (como, por exemplo, as cavidades pleural e pericárdica, o espaço subaracnoide e os espaços articulares). Nicho pré-metastático O conceito de nicho pré-metastático sugere que o tumor primário é capaz de mo- dular o microambiente no qual o tumor secundário irá se instalar antes da chegada das células metastáticas. Tal modulação ocorre por meio da liberação de fatores de crescimento e citocinas pelo tumor primário. Tais fatores, por sua vez, mobilizam células precursoras mieloides e induzem a formação da proteína S100, que exercerá também ação quimiotática sobre os precursores mieloides para o nicho pré-metastá- tico. Além disso, a enzima lisil-oxidase e a glicoproteína fibronectina, ambas origina- das do tumor primário, serão capazes de induzir modificações na matriz extracelular, a fim de facilitar a colonização das células tumorais. 18 19 Disseminação linfática O transporte de células tumorais por meio dos vasos linfáticos constitui a principal via de disseminação inicial dos carcinomas, muito embora os sarcomas também possam fazer uso dessa via. Na maior parte dos casos, o primeiro sítio de metástase é o linfonodo responsável pela drenagem local do tumor, chamado de linfonodo sentinela. Por esse motivo, as primeiras metástases de um tumor de mama são encontradas nos linfonodos axilares e de um câncer de pulmão, nos linfonodos do hilo pulmonar. Comumente, o linfonodo contendo células neoplásicas se encontra com aumento de volume (linfadenomegalia), podendo evoluir para a formação de uma massa tu- moral. No entanto, nem toda linfadenomegalia pode ser considerada uma metástase; muitas vezes, os linfonodos que drenam o sítio neoplásico podem estar reagindo a substâncias antigênicas liberadas pelo tumor. Por outro lado, um linfonodo com di- mensões normais pode conter micrometástases. Disseminação hematogênica ou sanguínea A disseminação hematogênica é típica dos sarcomas, mas pode também ser utili- zada por carcinomas. Anatomicamente, devido à espessura de suas paredes, as arté- rias são menos facilmente penetráveis que as veias. No entanto, as células tumorais podem se disseminar pelas artérias quando conseguem atravessar os leitos capilares pulmonares ou até mesmo quando são originadas de êmbolos tumorais oriundos da massa neoplásica metastática instalada no pulmão. A partir da invasão venosa, as células tumorais seguem o fluxo que drena o local da neoplasia. Toda a drenagem da região portal flui para o fígado, enquanto todo o sangue originado das veias cavas flui para os pulmões. No entanto, somente o critério anatômico não explica a localização das metástases. Como dito anteriormente, o sítio metastático dependerá de fatores ligados às células tumorais e ao nicho pré-metastático. A presença de células tumorais circulantes na corrente sanguínea não necessariamente indica a formação de metástases, pois a imensa maioria das células neoplásicas que adentram à circulação serão destruídas pela força da turbulência sanguínea, pelo sistema complemento, pela resposta imunitária ou até mesmo pelo choque mecânico que sofrem contra parede vascular. Portanto, um importante componente do processo metastático é a capacidade de sobrevivência das células tumorais na circulação sanguínea. A sobrevivência das células neoplásicas na circulação tem se demonstrado mais eficiente quando as mesmas estão revestidas por plaquetas, linfócitos e fibrina, for- mando agregados ao seu redor. Por exemplo, foi visto experimentalmente que a trombocitopenia ou o uso de anticoagulantes, como a heparina, foram capazes de reduzir o número de metástases. Plaquetas: Papéis tradicionais e não tradicionais na hemostasia, na inflamação e no câncer. Disponível em: https://bit.ly/36Iankd 19 UNIDADE Neoplasias Gradação e Estadiamento Tumoral Com o intuito de se determinar a gravidade de um tumor, as neoplasias são ava- liadas pelo patologista e classificadas quanto ao seu grau de diferenciação celular e estágio de disseminação. Tais parâmetros são utilizados para determinar sua possível evolução clínica e direcionar o tratamento mais adequado. A gradação tumoral irá se basear no grau de diferenciação das células neoplásicas e no número de mitoses que esse tumor apresenta, a fim de predizer a agressividade da lesão. Dessa forma, os tumores são classificados quanto ao grau de anaplasia, de forma crescente, de I a IV. Quanto mais as células tumorais se assemelharem ao tecido original, menor será a sua gradação, supondo-se que o tumor em questão terá também um comportamento menos agressivo. Como os critérios de avaliação individual variam para cada tipo de tumor, para evitar algum tipo de confusão, é co- mum caracterizar a neoplasia complementarmente de maneira descritiva como bem diferenciada, moderadamente diferenciada e pouco diferenciada. O estadiamento tumoral se baseia no tamanho da lesão primária, na extensão da sua disseminação para os linfonodos regionais e na presença ou não de metástasesà distância. Na prática, o estadiamento tumoral provou ter maior valor clínico do que a gradação. O método de estadiamento desenvolvido pela União Internacional Contra o Câncer (UICC) emprega o denominado sistema TNM – T para designar o tumor primário, N – refere-se ao comprometimento de linfonodos regionais, e M – para metástases. O estadiamento TNM varia de acordo com o tipo tumoral, porém, existem princípios gerais que o norteiam, tais como: • Tamanho da lesão primária, variando de T0 (carcinomas in situ - neoplasias que ainda não adentraram ao estroma) a T4; • Comprometimento linfonodal, variando de N0 (ausência de comprometimento) a N3, conforme o número de linfonodos acometidos; • Presença de metástase, variando de M0 (ausência de metástase) a M1 (presença de metástase). Esperamos que, ao final desta unidade, você saiba quais as principais característi- cas que diferenciam os tumores malignos dos benignos, quais os atributos essenciais que as células neoplásicas malignas precisam adquirir com o tempo para garantirem sua sobrevivência e progressão tumoral e, por fim, o conceito de metástase e as vias de disseminação tumoral. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Hallmarks of Cancer: The Next Generation https://bit.ly/2zpa0yN Agentes Antitumorais Inibidores da Angiogênese – Modelos Farmacofóricos para Inibidores da Integrina ανβ3 https://bit.ly/3c8MlQ5 Entendendo o Funcionamento dos Medicamentos Quimioterápicos https://bit.ly/2X3raL5 Principais Agentes Mutagênicos e Carcinogênicos de Exposição Humana https://bit.ly/2AeMpk0 21 UNIDADE Neoplasias Referências BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo Patologia Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Guana- bara Koogan, 2018. HANSEL, D. E. Fundamentos de Rubin: Patologia. Rio de Janeiro: Guanabara- -Koogan, 2007. Diponível em: <http://biblioteca.cruzeirodosul.edu.br/pergamum_ cruzeirodosul/biblioteca/index.php#sobe_paginacao>. (e-book) KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; FAUSTO, N.; ASTER, J. C. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 22
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