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1 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 OBJETIVOS 1. Relacionar as etiologias com a fisiopatologia das anemias megaloblásticas. 2. Descrever o metabolismo e importância da vitamina B12 e ácido fólico. 3. Descrever as manifestações clínicas e laboratoriais das anemias megaloblásticas por deficiência de ácido fólico e vitamina B12 (enfatizar anemia perniciosa: epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento). 4. Identificar possíveis diagnósticos diferenciais das anemias megaloblásticas. 5. Discutir os aspectos gerais do tratamento e medidas preventivas. REFERÊNCIAS HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand. 7ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. ZAGO, Marco Antônio; FALCÃO, Roberto Passetto; PASQUINI, Ricardo. Tratado de hematologia. São Paulo: Atheneu, 2013. METABOLISMO DA VITAMINA B12 E ÁCIDO FÓLICO Tanto os folatos como a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese da timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA. VITAMINA B12 A vitamina é encontrada em alimentos de origem animal, como fígado, carnes em geral, peixe e laticínios, mas não ocorre em frutas, cereais e verduras. A B12 é liberada das proteínas às quais vem ligada nos alimentos e se combina com a glicoproteína fator intrínseco (FI), sintetizada pelas células parietais gástricas. O complexo FI-B12 liga-se, então, a um receptor de superfície específico para FI, a cubilina. A cubilina liga-se a uma segunda proteína, amnionless*, que promove endocitose do complexo cubilina/FI-B12 nas células do íleo, onde a B12 é absorvida e o FI é destruído. A vitamina B12 é absorvida no sangue portal, onde se liga à proteína plasmática transcobalamina (TC ou transcobalamina II), que entrega B12 à medula óssea e a outros tecidos. Obs: A deficiência de TC causa anemia megaloblástica, uma vez que a B12 não entra na medula óssea (e em outras células) a partir do plasma, porém o nível sérico de B12 na deficiência de TC é normal. Isso ocorre pelo fato de a maior parte da B12 no plasma estar ligada a outra proteína de transporte, a haptocorrina (também chamada de transcobalamina I), uma glicoproteína amplamente sintetizada por granulo ́citos e macro ́fagos. A vitamina B12 atua como coenzima da conversão de homocisteína em metionina e na conversão de CoA em succinil-CoA. Anemia Megaloblástica Problema 03 2 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA. ÁCIDO FÓLICO O ácido fólico (pteroilglutâmico) é o composto- base de um grande grupo de compostos derivados, os folatos. O folato pode ser encontrado em vegetais verdes, fígados e frutas, sendo absorvido no duodeno e jejuno proximal. No plasma, o folato é convertido em metiltetra- hidrofolato (metil-THF). O metil-THF ao entrar na célula, sofre ação da metionina sintetase, dependente da vitamina B12 para sua ação, e se transforma na sua forma ativa, o poliglutamato (THF) pela adição de 4 a 6 me- tades glutamato. Os folatos são necessários em várias reações bioquímicas envolvendo transferência de unidades de um carbono, em interconversões de aminoácidos, como na conversão de ho- mocisteína em metionina e na de serina em glicina, bem como na síntese de precursores purínicos de DNA. Parte do folato plasmático é excretado na bile e reabsorvido no jejuno. Uma proporção considerável do folato do organismo está envolvida nesta circulação êntero-hepática, e por isso os distúrbios do trânsito intestinal, que diminuem a quantidade absorvida, facilmente induzem carência de folato. ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS É um distúrbio causado pelo bloqueio da síntese de DNA, que se caracteriza por um estado em que a divisão celular se torna lenta a despeito do crescimento citoplasmático. O defeito básico responsável por essa assincronia é a síntese defeituosa de DNA, geralmente cau- sada por deficie ̂ncia de vitamina B12 ou de folato. CAUSAS DE CARÊNCIAS As anemias por deficiência de folatos ou de vitamina B, resultam de um desequilíbrio entre a disponibilidade e a demanda, provocando o esgotamento das reservas orgânicas. No caso da vitamina B12, os depósitos são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por 2 A 5 anos após haver cessado a absorção, enquanto que as reservas de folatos são suficientes apenas para 3 ou 4 meses. CAUSAS DE CARÊNCIA DE VITAMINA B12 OU COBALAMINA Dieta: necessidades diárias é de 0,5-2 g/dia (quase insignificante), e por isso a carência de vitamina B12, de origem alimentar é rara: somente ocorre 3 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 em vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal. Absorção: o complexo de vitamina B12/FI é captado pelos receptores das células epiteliais do íleo e a vitamina B12 é absorvida. Qualquer alteração desses passos da absorção leva à deficiência de vitamina B12. Anemia perniciosa: causa mais comum de deficiência de vitamina B12, sendo ela, uma doença de natureza provavelmente imunológica, em que ocorre atrofia e inflamação crônica da mucosa gástrica (gastrite atrófica), levando a ocorrência concomitante de fator intrínseco e da secreção de ácido clorídrico, com consequente má absorção da vitamina B12. O diagnóstico de anemia perniciosa implica a presença de anemia megaloblástica por carência de vitamina B12, associada à gastrite atrófica, demonstrada por exame anatomo- patológico obtido por biópsia endoscópica. Existem dois tipos básicos de gastrite: -Gastrite do tipo A (autoimune): relacionado à anemia perniciosa e envolve o fundo e o corpo do estômago, poupando o antro. Envolve a presença de anticorpos contra células parietais e contra fator intrínseco, acloridria, níveis séricos reduzidos de pepsinogênio e níveis elevados de gastrina. - Gastrite do tipo B (não imune): compromete o fundo, o corpo e o antro. À gastrite do tipo À, além de estar associada à anemia perniciosa. Geralmente causada pela infecção pelo Helicobacter pylori, e os níveis de gastrina são reduzidos pela destruição das células do antro. Transporte e metabolismo: no plasma, a vitamina B12 é transportada conjugada a 2 proteínas denominadas transcobalamina I e II. À maior parte da vitamina B12 do plasma (cerca de 80%) está ligada à transcobalamina I, que tem um turn-over muito lento, sendo essencialmente inacessível aos tecidos; por isso, deficiência congênita de transcobalamina I é associada a baixos níveis séricos de vitamina B12, sem manifestações clínicas. Já a pequena percentagem de vitamina B12 ligada à transcobalamina II tem um turn-over muito rápido, e sua ausência congênita produz uma forma rara de anemia megaloblástica grave com níveis séricos de vitamina B12 normais. Outras causas: a gastrectomia total ou parcial, pacientes com obesidade mórbida, tratada cirurgicamente com curto-circuito gástrico; pessoas idosas (dissociação inadequada da cobalamina da proteína alimentar resultante de alterações gástricas com atrofia parcial da mucosa); doenças do íleo terminal (espru, doença celíaca, enterite regional e ressecção ileal); drogas (PAS, colchicina, colestiramina, neomicina); deficiência congênita de fator intrínseco, e o defeito ou ausência congênita de receptores para fator intrínseco nas células ileais (síndrome de Imerstund-Grãsbeck). CAUSAS DE CARÊNCIA DE FOLATOS À causamais comum de carência de folatos é a dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que aumentam as necessidades diárias (gravidez ou o crescimento). Outras causas comuns são alcoolismo, idade avançada, doenças intestinais associadas à má absorção, pobreza e desnutrição. Dieta: o cozimento excessivo (vegetais, fígado e fruta) pode remover ou destruir grande porcentagem do folato dos alimentos. As necessidades mínimas diárias são cerca de 50 µg (microgramas) na criança e 100 µg no adulto, e a quantidade mínima recomendada na dieta do adulto é de 400 g . Absorção: a má absorção de folatos pode ser causada por doenças intestinais crônicas com diarreia (doença celíaca, o espru tropical e a enterite regional) drogas como os anticonvulsivantes (difenil-hidantoínas, primidona, carbamazepina, fenobarbital) e álcool. Transporte e metabolismo: numerosas drogas inibem a di-hidrofolato redutase, como metotrexate (antineoplásico), pirimetamina e trimetoprim (em associação com sulfametoxazol). Aumento das necessidades: a demanda de ácido 4 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 fólico aumenta em pessoas com intensa proliferação celular e a síntese de DNA, tais como: -Portadores de dermatites crônicas exfoliativas, -Anemias hemolíticas crônicas -Neoplasias -2 primeiros anos de vida. -Gravidez (a anemia megaloblástica ocorre geralmente no 3° trimestre) Obs: Por ser um micronutriente crítico na neurogênese, recomenda-se suplementação com ácido fólico na dose de 1mg/dia a partir do 1° mês da gravidez. Erros inatos: compreendem a má absorção do folato, a deficiência de metilenotetraidrofolato e deficiência de glutamato formiminotransferase. FISIOPATOLOGIA A síntese inadequada de DNA tem como consequência modificações no ciclo celular, retardo da duplicação e defeitos no reparo do DNA. A síntese de RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária para sua síntese. A maioria das células com lesões cromossômicas graves não é capaz de completar a divisão celular, sendo prematuramente destruídas na medula óssea. A intensa desordem da maturação nuclear das 3 linhagens, mais evidente na série eritroide, produz um aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam-se viáveis para o sangue periférico (hematopoese ineficaz). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS À principal manifestação clínica é a anemia (fraqueza, palidez, dispneia, claudicação intermitente); apesar de plaquetopenia e neutropenia ocorrerem com frequência. O paciente pode ter icterícia leve (colorac ̧ão amarelo-limão) pelo excesso de catabolismo de hemoglobina, resultante do aumento da eritropoese ineficaz na medula óssea. À deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos em que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de diarreia, glossite (ardência, dor e aparência vermelha da língua, “língua careca”), queilite e perda do apetite. A deficiência de vitamina B12, determina ainda uma degeneração do cordão posterior da medula espinal (carência de S-adenosil-metionina resultante de menor suprimento de metionina). O quadro resultante, denominado “degeneração combinada subaguda da medula espinhal”, inclui sensações parestésicas dos pés (formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco, seguidas de distúrbios motores (dificuldades da marcha, redução da sensibilidade vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, marcha atáxica, sinal de Romberg) e comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva”. O envolvimento do cordão lateral é menos frequente, manifestando-se por espasticidade e sinal de Babinski. À tríade de fraqueza, dor na língua e parestesias é clássica na deficiência de vitamina B12, mas os sintomas iniciais variam muito. Manifestações mentais: depressão e os déficits de memória, disfunção cognitiva e demência, além de distúrbios psiquiátricos graves como alucinações, paranoias, esquizofrenia. A deficiência de folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a 5 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em recém-nascidos. Uma das manifestações clássicas da anemia perniciosa é a perda de papilas da língua, que fica lisa, brilhante e intensamente vermelha (“língua careca”). DIAGNÓSTICO Para o diagnóstico correto é necessárias 3 abordagens nesses pacientes: 1°: reconhecer se a anemia megaloblástica está presente 2°: distinguir entre as deficiências de vitamina B12 e folato; 3°: determinar a causa CLÍNICA: as manifestações megaloblásticas da deficiência de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis a não ser pela história recente (ao redor de 6 meses) na deficiência de folato e mais prolongada (3 anos ou mais) na deficiência de vitamina B12. AVALIAÇÃO LABORATORIAL Anemia macrocítica e normocrômica. SANGUE PERIFÉRICO: os principais achados são: • Hb baixa • Macrocítose • Leucopenia • Trombocitopenia • Anisocitose • Poiquilocitose • Granulócitos polisegmentados • Reticulócitos normal ou baixo, mas o cálculo do índice de reticulócitos corrigido indica anemia hipoproliferativa. As alterações morfológicas no esfregaço do sangue periférico são: a) eritrócitos: macro-ovalócitos, poiquilocitose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Jolly, anel de Cabot, eritroblastos, e até megaloblastos; b) gramulócitos: hipersegmentação nuclear, com presença de neutrófilos polissegmentados reconhecidos por no mínimo 5% de neutrófilos com 5 lobos (regra dos 5) ou um neutrófilo com 6 ou mais lobos c) leucócitos: leucopenia com neutropenia, podendo os leucócitos chegar até abaixo de 2.000/uL d) plaquetas: trombocitopenia com 30.000 a 100.000 plaquetas/uL . MEDULA ÓSSEA: intensa hiperplasia da medula óssea, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide (megaloblastos): eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada. Além disso, há grandes quantidades de aberrações citológicas (megaloblastos gigantes ou com núcleos polilobulados, binucleados). Às alterações na série branca são representadas principalmente por mielócitos e metamielócitos de volume aumentado, contendo núcleo gigante. O ferro medular está aumentado em virtude da eritropoese ineficaz e geralmente há grande número de sideroblastos, mas só raramente há sideroblastos em anel. DOSAGEM DAS VITAMINAS: 6 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 Deficiência de folato Dosagens de vitamina B12 sérica: normais ou aumentados Folato sérico: diminuído Folato eritrocitário (melhor na avaliação dos depósitos de folato poque não sofre influência de drogas ou dieta): diminuído Na deficiência de vitamina B12 Dosagens de vitamina B12 sérica: diminuído Folato sérico: normal Folato eritrocitário: normal PESQUISA DE METABÓLITOS. Dosagem sérica de ácido metilmalônico e de homocisteína total: pode auxiliar na diferenciação das duas anemias megaloblásticas, porém é de alto custo. ↑ homocisteína total = deficiência de vitamina B12 e de folato. ↑ ácido metilmalônico = deficiência de vitamina B12. TRATAMENTO TRATAMENTO DA CARÊNCIA DE VITAMINA B12 A anemia perniciosa deve ser tratada com vitamina B12 por via parenteral por toda a vida, uma vez que o defeito de absorção é irreversível. Inicialmente é administrado 1000 microgramas (via parenteral) por dia, durante 7 dias, seguidos de 1000 microgramas 2x por semana por 3 a 4 mesese 100 microgramas mensamente durante toda a vida no caso de anemia perninciosa. TRATAMENTO DA CARÊNCIA DE FOLATO -Correção da dieta, aumentando a ingestão de verduras, frutas e fígado. -Ácido fólico por via oral na dose de 5 mg/dia até que a causa da carência tenha sido removida. Tratamento permanente é necessário em pacientes que têm doenças que aumentam o consumo de folatos, como anemias hemolíticas crônicas e pacientes submetidos à diálise. *Aumento de reticulócitos em torno do 7° dia após reposição indica boa resposta ao tratamento. PROFILAXIA A vitamina B12 deve ser administrada periodicamente em pacientes com gastrectomia total, cirurgia bariátrica ou ressecção ileal. Na gestação, o ácido fólico é administrado na dose de 400 mg diários pelo menos 90 dias antes da gestação. 5 a 10 microgramas de ácido fólico diariamente p/ vegetarianos. O ácido fólico também é administrado em pacientes em diálise crônica, com anemia hemolítica grave e com mielofibrose primária e em crianças prematuras. A fortificação de alimentos com ácido fólico (p. ex., farinhas ou grãos) é praticada em mais de 70 países, incluindo os Estados Unidos e o Brasil, para diminuir a incidência de DTN.
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