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FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Autora: Giovana Izidoro Guedes Salomão Romano Dados Pessoais Nome: _________________________________________________________ Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: __________________ Endereço: _____________________________________________________ Cidade: _____________________________________ UF: _______________ CEP: ________________ Telefone: _________________________________ E-mail: ________________________________________________________ CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000 INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281- 9090 - www.uniasselvipos.com.br Programa de Pós-Graduação EAD CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Ivan Tesck Equipe Pedagógica do IBAM: Prof. Heraldo da Costa Reis Profa. Márcia Costa Alves da Silva Profa. Tereza Cristina Baratta Revisão de Conteúdo: Prof. Marcus Alonso Ribeiro Neves Revisão Gramatical: Sandra Pottmeier Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2016 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 342.06 R759f Romano; Giovana Izidoro Guedes Salomão Fundamentos do direito administrativo / Giovana Izidoro Guedes Salomão Romano: UNIASSELVI - PÓS, 2016. 127 p. : il. ISBN 978-85-69910-09-1 1.Direito administrativo. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. PARCERIA ENTRE IBAM E UNIASSELVI No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo, observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas. A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental. Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI. Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI. A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários. A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior, aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para enriquecer o cenário que se quer alcançar. O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação; e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a articular-se com ele como cidadãos. Paulo Timm Superintendente Geral do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Prof. Carlos Fabiano Fistarol Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância Grupo UNIASSELVI Giovana Izidoro Guedes Salomão Romano Mestre em Direito Público, Especialista em Direito Empresarial. Advogada consultora no âmbito de Licitações e Contratos da Administração, Consórcios Públicos e Arbitragem. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB desde 2012. Professora no programa In Company da Fundação Getúlio Vargas FGV, Professora convidada do Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM, professora de programas de graduação e pós-graduação e de diversos cursos no Estado do Rio de Janeiro. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno ...............9 CAPÍTULO 2 Princípios que informam a Administração Pública .......... 37 CAPÍTULO 3 Estrutura Administrativa .................................................... 61 CAPÍTULO 4 Atividade Administrativa......................................................101 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): O Direito é uno, mas para fins didáticos é dividido em público e privado. O Direito Administrativo, como disciplina autônoma, dotada de um sistema próprio de princípios de normas é um ramo do direito público destinado ao estudo da função administrativa e toda estrutura orgânica que compõe a Administração pública. A disciplina Fundamentos do Direito Administrativo objetiva fornecer um instrumental para compreensão do Direito Administrativo como ramo do direito público que tem objeto próprio, porém não ilhéu, e sim relacionado aos outros ramos do direito e interpretado à luz da Constituição. No primeiro capítulo apresenta-se a disciplina, sua origem, dentro de uma perspectiva crítica, e sua constitucionalização. No segundo capítulo estudamos os princípios que informam e fundamentam a disciplina forjando o alicerce sobre o qual desenvolveremos os capítulos seguintes. No terceiro capítulo conhecemos a estrutura orgânica da Administração Pública, os agentes, órgãos e entidades que a compõe e compreendemos as relações de vinculação e subordinação que organizam este complexo sistema. No último capítulo estudamos as funções tipicamente administrativas, o grau de vinculação e discricionariedade com que estas funções podem ser exercidas e as possibilidades de controle destas atividades. A autora. CAPÍTULO 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender o Direito Administrativo como ramo do direito público que tem objeto próprio, porém interpretado à luz da Constituição. � Refletir sobre o direito administrativo e a capacidade de relacioná-lo com outras disciplinas, em especial o direito constitucional. 10 Fundamentos do Direito Administrativo 11 Contextualização O Direito Administrativo como disciplina autônoma, dotada de um sistema próprio de princípios de normas é uma criação contemporânea ao Estado de Direito, tem origem atribuída à uma Lei francesa e seus primeiros passos para tornar-se um ramo autônomo do Direito se deu a partir da jurisprudência do conselho de estado francês apesar de existirem relatos da existência de regras próprias do direito administrativo nas civilizações antigas. O desenvolvimento desta disciplina sempre foi paralelo ao Direito constitucional, porém foi o movimento de constitucionalização do Direito que, submetendo toda atividade administrativa ao filtro constitucional, superou paradigmas estabelecendo uma nova perspectiva do Direito Administrativo e condicionando-o à realização dos Direitos Fundamentais. Para entender os efeitos da constitucionalização é essencial a compreensão da distinção entreo conceito de interesse público primário e secundário, bem como do regime jurídico de direito público. Por fim, a constitucionalização acarreta o fenômeno da personalização administrativa na busca pela efetivação dos Direitos Fundamentais. Esses são os assuntos a serem tratados no presente capítulo. Serão destacadas a importância da constitucionalização e seus principais efeitos no Direito Administrativo na atualidade. Origem Podemos identificar a existência de normas disciplinadoras da Relação do Estado com os administrados nas mais antigas civilizações, é sabido, por exemplo, que em Roma as grandes tinturarias utilizavam amoníaco para clarear os tecidos. O amoníaco era fabricado a partir da urina e para tal dispunham recipientes nas calçadas, mediante aval do Prefeito pretoriano, que funcionavam como banheiros públicos. Ou seja, os tintureiros precisavam de uma autorização administrativa, ato administrativo unilateral discricionário e precário, figura comum no Direito Administrativo hodierno. Porém, ainda que normas disciplinadoras da relação do Estado com os administrados sejam conhecidas de tão longa data, não se pode afirmar que o Direito Administrativo exista desde então, isto porque uma disciplina requer mais que a existência de normas esparsas sobre a matéria, carece de um sistema autônomo com princípios informativos próprios o que só ocorreu com o advento do Estado de Direito como bem descreve Mello (1968, p. 61): Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 12 Fundamentos do Direito Administrativo O Direito Administrativo constitui disciplina própria do Estado Moderno, ou melhor, do chamado Estado de Direito, porque só então se cogitou de normas delimitadoras do Estado Poder e da sua ação, estabelecendo balizas às prerrogativas dos governantes, nas suas relações recíprocas, e, outrossim, nas relações com os governados. O Direito Administrativo como disciplina autônoma é uma criação relativamente recente, atribui-se seu “nascimento” à edição de uma Lei francesa, denominada 28 pluvioso do Ano VIII, que equivale ao ano de 1800 no calendário gregoriano, que adotamos hoje. Esta Lei organizava e limitava a Administração Pública na sua atuação, ou seja, estabelecia a burocracia estatal, subordinando a atuação do Estado ao primado da Lei na sua relação com os administrados, aqui entendidos como o povo em geral. A França emergia, por força da revolução de 1792, do regime da Monarquia Absoluta dentro do qual a atuação do Estado era fundada na vontade do soberano que não estava sob a contenda da Lei. O chamado “Antigo Regime” foi corrente na Europa nos séculos XVI e XVII, tratava-se do sistema de governo principalmente caracterizado pelo absolutismo monárquico, no qual o Rei exercia o poder impondo sua vontade absoluta tanto na elaboração quanto na aplicação das leis, apartado de qualquer processo democrático. O início do fim deste sistema de governo na Europa é marcado justamente pela Revolução Francesa que afastou do poder a monarquia absolutista. 28 pluvioso VIII não é o nome da Lei e, sim, a data em que ela foi publicada. Ao instituir a república, a França adotou o chamado “Calendário Republicano” tendo 1792 como ano I da República, neste calendário o ano era dividido em 12 meses de 30 dias cada um cujos nomes correspondiam aos fenômenos naturais na região tais como Brumário (mês das brumas – outubro/novembro), Frimário (mês do gelo – novembro/dezembro), Nivoso (mês da neve – (dezembro/ janeiro) e Pluvioso (mês das chuvas – janeiro/fevereiro). O calendário Gregorianos que conhecemos e adotamos até hoje foi restaurado na França em 1805 por Napoleão. Apoiados no princípio da separação dos poderes e motivados pela desconfiança que nutriam pelos juízes do regime monárquico os constituintes franceses exacerbaram a separação dos poderes no artigo 52 do 22 frimário, O Direito Administrativo como disciplina autônoma é uma criação relativamente recente, atribui-se seu “nascimento” à edição de uma Lei francesa, denominada 28 pluvioso do Ano VIII. 13 Ano VIII (constituição francesa de 13 de dezembro de 1799), criando um órgão, chamado Conselho de Estado, encarregado de decidir, com força de coisa julgada, as dificuldades que se apresentassem em matéria administrativa, instituindo assim a dualidade de jurisdição. Como as normas existentes até então estavam destinadas a disciplinar a relação entre particulares, entre os indivíduos, foi o conjunto de decisões do Conselho de Estado Francês que desenvolveu o chamado Direito Administrativo, consubstanciando princípios que expressavam um regime exorbitante do regime comum até então conhecido, pois não se tratava mais de contenda entre particulares, mas da relação do Poder Público com os administrados, agindo o primeiro, em nome do interesse de todos os administrados. A jurisprudência deste órgão estabeleceu princípios informativos do Direito Administrativo que estudamos até hoje, perfeitamente assimilados pelo nosso regime jurídico como o princípio da supremacia do interesse público e a insindicabilidade do mérito administrativo pelo poder judiciário. Para compreender melhor o papel das decisões exaradas pelo Conselho de Estado Francês no desenvolvimento do Direito Administrativo se faz necessário explicar um dos fundamentos de sua criação, qual seja, o princípio da separação de poderes. Não se trata de tema oriundo da Revolução Francesa de 1792, podemos notar já na obra de Platão “A República” a preocupação em subdividir as funções do Estado para que não se concentrasse nas mãos de apenas uma pessoa, desde então a partição do poder do Estado foi objeto de estudo de renomados pensadores dentre os quais destacamos Aristóteles, aproximadamente 330 anos antes de Cristo, em sua obra “A Política” vislumbrava as decisões do Estado por três órgãos diferentes que representariam os poderes Deliberativo, Judiciário e Executivo. Locke, no final do século XVII, no “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” considerou os poderes Legislativo, Executivo e Federativo sendo o poder Legislativo superior aos outros dois. Mas foi de fato Montesquieu que, em 1748 no “O Espírito das Leis”, inseriu o poder judiciário entre os poderes fundamentais do Estado desenhando o modelo tripartido que se expressa hoje em grande parte da estrutura dos governos democráticos ocidentais, inclusive na nossa Constituição em seu artigo 2º como se vê transcrito: Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (BRASIL, 1988). Foi o conjunto de decisões do Conselho de Estado Francês que desenvolveu o chamado Direito Administrativo, consubstanciando princípios que expressavam um regime exorbitante do regime comum até então conhecido. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 14 Fundamentos do Direito Administrativo O poder político é uno e indivisível, porém exercido harmonicamente por órgãos com funções distintas autônomas e independentes que constituem os chamados Poderes do Estado, sendo estes o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O que seria esta independência e harmonia dos poderes? Como bem explica Silva (2014, p. 112): A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; [...] A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funçõesentre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. Por que dizemos que o Conselho de Estado Francês seria um exagero desta independência dos poderes? Porque exclui da apreciação judicial as demandas de matéria administrativa, criando um órgão específico para decidir tais questões ampliando assim a independência do Executivo. Para complementar seus estudos, acesse o artigo: MAIOLINO, Zecchin. Unicidade e Dualidade de Jurisdição: o Contencioso Administrativo. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 33, janeiro/fevereiro/março de 2013. Disponível em: <http://www. direitodoestado.com/revista/REDE-33-JANEIRO-2013-EURICO- MAIOLINO.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2016. Sistema Administrativo é o regime adotado pelo Estado para o controle de atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público nas diversas esferas e em todos Poderes. São dois os cernes do sistema administrativo, o 15 de origem inglesa, chamado de sistema uno de jurisdição no qual compete ao judiciário decidir com caráter de definitividade e o de origem francesa no qual se verifica a dualidade de jurisdição, uma vez que compete ao conselho de estado as decisões das demandas de matéria administrativa e não ao judiciário. NOTAS SOBRE O SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO O Sistema Administrativo é o regime adotado pelo Estado para o controle de atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público nas diversas esferas e em todos Poderes. I. Sistema inglês ou de unicidade de jurisdição: é aquele em que todos litígios (administrativos ou exclusivamente privados) podem ser levados ao Poder Judiciário, único que dispõe de competência para dizer o direito aplicável aos casos litigiosos, de forma definitiva, com força chamada de coisa julgada. Esse sistema não implica na vedação à existência de solução de litígios em âmbito administrativo; o que se assegura é que qualquer litígio, de qualquer natureza, ainda que já tenha sido iniciado ou concluído na esfera administrativa, pode, sem restrições, ser levado à apreciação do Judiciário. Também não impede a realização do controle de legalidade dos atos administrativos pela própria Administração Pública que os tenha editado, bem como a anulação destes em caso de constatação de existência de vício. Essa competência, a rigor, não traduz uma faculdade, mas um verdadeiro dever da Administração (poder-dever de autotutela administrativa). II. Sistema francês, de dualidade de jurisdição ou sistema do contencioso administrativo: é aquele em que se veda o conhecimento pelo Poder Judiciário de atos de Administração Pública, ficando estes sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, formada por tribunais de índole administrativa. Há, portanto, uma dualidade de jurisdição: a jurisdição administrativa (tribunais de natureza administrativa, com plena jurisdição em matéria administrativa) e a jurisdição comum (órgãos do Poder Judiciário, com competência de resolver os demais litígios). III. Sistema brasileiro: o Brasil adotou o chamado sistema inglês (de jurisdição única ou de controle judicial), em que todos os litígios são resolvidos definitivamente pelo Poder Judiciário. O princípio da inafastabilidade como garantia individual, ostentando status Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 16 Fundamentos do Direito Administrativo de cláusula pétrea constitucional, encontra-se expresso no inciso XXXV do art. 5º da CF, no qual, por força desse dispositivo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isto não significa retirar da Administração Pública o poder de controlar os seus próprios atos; há órgãos de índole administrativa com competência específica, que decidem litígios da mesma natureza. A diferença é que as decisões dos órgãos administrativos não são dotadas da força e da definitividade próprias das decisões do Judiciário (não fazem coisa julgada em sentido próprio, ficando sujeitas à revisão do Poder Judiciário, sempre mediante provocação). Fonte: Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus. php?pagina=artigos&id=4084>. Acesso em: 28 mar. 2016. No Brasil o direito administrativo começa a se desenvolver apenas em 1851 com a criação da cátedra da matéria nas universidades de São Paulo e Recife e só tem a primeira obra publicada sobre o assunto em 1857 em Recife, intitulada Elementos de Direito Administrativo brasileiro comparado com o Direito francês, segundo o método de Pradier-Fodéré, de autoria do Doutor Vicente Pereira do Rego. Os fatos são estes, mas a interpretação dada aos referidos fatos não estaria um tanto romanceada? De uma hora para outra o antigo regime seria rompido e as práticas perpetradas por séculos inteiramente substituídas por um novo sistema de resolução de conflitos com a Administração, absolutamente despido dos vícios de autoridade tão incorporados ao sistema? Em resposta a tais questionamentos, Binenbojm (2006, p. 11) diz: A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de direito e do princípio da separação dos poderes na França pós-revolucionária caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações [...]. O Direito Administrativo não surgiu da submissão do Estado à vontade heterônoma do legislador. Antes, pelo contrário, a formulação de novos princípios gerais e novas regras jurídicas pelo Conseil d`État, que tornaram viáveis soluções diversas das que resultariam da aplicação mecanicista do direito civil aos casos envolvendo a Administração Pública, só foi possível em virtude da postura ativista e insubmissa daquele órgão administrativo à vontade do Parlamento. [...] O surgimento do direito administrativo, e de suas categorias jurídicas peculiares (supremacia do interesse público, A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de direito e do princípio da separação dos poderes na França pós-revolucionária caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações. No Brasil o direito administrativo começa a se desenvolver apenas em 1851 com a criação da cátedra da matéria nas universidades de São Paulo e Recife e só tem a primeira obra publicada sobre o assunto em 1857. 17 prerrogativas da Administração, discricionariedade, insindica- bilidade do mérito administrativo, dentre outras), representou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas administrativas do antigo Regime que a sua superação. A juridicização embrionária da Administração Pública não logrou subordiná-la ao direito; ao revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato retórico para sua perpetuação fora da esfera de controle dos cidadãos. Traduzido do Francês, Conseil d`État significa Conselho de Estado, trata-se de órgão criado na França em 1799 com competência para examinar julgamentos de conflitos de causas em que a administração é parte; auxiliar na redação de projetos de leis, nas ordenanças e decretos do próprio Conselho e na interpretação de textos administrativos. É a mais alta corte do sistema administrativo francês possuindo um duplo papel: em termos legais é a última instância competente para decidir os litígios relativos a atos de governo (Estado, município, província etc.) e em termos de elaboração de projetos de lei, portarias e determinados decretos, tem um papel consultivo para o Parlamento e o Governo emitindo pareceres. Neste cenário torna-se mais relevantea ideia de constitucionalização do direito administrativo como meio de submeter este regime exorbitante, arraigado na prepotência do poder do Estado, aos preceitos fundamentais. O Direito Administrativo é então alcançado pelo paradigma constitucional, uma nova leitura de seus preceitos será feita, agora com a lente da constituição. É o fenômeno da constitucionalização abarcando o Direito Administrativo. Direito Administrativo, sua Constitucionalização e Condicionamento Pelos Direitos Fundamentais Neste cenário torna- -se mais relevante a ideia de constitucio- nalização do direito administrativo como meio de submeter este regime exor- bitante, arraigado na prepotência do poder do Estado, aos preceitos funda- mentais. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 18 Fundamentos do Direito Administrativo Como ensina Di Pietro (2012, p. 4) “o desenvolvimento do direito adminis- trativo nunca se afastou do direito constitucional [...]. É na constituição que se encontram os fundamentos de seus principais institutos”. Podemos falar em constitucionalização do direito administrativo sob dois aspectos, em primeiro temos a ideia de continência, acima citada, nesta concepção a constitucionalização constitui-se no fato dos principais institutos de direito administrativo estarem disciplinados na Carta Magna. Nesse sentido a constitucionalização do direito administrativo não é uma inovação, a Carta de 1934 já trazia regras sobre vários temas, como as contidas nos artigos 113, 17 (desapropriação), 113, 33 (mandado de segurança), 168 à 173 (servidores públicos), 171 (responsabilidade civil do estado), o que foi significativamente ampliado na CRFB/88 com um capítulo inteiramente dedicado à Administração Pública. O segundo aspecto, este sim recente e inovador é a constitucionalização de valores e princípios que passam a submeter a atuação do Estado seja na função administrativa, legislativa ou jurisdicional, na explicação de Schmidt (2003, p. 51) “as decisões constitucionais fundamentais são, a um só tempo, os valores básicos do Direito Administrativo”. Nas palavras de Di Pietro (2012), ao considerar o movimento de constitucionalização do direito administrativo no contexto internacional desde a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949: O direito brasileiro, evidentemente, seguiu a mesma evolução, chegando à fase atual, caracterizada pela valorização dos direitos fundamentais e pela atribuição, aos princípios e valores previstos na Constituição, de papel de orientador das três funções do Estado (DI PIETRO, 2012, p. 7). Neste sentido Barroso (2012, p. 32, grifos nossos) explica: A idéia de constitucionalização do direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e O segundo aspecto, este sim recente e inovador é a constitucionalização de valores e princípios que passam a submeter a atuação do Estado seja na função administrativa, legislativa ou jurisdicional. notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares. Veja-se como este processo, combinado com outras noções tradicionais, interfere com as esferas anteriormente referidas. Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais. Nas palavras de Binembojm (2006, p. 69): A passagem da Constituição para o centro do ordenamento jurídico representa a grande força motriz da mudança de paradigmas do direito administrativo na atualidade. A supremacia da Lei Maior propicia a impregnação da atividade administrativa pelos princípios e regras naquela previstos, ensejando uma releitura dos institutos e estruturas da disciplina pela ótica constitucional. DIREITO ADMINISTRATIVO Na quadra presente, três conjuntos de circunstâncias devem ser considerados no âmbito da constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: a) a existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública; b) a sequência de transformações sofridas pelo Estado brasileiro nos últimos anos; c) a influência dos princípios constitucionais sobre as categorias do direito administrativo. Todas elas se somam para a configuração do modelo atual, no qual diversos paradigmas estão sendo repensados ou superados. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 19 20 Fundamentos do Direito Administrativo [...] A Constituição brasileira de 1988 discorre amplamente sobre a Administração Pública, com censurável grau de detalhamento e contendo um verdadeiro estatuto dos servidores públicos. Nada obstante, contém algumas virtudes, como a dissociação da função administrativa da atividade de governo e a enunciação expressa de princípios setoriais do Direito Administrativo [...]. A Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, acrescentou ao elenco o princípio da eficiência. A propósito, a tensão entre a eficiência, de um lado, e a legitimidade democrática, de outro, é uma das marcas da Administração Pública na atualidade. De parte isso, deve-se assinalar que o perfil constitucional do Estado brasileiro, nos domínios administrativo e econômico, foi alterado por um conjunto amplo de reformas econômicas, levadas a efeito por emendas e por legislação infraconstitucional, e que podem ser agrupadas em três categorias: a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização de monopólios estatais e a desestatização. Tais transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação do Poder Público, tanto no que diz respeito à prestação de serviços públicos como à exploração de atividades econômicas. A diminuição expressiva da atuação empreendedora do Estado transferiu sua responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime especial. Foi nesse contexto que surgiram as agências reguladoras, via institucional pela qual se consumou a mutação do papel do Estado em relação à ordem econômica. Por fim, mais decisivo do que tudo para a constitucionalização do Direito Administrativo foi a incidência no seu domínio dos princípios constitucionais — não apenas os específicos, mas sobretudo os de caráter geral, que se irradiam por todo o sistema jurídico. Também aqui, a partir da centralidade da dignidade humana e da preservação dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das relações entre Administração e administrado, com a superação ou reformulação de paradigmastradicionais. Fonte: Barroso (2006, p. 58). Nestes termos a constitucionalização do Direito Administrativo condiciona o exercício da atividade administrativa aos direitos fundamentais, é como se toda função administrativa do Estado fosse filtrada pela Constituição, passando a ser contrária a legalidade qualquer atuação incompatível com os princípios, 21 direitos e garantias fundamentais. Estando a Constituição no centro do ordenamento jurídico, toda interpretação jurídica passa a ser também interpretação constitucional. Nenhuma peça do ordenamento pode colidir com princípios e valores constitucionais, estando todo e qualquer intérprete de todo ramo do Direito submetido a esta “filtragem constitucional” da qual não se poderá afastar também o Direito Administrativo. Sobre o tema “filtragem constitucional” recomenda-se para consulta a obra: SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1999. Na visão de Barroso (2006, p. 49) a toda interpretação aplicar-se-á a Constituição seja direta ou indiretamente: a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional. Por exemplo: o pedido de reconhecimento de uma imunidade tributária (CF, art. 150, VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilícito (CF, art. 5º, LVI); b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: Nenhuma peça do ordenamento pode colidir com princípios e valores constitucionais. Nestes termos a constitucionali- zação do Direito Administrativo condiciona o exer- cício da atividade administrativa aos direitos fundamen- tais, é como se toda função admi- nistrativa do Estado fosse filtrada pela Constituição, pas- sando a ser con- trária a legalidade qualquer atuação incompatível com os princípios, direitos e garantias fundamentais. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 22 Fundamentos do Direito Administrativo (i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque se não for, não deverá fazê-la incidir. Esta operação está sempre presente no raciocínio do operador do Direito, ainda que não seja por ele explicitada; (ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais. A constitucionalização opera de forma prática sobre a atividade administrativa? Sim, inegavelmente o agente público está irremediavelmente submetido à Constituição, a tradicional expressão “o administrador só pode fazer o que a lei permite” foi substituída pela ideia de que ao administrador só cabe agir em acordo com as diretrizes constitucionais, ou seja, deve trabalhar para realizar a vontade constitucionalmente estabelecida. Claro que está submetido à lei, mas esta interpretada sob a luz constitucional. Qual a consequência desta nova perspectiva constitucional para controle dos atos administrativos? É fácil identificar que o controle judicial dos atos administrativos se amplia consideravelmente na medida em que o conceito de legalidade é ampliado. Além da legalidade estrita é legítimo ao judiciário apreciar se determinada conduta, ainda que prevista em lei, foi operada em conformidade com os princípios e valores expressos ou implícitos na Constituição. Não estamos aqui legitimando o controle judicial do mérito administrativo, isso seria ofender o princípio da separação e harmonia dos poderes anteriormente estudados, e sim, compreendendo que a legalidade transborda a letra fria da lei. Uma conduta pode estar objetivamente descrita em lei e ser empregada para atender a fins pessoais absolutamente dissociados do interesse público. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 635) o denominado mérito administrativo pode ser explicado nas seguintes palavras: Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada. O controle judicial dos atos administrativos se amplia consideravelmente na medida em que o conceito de legalidade é ampliado. O agente público deve trabalhar para realizar a vontade constitucionalmente estabelecida. Em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada. Uma conduta pode estar objetivamente descrita em lei e ser empregada para atender a fins pessoais absolutamente dissociados do interesse público. 23 No entendimento de Seabra Fagundes (1951, p. 3-5): O mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo, concernente ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos. Ao ângulo do merecimento, não se diz se o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não o que devia ser, que é bom ou mau, que é pior ou melhor do que outro. E por isso é que os administrativistas o conceituam, uniformemente, como o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência, à oportunidade, à utilidade intrínseca do ato, à sua justiça, à fidelidade aos princípios de boa gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos, inspiradores da atividade estatal. De que forma a constitucionalização opera sobre os clássicos pilares do direito administrativo, em especial o princípio da supremacia do interesse público? De fato, é outro aspecto que precisa ser mencionado em relação à consequência prática da constitucionalização do direito administrativo. Conceitos típicos do regime jurídico de direito público considerados absolutos e irremediáveis são reinterpretados sob a ótica constitucional. Barroso (2006, p. 59) destaca, dentre os paradigmas do direito administrativo superados ou reformulados pela constitucionalização: a) a redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado. [...] b) a vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei ordinária. Supera-se, aqui, a idéia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade, compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem. c) a possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo. O conhecimento convencional em matéria de controle jurisdicional do ato administrativo limitava a cognição dos juízes e tribunais aos aspectos da legalidade do ato (competência, forma e finalidade) e não do seu mérito (motivo e objeto), aí Conceitos típicos do regime jurídico de direito público considerados absolutos e irremediáveis são reinterpretados sob a ótica constitucional. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 24 Fundamentos do Direito Administrativo incluídas a conveniência e oportunidade de sua prática. Já não se passa mais assim. Não apenas os princípios constitucionais gerais já mencionados, mas também os específicos, como moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade- proporcionalidade permitem o controle da discricionariedade administrativa (observando-se, naturalmente, a contenção e a prudência, para que não se substitua a discricionariedade do administrador pela dojuiz). Para compreender este redimensionamento é necessário ter uma visão do que seja o chamado regime jurídico de direito público bem como distinguir as noções de interesse público primário e secundário. Atividade de Estudos: 1) Sabedor de que os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional no qual inclui-se o direito administrativo, a Administração Pública passa a ter discricionariedade limitada por estes princípios e regras que passam a impor a ela deveres de atuação e a fundamentar a validade dos atos por ela praticados independentemente de normas infraconstitucionais. Assim, a vedação à prática do nepotismo, consagrado na Súmula Vinculante n° 13, decorrendo da própria Constituição Federal, que, ao impor a observância dos princípios insculpidos no art. 37, caput, especialmente do princípio da moralidade, proíbe a nomeação de parentes para o exercício de cargos em comissão e funções em confiança para ser aplicável no âmbito do Poder Executivo exigiria a edição de lei formal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 25 Regime Jurídico de Direito Público Na concepção de Bastos (2001, p. 26) o direito em si seria “o conjunto de normas e princípios que regem a atividade do Estado, a relação deste com os particulares, assim como o atuar recíproco dos cidadãos, e de que o direito administrativo é um dos ramos do direito público interno [...]” nesta lógica o regime de direito privado seria destinado à disciplinar o atuar recíproco entre os cidadãos e o direito público as atividades do Estado e a relação deste com os particulares. A doutrina, classicamente divide, por assim dizer, o Direito em dois grandes ramos, a saber, o público e o privado, mas tal separação é simples e efetivamente para fins didáticos, pois o Direito é uno. Simplificando podemos falar em regime de direito público quando tratar-se da atuação do Estado ou da sua relação com os particulares, mas sempre agindo na qualidade de Estado. Destacamos os conceitos de Di Pietro (2006, p. 61): A expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico- administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições. Para Justen Filho (2008, p. 48): O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins. E ainda a conceituação de Mello (2015, p. 55): O regime de direito público resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade. Juridicamente esta caracterização consiste, no Direito Administrativo, segundo nosso modo de ver, na atribuição de uma disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente se delineia Simplificando podemos falar em regime de direito público quando tratar-se da atuação do Estado ou da sua relação com os particulares, mas sempre agindo na qualidade de Estado. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 26 Fundamentos do Direito Administrativo em função da consagração de dois princípios: a) supremacia do interesse público sobre o privado; b) indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos. Dos conceitos acima transcritos podemos concluir que a atuação da Administração Pública, agindo nesta qualidade, atrai prerrogativas, características que colocam a Administração em situação privilegiada, porém com a mesma força se impõe o condicionamento do uso destas prerrogativas à satisfação dos fins e obediência aos princípios que limitam a atuação. Afinal, se não obedecidos os princípios constitucionais ou desviada da finalidade pública a atuação é irregular e os atos passíveis de anulação. Podemos exemplificar prerrogativas características do regime jurídico de direito público? Sim, os atos praticados pela Administração gozam de presunção de legitimidade, legalidade e veracidade, assim, ao particular que for prejudicado por um ato da Administração é que caberá o dever de provar que tal ato contraria a lei ou que não são verdadeiros os fatos que o justificam. Em consequência desta prerrogativa o ato da Administração produzirá seus efeitos normalmente até que seja declarada a nulidade. Outra prerrogativa característica da Administração é a possibilidade de alterar unilateralmente os contratos administrativos nos limites permitidos pela lei (Lei 8666/93 Artigos 58, I e 65). Outro exemplo significativo é o Poder de Polícia, poder-dever que tem a Administração de limitar, condicionar e restringir bens, direitos e liberdades individuais em atenção ao interesse público, o qual é dividido em primário e secundário. Interesse Público Primário e Secundário Depreende-se do ponto anterior que a delimitação do significado de “interesse público” é primordial para a compreensão do regime jurídico administrativo, afinal sua realização é o objetivo da atuação da Administração e o que justifica as prerrogativas que a Lei à ela atribui. O interesse público é o interesse de todos, não a soma de interesses individuais próprios de cada indivíduo e, sim, o interesse do conjunto social. Não podemos compreender o interesse público como inteiramente oposto ao interesse de cada um, afinal se o todo é formado por indivíduos, o interesse deste todo não pode ser completamente divergente do interesse de cada um. Exemplificando esta colocação podemos citar a desapropriação do imóvel de um indivíduo para a construção de uma via expressa que fará a ligação entre duas zonas da cidade, é A atuação da Administração Pública, agindo nesta qualidade, atrai prerrogativas, características que colocam a Administração em situação privilegiada, porém com a mesma força se impõe o condicionamento do uso destas prerrogativas à satisfação dos fins e obediência aos princípios que limitam a atuação. Em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada. 27 obvio que o direito de propriedade do indivíduo foi superado pelo interesse público, mas não se pode dizer que aquele indivíduo não será atendido pela efetivação da obra pública. Nas palavras de Mello (2015, p. 60): O interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade (entificada juridicamente no Estado). O interesse público é então o interesse do todo social e esta sociedade é entificada pelo Estado. Essa afirmativa pode levar à uma conclusão equivocada, de que todo interesse do Estado é um interesse público. Entificada é o mesmo que personificada. Para não cair nesta redundância é que se faz necessário distinguiro interesse público primário e o secundário. Segundo Barroso (2004, p. 59-60) é possível distinguir interesse público primário e secundário da seguinte forma: Em relação a este tema, deve-se fazer, em primeiro lugar, a distinção necessária entre interesse público (i) primário — isto é, o interesse da sociedade, sintetizado em valores como justiça, segurança e bem-estar social — e (ii) secundário, que é o interesse da pessoa jurídica de direito público (União, Estados e Municípios), identificando-se com o interesse da Fazenda Pública, isto é, do erário. Pois bem: o interesse público secundário jamais desfrutará de uma supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto. Não há dúvida que o Estado é pessoa jurídica e como tal possui interesses que são próprios, individuais, estes não se confundem com o interesse público propriamente dito. O interesse individual do Estado como pessoa jurídica é o que chamamos de interesse público secundário e o interesse público primário é o que se atribui ao todo social. Interesse público (i) primário — isto é, o interesse da sociedade, sintetizado em valores como justiça, segurança e bem-estar social. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno O interesse individual do Estado como pessoa jurídica é o que chamamos de interesse público secundário. 28 Fundamentos do Direito Administrativo Torres e Baltar Neto (2012, p. 45) conceituam: A posição de supremacia entre o Poder Público e o administrado é vista sobre novo prisma. A doutrina moderna diferencia o interesse público primário, representado pelo interesse da sociedade, materializada pela proteção ao ambiente democrático e aos direitos fundamentais, do interesse público secundário, representado pelo interesse da máquina administrativa, enquanto pessoa ou órgão. Se o interesse público primário ainda resguarda primazia, em relação aos interesses individuais, é também verdade que hoje, colisões entre o interesse do particular e o interesse público secundário (interesse da máquina administrativa, enquanto pessoa detentora de direitos e deveres), são solucionadas de acordo com os princípios, as normas e os elementos fáticos concretos, por vezes privilegiando o indivíduo, em detrimento da Administração. Tal distinção traz a necessária conclusão de que o interesse público secundário só é legítimo quando compatível com o interesse público primário. BATISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. Revista de Direito Administrativo, 239:1, 2005. Como poderíamos determinar o que é interesse público primário? Quem delimita esse universo é a Constituição e a partir dela, as leis. Realizar concretamente os preceitos constitucionais é realizar o interesse público primário. Exemplificando: em decorrência de uma obra pública determinado indivíduo teve considerável prejuízo material, o Estado, defendendo seu patrimônio, pretende pagar a menor indenização possível. É obvio que tal conduta do Estado se divorcia do interesse público primário (o Estado deve se responsabilizar pelos danos que causar a terceiros, CRFB/88 artigo 37, §6º.) em benefício do interesse público secundário (proteção do patrimônio do ente federativo) que neste caso não pode ser considerado legítimo. O objetivo da administração é a realização concreta do interesse público primário constitucionalmente estabelecido, podemos afirmar que a atividade administrativa, portanto seria a realização concreta dos direitos fundamentais, o que é denominado de personalização do Direito Administrativo. A Personalização do Direito Administrativo A personalização do Direito Administrativo é um fenômeno decorrente diretamente da Constitucionalização, e do Estado Democrático de Direito que consiste na efetivação de medidas para realização concreta dos direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos, bem como efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo Justen Filho (2008, p. 47): A personalização do direito administrativo propicia reconhecer que a administração pública não é um valor em si mesma. Também aqui a diretriz primeira é a democracia e o respeito aos direitos fundamentais. A atividade administrativa do Estado tem de nortear-se pela realização desses valores, inclusive (e especialmente) quando se trata de interesses de minorias. Não se admite que os titulares do poder político legitimem suas decisões invocando meramente a “conveniência” do interesse público e produzindo, concretamente, o sacrifício do valor fundamental (direitos fundamentais das minorias, por exemplo). O núcleo do direito administrativo não é o poder (e suas conveniências), mas a realização dos direitos fundamentais. Qualquer invocação genérica ao “interesse público” deve ser repudiada como incompatível com o Estado Democrático de Direito. O interesse público é indisponível à administração que deve agir para efetivá- lo, como bem diz Medauar (2010, p. 134): Segundo tal princípio, é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do interesse público, em virtude de qualquer outro motivo. Por exemplo: desatende ao princípio a autoridade que deixar de apurar a responsabilidade por irregularidade de que tem ciência; desatente ao princípio a autoridade que deixar de cobrar débitos com a Fazenda Pública. A efetivação de medidas concretas para realização dos direitos fundamentais é Realizar concretamente os preceitos constitucionais é realizar o interesse público primário. 29 Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 30 Fundamentos do Direito Administrativo uma obrigação da Administração, assim sua inércia diante da necessidade também é inadmissível, seria abuso de poder por omissão. Atividade de Estudos: 1) Considerando a personalização do direito administrativo como a realização concreta dos direitos fundamentais, consequência do fenômeno da constitucionalização, e os direitos fundamentais como caracterizadores do interesse público primário. Que serviços públicos você identifica como atividades administrativas voltadas à realização concreta de direitos fundamentais descritos no artigo 5º. da Constituição Federal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações O direito administrativo nasce junto com a noção de Estado de Direito, se o Estado está submetido à lei, sua atuação prática também precisa estar. O direito administrativo então se desenvolve a partir desta máxima e se consagra como disciplina autônoma com um conjunto harmônico de princípios e normas, estabelecido sobre pilares como a supremacia do interesse público,legalidade estrita e impossibilidade de revisão judicial do mérito administrativo. O fenômeno da constitucionalização alcança o direito administrativo A efetivação de medidas concretas para realização dos direitos fundamentais é uma obrigação da Administração. 31 mergulhando-o na perspectiva constitucional o que supera ou recondiciona os paradigmas até então absolutos, condicionando o exercício da atividade administrativa aos direitos fundamentais. Os princípios que informam a atividade administrativa estão, portanto, expressos e implícitos na Constituição como será visto no próximo capítulo. Referências BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista da Escola Nacional de Magistratura (ENM). Brasília Ano 1 – nº 2, p. 26-72, out. 2006. _______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I. n. 6, 2004. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2016. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo: reflexos sob o princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. Atualidades Jurídicas – Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 83-106, jan./jun. 2012. JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Editora Saraiva. São Paulo, 2008. p. 48. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 134. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. Editora Malheiros. São Paulo, 2015, p. 55; p 635. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1968, v. I, p. 61. Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno 32 Fundamentos do Direito Administrativo SEABRA FAGUNDES, Miguel. Conceito de mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 23, janeiro/março, Rio de Janeiro, 1951. p. 3-5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 112. SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard: La teoría general del Derecho Administrativo como sistema, Marcial Pons/Instituto Nacional de Administración Pública, Madrid, 2003, p.51. TORRES, Ronny Charles Lopes de; BALTAR NETO, Fernando Baltar. Direito Administrativo. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 45. CAPÍTULO 2 Princípios que Informam a Administração Pública A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Conhecer as proposições setoriais que se colocam na raiz dos institutos administrativos, legitimando-os. � Compreender a aplicação prática destes fundamentos. 34 Fundamentos do Direito Administrativo 35 Princípios que informam a Administração Pública Capítulo 2 Contextualização Princípios são normas que servem de interpretação das regras jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos aplicadores da lei. Os princípios têm como função eliminar as lacunas, oferecendo coerência e harmonia para o ordenamento jurídico. São muitos os critérios para definir um princípio, para fins didáticos tratamos dos princípios constitucionais da Administração Pública expressos na Constituição de 1988. Considerando o que foi estudado no capítulo 1, analisamos os conceitos de legitimidade e a possibilidade de estabilizar um ato ilegal ou inconstitucional ponderando com a proteção à confiança legítima. Introdução ao Estudo dos Princípios Em âmbito científico o significado de princípio está associado aos fins de cada ramo da ciência. São os princípios que conferem solidez, direção, disciplina e clareza de objetivos para estas ciências. Na ciência jurídica os princípios têm a mesma função, Figueiredo (2001, p. 38) define princípios como: “[...] normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito, em sentido material deve respeito”. No dizer de Carrazza (1997, p. 31): Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. Para Lucon (1999, p. 92): [...] nas ciências jurídicas, os princípios tem a grande responsabilidade de organizar o sistema e atuar como elo de ligação de todo o conhecimento jurídico com finalidade de atingir resultados eleitos; por isso, são também normas jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente superior as ‘normas comuns’. São os princípios que conferem solidez, direção, disciplina e clareza de objetivos para estas ciências. 36 Fundamentos do Direito Administrativo No conceito de Harger (2001, p. 16) princípios são: [...] normas positivadas ou implícitas no ordenamento jurídico, com um grau de generalidade e abstração elevado e que, em virtude disso, não possuem hipóteses de aplicação pré- determinadas, embora exerçam um papel de preponderância em relação às demais regras, que não podem contrariá- los, por serem as vigas mestras do ordenamento jurídico e representarem os valores positivados fundamentais da sociedade. Segundo Lopes (1999, p. 55) princípio seria o: [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico. Contudo, não foi sempre que os princípios ocuparam lugar de destaque no Direito, apenas com a superação do jusnaturalismo e do positivismo os princípios foram levados ao centro do Direito, incorporados de forma implícita ou expressa aos textos constitucionais, reconhecidos como norma e valorizados. Surge, então, uma nova interpretação constitucional, cabendo ao intérprete a aplicação dos princípios mediante ponderação entre os fatos e as normas buscando solução justa para o caso concreto como você verá explicado a seguir: II. PÓS- POSITIVISMO E A ASCENSÃO DOS PRINCÍPIOS O jusnaturalismo moderno, que começou a formar-se a partir do século XVI, dominou por largo período a filosofia do Direito. A crença no direito natural – isto é, na existência de valores e de pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma emanada do Estado – foi um dos trunfos ideológicos da burguesia e o combustível das revoluções liberais. Ao longo do século XIX, com o advento do Estado liberal, a consolidação dos ideais constitucionais em textos escritos e o êxito do movimento de codificação, o jusnaturalismo chega ao seu apogeu e, paradoxalmente, tem início a sua superação histórica. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural é empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do final século XIX1. Apenas com a superação do jusnaturalismo e do positivismo os princípios foram levados ao centro do Direito. 37 O positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico. Sua importaçãopara o Direito resultou no positivismo jurídico, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça2. Sem embargo da resistência filosófica de outros movimentos influentes nas primeiras décadas do século XX3, a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido4. A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais5, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética. Gradativamente, diversas formulações antes dispersas ganham unidade e consistência, ao mesmo tempo em que se desenvolve o esforço teórico que procura transformar o avanço filosófico em instrumental técnico-jurídico aplicável aos problemas concretos. O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos O pós-positivismo é a designação provisória e gené- rica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais Princípios que informam a Administração Pública Capítulo 2 38 Fundamentos do Direito Administrativo fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se deve agregar o da transformação social e o da emancipação – deve ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira da reflexão filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre a realidade. 1 Bobbio, Matteucci e Pasquino, Dicionário de política, 1986, p. 659; Ana Paula de Barcellos, As relações da filosofia do direito com a experiência jurídica. Uma visão dos séculos XVIII, XIX e XX. Algumas questões atuais, Revista Forense 351/10; e Viviane Nunes Araújo Lima, A saga do zangão: uma visão sobre o direito natural, 2000, p. 181. 2 V. Norberto Bobbio, O positivismo jurídico, 1995, p. 223-4, e também Michael Löwy, Ideologias e ciência social – elementos para uma análise marxista, 1996, p. 40: “O positivismo, que se apresenta como ciência livre de juízos de valor, neutra, rigorosamente científica, (...) acaba tendo uma função política e ideológica”. 3 Como por exemplo, a jurisprudência dos interesses, iniciada por Ihering, e o movimento pelo direito livre, no qual se destacou Ehrlich. 4 Carlos Santiago Nino, Etica y derechos humanos, 1989, p. 3 e ss.; e Ricardo Lobo Torres, Os direitos humanos e a tributação – imunidades e isonomia, 1995, p. 6 e ss.. 5 Sobre o tema, vejam-se: Antônio Augusto Cançado Trindade, A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, 1991; Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998; Flávia Piovesan, Temas de direitos humanos, 1998; Ricardo Lobo Torres (org.), Teoria dos direitos fundamentais, 1999; Willis Santiago Guerra Filho, Processo constitucional e direitos fundamentais, 1999; e Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, 2000. Fonte: Barroso e Barcellos (2010, p. 8-10). 39 É certo que o Direito se compõe de normas jurídicas, ou como bem coloca Kelsen (1998, p.11): [...] na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou - por outras palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas. Normas são mandamentos, ordens que emanam do Estado e dirigem-se aos indivíduos seja de maneira positiva, para que façam, ou negativa, para que deixem de fazer alguma coisa. Reale (1974, p. 108), ao referir-se aos tipos de normas coloca que: [...] reconhecer que as normas jurídicas, sejam elas enunciativas de formas de ação ou comportamento, ou de formas de organização e garantia das ações ou comportamentos, não são modelos estáticos e isolados, mas sim modelos dinâmicos que se implicam e se correlacionam, dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes e outras subordinadas, umas primárias e outras secundárias, umas principais e outras subsidiárias ou complementares, segundo ângulos e perspectivas que se refletem nas diferenças de qualificação verbal. Assim, o Direito é composto por normas e as normas podem ser divididas em duas categorias, as regras e os princípios. Conforme você verá a seguir: PRINCÍPIOS E REGRAS Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Antes de uma elaboração mais sofisticada da teoria dos princípios, a distinção entre eles fundava-se, sobretudo, no critério da generalidade. Assim, o Direito é composto por normas e as normas podem ser divididas em duas categorias, as regras e os princípios. Princípios que informam a Administração Pública Capítulo 2 40 Fundamentos do Direito Administrativo Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas dentro do ordenamento. Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituiçãopassa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria. Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato. Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. 41 Pois bem: ultrapassada a fase de um certo deslumbramento com a redescoberta dos princípios como elementos normativos, o pensamento jurídico tem se dedicado à elaboração teórica das dificuldades que sua interpretação e aplicação oferecem, tanto na determinação de seu conteúdo quanto no de sua eficácia. A ênfase que se tem dado à teoria dos princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e de apresentar problemas ainda irresolvidos. O modelo tradicional, como já mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras. É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto. É de proveito aprofundar o tema da distinção entre princípios e regras, especialmente no que diz respeito às potencialidades que oferecem para a atuação do intérprete constitucional. Sem embargo da multiplicidade de concepções na matéria, há pelo menos um consenso sobre o qual trabalha a doutrina em geral: princípios e regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica e integram, sem hierarquia, o sistema referencial do intérprete. Dos múltiplos critérios distintivos possíveis, três deles são aqui destacados: (i) o conteúdo; (ii) a estrutura normativa; (iii) as particularidades da aplicação. Quanto ao conteúdo, destacam-se os princípios como normas que identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados. Trazem em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão política. Isonomia, moralidade, eficiência são valores. Justiça social, desenvolvimento nacional, redução das desigualdades regionais são fins públicos. Já as regras limitam-se a traçar uma conduta. A questão relativa a valores ou a fins públicos não vem explicitada na norma porque já foi decidida pelo legislador, e não transferida ao intérprete. Daí ser possível afirmar-se que regras são descritivas de conduta, ao passo que princípios são valorativos ou finalísticos. Com relação à estrutura normativa, tem-se que o relato de uma regra específica os atos a serem praticados para seu cumprimento adequado. Embora a atividade do intérprete jamais possa ser qualificada como mecânica – pois a ele cabe dar o toque de humanidade que liga o texto à vida real –, a aplicação de uma regra normalmente não envolverá um processo de racionalização mais sofisticado. Se ocorre o fato previsto em abstrato, produz-se o efeito concreto prescrito. Já os princípios indicam fins, estados Princípios que informam a Administração Pública Capítulo 2 42 Fundamentos do Direito Administrativo ideais a serem alcançados. Como a norma não detalha a conduta a ser seguida para sua realização, a atividade do intérprete será mais complexa, pois a ele caberá definir a ação a tomar. Pode ocorrer ainda, em relação aos princípios, uma dificuldade adicional: o fim a ser atingido ou o estado ideal a ser transformado em realidade pode não ser objetivamente determinado, envolvendo uma integração subjetiva por parte do intérprete. Um princípio tem um sentido e alcance mínimos, um núcleo essencial, no qual se equiparam às regras. A partir de determinado ponto, no entanto, ingressa-se em um espaço de indeterminação, no qual a demarcação de seu conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete. Um exemplo é fornecido pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Além de não explicitar os comportamentos necessários para realizar a dignidade humana – esta, portanto, é a primeira dificuldade: descobrir os comportamentos – poderá haver controvérsia sobre o que significa a própria dignidade a partir de um determinado conteúdo essencial, conforme o ponto de observação do intérprete. Quanto ao modo ou particularidades de sua aplicação, a doutrina que se desenvolveu sobre as premissas teóricas de Dworkin e Alexy traça a distinção entre princípios e regras na forma já registrada acima e que se reproduz sumariamente, para fins de encadeamento do raciocínio. Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada (“all or nothing”). Se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção. Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve- se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e a sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação. É certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação do esquema tudo ou nada aos princípios como a possibilidade de também as regras serem ponderadas. Isso porque, como visto, determinados princípios – como o princípio da dignidade da pessoa humana e outros – apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra, aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em
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