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Nicho do Desenvolvimento

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Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 315-324, maio/ago. 2007 
 
UM ESTUDO DO NICHO DE DESENVOLVIMENTO DE UM GRUPO DE 
CRIANÇAS EM UMA COMUNIDADE RURAL 
Sanya Franco Ruela* 
Maria Lucia Seidl de Moura# 
RESUMO. Este trabalho adota uma perspectiva de desenvolvimento situado no contexto, empregando a noção de nicho de 
desenvolvimento, definido a partir de três subsistemas: ambiente físico e social, práticas de cuidado e psicologia dos 
cuidadores. Seu objetivo foi investigar as idéias e práticas de um grupo de mães e o ambiente físico e social que elas propiciam 
a seus filhos, em uma comunidade rural do Estado do Rio de Janeiro. Seis mães foram observadas com seus bebês em suas 
casas, e preencheram um inventário específico. A idade das mães variou de 19 a 32 anos e seu nível educacional de 
fundamental a médio. Os bebês tinham entre 1 e 21 meses. Em geral, os resultados sugerem, como previsto pelo modelo, uma 
interação entre os componentes do nicho. Explicitam, também, concepções de maternidade e desenvolvimento reveladas pelos 
membros dessa comunidade, e permitem considerações sobre o nicho de desenvolvimento das crianças estudadas. 
Palavras-chave: nicho de desenvolvimento, ambiente rural, desenvolvimento infantil. 
A STUDY OF DEVELOPMENTAL NICHE OF A GROUP OF CHILDREN 
IN A RURAL COMMUNITY 
ABSTRACT. This study adopts a perspective of development as contextually situated, employing the notion of developmental 
niche that is composed of three sub-systems: social and physical environment, care practices, and the psychology of the 
caregivers. The aim of the study was to investigate the ideas and practices of the mothers, and the physical and social 
environment they offer to their children in a rural community of the State of Rio de Janeiro. Six mothers were observed at 
home with their children and filled a specific inventory. Mothers age varied from 19 to 32 years, and their educational level 
ranged from elementary to high school. Babies had from 1 month to 21 months. In general, the results suggest, as predicted by 
the model, an interaction between those components. They also indicate conceptions of maternity and development shared by 
members of this community, and allow considerations about the developmental niche of the children studied. 
Key words: Developmental niche, rural environment, infant development. 
UN ESTUDIO DEL LUGAR DEL DESARROLLO DE NIÑOS EN 
UNA COMUNIDAD RURAL 
RESUMEN. Este trabajo adopta una perspectiva del desarrollo situado en el contexto, empleando la noción del lugar de 
desarrollo que se compone a partir de tres subsistemas: ambiente social y físico, prácticas de cuidado, y la psicología de los 
cuidadores. El objetivo fue el de investigar las ideas y las prácticas de un grupo de madres, y el ambiente físico y social que 
ofrecen a sus niños en una comunidad rural del estado de Río de Janeiro. Seis madres fueron observadas con sus bebés en sus 
casas y llenaron un inventario específico. La edad de las madres variaba de 19 a 32 años, y su nivel educacional de la primaria 
a la secundaria. Los bebés tenían entre 1 y 21 meses. Por lo general los resultados sugieren, según lo previsto por el modelo, 
una interacción entre esos componentes. También indican conceptos de maternidad y desarrollo revelados por los miembros de 
esa comunidad y permiten consideraciones sobre el lugar de desarrollo de los niños estudiados. 
Palabras-clave: lugar de desarrollo, ambiente rural, desarrollo infantil. 
 
* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
#
 Pós-doutora. Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
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O interesse por compreender o desenvolvimento 
humano como um fenômeno que ocorre em um contexto 
que é, ao mesmo tempo, físico, social, histórico e 
cultural tem proporcionado intensos debates e 
relevantes produções empíricas e teóricas sobre o 
assunto (Cole, 1998; Harkness & Super, 1996; Keller 
& cols., 2004; Rabinovich, 1998; Valsiner, 1997). 
Com isso, tem-se observado na psicologia do 
desenvolvimento uma tendência a adotar uma 
perspectiva sociocultural (Rogoff & Chavajay, 1995). 
De maneira geral, segundo os princípios da 
abordagem sociocultural, o desenvolvimento humano 
dá-se através de trocas interacionais com parceiros, 
mediadas por instrumentos, em um contexto ao mesmo 
tempo social, histórico e cultural (Rogoff & Chavajay, 
1995). As crianças vivem desde antes do nascimento 
em ambientes culturalmente organizados, e são 
recebidas pelos adultos com crenças, expectativas 
representações e atividades mediadas pelos 
instrumentos desta cultura. Os bebês, ao nascer, como 
diz Cole (1998), são objetos da interpretação 
culturalmente condicionada dos adultos. Eles vêm 
“banhados nos conceitos da cultura sobre bebês, da 
mesma forma que vêm banhados no líquido amniótico” 
(p. 184). 
Assim, levando em conta a importância do 
contexto para compreensão do desenvolvimento, 
estudos têm sido feitos em diferentes culturas (p. ex. 
Quênia X E.U.A.; Harkness & Super, 1992) e em 
diferentes grupos culturais (p. ex. sociedades 
tradicionais X industriais, em Small, 1999). No entanto, 
apesar do significativo volume de pesquisas produzido 
nessa área, observa-se que a maioria das investigações 
em psicologia do desenvolvimento focaliza grupos 
urbanos de sociedades industriais ou pós-industriais. 
Com isso, os ambientes não ocidentais e, 
principalmente, rurais são raramente privilegiados. 
Segundo Tomlinson e Swartz (2003), nascem a 
cada ano mais ou menos 135 milhões de bebês por ano 
no mundo, sendo que aproximadamente 90% deles em 
países em desenvolvimento. No entanto, segundo esses 
autores, 95% das pesquisas sobre infância desde 1996 
é de autoria de pesquisadores norte americanos, 
europeus, australianos e da Nova Zelândia, e, pode-se 
acrescentar, esses estudos são, principalmente, em 
ambientes urbanos. Além disso, observa-se na 
literatura que estudos interculturais, quando são feitos, 
muitas vezes comparam dois grupos de mães ou de 
crianças, por exemplo, de um ou dois países de 
primeiro mundo (da Europa ou Estados Unidos), com 
grupos de outro país, asiático, latino americano ou 
africano. Fala-se de crianças americanas e africanas, 
por exemplo, quando sabemos como são diversas 
internamente essas culturas. 
Um dos problemas que essas tendências acarretam, 
e que é apontado por Cole (1998), é a construção de 
um padrão de normalidade para o desenvolvimento 
infantil, para a criação de filhos e para o que os pais 
pensam e como agem. Esse padrão é muito influenciado 
por resultados de pesquisas ocidentais, urbanas, 
realizadas com grupos de pessoas de um bom nível de 
escolaridade, que não traduzem a complexidade e 
variedade das populações humanas. A partir disso, 
muitas conseqüências sérias podem ocorrer, como, por 
exemplo, ter uma ciência do desenvolvimento humano, 
que se mostra limitada e viesada, generalizar 
indevidamente conclusões de estudos empíricos em 
populações específicas, e desenvolver e aplicar 
programas de intervenção a partir dessas conclusões, 
sem se preocupar com sua possível inadequação. 
Em relação a ambientes não-urbanos e urbanos, 
estudos atuais que vêm sendo realizados por Keller e 
colaboradores (Keller & cols., 2004; Keller, Borke, 
Yovsi, Lohaus & Jensen, 2005) a partir de seu modelo 
de trajetórias de socialização (Keller, 2002) têm 
demonstrado que os diferentes ambientes apresentam 
características próprias em termos de contextos de 
socialização. Para esta autora haveria dois modos de 
investimento parental típicos, um ocidental e outro não 
ocidental. No primeiro, caracteristicamente não 
ocidental e não urbano, o cuidado físico inclui a 
amamentação durante dois a quatro anos, o bebê é 
carregado durante seus primeiros anos mais do que50% do tempo, o contato corporal se dá durante o dia e 
a noite (nas costas, na frente ou no quadril da mãe), 
as crianças dormem com os adultos e os cuidados 
extras são oferecidos à criança por outros parentes e 
irmãos. Paralelamente, neste modo de investimento 
parental, o cuidado emocional apóia uma longa 
simbiose com a mãe e se caracteriza por longos 
períodos de cuidados que ocorrem conjuntamente a 
outras atividades do adulto, e contato corporal e 
comunicação longos e prolongados. Em contraste, no 
modo ocidental (sobretudo no meio urbano), o 
cuidado físico é caracterizado por um período de 
amamentação em média bem mais curto (de um a três 
meses), por reduzidos períodos de carregar o bebê, 
principalmente em resposta a seu choro, e por pouco 
contato corporal. Os cuidados extras oferecidos são, 
em geral, pagos (por exemplo, babás, creches). 
Quanto ao cuidado emocional, ele promove a 
independência cedo e envolve períodos curtos de 
cuidados exclusivos e períodos também curtos de 
episódios face-a-face. Assim, estudos que focalizem 
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os diferentes ambientes de socialização são necessários 
e importantes. 
De qualquer forma, esforços recentes têm sido 
feitos com a intenção não só de considerar o contexto 
como parte indispensável do processo de 
desenvolvimento humano como também de definir 
contextos e como eles podem ser estudados. Na 
literatura, tem recebido destaque o modelo de nicho de 
desenvolvimento de Harkness e Super (1994). Estes 
autores propõem que, para se estudar o 
desenvolvimento infantil, é importante caracterizar um 
sistema que inclui como subsistemas o ambiente físico 
e social da criança e as crenças e práticas de seus 
cuidadores. Eles consideram a moradia da família como 
o centro da vida humana inicial, e o desenvolvimento 
da criança como tendo uma relação dinâmica com o 
ambiente físico e social, com as práticas de cuidados 
infantis culturalmente reguladas e com a psicologia dos 
seus cuidadores. De acordo com esses autores, estes 
subsistemas organizam e norteiam as experiências de 
desenvolvimento da criança, fornecendo as 
informações a partir das quais a criança constrói sua 
cultura particular, dentro da cultura da sua sociedade. 
O NICHO DE DESENVOLVIMENTO: 
O AMBIENTE FÍSICO E SOCIAL NO 
QUAL A CRIANÇA VIVE, OS COSTUMES E 
PRÁTICAS DE CUIDADOS PARENTAIS 
E A PSICOLOGIA DOS CUIDADORES 
Em estudos com famílias de uma comunidade rural 
do Quênia e da América do Norte, Harkness e Super 
(1992) descrevem como os três componentes do nicho 
de desenvolvimento se imbricam, dando destaque 
especial ao papel das etnoteorias parentais e à sua 
origem sociocultural para o comportamento e 
desenvolvimento da criança. 
Esses autores (Harkness & Super, 1992) entendem 
que as crenças parentais dão direção ao comportamento 
dos pais e revelam como eles interpretam a realidade e 
a internalizam. Para estes autores, essas crenças podem 
ser vislumbradas nos diferentes ambientes físicos e 
sociais que os pais oferecem para seus filhos, nas metas 
de socialização e desenvolvimento, e nos cuidados 
dirigidos às crianças. Acrescentam, ainda, que estas 
crenças são frutos tanto das experiências de indivíduos 
como pais, quanto da experiência cultural acumulada 
durante as gerações sobre o que são e como devem agir 
nesses papéis. Assim, o conjunto de crenças 
construídas conjuntamente por membros de uma 
sociedade influencia o cuidado da criança e pode 
resultar em diferenças no desenvolvimento. 
Sobre este aspecto, é interessante mencionar uma 
reportagem, de 1996, do jornal “The New York 
Times”, citada por Small (1999), que relaciona o estilo 
e a prática parental e as diversas culturas no Brooklyn, 
em Nova Iorque. Como relatado, alguns pais e avós 
imigrantes desta localidade têm enfrentado problemas 
na orientação e educação de suas crianças devido a sua 
herança cultural. Em países como Nigéria e Caribe, 
segundo o artigo, é comum os pais aplicarem punição 
física como uma prática de criação e educação de 
filhos. No entanto, nos Estados Unidos, a punição 
física tem outro significado e os filhos que sofrem 
agressão corporal de seus pais têm o direito de solicitar 
proteção do Estado. O confronto entre diferentes 
crenças e estilos parentais tem originado, assim, 
situações complexas e delicadas para serem resolvidas. 
Os pais oriundos da Nigéria e do Caribe, por exemplo, 
aprenderam em suas comunidades de origem que a 
punição física seria um modo correto de educar filhos. 
Em contrapartida, seus filhos, nascidos e criados nos 
Estados Unidos, reivindicam ser tratados de acordo 
com os costumes norte-americanos. Assim, quando 
ocorre a punição física, muitos dos filhos desses 
imigrantes ligam para a polícia, denunciam seus pais e 
pedem proteção. 
Segundo Small (1999), no tipo de situação 
relatada, é muito delicado afirmar o que é certo e o que 
é errado. Cada grupo cultural acredita que suas 
crenças, metas e estilos parentais estão corretos já que 
foram apreendidos em seu ambiente sociocultural. Esse 
exemplo ilustra o fato de que as diversas culturas 
existentes imprimem suas características em muitos 
aspectos da parentalidade, como por exemplo, sobre o 
que os pais pensam a respeito de cuidados parentais e 
sobre o que desejam para o futuro de seus filhos, 
revelando-se, assim, como um importante fenômeno a 
ser estudado de modo consistente. 
Em relação às práticas parentais, Harkness e 
Super (1992) encontraram em seus estudos evidências 
de como o comportamento de quem cuida do bebê 
pode afetar a saúde e o desenvolvimento dele. Em 
Kokwet, uma localidade rural do Quênia, durante o 
dia, os bebês são presos junto ao corpo de suas mães, 
que os carregam por onde forem. À noite, eles 
dormem em contato com elas (co-sleeping) e, quando 
mais velhos, em contato com outras crianças de suas 
famílias. Esta prática de dormir ao lado da mãe nos 
primeiros meses de vida favorece a amamentação, que 
ocorre à vontade. Contudo, parece que esta prática 
influencia o padrão de sono noturno dos bebês. 
Normalmente os bebês ocidentais, por volta de seis 
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semanas de vida, começam a se aproximar de um 
padrão de sono dia/noite, o que não é comum entre os 
bebês de Kokwet. Além disso, segundo Harkness e 
Super (1992), muitas linhas de evidências 
experimentais sugerem que uma conseqüência de um 
extenso contato físico é a promoção do crescimento e 
desenvolvimento normal, incluindo tamanho do corpo, 
atenção e emergência de competências 
neuromusculares. 
No Brasil, as práticas de cuidados infantis 
valorizadas por mães também têm sido alvo de 
investigações. Rabinovich (1998), objetivando 
comparar as práticas de aleitamento entre famílias de 
um bairro paulistano e famílias de uma localidade rural 
piauiense, como contexto de desenvolvimento, 
observou diferenças significativas quanto ao tempo de 
amamentação dos bebês, nestes dois ambientes. No 
Piauí, as mães contavam com apoio de familiares como 
tios e avós nos cuidados dirigidos ao bebê e o tempo de 
aleitamento ultrapassava os seis meses, na maioria dos 
casos. Em São Paulo, as mães eram freqüentemente 
apontadas como as únicas responsáveis pelos cuidados 
com seus filhos e, o aleitamento dos bebês tendia a ser 
suspenso antes dos três meses. Deste modo, parece que 
o funcionamento interdependente da vida familiar (rede 
de apoio social), no Piauí, contribui de alguma forma 
para o maior tempo de aleitamento, em relação aos 
bebês de São Paulo. 
Observa-se, assim, que a expressão das crenças e 
dos valores culturais tem uma importância central na 
estruturação do ambiente físico e social e nos cuidados 
que serão oferecidos as crianças em diferentes 
contextos culturais, tendo estes três componentes do 
nicho um impacto imediato sobre o desenvolvimento 
delas. 
Diante dos dadosempíricos e teóricos 
apresentados, compreende-se que o modelo de nicho de 
desenvolvimento pode constituir-se em uma orientação 
válida para se estudar a parentalidade e o 
desenvolvimento infantil em diferentes contextos, como 
ambientes rurais, onde há ainda no Brasil uma carência 
de estudos. Seus três componentes (o ambiente físico e 
social da criança, os costumes e práticas e a psicologia 
dos cuidadores) são importantes indicadores de como 
se desenrolam estes fenômenos na medida que 
consideram a família como o primeiro núcleo social do 
bebê e atribuem a ela a função de capacitá-lo a viver 
dentro de sua cultura, sendo o ambiente doméstico um 
local adequado para o cuidado dele. 
Assim, tomando como base principalmente o 
pensamento destes autores, e considerando a carência 
de estudos de desenvolvimento e parentalidade no 
ambiente rural, em geral e no Brasil, foi realizado este 
estudo exploratório. Seu objetivo foi investigar o 
ambiente físico e social de crianças da comunidade de 
Ribeirão de São Joaquim, analisar algumas idéias, 
concepções e práticas de suas mães e o que elas 
desejam para o futuro de seus filhos, de forma a buscar 
caracterizar um nicho de desenvolvimento rural 
brasileiro. 
Nesse sentido, considera-se que, mesmo 
exploratório, este estudo pode contribuir para o 
conhecimento de contextos não urbanos de 
desenvolvimento, fornecendo evidências, permitindo 
algumas inferências e dando bases para a formulação 
de hipóteses e realização de futuros estudos, de maior 
amplitude. 
MÉTODO 
O ambiente de estudo 
Ribeirão de São Joaquim localiza-se na região sul-
fluminense do Rio de Janeiro e é distrito do município 
de Quatis. Sua população, atualmente, é de 
aproximadamente 500 habitantes, que vivem no 
vilarejo (arraial) e nas fazendas e sítios (IBGE, 2000). 
Os adultos deste Distrito têm seus papéis sociais 
bem definidos. Os homens trabalham em alguma 
atividade externa ao lar, como por exemplo: como 
pecuaristas, funcionários da Prefeitura Municipal, 
autônomos, entre outros. À mulher cabe o cuidado com 
a casa e com os filhos e, se o marido for pecuarista e/ou 
agricultor, ajudá-lo em algumas atividades como as 
colheitas e fabricação de queijos. Existem, ainda, 
algumas mulheres que têm trabalho remunerado, 
geralmente como empregadas domésticas, babás e 
professoras. O rendimento nominal médio mensal das 
famílias é de, aproximadamente, R$ 340,51 (IBGE, 
2000). As pessoas mais velhas ajudam seus familiares 
e o distrito no cuidado com a igreja, com a 
programação das festividades locais, pequenos afazeres 
domésticos, etc.. As famílias, há trinta anos atrás eram 
grandes, com mais de cinco filhos, principalmente as 
que viviam em fazendas e sítios. Atualmente elas 
mantêm uma média de três filhos (IBGE, 2000). 
Participantes 
Participaram desta pesquisa seis díades mãe-bebê, 
em que a idade das mães variou de 19 a 32 anos, e o 
nível de escolaridade de ensino fundamental ao ensino 
médio. Todas as mães estavam vivendo com o pai do 
bebê, no momento deste estudo. Os bebês tinham 
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idades variando de 1 mês a 1 ano e 9 meses. Eles são 
cuidados principalmente por suas mães e dois dos 
bebês ficam durante um período do dia com uma babá. 
As famílias das díades estudadas apresentam a 
seguinte composição: (1) Díade 01 é composta por 
quatro membros: mãe, pai, irmã do bebê e o bebê. O 
pai tem 38 anos estudou até a 4ª série do ensino 
fundamental e trabalha como pedreiro. A mãe tem 28 
anos e tem o ensino fundamental incompleto e o bebê 
tem 1 ano e 9 meses. A irmã do bebê tem 8 anos e 
cursa a 2ª série, na escola do Distrito. (2) Díade 02: 
mãe, pai, irmão do bebê e o bebê. O pai do bebê tem 
37 anos, sua escolaridade é de ensino médio incompleto 
e sua profissão é pecuarista. A mãe do bebê tem 32 
anos, ensino médio completo e trabalha como auxiliar 
administrativo. Por este motivo, o bebê, que tem 1 ano 
e 9 meses, é cuidado em uma parte do dia por uma 
babá. O irmão do bebê cursa a 6ª série, na escola do 
Distrito e tem 12 anos. (3) Díade 3: pai, mãe, bebê e 
duas irmãs mais velhas do bebê. O pai do bebê tem 38 
anos, estudou até a 4ª série do ensino fundamental e 
trabalha como guarda municipal em Quatis. A mãe do 
bebê tem 29 anos, estudou até a 8ª série do ensino 
médio e trabalha como telefonista. Este bebê também é 
cuidado por uma babá em um período do dia. A irmã 
mais velha do bebê tem 10 anos e cursa a 5ª série e a 
mais nova tem 6 anos e cursa o CA. O bebê tem 7 
meses. (4) Díade 04: pai, mãe, irmão do bebê e o bebê. 
O pai tem 38 anos, sua escolaridade é de ensino 
fundamental incompleto e ele trabalha como 
encarregado da manutenção da estrada que liga o 
Distrito a Quatis. A mãe tem 25 anos e ensino 
fundamental incompleto. O bebê tem 11 meses. O 
irmão do bebê tem 8 anos e cursa a 2ª série na escola 
do Distrito. (5) Díade 5: mãe, pai, dois irmãos do bebê 
e o bebê. O pai do bebê tem 27 anos, estudou até a 3ª 
série e trabalha como empregado de um sítio. A mãe 
tem 19 anos e estudou até a 4ª série. O bebê tem 7 
meses e seus irmãos têm 2 e 3 anos. (6) Díade 6: pai, 
mãe e o bebê. O pai tem 34 anos, ensino fundamental 
incompleto e trabalha como pedreiro. A mãe tem 19 
anos e ensino médio completo e não tem trabalho 
externo ao lar. 
Instrumentos 
Os instrumentos utilizados incluíram a observação 
naturalística que teve como meta investigar o 
comportamento da díade mãe-bebê em sua residência 
no contexto rural; o diário de campo que incluiu a 
descrição das atividades realizadas durante a 
observação e buscou captar a rotina da mãe com seu 
filho (a); e o Inventário do Nicho de Desenvolvimento 
para registro de algumas informações das díades que 
participaram desse estudo. 
O diário de campo foi estruturado segundo dois 
tópicos principais. O primeiro envolveu a descrição de 
algumas práticas e rotinas diárias das díades durante a 
observação como alimentação/ refeição, cuidados 
higiênicos, cuidados com a saúde, descanso/sono do 
bebê, brincadeira e atividades durante o período de 
vigília tanto com a mãe e outras pessoas como sozinho 
e, por último, falas de pessoas dirigidas ao bebê. O 
segundo tópico incluiu a descrição do ambiente físico e 
social da díade, como por exemplo, os objetos que 
pertenciam ao bebê e como eles estavam dispostos 
dentro da casa da família dele. 
O Inventário do Nicho de Desenvolvimento é 
constituído de questões abertas e fechadas relativas às 
seguintes categorias: identificação, ambiente físico, 
ambiente social, sobre você mãe e sobre você e seu 
filho. 
A primeira categoria contém itens de identificação 
da díade, como por exemplo, o nome da mãe e do bebê 
e a idade deles. A categoria ambiente físico diz respeito 
à moradia e se e como a mãe limita este espaço para a 
sua criança. A terceira categoria refere-se ao ambiente 
social que é oferecido para a criança, com questões 
sobre pessoas que convivem com ela, e o que fazem 
juntas, além de informações acerca da rede de apoio 
familiar e de cuidados não materno que a criança 
recebe. A categoria sobre você mãe foi elaborada a 
partir de adaptações do questionário metas de 
socialização de Harwood e colaboradores 
(Leyendecker, Harwood, Lamb & Sholmerich, 2002) e 
acrescida de outras questões com o objetivo de se 
averiguar algumas idéias, da participante, sobre como é 
ser mãe para ela e sobre o desenvolvimento infantil. A 
última categoria, sobre você e seu filho, colhe 
informações de algumas atividades que realizam no 
dia-a-dia e sobre o(s) ambiente(s) que ela costuma 
freqüentar com seu(s) filho(s). 
Procedimentos 
As famílias foram contatadas previamente 
consentiram em participar do estudo. Um fator que 
contribuiu para essa aceitação foi a primeira autora, 
que colheu os dados em campo, ter família na 
localidade e ser conhecida de todos os participantes. 
Buscando uma descrição rica das características do 
ambiente físicoe social da díade e das atividades que 
realizam em seu dia-a-dia, foram feitas observações na 
casa das díades, durante dois dias, em turnos diferentes, 
cada turno com duração de 6 horas, aproximadamente. 
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Durante e imediatamente ao final das observações, 
foram feitos os registros destas em um diário de campo. 
Durante a estadia do observador na casa das 
famílias, as mães juntamente com o observador, 
preencheram o Inventário do Nicho de 
Desenvolvimento, sem tempo pré-determinado para 
terminá-lo. As dúvidas foram esclarecidas à medida 
que apareciam, de forma imparcial. 
Apesar do foco do estudo ser a díade mãe-bebê, 
não foi solicitado que os outros membros da família 
ficassem fora da casa, durante a realização da 
observação. Deste modo, foi possível que mantivessem 
suas atividades cotidianas, mesmo se isso envolvesse 
um ou os dois membros da dupla. Além disso, a família 
foi solicitada a manter sua rotina diária e a ignorar, na 
medida do possível, a presença do observador. 
Análise de dados 
As análises foram feitas segundo os dados obtidos 
no Inventário do Nicho de Desenvolvimento, e a partir 
do diário de campo, articulados segundo os objetivos 
deste estudo. Assim, os registros das observações 
foram cotejados com a análise de conteúdo dos 
inventários, na tentativa de se compreender melhor a 
dinâmica das famílias participantes, principalmente das 
díades, e fazer algumas inferências sobre o nicho de 
desenvolvimento delas, no contexto rural. 
Para melhor acompanhamento e compreensão dos 
dados, os componentes do Nicho de Desenvolvimento 
também orientaram a apresentação e discussão dos 
resultados a seguir. 
RESULTADOS E DISCUSSÃO 
Ambiente físico e social 
Em relação ao ambiente físico, observou-se que as 
moradias eram simples, compostas por um, dois ou três 
quartos, uma sala, uma ou duas varandas, cozinha, e 
banheiro. No quintal de quatro casas havia uma horta 
com hortaliças e legumes e jardins com flores e árvores 
frutíferas, como goiabeiras. Na casa de todas as 
famílias havia luz elétrica, e a água e o esgoto eram 
canalizados. Em nenhuma casa havia muros de tijolos, 
em duas havia somente um cercado lateral de bambu, e 
em uma outra, cerca viva (arbustos). 
Foi observado, também, que a maioria das casas 
estava asseada e arrumada, e a maior responsável por 
esta atividade era a mãe. Em quase todos os cômodos 
das casas havia objetos do bebê. As famílias com 
melhores condições financeiras dispunham de mais 
espaço e de mais móveis e objetos. Em quatro 
residências notou-se a presença de berços e em cinco, 
de banheirinhas. A maioria dos bebês freqüenta todos 
os cômodos, como afirmaram as mães (Inventário do 
Nicho de Desenvolvimento). 
Este ambiente revelou-se também como um 
limitador ou facilitador das experiências 
desenvolvimentais dos bebês. A presença de 
cadeirinhas, mamadeiras, banheirinha, entre outros, 
indicam a atenção e conhecimento (crenças) dos pais 
sobre o desenvolvimento dos bebês e de suas 
necessidades e possibilidades de ação no mundo. Por 
outro lado, a presença de caixotes (objeto similar ao 
“cercadinho”, de alguns contextos urbanos), em duas 
casas, revelou uma prática materna que os limitam em 
termos de espaço e descobertas em fases iniciais, 
quando o bebê ainda não alcançou uma relativa 
autonomia e independência motora (ele não anda, por 
exemplo). Nesta comunidade, muitos bebês 
permanecem boa parte do dia nos caixotes com alguns 
brinquedos enquanto suas mães realizam algumas 
tarefas domésticas, 
A análise do ambiente social revelou que além de 
seu lar, os bebês freqüentam outros espaços como a 
pracinha, o campinho, o coreto, as casas e as ruas de 
Ribeirão de São Joaquim. Nestes espaços eles 
convivem com diferentes pessoas que não fazem parte 
de sua família nuclear, entre elas: as avós e os avôs, 
alguns tios, primos, e os amigos dos pais e irmãos dos 
bebês. Normalmente todos conversam com os bebês, 
brincam com eles e às vezes cuidam deles, como, por 
exemplo, dando banho e colocando-os para dormir. 
Apenas um bebê deste estudo convive no dia-a-dia, 
normalmente, só com sua família nuclear porque mora 
em um sítio afastado do arraial. Os bebês também 
convivem em grupo de outras pessoas, com uma 
freqüência menor, no qual podem ser incluídas quase 
todas as pessoas do distrito. Isto ocorre devido às 
relações de amizades e/ou familiar que os tornam muito 
próximos. Esta rotina propicia à criança interações 
com outros adultos e crianças, contribuindo para o seu 
desenvolvimento social, além de oferecer à mãe um 
recurso muito importante para o cuidado de seus filhos: 
uma rede de apoio. 
Neste sentido, as avós maternas dos bebês foram 
apontadas pelas mães como pessoas prestativas e que 
as ajudaram, de forma relevante, a desempenhar seu 
papel de mãe e a cuidar de seus filhos. Esse resultado 
pode ser explicado pelo papel social atribuído à mulher 
na maternidade, difundido e compartilhado por diversas 
culturas no mundo. No contexto rural, onde as famílias 
são geralmente caracterizadas como patriarcais, às 
mulheres cabe o cuidado e educação da criança, 
Nicho de desenvolvimento 321 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 315-324, maio/ago. 2007 
cabendo também a ela auxiliar e transmitir seus 
conhecimentos sobre o papel materno para outras 
mulheres, principalmente para suas filhas. Por esse 
foco, seria esperado o resultado encontrado. 
Práticas parentais 
Foram considerados os episódios que envolviam a 
alimentação, o sono, os cuidados higiênicos e com a 
saúde do bebê, as brincadeiras e a fala de pessoas 
dirigidas a ele. Para o seu registro foi feita uma 
descrição geral da rotina diária das díades a partir dos 
relatos das mães e das observações feitas através de 
visitas domiciliares, como se segue no exemplo da 
díade 1: 
“Díade 01 (bebê com 1 ano e 9 meses e mãe 
com 28 anos): Manhã: Todos os dias quando 
acorda a mãe coloca o bebê para urinar e 
evacuar, no piniquinho dele no banheiro. 
Depois ela escova os dentes dele, lava suas 
mãos e rosto. Ás vezes, o bebê come algo de 
manhã, porque ele mamou muitas vezes 
durante a noite. Durante o período da manhã, 
segundo a mãe, o bebê gosta de brincar com 
sua irmã, primas e amigas e/ou ver televisão. 
A mãe realiza tarefas domésticas como lavar, 
cozinhar, etc. Tarde: Às 12:30 
aproximadamente, o bebê almoça e toma 
banho. Quando está calor o bebê toma vários 
banhos por dia. A mãe sempre lembra que o 
bebê tem que tomar água, porque considera 
que ele não gosta muito. Nos intervalos 
destas atividades, o bebê é amamentado. A 
mãe continua fazendo tarefas domésticas. O 
bebê dorme normalmente, das 13:00 às 
15:00. Ainda à tarde, quando os primos estão 
na casa da família ele brinca com eles, se não 
estiverem, mãe, bebê e a irmã dele se 
arrumam e vão para a casa da avó materna. 
Ficam lá até as 18:30. Eles também vão à 
casa do avô paterno. Noite: Ao retornar para 
sua casa, eles assistem TV (novelas e 
telejornais), esperam o pai do bebê voltar do 
trabalho (ele é pedreiro), tomam banho, 
jantam e vão dormir. Quando um primo ou 
amiguinho está na casa da família, o bebê e 
sua irmã trocam a televisão pela brincadeira”. 
(Diário de Campo: díade 01) 
As práticas de cuidado observadas com os diversos 
bebês mostraram um tipo de criação onde as mulheres 
(mãe, irmãs do bebê ou babás) são as principais 
responsáveis pelas crianças. Elas também são as 
responsáveis pelas tarefas domésticas, cabendo, em 
geral, ao homem o trabalho externo ao lar que garante 
ou complementa a renda familiar. 
Além disso, foi possível observar que o cuidado 
era empreendido por mulheres diversas como avós 
maternas dos bebês, tias, irmãs, primas, babás e etc, 
que sempre estavam próximas a eles procurando 
interagir, geralmente, através de brincadeiras durante o 
banho e a alimentação, por exemplo. Em muitos casos, 
o cuidado era realizado de forma simultâneaàs outras 
tarefas ou ao cuidado dos outros filhos. Assim, o 
cuidado dirigido ao bebê revelou ser, nesta 
comunidade, um cuidado não-exclusivo, no qual é 
valorizado tanto o contato corporal, como a interação 
face-a-face, mediada pela fala e por objetos. Estas 
características também indicam o estabelecimento de 
vínculo afetivo desde cedo entre estas pessoas e o bebê. 
Em relação ao sono foi observado que, em todos os 
casos, pais e bebês dormiam em um mesmo quarto, 
sendo que metade (n=3) dormia na cama junto aos pais 
e a outra metade em seu próprio berço, ao lado da cama 
do casal. Contudo, quatro dos bebês possuíam berços, o 
que nos leva a concluir que a presença do berço nem 
sempre significava que o bebê dormia nele. As mães 
percebiam como positiva esta proximidade. Para elas, 
esta prática as auxiliava a atender prontamente 
qualquer necessidade do bebê, principalmente de 
alimentação. 
Sobre este aspecto, apesar das mães atribuírem o 
fato dos bebês dormirem no mesmo quarto que os pais 
a necessidade de alimentação dos bebês, esta conduta é 
percebida pelas autoras como uma possibilidade de se 
fortalecer os laços afetivos e familiares, à medida que 
promove proximidade, cuidado e dedicação entre pais e 
filhos. Uma outra vantagem desta prática de dormirem 
juntos, pais e bebês, é facilitar o ajuste da regulação 
interna de mecanismos térmicos e respiratórios do 
bebê, ainda, imaturos, e mesmo para evitar a doença 
que acomete as crianças dormindo (Síndrome de Morte 
Infantil Súbita – SIDS; Morelli & cols., 1992; 
Rabinovich, 1994). Para Rabinovich (1998), os 
resultados destes estudos fazem a ciência questionar a 
prática de utilização de berço muito comum nas 
comunidades americana e européia. 
Os bebês que compõem as díades 01, 04, 05, e 06 
são alimentados no seio, sendo que os bebês 01 e 05 
não fazem alimentação exclusiva no seio materno. Eles 
e os bebês 02 e 03 fazem alimentação regular com café 
da manhã, almoço, lanche e jantar. A comida para os 
bebês mais novos (03 e 05) é feita de forma especial e 
separada da comida da família. A mãe do bebê 03 (7 
meses) disse que parou de alimentar o bebê com leite 
materno por conta do trabalho (ela é telefonista). O 
mesmo afirmou a mãe do bebê 02 que trabalha na 
escola. Durante o intervalo das refeições principais, os 
322 Ruela & Moura 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 315-324, maio/ago. 2007 
bebês também comiam, por exemplo, bananas e 
biscoitos quando a mãe dava ou quando eles pediam. 
“Díade 03 (bebê com 7 meses e mãe com 29 
anos): 13:10 a mãe terminou de preparar o 
almoço do bebê e colocou a comida no prato 
(vidro) com uma colher de alumínio. Ela foi 
até a sala, onde o bebê estava sentado dentro 
do seu carrinho. A mãe colocou uma fralda 
embaixo do pescoço dele (como babador) e 
começou a lhe dar o almoço, brincado de 
aviãozinho para ele abrir a boca. Ela falou: 
“Se não brincar não come, não é?”. O bebê 
vocalizou e mexeu os membros. Ele terminou 
de almoçar às 13:25. A mãe deu um pouco de 
água para o bebê no copo de plástico dele”. 
(Diário de Campo: díade 03) 
Em relação às atividades predominantes dos bebês 
durante o tempo de observação, as brincadeiras se 
destacaram. Elas ocorreram, na maioria das vezes, 
acompanhadas por suas primas, amigas, babá, mãe, pai 
e irmãos e, geralmente, não eram os bebês que as 
propunham. Em quatro famílias, os brinquedos 
utilizados eram compartilhados entre o bebê e seu(s) 
irmão(s) e ficavam guardados em caixa próprias em um 
lugar de fácil acesso, dentro de casa. Entre eles 
estavam incluídos bonecas, fogãozinho, panelinhas, 
bolas, carrinhos, brinquedos de plástico que imitam 
personagens de desenho da televisão, etc. As 
brincadeiras observadas e elas ocorreram, na maioria 
das vezes, nos cômodos das casas. Apenas um bebê 
passava boa parte do dia brincando em um caixote 
(objeto semelhante ao cercadinho), mas ele não parecia 
gostar muito e, às vezes, chorava. Todos os episódios 
observados foram registrados no diário de campo, como 
no exemplo a seguir: 
“Díade 02 (bebê com 1 ano e nove meses e 
mãe com 33 anos) 08:22 o bebê começou a 
brincar de fazer “comidinha” com a prima e 
com a irmã na sala, utilizando um conjunto 
de panelas, talheres, potes e um fogão 
(miniaturas). Os brinquedos eram de plástico. 
Em seguida, elas foram brincar na calçada. 
Elas recolhiam pétalas e folhas, pegavam 
areia do chão da rua e colocavam nas 
panelinhas, todas eram cozinheiras. Ás 08:30 
outras duas amigas juntaram-se à 
brincadeira. O bebê segurou o fogãozinho 
para a irmã colocar as panelinhas com areia e 
flores, a comida foi servida nos potinhos e 
elas brincaram de “comer” àquela comida. 
Ás 08:32 a brincadeira terminou e eles foram 
para a sala ver TV” (Diário de Campo: díade 
02) 
De um modo geral, os episódios de atividade 
lúdica mostraram que as crianças brincam de modo 
diferente em idades diferentes e têm estilos próprios de 
brincar. Os bebês mais velhos tenderam a ter um maior 
período de brincadeiras, e eles também podiam 
escolher mais com o que brincar, pois já andavam. Os 
mais novos dispunham de um menor grau de autonomia 
e independência, sendo suas brincadeiras propostas, 
quase sempre, por outras pessoas mais velhas do seu 
meio social. 
As brincadeiras em grupo que foram observadas 
envolveram mais a imitação de papéis sociais de adulto 
como brincar de casinha. O bebê do sexo masculino 
que participou da pesquisa brincou com seu irmão de 
carrinho e de luta entre os bonecos de plástico. 
Psicologia dos cuidadores 
Em relação às crenças, todas as mães deste estudo 
relatam que a maternidade é uma experiência de vida 
positiva e satisfatória. Quanto às metas que têm para 
seus filhos, predominou a de que eles se desenvolvam 
fisicamente e profissionalmente e se tornem pessoas 
boas, amigas e trabalhadoras. Observa-se que são 
metas mais voltadas para qualidades associadas com o 
desenvolvimento do potencial pessoal, físico e 
econômico, mas de forma que atenda às expectativas 
sociais do ambiente sociocultural onde vivem (ser 
trabalhador), tudo isso mediado pelo calor emocional 
com o outro (Harwood & cols, 1996). 
Crenças mais específicas apareceram refletidas nas 
falas das mães. Como por exemplo, relativas às 
diferenças de gênero. Nesse sentido, uma mãe afirmou 
achar que é mais fácil desacostumar um bebê do sexo 
masculino a usar fraldas porque ele tem pênis e, por 
isso, entende mais rápido que as meninas. Além disso, 
uma das mães vestiu uma camisa em seu bebê dizendo 
que não faz bem uma pessoa ficar sem camisa quando 
está trovejando. Uma crença compartilhada sobre a 
chuva com outras pessoas desse distrito. 
Foram observadas, ainda, outras práticas que 
pareciam estar baseadas em conhecimentos populares 
locais, muito valorizados nesta comunidade. Por 
exemplo, durante a observação, uma mãe deu chá de 
erva-cidreira (capim-limão) para o bebê dizendo que 
era para ele se acalmar e outra esfregou alho na mão do 
bebê para aliviar a irritação provocada por uma picada 
de mutuca (um tipo de inseto comum nesta localidade). 
O conhecimento das mães sobre o desenvolvimento 
humano foi verificado, de um modo geral, através da 
segunda questão do inventário do nicho de 
Nicho de desenvolvimento 323 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 315-324, maio/ago. 2007 
desenvolvimento. Para elas as crianças diferenciam-se 
de adultos, principalmente, porque elas dependem de 
cuidados e atenção para sobreviverem: “Um adulto é 
responsável, pode ficar sozinho e uma criança não” 
(mãe 01); “A criança é mais carente de cuidados” (mãe 
02); “A criança não sabe fazer nada, tadinha!” (mãe 
05), ou porque as crianças não têm algumas 
competências que os adultos têm: “Um adulto doente 
fala o que está sentindo, diferente de uma criança que 
não sabe falar. A minha filha é pequena e não alcança 
algumas coisas” (mãe 01); “Um bebê não fala, não 
anda” (mãe 03); “A criança não sabe o que ela faz, ela 
é inocente” (mãe 04). As mãestambém, apontaram 
como características das crianças: ser meiga e esperta 
(mãe 01), ser mais inocente e sincera (mãe 02) e 
tranqüila (mãe 03). 
Assim, pensar no modo como as mães cuidam de 
seus bebês, ou no que acreditam como o modo 
adequado de cuidado com eles, implica também o modo 
segundo o qual as metas de socialização das mães para 
seus filhos, seus conhecimentos sobre o 
desenvolvimento infantil e outros aspectos relacionados 
ao tema se configuram e são co-construídos por elas, 
em relações com parceiros em seu meio sociocultural. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A proposta desse estudo foi de descrever e apontar 
aspectos do nicho de desenvolvimento de bebês que 
vivem em um ambiente rural. Desta forma, o estudo de 
alguns aspectos da maternidade e do desenvolvimento 
infantil, considerado como situado no contexto, 
garantiu uma ampla visão deste fenômeno e algumas 
possíveis implicações do meio rural nele. 
Como se infere a partir dos resultados, o modo de 
vida familiar na comunidade de Ribeirão de São 
Joaquim pode ser caracterizado como compartilhado 
(com pais, irmãos, amigos, primos, avós, tios, babás, 
entre outros.), na medida que a criação dos filhos não é 
exclusiva da família nuclear do bebê (pai, mãe e 
irmãos). Esta característica parece ser culturalmente 
compartilhada pois aparece refletida nas falas das 
mães, em seus comportamentos e no ambiente físico e 
social que elas ofereceram a seus filhos. Como 
resultado para os bebês, este modo de vida familiar 
oferece a eles oportunidades de interações com adultos 
e crianças diversos, que convivem com ele diariamente 
ou não. Para autores da abordagem sociocultural 
(Rogoff & Chavajay, 1995), estas interações 
promovem o desenvolvimento do bebê porque 
favorecem os contatos entre ele e pessoas mais 
experientes de seu contexto sociocultural. Desta forma, 
a rede familiar extensa, além de fornecer apoio à mãe, 
coloca o bebê em interações com outros membros de 
seu meio sociocultural, em diversas atividades como as 
de cuidados, de brincadeiras e de fala, por exemplo, 
que são muito importantes para o seu desenvolvimento 
e que contribuem para a sua inclusão como membro da 
cultura. 
Assim, como se pode concluir a partir da análise 
geral dos dados e tal como proposto por Harkness e 
Super (1992), os três componentes do Nicho de 
Desenvolvimento (o ambiente físico e social e as 
crenças e práticas de seus cuidadores) se 
interinfluenciam formando o ecossistema de vida do 
bebê. Este modelo revela-se como um importante 
quadro teórico para o estudo do desenvolvimento 
infantil, considerando-o como situado em contextos, 
pois permite ao pesquisador observar como as 
características culturais do ambiente estudado 
imprimem suas marcas na parentalidade e no 
desenvolvimento infantil. Compreender isso parece ser 
fundamental quando se deseja ser um psicólogo do 
desenvolvimento ou quando se deseja trabalhar com 
famílias, seja qual for a profissão. 
Acredita-se que a análise qualitativa dos dados e a 
metodologia empregada nesta investigação permitiram 
explorar algumas relações entre o contexto físico e 
cultural e as crenças e práticas de pessoas que 
convivem com os bebês, principalmente as mães, em 
Ribeirão de São Joaquim. Seus resultados, pela 
característica exploratória do estudo, apontam para a 
necessidade de novas pesquisas, que abordem aspectos 
da família, da parentalidade, das interações sociais e 
suas implicações para o desenvolvimento da criança, de 
forma mais específicas neste e em outros contextos. A 
partir deste trabalho, investigações mais amplas sobre 
o desenvolvimento e o ambiente sociocultural desta e 
de outras comunidades rurais, são desejadas e 
possíveis. 
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Recebido em 10/11/2005 
Aceito em 07/07/2006 
 
 
Endereço para correspondência: Sanya Franco Ruela. Av. Portugal, 1552, ap. 33, Jardim Bela Vista, CEP 09041-320 Santo 
André-SP. E-mail: sanyafranco@bol.com.br

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