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SUMÁRIO Copyright 2018 Futebol Interativo / Natal – RN © Coordenador Darlan Perondi Autores Lucas Carvalho Leme Darlan Perondi Fabiano de Souza Fonseca João Gustavo de Oliveira Claudino Igor Soalheiro Matheus Mardenn Oliveira Bruno Assis Leite Rodrigo dos Santos Guimarães Douglas Marciotto Libonorio Hebert Soares Bernardino Fabio Garcia Madalen Eiras Designer Editorial e Interação José Antonio Bezerra Junior Para sua melhor interação clique em nossa navegação. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO À PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL 1.1 A função do preparador físico no futebol moderno 1.2 O contexto da Fisiologia do exercício no futebol 1.3 Caracterização da demanda fisiológica no futebol 1.4 Análise do padrão de ações motoras durante a partida REFERÊNCIAS Perfil dos autores 2 TREINAMENTO DAS CAPACIDADES FÍSICAS NO FUTEBOL 2.1 Contextualização 2.2 Treinamento Da Resistência 2.2.1 Conceito e importância na preparação do futebolista 2.2.2 Fundamentos fisiológicos do treinamento de resistência 2.2.3 Classificação e objetivos do treinamento de resistência 2.2.4 Principais métodos e meios de treinamento de resistência no futebol 2.3 Treinamento de Força e Potência 2.3.1 Importância do treinamento de força e potência no futebol 2.3.2 Classificação e objetivos do treinamento de força no futebol 2.3.3 Adaptações fisiológicas ao treinamento de força 2.3.4 Principais métodos e meios de treinamento de força 2.4 Treinamento de velocidade e agilidade 2.4.1 Bases neurofisiológicas do treinamento da velocidade e agilidade 2.4.2 Princípios metodológicos do treinamento da velocidade e agilidade 2.4.3 Métodos e meios de treinamento da velocidade e agilidade 2.5 Treinamento de flexibilidade 2.5.1 Fatores neuromusculares e o treinamento da flexibilidade 2.5.2 Métodos de treinamento da flexibilidade REFERÊNCIAS Perfil do autor SUMÁRIO 4 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 3 CONTROLE DE CARGA DE TREINAMENTO REFERÊNCIAS Perfil dos autores 4 PREPARAÇÃO FÍSICA E PREVENÇÃO DE LESÕES REFERÊNCIAS Perfil dos autores 5 PREPARAÇÃO FÍSICA NA CATEGORIA DE BASE E NO FUTEBOL FEMININO REFERÊNCIAS Perfil dos autores 6 PERIODIZAÇÃO DO TREINAMENTO NO FUTEBOL REFERÊNCIAS Perfil dos autores SUMÁRIO LUCAS CARVALHO LEME DARLAN PERONDI INTRODUÇÃO À PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL 1 Capítulo 6 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Historicamente, a preparação física é uma das principais áreas de treinamento no futebol de alto rendimento, mesmo que não sendo priorizada desde o início por treinadores, técnicos e comissões. No futebol, a preparação física começou a ganhar relevância e olhares atentos, principalmente, depois da copa do mundo de 1954, onde, pelas primeiras vezes, uma pessoa figurava junto ao treinador e era responsável pela condução das atividades físicas das equipes (DE ALMEIDA BARROS, 1990). Por volta do ano de 1904, os exercícios físicos aplicados em treinamentos do fu- tebol eram direcionados ao objetivo de melhorar, principalmente, a força, e não as outras capacidades físicas relacionadas ao desempenho, como a resistência e veloci- dade. Entre os primeiros modelos de treinamento, os exercícios voltados a preparação física consistiam em corridas de 100, 200, 400 e 800 metros, além de exercícios físicos com alteres, luta greco-romana e ginástica (GONCALVES, 1998). As atribuições dos treinamentos da preparação física não eram de exclusividade de um profissional, ou seja, não era definido um preparador físico para trabalhar essa característica nos atletas. O treinamento físico era, então, direcionado à função do treinador, ou de algum outro funcionário do clube, como o massagista (GONCALVES, 1998). Na Europa, a preparação física começa a ganhar mais ênfase no treinamento físico que no resto do mundo, sendo que na Copa do Mundo de 1954 foi visto a primeira atuação de preparadores físicos em algumas seleções e que figuravam ao lado do treinador como auxiliares e eram os principais responsáveis pela orientação de atividades físicas da equipe. Durante a realização da Copa do Mundo de 1966 na Inglaterra, percebeu-se a nítida diferença entre as capacidades físicas das seleções europeias para as demais seleções, sendo que as seleções da Inglaterra, Alemanha Ocidental, Portugal e União Soviética ocuparam as primeiras colocações, respecti- vamente. No Brasil, no início do século XX, clubes paulistas utilizavam o treinamento de sprints e corridas para melhora dos aspectos físicos dos atletas. No ano de 1958, na Copa do Mundo da Suécia, a Seleção Brasileira (CBD) designa uma pessoa para ser o responsável pela condução de exercícios físicos, sendo a primeira vez que uma equipe brasileira apresenta a figura do preparador físico. Com o resultado do Mundial daquele ano, primeira conquista da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira, vários clubes brasileiros começaram a apresentar um profissional para o trabalho de prepa- ração física das equipes.Com o resultado do Mundial daquele ano, com a primeira conquista da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira, vários clubes brasileiros come- çaram a apresentar um profissional para o trabalho de preparação física das equipes (CUNHA, 2003). Ainda a Seleção Brasileira volta a conquistar o título Mundial quatro anos depois, sendo a função preparador físico representado por Paulo Amaral. No entanto, a copa de 1966 foi um marco para a preparação física. Durante o cam- peonato mundial, percebeu-se um sistema de marcação homem a homem realizado pela seleção Inglesa onde o condicionamento é fator preponderante para o sucesso da equipe (CUNHA, 2003). Tão eficiente era o esquema tática da seleção Inglesa que sagrou-se campeã naquele ano. Com o fracasso da Seleção Brasileira nessa Copa do 7 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Mundo, a preparação física passou a ser repensada no futebol brasileiro, começando pelo próprio preparador físico. Em muitas ocasiões, o preparador físico era repre- sentado por uma pessoa que não possuiu um vínculo com futebol, mas com outras atividades, como esportes de luta e caça marinha, outros possuiam cargos militares, como coronéis, tenentes e sargentos, e não possuíam conhecimento das bases cien- tíficas do treinamento esportivo (DE ALMEIDA BARROS, 1990). Com o avanço de pesquisas na Europa e com o sucesso da Seleção Portuguesa na Copa do Mundo de 1966, onde o treinador era brasileiro (Otto Glória), inicia-se uma nova fase na preparação física no Brasil, sendo que começou-se a ter uma evolução maior no aspecto científico do treinamento, principalmente com profissionais que estavam na Europa (CUNHA, 2003). Até o ano do tricampeonato mundial (1970), poucos eram os times brasileiros que continham programas estruturados de prepa- ração física e utilizavam bases científicas para fundamentar os métodos utilizados (RIGO, 1977). A partir da década de 1970, começou-se a ter um maior interesse na investiga- ção científica no futebol, com o objetivo de auxiliar na preparação física dos atletas (MAYHEW; WENGER, 1985). A identificação dos sistemas energéticos que predomi- navam no esporte era feita através da análise de movimento realizada pelos atletas durante o jogo (BARBANTI, 1996). Com o passar dos anos e com o avanço tecnoló- gico, a investigação científica tornou-se cada vez mais comum e eficiente no auxílio da preparação física no futebol. Atualmente, o profissional responsável pela preparação física não está exclusi- vamente em trabalho somente com a categoria profissional, mas sim com todas as categorias de idade, sendo que as diferenças biológicas entre as diferentes fases da vida podem influenciar na aptidão física do atleta e devem ser respeitadas na prepa- ração e estruturação do treinamento das capacidades físicas. 1.1 A função do preparador físico no futebol moderno; A velocidade com que as pesquisas em treinamento desportivo crescem no mundo, em termos de conhecimento científico, mostram uma mudança no perfil do técnico e do preparador físico, pois o profissionalmoderno deve cumprir algumas exigências, dentre elas a de ser um profissional estudioso. Essa é uma das mais importantes qua- lidades que o preparador pode demonstrar aos seus comandados (GOMES; SOUZA, 2009), pois no futebol atual os atletas estão cada vez mais bem informados e cons- cientes sobre a prática sistematizada de preparação física, exigindo cada vez mais do profissional que aplica os treinamentos aos mesmos um grande poder de conven- cimento, a fim de se conseguir obter do atleta o máximo de rendimento esportivo. Ter uma experiência prévia como ex-atleta pode também auxiliar nesse processo, porém não é o principal requisito, visto que o conhecimento técnico-cientifico adquirido em algum momento da vida não é duradouro, e a necessidade de reci- clar-se deve ser constante, pois as áreas envolvidas com a preparação desportiva 8 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO são as que estão relacionadas com o desenvolvimento do ser humano, tanto no aspecto biológico como em outras dimensões (GOMES; SOUZA, 2009). Além dis- so, a função do preparador física está inteiramente relacionada às competências de atuação do profissional de Educação Física, assim torna-se necessário que o profissional que atue nessa área, possua graduação no ensino superior e o regis- tro profissional no órgão regulamentador da profissão (MILISTETD et al., 2015) O profissional atualizado deve envolver-se com todos os aspectos relacionados ao desenvolvimento do atleta e também se permitir o diálogo com todas as áreas correla- tas dentro da formatação da comissão técnica no futebol atual. Hoje, já encontramos em muitas equipes a presença de um grupo multidisciplinar de trabalho, composto, além do técnico e preparador físico, de: o fisiologista, o psicólogo, o fisioterapeuta, o assessor de imprensa, o nutricionista, o estatístico ou analista de desempenho, dentre outros (Figura 1). GRUPO INTERDISCIPLINAR COMISSÃO TÉCNICA TÉCNICO NUTRICIONAISTA FISIOLOGISTA MÉDICO ADMINISTRADOR ESPORTIVO PREPARADOR FÍSICO PSICÓLOGO DO ESPORTE FISIOTERAPEUTA OUTROS Figura 1: Fluxograma de cargos em comissão técnica multidisciplinar de equipes de futebol de alto rendimento 9 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Mas, além da inserção de todos esses profissionais no futebol, o papel do pre- parador físico passou a ser muito mais do que simplesmente treinar as capacidades físicas do atleta. A este profissional da comissão técnica cabe também a aplicação de testes físicos, o controle das cargas dos treinos, o equilíbrio entre as capacidades físicas a serem treinadas, a economia de energia, a recuperação pós-exercício do jo- gador, o aquecimento especifico para o treino e para o jogo, a periodização durante a temporada, e ultimamente o “scout” físico durante os jogos. Carece também de estar atento ao desempenho físico do atleta durante o jogo, pois se este se encontra visivelmente fadigado já no primeiro tempo, deve informar ao técnico imediatamente (MATTA et al., 2008). Sendo assim, cabe ao preparador físico o conhecimento de causas internas e exter- nas de todos os fenômenos com que está relacionado o desempenho de seus atletas, visto que a aplicação adequada ou não de meios e métodos de treinamento devem refletir no desempenho final, que é o jogo, e seu resultado sempre será influenciado, com maior grandeza ou não, pela aplicação dessas variáveis. Dessa forma, o preparador físico inserido no contexto atual do futebol deve apre- sentar a capacidade de: Demonstração: Saber explicar e estimular a execução com qualidade dos esforços solicitados (qualquer execução inadequada pode acarretar lesões e possíveis quedas no desempenho); Aplicar metodologia adequada: planejar, executar e avaliar todas as solicita- ções físicas aplicadas aos atletas, esclarecendo de forma clara os objetivos de tal tarefa (atletas atuais estão mais esclarecidos); Postura e didática: apresentar as tarefas de forma clara e com linguajar ade- quado aos atletas, porém este tema é um dos mais difíceis, necessitando que o profissional saiba entender o limite entre uma linguagem cientifica demais e a do “boleiro” mais contemporâneo; Psicologia: embora muitos clubes tenham esse profissional, o preparador físico muitas vezes tem que lidar com frustrações e outros sentimentos durante a aplicação das tarefas de treino; Fisiologia: é obrigação de um bom preparador físico o conhecimento das demandas fisiológicas e das respostas ocasionadas pelas atividades propostas por ele, mesmo estando muitas vezes ao lado de um profissional exclusivo para essa função na comissão técnica de muitos clubes; 10 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Direção e organização institucional: entender as exigências e peculiaridades técnico administrativas de cada clube, cada um com suas realidades (alto ou menos recurso financeiro/estrutural), pois ocasionará influência na atuação profissional do preparador físico; Humildade: nesse sentido não é se colocar em posição acanhada ou tímida dentro do fluxograma da comissão técnica, mas sim ter uma postura proativa na execução de sua função, porém sempre estar ciente de que mesmo sendo extremamente importante o trabalho de preparação física, esse cargo serve de suporte para o trabalho dos treinadores e atletas, os quais são as figuras principais dentro do processo final do futebol, sem eles o resultado final nunca será o ideal; Entender das estratégias táticas e técnicas: O preparador atuando no cenário atual não pode apenas utilizar de exercícios isolados e sem contexto com o modelo de jogo da equipe, pois os calendários de jogos estão cada vez mais congestionados, os momentos para treinar cada vez mais curtos, exigindo assim, uma integração de trabalho físico/técnico em alguns momentos para suprir as demandas necessárias aos atletas nesse cenário. Sendo assim, a função do preparador físico dentro do contexto do futebol está atualmente muito diferente de décadas atrás, pois esse profissional tem se tornado muito mais dinâmico em termos de intervenções diárias, ao passo que com o expres- sivo aumento por resultados e desempenho cada vez maiores, o profissional se viu na obrigação de compreender o comportamento de diversas áreas que antes eram exclusividade apenas dos profissionais responsáveis pelas mesmas (fisiologia, nutri- ção, psicologia, fisioterapia), moldando-se assim, um profissional muito mais eclético de conhecimento técnico-cientifico e com uma vivencia prática cada vez mais rica. 1.2 O contexto da Fisiologia do exercício no futebol Entre as ciências que dão suporte à atividade física, poucas conseguiram no futebol o status que a fisiologia do exercício assumiu nas duas últimas décadas do século XX. Em pouco tempo, a precisão dos resultados e a evolução dos profissionais da área transformaram essa disciplina e a alçaram à condição de suporte fundamental para qualquer comissão técnica. A fisiologia está ligada, por exemplo, à programação de treinos das equipes de futebol. Além disso, fornece à comissão técnica dados para ajudar a periodização das atividades. Essa influência chegou até as escalações das equipes, já que as análises fornecidas pelos fisiologistas são decisivas para determinar o nível de desgaste dos jogadores e mostrar quais precisam ser poupados. Conforme já citado no tópico anterior, o futebol atual “moldou”, de acordo com suas exigências, alguns profissionais e suas funções, dentre elas o fisiologista esportivo, 11 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO o qual, anteriormente (algumas décadas) era responsável apenas por aplicar determi- nados testes de desempenho, muitas vezes em ambientes laboratoriais controlados e monitorar alguns tipos de treinamento, sugerindo aos treinadores e/ou preparadores físicos possíveis intervenções. Essa abordagem, apesar de extremamente importante, fazia com que o fisio- logista fosse visto como um membro importante da equipe, porém com funções extremamente limitadas e com uma pequena integraçãoentre a equipe de trabalho na maioria dos casos. Atualmente esse indivíduo se tornou muito mais dinâmico, com mais atribuições e consequentemente mais responsabilidades dentro do contexto multidisciplinar ou transdisciplinar no futebol (Figura 1). Hoje em dia, em praticamente todas as equi- pes de futebol do brasil e do exterior, é possível observar o fisiologista esportivo “a beira do campo de jogo”, muitas vezes realizando o monitoramento das sessões em tempo real porém, principalmente, interagindo com a comissão técnica, discutindo planejamento semanal ou mensal, refletindo e estimulando a discussão sobre casos especiais, visto que um clube de alto rendimento é composto de no mínimo 30 atletas e muitos desses atletas necessitam de intervenções especiais, as quais muitas vezes, são detectadas e/ou observadas por esse profissional durante as inúmeras avaliações diárias realizadas por ele, sejam elas físicas, medidas laboratoriais de desgaste mus- cular, análise de deslocamentos em partida, ou simplesmente, pequenas observações realizadas durante a sessão de treinamento. A fisiologia contribuiu para uma característica cada vez mais presente no futebol moderno, que é a individualização do trabalho. O esforço no sentido de identificar a validade de uma informação e compará-la com outros dados similares criou padrões de desgaste e desempenho diferentes para cada posição ou para cada perfil de atle- ta. Isso mudou radicalmente o conceito do treinamento esportivo das modalidades coletivas, dando a ele um caráter cada vez mais pluralista. Depois de épocas com exercícios meramente voltados ao desgaste e das atividades feitas em circuitos em que todos faziam uma série de movimentos, a tendência é uma especialização cada vez maior nesse tipo de treino. Com os dados fornecidos pelos fisiologistas, tornou-se possível elaborar atividades voltadas à manutenção e elevação dos pontos positivos dos atletas, além de trabalhos direcionados à correção das imperfeições. Outra questão que tem se tornado mais eficiente é a dosagem de volume e intensidade de esforço em treinos e jogos, que é um fator decisivo para evitar lesões e problemas físicos de desgaste excessivo. Essas peculiaridades exigem um olhar muito mais crítico e embasado cientifica- mente, mas que acima de tudo, consiga transferir todas essas informações em ações de tomadas de decisões e, na medida do possível, decisões coerentes, compartilhadas com toda a comissão técnica e que reflitam no desempenho ou sucesso esportivo esperado, pois como já citado, a cobrança por resultados cada vez maiores, tem exigido cada vez mais profissionais bem preparados não apenas técnica/cientifica- mente, mas sim que consigam unir tudo isso com pró-atividade e dinamismo com responsabilidade. 12 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 1.3 Caracterização da demanda fisiológica no futebol Futebol é uma modalidade que exige do jogador várias capacidades das quais se destacam uma apurada competência técnica, uma boa compreensão táctica do jogo, comportamento cognitivo no rendimento e, para além disso, uma excelente condição física. O jogo, com uma duração oficial de noventa minutos, é realizado em intensidade muito elevada, de forma intermitente e com sequências aleatórias de fases de esforço e de repouso. Para que do treino resulte uma preparação do jogador a mais adequada possível para a competição, é necessário conhecerem-se com rigor as características da modalidade em causa. A partir desse conhecimento, o treinador poderá planejar o conteúdo e a aplicação temporal das cargas do treino em função daquilo que o jogo exige (SOARES; REBELO, 2013). Essa modalidade tem uma natureza intermitente que abrange curtas ações de corrida de alta intensidade e períodos mais longos de exercício de baixa intensidade (RAMPININI et al., 2007). Embora a produção de energia através do sistema aeróbico predomine devido ao tempo total de mais de 90 minutos no futebol, os jogadores profissionais de elite podem realizar até 250 ações breves de alta intensidade durante uma partida, indicando também altas demandas anaeróbias durante períodos intensos de partida (BANGSBO, 1994). Estudos mostram que mesmo que a distância total percorrida durante a partida tenha permanecido constante na última década, a evolução da exigência física durante o jogo tem refletido em grandes aumentos observáveis nas distancias percorridas e sprints e zonas mais altas de intensidade durante a partida (BARNES et al., 2014). As atividades de alta intensidade fornecem uma medida válida de quanto a capacidade de desempenho dos jogadores de futebol aumentou, refletindo o status de treinamento e discriminando entre os níveis de desempenho “Elite x semiprofissionais e categorias de base” (MOHR et al., 2003; BRADLEY et al., 2009; BRADLEY et al., 2011). A manifestação de fadiga na parte final do jogo tem vindo a ser muito estudada em diferentes trabalhos. Foi observada uma diminuição da performance física na segunda parte de jogos da Premier League, afetando especialmente os deslocamen- tos de intensidade intermédia (DI SALVO et al., 2007). Por outro lado, em outro estudo realizado na mesma liga profissional (Bradley et al., 2009) (Figura 2), em que se analisaram as necessidades de recuperação dos esforços de alta intensidade, verificou-se um aumento progressivo do tempo médio de recuperação, o que parece ser um forte indicador de que à medida que o jogo se desenrola a dificuldade em manter o trabalho de alta intensidade vai aumentando (SOARES; REBELO, 2013). A manifestação de fadiga durante o jogo de futebol tem sido também observada nos períodos subsequentes à realização de esforços intensos, o que foi designado por fadiga temporária. 13 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Figura 2: tempo médio de recuperação dos esforços de alta intensidade em atletas da premiere league (SOARES; REBELO, 2013) A primeira tentativa de estabelecer o conceito de fadiga do futebolista foi origi- nalmente descrita por Jens Bangsbo (1994). Analisando a intensidade do jogo em períodos de 5 minutos, foi verificado que, depois dos jogadores se envolverem num conjunto de corridas e ações de alta intensidade em um determinado período, apre- sentavam no período seguinte uma diminuição considerável da intensidade do seu trabalho (MOHR et al., 2003; SOARES; REBELO, 2013). Da análise dos vários estudos apresentados, podemos concluir que o futebol é uma modalidade muito exigente fisicamente, tendo como componente uma expres- são diferenciada em função da posição específica do jogador, da concepção táctica, do nível competitivo e até das diversas fases do jogo (SOARES; REBELO, 2013). Por outro lado, a fadiga manifesta-se fundamentalmente após as fases mais intensas do jogo e na fase terminal do mesmo. Desse modo, cabe aos treinadores desenvolver estratégias de treino que promovam a capacidade de recuperação após exercício de alta intensidade e a resistência em exercício intermitente de longa duração, en- quadradas evidentemente nas características específicas da modalidade (SOARES; REBELO, 2013). Em particular, para um alto desempenho, é essencial aumentar a capacidade dos jogadores de manter níveis intensos de atividade e limitar a fadiga ao mesmo tempo, o que significa que os jogadores precisam de um componente misto de capacidades para um bom desempenho durante a partida (KÖKLÜ et al., 2015). 14 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 1.4 Análise do padrão de ações motoras durante a partida Observar o padrão de deslocamento dos atletas durante uma partida é extrema- mente importante para entender o contexto físico e fisiológico nas diferentes catego- rias e posições existentes no futebol. Essas informações servem de parâmetros para planejar as sessões de treinamento de acordo com a demanda de jogo individualmente para as diferentes categorias e posições (SOARES; REBELO, 2013). A concepção táctica é, dentre os diferentes aspectos responsáveis pelo padrão dedeslocamento na partida, um dos mais importantes. Se, por exemplo, estamos ava- liando a distância percorrida por um lateral de uma equipe que joga mais recuada, com preocupações mais defensivas, a atividade desse atleta em termos de volume total de deslocamento será mais reduzida, devido as imposições táticas (Figura 3). Por outro lado, se essa equipe optar por uma concepção mais ofensiva em que os laterais atuam quase como extremos, vamos encontrar um maior espaço percorrido no jogo e, portanto, uma maior demanda fisiológica (SOARES; REBELO; 2013). Figura 3: Recorte de Análise de imagem (time motion) do perfil de posicionamento da seleção brasileira durante a copa do mundo da russia 2018 (FIFA website) São hoje utilizadas numerosas formas de observar o jogo do ponto de vista físico. Essas formas envolvem a localização contínua dos jogadores durante todo o jogo com o intuito de se poder caracterizar os seus deslocamentos. Os métodos mais precisos e rápidos assentam na tecnologia de localização por GPS (ex.:GPS Sports), na análise computorizada de imagens de vídeo (ex.: Prozone e Amisco) e no tratamento de dados recolhidos por radiofrequência (ex.: ZXY Sport Tracking). Internacionalmente, esse tipo de análise denomina-se genericamente de time-motion analysis e foi muito utilizado nas duas últimas copas do mundo. A figura 4 presenta uma das variáveis monitoradas com o uso do GPS durante os jogos da Copa do Mundo da Rússia em 2018. 15 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Figura 4: média de distancia total percorrida > 25 km/h de todas as seleções durante a copa do mundo da Russia 2018 (FIFA website). Os percursos realizados pelos jogadores são analisados em função da intensida- de (ex.: sprint, corrida lenta, trote, etc.), do espaço percorrido, da frequência e da forma (ex.: corrida de costas, lateral, etc.). Está amplamente descrito em inúmeros trabalhos que um jogador de futebol percorre, dependendo da função específica, entre 8 e 12 km por jogo (DI SALVO et al., 2007) (Figura 5). Os deslocamentos de baixa intensidade ocupam cerca de 4/5 de todas as restantes formas de locomoção, no que se refere ao tempo, e de 70%, relativamente ao espaço. Porém, não é apenas a distância total percorrida que varia em função da posição no terreno de jogo – a distância percorrida nos diversos tipos de deslocamento apresenta também uma grande variação (DI SALVO, et al., 2007). Figura 5: deslocamentos totais e número de sprints de acordo com função tática na partida (DISALVO et al., 2007 apud SOARES; REBELO, 2013). Dessa forma, equipamentos que utilizam da tecnologia de Sistema de Posiciona- mento Global (GPS) podem ser de grande utilidade, pois permitem a mensuração de todos os deslocamentos realizados durante essas sessões, podendo-se observar 16 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO quais as exigências a que os atletas são submetidos em cada tipo de treinamento (técnico, tático, físico). Além disso, os equipamentos GPS permitem a quantificação das CET através das distâncias percorridas, semanalmente pelos atletas, em diversas intensidades (CASAMICHANA et al., 2012). A tecnologia do GPS foi desenvolvida para fins militares, em meados dos anos 90, e utiliza um equipamento receptor que envia um sinal sobre a sua localização a pelo menos 3 (três) de uma rede de satélites ao redor da órbita terrestre (estima-se que existam mais de 27 satélites), sendo que esses satélites ficam em operação durante 24 horas por dia e, por meio do envio desses sinais, pode-se determinar posteriormente o padrão de deslocamento desse receptor (CASAMICHANA et al., 2012). A fim de ser utilizada para fins esportivos, mais recentemente essa ferramenta foi adaptada e atualmente são comercializados diversos modelos (GPSports®, Cata- pult®, Qstarz®, Polar Team Pro®, dentre outros) e de pequenos receptores portáteis (30 a 80g de peso), podendo ser fixado ao corpo do atleta durante a execução de sua atividade. Esses receptores enviam constantemente informações sobre a sua locali- zação para o satélite (a cada segundo), sendo que todos os dados são gravados pelo equipamento e, depois de transferidos para um software, podem ser estimados o padrão dos deslocamentos realizados pelo receptor e, consequentemente, pelo atleta durante a sessão de treinamento (CASAMICHANA et al.; BARBERO-ÁLVAREZ et al., 2010; CASAMICHANA et al., 2013). Em alguns casos, esses deslocamentos podem ser visualizados em tempo real através de equipamentos que permitem a conexão de uma antena portátil a um computador (CASAMICHANA et al., 2011). Inicialmente, o padrão de deslocamento no futebol era quantificado por meio de análises de imagens. De acordo com este método, durante uma partida os atletas percorrem em média 9 a 12 km, sendo que, entre 80-90% do tempo, os atletas perma- necem realizando deslocamentos de moderada a baixa intensidade (BRADLEY et al., 2009; DELLAL et al., 2010; DI SALVO et al., 2010; BRADLEY et al., 2011). Entretanto, a quantificação do padrão de deslocamento através de análises de imagens demanda muito tempo e exige várias câmeras espalhadas pelo campo de jogo, o que pode ser um fator limitante para equipes com um menor orçamento. Alguns estudos têm utilizado equipamentos de GPS para monitorar o desloca- mento de jovens atletas durante jogos ou treinamentos (BUCHHEIT et al., 2010a; CASAMICHANA et al., 2012; CASAMICHANA et al., 2013), sendo que a utilização dessa ferramenta tem se mostrado válida para quantificar padrões de deslocamento em campo (COUTTS et al., 2009; BARBERO-ÁLVAREZ et al., 2010; CASAMICHANA et al., 2011), principalmente quando se utiliza equipamentos com frequência de aquisição de sinal acima de 10Hz (CASAMICHANA et al., 2012). Utilizando esse método, Buchheit e colaboradores (2010a) estudaram atletas de 13 a 18 anos e observaram que, durante as partidas, os atletas com idade próxima aos 17 anos podem percorrer uma distância total de até 8,7 km. Porém, para os atletas mais jovens, à distância percorrida em jogos não passa dos 6,5 km demonstrando que podem existir diferenças significativas nas distâncias totais percorridas por jovens 17 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO atletas em relação às diferentes categorias de idades existentes no futebol. Os autores demonstraram ainda que as distâncias percorridas são diferentes entre as posições existentes no futebol, sendo que os meio-campistas foram os atletas que percorreram as maiores distâncias totais (8,6 km), enquanto que os zagueiros se deslocaram me- nos (7,6 km) durante as partidas, que foram compostas por 2 tempos de 40 minutos cada. Entretanto, com relação à distância percorrida em altas intensidades (acima de 17 km/h) observaram-se maiores valores em favor dos atacantes e laterais, suge- rindo que essas posições podem sofrer um maior desgaste físico durante as partidas (BUCHHEIT et al., 2010a). A partir das informações extraídas dos jogos, é possível planejar, acompanhar e comparar, por exemplo, o volume total percorrido nas diferentes intensidades durante as sessões semanais de treinamento, a fim de detectar estímulos insuficientes para simular as exigências a que os atletas são submetidos nos jogos oficiais. Dessa forma, Casamichana et al. (2012) compararam o padrão de deslocamento de jogadores de futebol adulto, com utilização de GPS durante jogos amistosos e treinamentos se- manais em campo reduzido, destacando que as distâncias percorridas nas diferentes intensidades são muito próximas, tanto nos jogos amistosos como no treino de campo reduzido. Além disso, os autores observaram também que o tempo de permanência nas diferentes zonas também foi similar, principalmente nas velocidades de 13 a 17 km/h. Entretanto, a distância total percorrida em sprints (>21 km/h), número de sprints realizados e a média de duração dos sprints, foram significantemente maiores durante os jogos amistosos. Buchheit e colaboradores (2011) investigaram atletas jovens (13-16 anos) durante doisjogos intercalados por um intervalo de 48h, e constataram que os jogadores per- correm em média 1500 m em alta intensidade e que os atacantes percorrem maiores distâncias em alta intensidade e sprints do que as demais posições. Analisando o número de sprints repetidos em atletas de futebol de 15 a 18 anos durante as partidas, Buchheit e colaboradores (2010b) observaram que os laterais e atacantes realizam um número maior de sprints longos (acima de 3 segundos) do que os meio-campistas mais recuados. Além disso, a duração dos sprints foi reduzida com o aumento da ida- de, ou seja, os atletas mais jovens realizavam sprints mais longos durante as partidas, ressaltando que as velocidades para se caracterizar o sprint foram diferentes entre as categorias analisadas e a duração de cada partida foi composta por: 2 x 35 min (SUB 13 e SUB14); 2 x 40min (SUB 15, 16 e 17) e 2x 45 min para a categoria (SUB 18). Atualmente, embora existam algumas informações a respeito do padrão de des- locamento durante jogos no futebol mundial, há especificidades relacionadas a cada categoria (idade), país ou continente que devem ser respeitadas, sendo apresentado adiante. 18 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO REFERÊNCIAS BANGSBO, J. The physiology of soccer--with special reference to intense intermittent exercise. Acta Physiologica Scandinavica. Supplementum, v. 619, p. 1-155, 1994. BARBANTI, V. J. Treinamento físico: bases científicas. 3. ed. São Paulo: CLR Balieiro, 1996. 116 p. BARBERO-ÁLVAREZ, J. 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Possui Experiência de 16 anos atuando como Preparador Físico e Fisiologista de atletas de alto rendimento, em diversas modalidades coletivas como: Handebol (UNOPAR e UNIFIL Londrina), Futsal (Londrina), Basquetebol (Vitória e Londrina). Desde 2012 vem trabalhando com atletas profissionais de futebol (Londrina Esporte Clube 2012 a 2016 e Chapecoense 2017 a 2019). Consultor em fisiologia de atletas participantes das olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012). Docente de Cursos de Pós-Graduação em instituições nacionais nas áreas de treinamento esportivo, futebol e fisiologia do exercício. Darlan Perondi é natural de Xavantina, no estado de Santa Catarina, graduado em Educação Física pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) e Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais. É pesquisador na área da Ciências do Esporte, desenvolvendo estudos na perspectiva da Psicologia do Esporte, com temas relacionados ao treinamento esportivo, principalmente ligados ao desenvolvimento de treinadores. Possui experiência como auxiliar técnico na modalidade de futsal, sendo campeão microrregional dos Joguinhos Abertos de Santa Catarina (2014) e campeão regional dos Jogos Abertos de Santa Catarina (2014) na categoria feminino. Além disso possui experiência como professor universitário (2018). 22 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO FABIANO DE SOUZA FONSECA TREINAMENTO DAS CAPACIDADES FÍSICAS NO FUTEBOL 2 Capítulo 23 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 2.1CONTEXTUALIZAÇÃO O futebol pode ser considerado um esporte complexo do ponto de vista físico e fisiológico devido à natureza intermitente das ações realizadas e exigências meta- bólicas impostas pelo jogo, conforme abordado na unidade I. Desta forma, conco- mitantemente ao desenvolvimento das capacidades técnicas e táticas, os jogadores de futebol devem manter um elevado nível de condicionamento físico com o intuito de potencializar o desempenho em competição (HOFF, 2005). Portanto, o aprimo- ramento do nível de condicionamento físico e desenvolvimento das capacidades físicas (capacidades condicionais) se torna fundamental porque representa a base estável que sustenta o ótimo rendimento dos demais componentes determinantes da performance no futebol. De fato, alcançar elevados níveis competitivos no futebol atual pressupõe uma ótima preparação tática, técnica, psicológica, e ainda, excelente nível de condiciona- mento físico (GOMES; SOUZA, 2008). Até porque tem sido notável que os aspectos físicos/fisiológicos parecem ser cada vez mais decisivos no futebol moderno (BUSH et al., 2015). Esse fato inclusive implica no reconhecimento da importância do pre- parador físico como elemento chave nas equipes multidisciplinares que compõem as comissões técnicas (TURNER; STEWART, 2014). A preparação física pode ser considerada então um componente essencial do complexo sistema de treinamento no futebol que possui o propósito de desenvolver as capacidades físicas para poten- cializar o desempenho competitivo. As capacidades físicas são entendidas como um conjunto de propriedades do or- ganismo (atributos/qualidades físicas) determinadas essencialmente por processos energéticos, neurais, plásticos e metabólicos que podem afetar a performance em jogo (GOMES, 2009). Assim sendo, a resistência, a força, a velocidade, a agilidade e a flexibilidade representam o conjunto de capacidades físicas constituintes dos pilares que garantem a máxima eficiência para executar as ações intrínsecas ao contexto de jogo. Mas cabe destacar que a especificidade da modalidade implica em diferentes níveis de importância dessas capacidades para a performance competitiva. Esse as- pecto deve ser considerado pelo preparador físico durante o processo de planejamento e estruturação do treinamento para garantir o desenvolvimento multilateral do atleta e também garantir a ênfase apropriada em capacidades que são determinantes em ações motoras que definem o resultado de uma partida. Considerando que o desenvolvimento da resistência, força, velocidade, agilidade e flexibilidade representa o principal objeto da intervenção do preparador físico no futebol, o conhecimento acerca dos pressupostos teóricos que subsidiam o aprimora- mento dessas capacidades pode ser considerado um pré-requisito para a atuação com excelência na preparação física. O objetivo deste módulo é fornecer uma visão geral sobre o treinamento das capacidades físicas relacionadas à performance no futebol com o intuito de fundamentar o processo de planejamento, avaliação, prescrição e controle do treinamento físico. 24 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 2.2 TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA 2.2.1 Conceito e importância na preparação do futebolista Dentre as diferentes definições encontradas na literatura no contexto esportivo, predomina a noção de resistência como a capacidade do indivíduo em desempenhar eficazmente determinada tarefa motora pelo máximo período de tempo resistindo à fadiga (WEINECK, 2003; PLATONOV, 2008; MARTIN; CARL; LEHNERTZ, 2008). Fadiga pode ser entendida como um estado transitório de redução da capacidade de rendimento (MOR; KRUSTRUP; BANGSBO, 2005). Durante uma partida de futebol, os atletas realizam atividades prolongadas em baixa intensidade intercaladas por momentos curtos de alta intensidade durante cerca de 90 minutos (GOMES; SOUZA, 2008). Esse perfil de exigência física/fisiológica gera fadiga e afeta o rendimento dos jogadores. De fato, tem sido observada reduções importantes na distância percorrida e nas ações de alta intensidade do período inicial para o final das partidas (MOR; KRUS- TRUP; BANGSBO, 2003; RAMPININI; COUTTS; CASTAGNA; SASSI; IMPELLIZZE- RI, 2007; CARLING; DUPONT, 2011). A fadiga relacionada ao jogo também parece reduzir a quantidade e qualidade do desempenho técnico para ao longo da partida (RAMPININI; IMPELLIZZERI; CASTAGNA; AZZALIN; BRAVO; WISLOFF, 2008). Por essa razão, a fadiga é vista como um dos principais fatores que afeta o rendimento do futebolista, e portanto, deve ser considerado o desenvolvimento da capacidade de resistência no treinamento físico no futebol (GOMES; SOUZA, 2008). Espera-se que atletas com um nível ótimo de resistência sejam capazes de manter a eficiência das ações motoras durante os treinamentos e ao longo das partidas porque estão menos susceptíveis aos efeitos negativos da fadiga. 2.2.2 Fundamentos fisiológicos do treinamento de resistência Tendo em vista os aspectos fisiológicos e bioquímicos, a capacidade de resistên- cia é determinada pelo balanço entre a velocidade de consumo energético durante o esforço e as reservas de energia disponíveis (HAFF; TRIPLETT, 2015). Qualquer ati- vidade motora envolve contração muscular, e consequentemente, há gasto energético para execução desse trabalho mecânico. A energia usada pelo tecido muscular para realizar a contração é obtida pela quebra da molécula adenosina trifosfato (ATP). As células musculares através de uma cadeia de reações bioquímicas transformam a energia potencial da molécula de ATP em trabalho mecânico (McARDLE; KATCH; KATCH, 2016). A liberação de energia ocorre pela hidrólise do ATP ao nível das proteínas contrá- teis (actina e miosina) constituintes das fibras musculares. Como a reserva de ATP intracelular é limitada, os estoques de ATP seriam rapidamente esgotados caso não houvessem mecanismos fisiológicos para suprir a demanda energética durante o exer- cício prolongado. A ressíntese contínua de ATP, à medida que o mesmo é utilizado pelo organismo durante o exercício, garante que o trabalho mecânico seja sustentado 25 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO de forma eficiente por longos períodos, e desta forma, determina a capacidade de resistência (McARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Esse processo ocorre basicamente através de três sistemas de produção de energia: 1. Anaeróbio alático: utiliza a degradação da creatina fosfato (CP) presente nos músculos em quantidade limitada para produzir energia imediata; 2. Anaeróbio lático (glicólise anaeróbia): consiste na degradação do glicogênio (ausência de oxigênio) e resulta na liberação de ATP + ácido lático; 3. Aeróbio: implica na degradação da glicose e ácidos graxos com participação direta de oxigênio para produção de grandes quantidades de ATP. No quadro 1 é apresentado um resumo dos diferentes mecanismos envolvidos na obtenção de energia e ressíntese de ATP. Quadro 1 – Mecanismos fisiológicos de síntese de ATP. Fonte: Elaborado pelo autor (2019). Os sistemas de produção de energia elencados acima são caraterizados pela sua potência, capacidade e eficiência. A potência reflete a velocidade de liberação do ATP nos processos metabólicos. A capacidade se refere à quantidade total de energia produzida pelo sistema. Já a eficiência indica em que medida a energia liberada pelo sistema é utilizada para a realização de um trabalho específico (GOMES, 2009). O sistema anaeróbio alático representa aquele com maior potência e assegura a maior parte de provimento de energia aos músculos nos primeiros segundos de exercícios em altas intensidades. Esse sistema desempenha papel primordial para o suprimento energético em ações motoras de curta duração e alta intensidade, como ocorrem nos sprints em curtas distâncias, saltos, cabeceios, chutes e etc (GOMES, 2009; GOMES; SOUZA, 2008). O sistema anaeróbio lático (glicólise anaeróbia) alcança a potência máxima em aproximadamente 30 a 40 segundos de trabalho muscular, emboraem menor mag- nitude comparada à potência do mecanismo ATP-CP (anaeróbio alático). Portanto, durante esforços com duração até 40 segundos, esse mecanismo possui predominân- cia no fornecimento de energia para manter o trabalho muscular. Isso pode ocorrer 26 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO por exemplo em situações envolvendo o contra-ataque ou recomposição defensiva nas quais os atletas devem percorrer distâncias relativamente longas no campo de jogo (GOMES, 2009; GOMES; SOUZA, 2008). O sistema aeróbio (oxidativo) representa o principal mecanismo de fornecimento de energia durante esforços prolongados. Sua predominância sobre os mecanismos anaeróbios para o suprimento energético ocorre gradualmente à medida que o exer- cício se prolonga, podendo atingir a sua máxima participação entre 2 e 5 minutos de esforço (GOMES, 2009; GOMES; SOUZA, 2008). O treinamento de resistência resulta em adaptações fisiológicas que afetam po- sitivamente a capacidade do organismo em mobilizar energia pelos sistemas acima descritos. O grau em que essas adaptações ocorrem depende principalmente do nível de treinamento do atleta e fatores genéticos. Há uma melhoria das funções do siste- ma respiratório e cardiovascular, aumento do débito cardíaco, aumento no volume de ejeção, o aumento da concentração de hemoglobina e volume sanguíneo, assim como melhora na sua redistribuição entre os músculos, e etc. No nível metabólico e musculo-esquelético, dentre as principais adaptações, ocorre um aumento no número e tamanho das mitocôndrias, enzimas oxidativas e vascularização capilar (McARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Apesar dos jogadores passarem a maior parte do tempo de uma partida em ati- vidades de baixa a moderada intensidade (BANGSBO, 2006), são as atividades em alta intensidade que muitas vezes definem o resultado de uma partida. Devido as características dos esforços e distribuição das atividades motoras ao longo de uma partida, é plausível considerar que tanto o sistema aeróbio quanto o sistema anaeró- bio (lático e alático) tem participação importante para o fornecimento de energia ao longo dos 90 minutos de uma partida. Assim, o treinamento de resistência aeróbia e anaeróbia deve ser programado na preparação física no futebol. 2.2.3 Classificação e objetivos do treinamento de resistência A resistência tem sido classificada de acordo com critérios ou fatores que deter- minam sua forma de manifestação. A classificação em relação à especificidade e solicitação metabólica são importantes quando se trata do treinamento de resistência no futebol. Quanto ao critério da especificidade, a resistência se manifesta de forma geral ou específica. Já em relação à solicitação metabólica, ela pode ser classificada em resistência aeróbia, anaeróbia alática e anaeróbia lática (GOMES, 2009). Tem sido consensual na literatura que o treinamento de resistência aeróbia tem papel fundamental na preparação atlética em modalidades intermitentes, já que a mesma forma a base funcional que favorece o desenvolvimento de outras capacidades determinantes para a performance ótima. Sua importância se manifesta por exemplo, favorecendo os processos de recuperação entre os estímulos numa mesma sessão de treinamento, bem como, entre diferentes sessões e/ou dias de treinamento. 27 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO O treinamento de resistência aeróbia implica em um programa que é estruturado para potencializar o processo de captação, transporte e utilização de oxigênio para fornecer energia. É imperativo durante a partida de futebol e sessões de treinamento que haja um bom suprimento de oxigênio para os músculos ativos e que estes teci- dos sejam capazes de usá-lo de forma eficiente para produzir energia. Melhoras na aptidão aeróbica impactam diretamente na capacidade de sustentar o exercício em determinada intensidade por mais tempo. No contexto do futebol, a maior necessidade de elevar o nível de aptidão aeróbia ocorre principalmente no período de pré-temporada (REILLY, 2007). A participação do jogo em si pode melhorar o transporte de oxigênio, mas não em magnitude suficiente para propiciar mudanças fisiológicas significativas. Por esta razão, no treinamento antes da temporada competitiva é provável que tenha mais aptidão formal e trabalho de condicionamento do que em outros momentos durante a temporada. Ganhos acu- mulados do treinamento aeróbico provavelmente serão menos pronunciados dentro da temporada competitiva. São objetivos específicos do treinamento de resistência no futebol: Criar uma base ampla para o treinamento da técnica e da tática; Aumentar a capacidade física do jogador, criando possiblidade de uma parti- cipação mais longa e intensa nos jogos, com e sem bola, na sua duração total e com elevado ritmo de jogo, utilizando ao máximo as suas reservas físicas; Melhorar a sua capacidade de recuperação, superando mais rapidamente os sintomas de cansaço e compensando melhor eventuais decréscimos de pro- dução de energia, nos jogos e entre jogos e treinos; Reduzir o risco de lesões (o músculo se mantém em condições de gerar respos- tas rápidas e eficazes durante mais tempo, face a possíveis quedas, pancadas, gestos bruscos, etc.); Diminuir os erros técnicos (a concentração é mantida durante mais tempo, bem como a atenção e a rapidez nas diferentes ações técnicas); Favorecer os processos cognitivos (a fadiga é melhor suportada e a recuperação mais rápida, o sistema nervoso é menos afetado, prolongando por mais tempo capacidades ótimas de antecipação, decisão e reação). 28 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 2.2.4 Principais métodos e meios de treinamento de resistência no futebol Método Contínuo Os métodos contínuos são caracterizados por esforços contínuos sem que haja interrupção do estímulo, cujo o exercício apresenta-se em uma série única e definitiva. Um exemplo de aplicação desse método seria realizar uma corrida por 30 minutos sem pausa a 60% da FC máxima. A intensidade pode ser manipulada durante esse método, originando outras sub- classificações: contínuo uniforme e contínuo variável. No método contínuo uniforme, a intensidade é mantida relativamente estável durante todo o esforço. Já no método contínuo variável, a intensidade é aumentada ou diminuída constantemente durante o esforço. Obviamente, a manipulação da intensidade é realizada com o intuito de gerar adaptações específicas. Método Fracionado Os métodos fracionados (intervalados) são representados por exercícios que pos- suem pausas intercaladas entre os períodos de esforços. Os métodos intervalados podem ser com pausas completas, quando permitem a recuperação praticamente total do atleta antes do próximo esforço, ou também com pausas incompletas, nesse caso, o novo estímulo é iniciado sem a completa recuperação do atleta. Os intervalos de recuperação são manipulados em função das adaptações específicas que se objetivam com cada variação. Os treinamentos intervalados de alta intensidade (HIIT) é um exemplo de aplicação desse método. Método competitivo O método competitivo é caracterizado pela utilização de jogos (adaptados, mini- -jogos, coletivos) para promover ganhos na capacidade de resistência. Consideran- do que o metabolismo energético predominante nesses jogos é aeróbio, tais meios são vistos como uma ferramenta capaz de promover adaptações específicas que promovam melhora na capacidade de resistência. Os jogos reduzidos (small sided games) têm sido amplamente utilizados pelos preparadores físicos com esse propó- sito. Além de propiciar adaptações específicas em relação à resistência, tais jogos envolvem elementos técnico-táticos que permite o desenvolvimento simultâneo de outras capacidades importantes. Considerando o tempo reduzido de preparação da maioria das equipes, otimizar os processos de treinamento através do treinamento integrado é imperativo. Além disso, o aspecto motivacional é outro fator importante a ser considerado a favor desse método. Hámaior envolvimento e motivação dos atletas pelos trabalhos realizados com bola envolvendo situações específicas de jogo. Mudanças e alterações nas regras dos jogos reduzidos permitem alterar a dinâmica e intensidade dos mesmos visando adaptações específicas em relação à resistência. 29 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO 2.3 TREINAMENTO DE FORÇA E POTÊNCIA 2.3.1 Importância do treinamento de força e potência no futebol Conceitualmente, a força é entendida como a capacidade de vencer ou suportar uma resistência dada como resultado da contração muscular (MANSO; VALDIVIELSO; CABALLERO, 1996). Especificamente no futebol, a força e potência muscular tem papel fundamental para a performance atlética, já que estão associadas diretamente com a capacidade de desempenhar ações de alta intensidade, como saltos, sprints, mudanças de direção, acelerações (FAUDE et al., 2012; LOTURCO et al., 2015). Estu- dos científicos que analisaram longitudinalmente o Campeonato Inglês (temporadas de 2006 a 2012) têm verificado ao longo das temporadas um aumento da distância percorrida pelos jogadores em sprints e também aumento da velocidade média das corridas em alta velocidade para diferentes posições (TURNER; STEWART, 2014). Apesar das atividades em alta intensidade representarem apenas cerca 9% do total das ações realizadas pelos jogadores numa partida, tais atividades são determinantes nos momentos cruciais que definem os resultados da partida, como por exemplo, nas jogadas que geram as oportunidades de gol ou nas ações defensivas que buscam evitar a chance de gol do adversário (FAUDE et al., 2012). Além disso, há fortes evi- dências científicas que a força potencializa o desempenho global do atleta, reduz o risco de lesões e favorece a recuperação (SUCHOMEL et al., 2018). Em conjunto, as evidências apresentadas acima deixam claro a importância da capacidade de força e potência muscular na preparação física no futebol moderno. Portanto, é relevante compreender os fundamentos do treinamento de força, as prin- cipais adaptações fisiológicas ao treinamento e os principais métodos de desenvolvi- mento da força para estruturação de programas de treinamento aplicados ao futebol. Tais aspectos serão apresentados e discutidos na sequência. 2.3.2 Classificação e objetivos do treinamento de força no futebol A capacidade do músculo gerar força mantendo ótima a eficiência da contração durante o esforço constitui a base para o desempenho esportivo em qualquer modali- dade. Um dos objetivos em comum nos programas de condicionamento e preparação esportiva é melhorar a funcionalidade do sistema neuromuscular. No entanto, os objetivos específicos podem ser diferentes dependendo das necessidades específicas e exigências da modalidade esportiva em questão. Mais especificamente, a compreensão dos componentes da força e suas formas de manifestação tem implicações diretas na definição dos objetivos específicos da preparação física no futebol, assim como auxiliar na estruturação do planejamento do programa de treino, na seleção dos meios e métodos de treinamento e direciona a definição de protocolos de avaliação do desempenho neuromuscular. A capacidade de força recebe classificações conforme sua forma de manifestação, a saber: força máxima, força explosiva (potência) e resistência de força. A força máxima 30 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO representa a maior quantidade de força que o sistema neuromuscular é capaz de gerar por meio de uma única contração voluntária máxima. Já força explosiva é o componente da força associado à capacidade do sistema neuromuscular em desen- volver máxima tensão no menor tempo possível. Por fim, a resistência de força é caracterizada pela capacidade de manutenção do sistema neuromuscular gerar tensão pelo maior tempo possível e resistir à fadiga (BAECHE; EARLE, 2016). Tendo em vista as especificidades inerentes às ações musculares realizadas em jogo e demandas físicas da modalidade, os jogadores de futebol devem estar aptos fundamentalmente para aplicar força em alta velocidade. Embora a força máxima e resistência de força tenham considerável importância na preparação física geral do futebolista, a força explosiva é vista como o componente determinante para o desempenho no futebol. Isto porque a força explosiva afeta diretamente a performan- ce durante saltos, corridas em alta velocidade, acelerações, chutes, deslocamentos rápidos com e sem mudança de direção (GOMES; SOUZA, 2008). Sendo assim, o principal propósito do treinamento de força no futebol deve ser promover adaptações fisiológicas capazes de maximizar a capacidade de gerar tensão em alta velocidade, ou seja, potencializar os ganhos de força explosiva. 2.3.3 Adaptações fisiológicas ao treinamento de força A contração muscular envolve tanto componentes centrais (neurais) e periféricos (musculares). Nesse sentido, espera-se que as adaptações geradas pelo treinamento de força ocorram em componentes neurais e estruturais/morfológicos. As adapta- ções em mecanismos neurais abrangem a coordenação intra e intermuscular, tais como, recrutamento de unidades motoras, sincronização, taxa de disparo, ativação de sinergistas e co-ativação de antagonistas). As adaptações estruturais/morfológicas implicam em mudanças na arquitetura muscular (mudanças no ângulo de penação, aumento do volume das fibras musculares e aumento da seção transversa do mús- culo) (BAECHE; EARLE, 2016). Durante o período inicial de treinamento os ganhos de força são oriundos de adaptações em mecanismos neurais. Uma das principais adaptações é o aumento na eficiência no recrutamento de unidades motoras. O treinamento favorece o recru- tamento de maior quantidade de fibras musculares e recrutamento preferencial de unidades motoras grandes e rápidas, o que aumenta a capacidade de produção de força muscular. Além disso, há ainda aumento da taxa de disparo e da velocidade da condução do potencial de ação para a contração muscular (BAECHE; EARLE, 2016). O treinamento de força também é capaz de melhorar o sincronismo e ativação de várias unidades motoras que compõem um grupo muscular (várias fibras musculares inervadas por uma terminação neural contraindo ao mesmo tempo). A melhoria na sincronização torna o processo de contração ordenado, faz com que o movimento seja executado de forma eficiente resultando em ganhos de força (BAECHE; EARLE, 2016). 31 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Outra adaptação neural que ocorre em resposta ao treinamento de força é a di- minuição da ativação dos músculos antagonistas. Os músculos antagonistas atuam como um regulador da força ou potência gerada pelos agonistas durante o movimento. Portanto, sua ativação excessiva não é desejável porque pode reduzir a força resul- tante do processo de contração. Após um período de treinamento, há uma melhoria na coordenação dos músculos envolvidos no movimento, na qual os agonistas são ativados com maior eficiência e também reduz a co-ativação dos antagonistas (BA- ECHE; EARLE, 2016). 2.3.4 Principais métodos e meios de treinamento de força Esta seção descreve os principais métodos e meios capazes de proporcionar ganhos de força e potência, mas que sejam facilmente aplicáveis em diferentes contextos de preparação física no futebol. De fato, a literatura apesenta uma ampla variedade de métodos e meios de treinamento de força, entretanto, vários deles, apesar de se mostrarem eficientes para o desenvolvimento de força e potência, possuem pouca aplicabilidade no treinamento de atletas realizados em grupo (como é o caso do futebol) ou exigem grande aporte instrumental para sua execução, fato que não é a realidade da maioria dos clubes de futebol. Portanto, os métodos e meios apresenta- dos a seguir foram escolhidos considerando suas potencialidades em maximizar os ganhos de força e aplicabilidade para a preparação física. Treinamento com peso corporal O treinamento com peso corporal envolve exercícios básicos usandoapenas a massa corporal contra a gravidade para manipular a intensidade da carga e gerar adaptações neuromusculares (HARRISON, 2010). Esse método de treinamento pode ser usado como parte inicial de uma progressão para exercícios mais complexos e/ ou cargas mais elevadas, bem como, a 1ª etapa de um planejamento a longo prazo de treinamento de força nas categorias de base. Diferentes meios (exercícios) podem ser facilmente implementados no programa de treinamento usando somente o peso corporal para diferentes grupamentos musculares, tais como: agachamento tradi- cional, agachamento unilateral, afundo/avanço, terra unilateral (perna estendida), abdominal com flexão de tronco, prancha frontal, prancha lateral, apoio de braço (isometria), flexão de braço, puxadas na barra, elevação pélvica, burpees, elevação alternada de pernas em decúbito, e etc. Embora os exercícios de peso corporal apresentam inúmeras vantagens especial- mente em relação a praticidade, versatilidade e acessibilidade, a capacidade de gerar sobrecarga crescente é limitada, o que pode dificultar grandes incrementos de força. Desta forma, a intensidade e o volume são variáveis a serem manipuladas com o intuito de gradativamente aumentar a sobrecarga. A intensidade pode ser aumentada manipulando a complexidade do exercício e carga relativa imposta ao grupamento 32 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO alvo (executar o agachamento unilateral como progressão de carga do agachamento tradicional). A sobrecarga crescente também pode ser gerada através do aumento do volume (séries e repetições), com o avanço do programa de treinamento (SUCHOMEL et al., 2018). Treinamento tradicional O treinamento de força tradicional pode ser caracterizado pelo uso de máquinas e pesos livres nos exercícios para diferentes grupamentos musculares com o propósito de aumentar a força muscular. Apesar desse método de treinamento ser amplamente utilizado na preparação física no futebol, a sua utilização exclusiva como meio para gerar adaptações neuromusculares específicas, e consequentemente, ganhos de força e potência que resultem em melhora da performance é questionável. O primeiro aspecto a se considerar é que grande parte dos exercícios realizados em máquinas são caracterizados pela desaceleração e frenagem do movimento na fase final da execução ocasionada por restrições do próprio equipamento, inclusive quando a carga externa é relativamente baixa e o movimento pode ser executado com grande velocidade. Entretanto, esses exercícios possuem baixa especificidade com o futebol, já que na maioria das atividades motoras e gestos técnicos, os movimentos ocorrem com aceleração crescente e a frenagem é causada pela força da gravidade. Outro aspecto importante é que vários exercícios em máquinas são uniarticulares e direcionados para grupamentos musculares isolados. Esse fato torna questionável a eficiência da transferência de força/potência para as ações esportivas, uma vez que elas são de natureza multiarticular e raramente incluem o trabalho muscular de forma isolada (STONE et al., 2000; HAFF; NIMPHIUS, 2012). Nesse sentido, o treinamento tradicional usando máquinas na preparação física não deve ser visto como o método principal e exclusivo a ser implementado no pro- grama de treinamento de força para futebolistas, mas sim como um instrumento que deve ser usado para objetivos específicos dentro da preparação. Ou seja, o método tradicional usando máquinas pode ser usado complementarmente a outros métodos que possuem maior grau de especificidade e transferência de força/potência para a performance no futebol (treinamento balístico e pliométrico). Além disso, uma alternativa para aumentar a especificidade das adaptações neu- romusculares é optar pelos exercícios multiarticulares que incorporam vários grupos musculares ao utilizar esse método. Os exercícios podem ser selecionados com base nas necessidades do atleta individual ao longo de um continuum daqueles progra- mados principalmente para melhorar a capacidade muscular isolada para aqueles com maior exigência de coordenação (por exemplo, exercícios multi-articulares de peso livre). 33 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO Treinamento balístico O treinamento balístico engloba exercícios caracterizados pela aceleração contínua em toda a fase concêntrica (SUCHOMEL et al., 2018). São exemplos de exercícios ba- lísticos os agachamentos com saltos (jump squat), arremesso de supino (bench throw) e os exercícios derivados do levantamento de peso. Devido às suas características, os exercícios balísticos possuem muita similaridade com os gestos esportivos, e assim proporcionam adaptações neuromusculares que são notadamente mais específicas e com grande potencial de transferência para a performance esportiva. Esses pressupostos têm sido confirmados em estudos que evidenciam maiores efeitos de potenciação dos exercícios balísticos em comparação aos não balísticos (SEITZ; TRAJANO; HAFF, 2014; SUCHOMEL et al., 2016). Suchomel et al. (2016) compararam a potência relativa produzida durante uma variedade de exercícios balísticos e não balísticos. Eles verificaram que os exercícios balísticos promoveram maiores potências relativas em relação aos exercícios tradicionais não balísticos (aga- chamento, levantamento terra e supino). Esses achados sugerem que o treinamento balístico representa um ótimo estímulo para a força explosiva, e desta forma, devem fazer parte do programa de preparação física de futebolistas. Os exercícios balísticos promovem adaptações neurais que favorecem o recru- tamento de unidades motoras (VAN CUTSEM et al., 1998; DESMEDT; GOUDAUX, 1978). O recrutamento de maior quantidade de unidades motoras resulta em maior produção de força, taxa de desenvolvimento de força e potência. Embora esses exer- cícios possam ser implementados na preparação física ao longo de toda temporada, os objetivos de cada fase de treinamento podem alterar a ênfase que será dada aos mesmos. Devido ao seu grau de especificidade, é recomendável que o treinamento balístico seja enfatizado na etapa específica da preparação. Treinamento pliométrico O treinamento pliométrico é constituído essencialmente de exercícios com movi- mentos explosivos que utilizam o ciclo alongamento-encurtamento, na qual a ação muscular concêntrica é potencializada pela energia elástica gerada da ação excêntrica anterior (BOOTH; ORR, 2016). A inclusão do treinamento pliométrico em programas de treinamento de força para futebolistas se justifica pela sua natureza balística e capacidade de promover o aumento do desempenho da força, potência, velocidade e agilidade (CHU; MYER, 2013; BOOTH; ORR, 2016; LOTURCO et al., 2015). Além disso, possui alta aplicabilidade para trabalhos com grande número de atletas, o que facilita a sua implementação já que utiliza predominantemente materiais acessíveis. Por tais razões, a pliometria pode ser considerada um componente essencial dos programas de treinamento de força no futebol, tanto nas categorias de base quanto no nível profissional. A eficiência do treinamento pliométrico em promover adaptações e ganhos de força está diretamente associada ao controle do volume e intensidade. Isto porque 34 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO os exercícios pliométricos com peso corporal podem apresentar uma capacidade limitada em fornecer sobrecarga crescente ao sistema neuromuscular (SUCHOMEL et al., 2018). A intensidade pode ser manipulada pela adição de pequenas cargas aos exercícios pliométricos. Entretanto, cabe ressaltar que o incremento de cargas mais pesadas aumenta o impacto e prolonga o tempo de transição entre ações musculares excêntricas e concêntricas, o que afeta negativamente o potencial elástico gerado pelo ciclo alongamento-encurtamento. Outras variáveis podem ser manipuladas para aumento da intensidade como a altura dos saltos (drop jumps) ou inclusão dos saltos em profundidade (bilaterais e unilaterais). O ajuste dovolume de saltos também é uma alternativa para gerar sobrecarga progressiva e produzir as adaptações desejadas. O volume recomendado no treina- mento pliométrico para atletas iniciantes é de 60 a 100 saltos, no nível intermediário 100 a 120 saltos e no nível avançado 120 a 150 saltos por sessão (CHU; MYER, 2013). Diante das particularidades e propósitos dos diferentes métodos de treinamento de força descritos acima, a adequada combinação dos mesmos no programa de treinamento pode potencializar as adaptações neuromusculares e maximizar sua eficiência para a performance esportiva. Isto porque combinar diferentes estímulos pode favorecer ganhos em diferentes zonas da curva força-velocidade. 2.4 TREINAMENTO DE VELOCIDADE E AGILIDADE Há um considerável conjunto de evidências científicas acumuladas demonstrando que as ações motoras executadas em alta intensidade, em especial os deslocamentos lineares em alta velocidade (sprints), têm sido cada vez mais frequentes no futebol moderno. Há evidências ainda, que o sprint é a ação motora mais recorrente em situações de gol no futebol profissional (FAUDE; KOCH; MEYER, 2012), fato que ratifica a importância da velocidade linear no futebol. Entretanto, o futebol é uma modalidade cujo contexto está em constante mudança, o que torna o jogo essencial- mente multidirecional. Ou seja, dependendo da forma como o contexto se apresenta (comportamento dos adversários), os atletas devem gerar respostas rápidas que envolvem movimentos multidirecionais. Dessa forma, a performance no jogo pode ser atribuída parcialmente à capacidade de executar deslocamentos lineares em alta velocidade, mas também à capacidade de gerar respostas rápidas aos estímulos ambientais e mudar a direção com destreza. O desenvolvimento das capacidades motoras velocidade e agilidade constituem a base de condicionamento necessária para a execução com o máximo de eficiência os deslocamentos lineares e multidirecionais no futebol. Nesse contexto, três conceitos distintos devem ser compreendidos: velocidade, agilidade e mudança de direção. A velocidade é compreendida pela qualidade física, em particular da capacidade da ação muscular e coordenação que permite alcançar altas velocidades de movimen- to. Já a agilidade representa a qualidade de responder rapidamente a um estímulo 35 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO ambiental em combinação com mudanças de direção ou de velocidade de movimento. Mudança de direção é a habilidade de realizar movimentos multidirecionais enquanto desacelera e depois reacelera, e assim, pode ser um componente da agilidade (GAM- BLE, 2012; HAFF; TRIPLETT, 2015). Em suma, a velocidade requer a capacidade de acelerar e atingir a velocidade máxima, enquanto a agilidade implica no uso de processos percepto-cognitivos para processar rapidamente informação ambiental em combinação com a habilidade de desacelerar e reacelerar os movimentos. Embora sejam capacidades complementares que muitas vezes são treinadas em conjunto na mesma sessão de treinamento, a distinção dos seus conceitos se torna essencial por- que tem implicações diretas na seleção de meios e métodos de treinamento adequados visando adaptações específicas em processos neurofisiológicos que são distintos para determinados componentes da velocidade e agilidade. 2.4.1 Bases neurofisiológicas do treinamento de velocidade e agilidade Tanto a velocidade quanto a agilidade se manifestam no esporte como exibições dinâmicas da produção de força. Então, a função neuromuscular é crucial para o aperfeiçoamento dessas capacidades, pois a eficiência dos processos governados pela interação do sistema nervoso central e o sistema muscular determinam o grau de geração de força, e consequentemente, sua aplicação nos movimentos lineares e multidirecionais. Estudos tem de fato evidenciado que o treinamento de força (balístico e pliomé- trico) produzem adaptações no sistema neuromuscular que podem contribuir para melhorar o desempenho de jogadores de futebol em sprints e mudança de direção (LOTURCO et al., 2013; 2016). Uma explicação para esses benefícios é que o trei- namento de força está associado ao incremento de drive neural, como aumento na taxa e a amplitude dos impulsos nervosos enviados aos músculos. Nesse sentido, aumentos no drive neural são indicativos de maior geração de potenciais de ação, e assim, a taxa de produção de força é maximizada. Além de fatores associados à coordenação intramuscular, a expressão da velo- cidade e agilidade é determinada pela coordenação intermuscular. Os sprints ou mudanças rápidas de direção são realizados através da ação de vários grupamentos musculares e ativação simultânea de músculos agonistas, antagonistas e sinergistas. Quanto mais eficiente e coordenado o trabalho intermuscular durante movimentos complexos, melhor será o desempenho em ações que demandam de velocidade e/ ou agilidade (ELLIOT; MESTER, 2000; GAMBLE, 2012). Outro fator capaz de determinar a performance em sprints e mudança de direção é a eficiência dos mecanismos associados ao ciclo alongamento-encurtamento (CAE). Os deslocamentos em linha reta ou envolvendo mudança de direção tem participação direta do CAE. Isto porque, o CAE é um fenômeno presente em movimentos nos quais ocorre uma rápida transição entre a fase excêntrica para a fase concêntrica. Sua atu- ação se baseia na premissa que o tecido muscular possui propriedades elásticas que 36 PREPARAÇÃO FÍSICA NO FUTEBOL SUMÁRIO tem a capacidade de armazenar energia proveniente da ação muscular excêntrica que pode ser usada para potencializar a ação concêntrica. Então, promover adaptações em mecanismos que melhoram a eficiência do ciclo alongamento-encurtamento (CAE) é um importante meio para aprimorar a velocidade e agilidade. Especificamente em relação à agilidade, o componente percepto-cognitivo é crítico para o seu aperfeiçoamento e, portanto, deve estar associado aos aspectos motores. Tem sido evidenciado que a percepção parece afetar parâmetros cinemáticos durante a mudança de direção, mesmo quando os movimentos são pré-planejados. Por exemplo, a simples presença de um defensor estático é capaz de alterar significativamente os movimentos de mudança de direção em comparação à mesma tarefa sendo realizada diante de um cone (McLEAN et al., 2004). Cabe ressaltar que o contexto do futebol é dinâmico e as respostas são exigidas sob condições de imprevisibilidade ambiental. A execução de respostas motoras em um ambiente em constante mudança apresenta desafios sensório-motores consideravelmente diferentes daqueles enfrentados quando o atleta é exposto em situações previsíveis. Os inputs sensoriais (especialmente visuais) no treinamento de agilidade, por exemplo, situações que exigem rápida resposta em função do adversário ou bola, exigem que o atleta processe e interprete dicas visuais ambientais para realizar seus movimentos. Existem vários aspectos perceptivos e habilidades cognitivas, como antecipação e tomada de decisões, envolvidas nesses processos, tanto que o tem- po total necessário para completar uma tarefa de mudança de direção é maior sob condições nas quais o atleta é obrigado a reagir e responder a uma pista externa em comparação a condições pré-planejadas (FARROW et al., 2005). 2.4.2 Princípios metodológicos do treinamento de velocidade e agilidade A seleção e a composição dos métodos e meios de treinamento que visam o aperfeiçoamento da velocidade e agilidade, devem ser pautados em princípios meto- dológicos para que as adaptações neuromusculares sejam potencializadas. Os prin- cípios metodológicos apresentados a seguir são fundamentados nas características e especificidades do futebol, nas formas de manifestação da velocidade e agilidade no jogo, bem como em fatores que podem afetar o ótimo desenvolvimento dessas capacidades. A seguir são apresentados 5 princípios essenciais a serem considerados no treinamento de velocidade e agilidade no futebol: Distância dos deslocamentos
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