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Enunciador e enunciatário APRESENTAÇÃO Neste Unidade de Aprendizagem, você conhecerá as noções de enunciador e enunciatário que são oriundas da Teoria da enunciação, a teoria linguística que se dedica ao estudo do enunciado, manifestação oral ou escrita produzida por um locutor (enunciador) em uma situação de enunciação. O enunciado é proferido por um enunciador para um enunciatário que deve interpretá-lo a partir da superfície linguística, remetendo, ainda, o enunciado à situação enunciativa em que é produzido. Para que essa interpretação possa ser realizada, instruções linguísticas devem ser dadas pelo enunciador ao enunciatário. Instruções estas que deixam marcas no enunciado e podem ser reconhecidas pelo enunciatário. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o conceito de enunciador no campo dos estudos enunciativos.• Reconhecer o conceito de enunciatário no campo dos estudos enunciativos.• Diferenciar as marcas linguísticas do enunciador e do enunciatário em enunciados.• DESAFIO Blog é uma palavra simplificada do termo weblog e esta, por sua vez, é resultante da sobreposição de web (Internet) e log (registro de atividade ou desempenho regular de algo), sendo um diário online. O blog apresenta vários elementos como textos, imagens, músicas ou vídeos, que são inseridos em páginas da Internet, onde são publicados, podendo ser dedicados a um assunto específico ou ser de âmbito bastante geral. A seguir, leia um pequeno trecho de um blog. Francisco Realce Francisco Sublinhado Francisco Realce definição de enunciado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Com referência no conteúdo de Enunciador e enunciatário e no trecho do blog lido, responda às seguintes perguntas: a) Quem é o enunciador do blog da Mariah? b) Quem é o enunciatário do blog? c) Proponha uma atividade em sala de aula envolvendo as noções de Enunciador e enunciatário. INFOGRÁFICO Fiorin (2009) estabelece algumas relações para se trabalhar com as categorias de enunciador e enunciatário na análise de textos sob uma perspectiva da sintaxe discursiva. Você vai conhecer essa elaboração no infográfico a seguir. CONTEÚDO DO LIVRO Enunciador e enunciatário são elementos fundamentais na análise de textos e discursos, pois a língua só pode ser atualizada quando um sujeito lança mão de sua estrutura para se fazer entender por outrem. Seja para identificar um interlocutor de determinada mensagem, seja para identificar o autor, é necessário recorrer a essas duas instâncias que Benveniste denominou EU e TU, categorias da enunciação que delimitam os espaços de dizer e interpretar ocupados pelos sujeitos em uma situação enunciativa. No intuito de buscar as marcas linguísticas dessas categorias de pessoa, observaremos como elas são atualizadas em diferentes gêneros discursivos e, também, como se relacionam às categorias enunciativas de tempo e espaço também elaboradas por Benveniste, leia mais no capítulo Enunciador e Enunciatário do livro Linguística avançada. Boa leitura! Francisco Realce Francisco Sublinhado LINGUÍSTICA AVANÇADA Debbie Mello Noble Priscilla Rodrigues Simões Laís Virginia Alves Medeiros Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 N747l Noble, Debbie Mello. Linguística avançada / Debbie Mello Noble, Priscilla Rodrigues Simões, Laís Virginia Alves Medeiros ; revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 146 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-144-0 1. Linguística avançada. I. Simões, Priscilla Rodrigues. II. Medeiros, Laís Virginia Alves. III. Título. CDU 81’33 Revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros Mestra em Letras – Estudos da Linguagem: Teorias do Texto e do Discurso Bacharela em Letras – Habilitação Tradutora: Português e Francês Linguística Avançada_Iniciais_Impressa.indd 2 14/09/2017 10:55:53 Enunciador e enunciatário Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o conceito de enunciador no campo dos estudos enunciativos. Reconhecer o conceito de enunciatário no campo dos estudos enunciativos. Diferenciar as marcas linguísticas do enunciador e do enunciatário nos enunciados. Introdução Neste texto você vai conhecer as noções de enunciador e enuncia- tário que são oriundas da Teoria da Enunciação – a teoria linguística que se dedica ao estudo do enunciado, manifestação oral ou escrita produzida por um locutor (enunciador) em uma situação de enunciação. O enunciado é proferido por um enunciador para um enunciatário que deve interpretá-lo a partir da superfície linguística, remetendo, ainda, o enunciado à situação enunciativa em que é produzido. Para que essa interpretação possa ser realizada, instruções linguísticas devem ser dadas pelo enunciador ao enunciatário, e essas instruções deixam marcas no enunciado e podem ser reconhecidas pelo enunciatário. Você vai conhecer algumas dessas marcas linguísticas que remetem ao enunciador, ao enunciatário e à situação enunciativa em alguns textos Enunciador Benveniste (1989, p. 83), em Problemas de linguística geral II, diz que “A enunciação é esse colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização [...]” e que o locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor, “[...] mas imediatamente, desde que ele se Linguística Avançada_U2_C05.indd 66 13/09/2017 16:51:21 Francisco Realce declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si.”. Ao tratar da noção de pessoa, o autor diz que “eu” não se refere a um indivíduo parti- cular, mas ao ato individual de apropriação da língua por um locutor que se enuncia como sujeito. A referência temporal desse locutor é sempre o momento atual (agora) e ele só pode ser identifi cado na instância do discurso, ou seja, na língua. A referência espacial desse locutor é sempre o lugar atual (aqui). O enunciador também é chamado de locutor nas teorias enunciativas, ele é o autor do enunciado e organiza as vozes anônimas que habitam o enunciado e com ele dialogam. Narrador ou interlocutor são formas de denominar o enun- ciador em outras perspectivas teóricas, mas, no trabalho com a produção e a interpretação textual, entende-se que quem produz o enunciado, ou texto, ou discurso é o seu enunciador, que dialoga e dirige sua palavra a um enunciatário. Consoante Barros (1997), o enunciador define-se como o destinador- -manipulador, responsável pelos sentidos do enunciado e capaz de levar o enunciatário a crer e a fazer. A manipulação do enunciador é um modo de persuasão, ao passo que ao enunciatário cabe interpretar tal estratégia uti- lizada pelo enunciador por meio de marcas enunciativas. Pensar, portanto, na categoria de enunciador, ou locutor, como definiu Benveniste, é pensar sobre um sujeito que produz um ato individual de utilização da língua em determinada situação de enunciação e, estabelecendo uma relação dialógica, convoca o outro a interpretar o enunciado produzido. Há diferentes formas de se designar o enunciador entre as teorias enunciativas e, também, em diferentes teorias linguísticas que estudam o texto e o discurso. Nas teorias enunciativas de Benveniste e Ducrot, o enunciador foi inicialmente designado como locutor e essa relação ainda se mantém atuante. Na linguística textual, há a designação de interlocutor. Se tomarmos uma categoria literária, por exemplo, pode-se designar o narrador de um conto, uma crônica ou um romance como enunciador. Na poesia, o eu-lírico pode ser entendido como um enunciador também. Enfim, aquele que se apropria da língua para produzir um enunciado de qualquer gênero é um enunciador! Enunciatário O enunciatário é considerado o sujeito ao qual se dirige o enunciador, também conhecido como narratário (emoposição a narrador), ou interlocutário (em 67Enunciador e enunciatário Linguística Avançada_U2_C05.indd 67 13/09/2017 16:51:22 Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Realce oposição a interlocutor). Considerando-se a categoria enunciatário em um texto, ela pode se remeter ao leitor; caso fosse uma obra de arte, teríamos um apreciador, ou um espectador, ou seja, sempre há alguém a quem se destina o enunciado, pois o destino de um enunciado é sempre ser interpretador por alguém. Barros (1997) diz que há dois aspectos principais no processo de manipulação: o contrato que se estabelece entre enunciador e enunciatário, de um lado; e os meios empregados na persuasão e na interpretação de outro. Nesse contrato, ocorre que o enunciador defi ne o modo como o enunciatá- rio deve interpretar o enunciado, ou sua “verdade”, construída por todo um dispositivo que espalha marcas que comprovam sua veracidade e devem ser reconhecidas e interpretadas pelo enunciatário. As relações entre o destinador e o destinatário de um enunciado se mate- rializam discursivamente, ou seja, no próprio enunciado. No momento, por exemplo, da leitura de um texto, da observação de um anúncio publicitário, ou da escuta de um pedido de outrem o contrato entre enunciador e enunciatário se faz atual. No entanto, o leitor, ou enunciatário, só poderá aceitar o contrato proposto pelo enunciador, se ele seguir as pistas da enunciação deixadas no enunciado. Conforme Fiorin (2001), a enunciação instaura o discurso- -enunciado, projetando para fora de si os atores do discurso, bem como suas coordenadas espaço-temporais. Tais projeções devem ser interpretadas como procedimentos argumentativos, utilizados pelo enunciador para persuadir o enunciatário. Verifica-se, assim, que em todos os gêneros discursivos o como se conta tem mais peso do que o que se conta, e uma das formas de perceber isso é observando as projeções de tempo, espaço e pessoa no discurso, proce- dimentos empregados pelo enunciador para situar o enunciatário. Enunciador e enunciatário: marcas no enunciado Como você acabou de ver nos itens anteriores, a relação entre enunciador e enunciatário se dá a partir de um enunciado. Nesse enunciado, há marcas (linguísticas, sonoras, imagéticas) que permitem a interpretação do enunciado pelo seu destinatário. No caso da linguagem verbal, variadas classes de palavras podem desempenhar a função de marcar, no nível linguístico, as categorias de enunciador e enunciatário, a situação discursiva em que determinado enunciado emerge, o momento em que o enunciado é produzido e, até mesmo, o local onde foi produzido. Essas marcas, portanto, remetem o enunciatário ao contexto, à situação discursiva e à exterioridade em que o enunciado é realizado. Enunciador e enunciatário68 Linguística Avançada_U2_C05.indd 68 13/09/2017 16:51:22 Francisco Sublinhado Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Sublinhado Francisco Riscado Francisco Realce Essas marcas são denominadas marcas enunciativas, ou dêiticos, e são: o eu/ tu; o aqui e o agora (EGO-HIC-NUNC, termos do latim usados por Benveniste para indicar as categorias enunciativas, pois o linguista percebeu que essas categorias estavam presentes na maioria das línguas naturais: sujeito, espaço e tempo). Um enunciado, segundo Benveniste, só pode ser interpretado em relação a um eu (enunciador) que fala a um tu (enunciatário); em um tempo dado: o agora em relação à situação de enunciação; e em um espaço determi- nado: o aqui em relação à situação enunciativa. A Figura 1 ilustra essa relação. Figura 1. Enunciação, enunciador e enunciatário. Observe o texto a seguir (DRUMMOND, 1980) e sua análise para entender um pouco mais sobre como podem ser recuperadas as marcas das categorias enunciativas em um texto. Carta a uma senhora A garotinha fez esta redação no ginásio: “Mammy, hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de felicidades e tudo mais que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data sublime conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a gente não está na idade de entender mas um dia estaremos, resolvi lhe oferecer um presente bem bacaninha e fui ver as vitrinas e li as revistas. Pensei em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica 69Enunciador e enunciatário Linguística Avançada_U2_C05.indd 69 13/09/2017 16:51:22 Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce de 2 alto-falantes amplificador e transformador mas fiquei na dúvida se não era preferível uma tv legal de cinescópio multirreacionário som frontal, antena telescópica embutida, mas o nosso apartamento é um ovo de tico-tico, talvez a Sra. adorasse o transistor de 3 faixas de ondas e 4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava para a cozinha e se divertia enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto de barulho e dor de cabeça, desisti desse projeto musical, é uma pena, enfim trata-se de um modesto sacrifício de sua filhinha em intenção da melhor Mãe do Brasil. Falei de cozinha, estive quase te escolhendo o grill automático de 6 utilidades porta de vidro refratário e completo controle visual, só não comprei-o porque diz que esses negócios eletrodomésticos dão prazer uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se eles no armário da copa. Como a gente não tem armário da copa nem copa, me lembrei de dar um, serve de copa, despensa e bar, chapeado de aço tecnicamente subdesenvolvido. Tinha também um conjunto para cozinha de pintura porcelanizada fecho magnético ultra-silencioso puxador de alumínio anodizado, um amoreco. Fiquei na dúvida e depois tem o refrigerador de 17 pés cúbicos integralmente utilizáveis, congelador cabendo um leitão ou peru inteiro, esse eu vi que não cabe lá em casa, sai dessa! [...] Mammy o braço dói de escrever e tinha um liquidificador de 3 veloci- dades, sempre quis que a Sra. não tomasse trabalho de espremer laranja, a máquina de tricô faz 500 pontos, a Sra. sozinha faz muito mais. Um secador de cabelo para Mammy! gritei, com capacete plástico mas passei adiante, a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me tentou, é um estouro, mas eu sabia que minha Mãezinha nunca tem tempo de sentar. Mais o quê? Ah sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de talco de plástico perolado, par de meias, etc. Acabei achando tudo meio chato, tanta coisa para uma garotinha só comprar e uma pessoa só usar mesmo sendo a Mãe mais bonita e merecedora do Universo. E depois, Mammy, eu não tinha nem 20 cruzeiros, eu pensava que na véspera deste Dia a gente recebesse não sei como uma carteira cheia de notas amarelas, não recebi nada e te ofereço este beijo bem beijado e carinho são de tua filhinha Isabel”. Nesta crônica, Drummond representa a fala de um sujeito comum, uma garotinha às voltas com a escolha de um presente para a mãe. É um texto leve, lúdico na aparência, mas apresenta sutilmente uma violenta crítica. Há duas Enunciador e enunciatário70 Linguística Avançada_U2_C05.indd 70 13/09/2017 16:51:22 situações enunciativas envolvidas nesse texto: a primeira é a da própria escrita da carta para a mãe, uma produção escolar, pois, inicialmente, o narrador situa os leitores “A garotinha fez esta redação no ginásio [...]” e, depois, lemos que: “[...] o braço dói de escrever [...]”. A outra situação, que motivou a escrita da carta é “o dia das Mães”. Veja como ocorre esse processo. Temos um narrador que introduz o texto e dá a palavra à garotinha que se manifesta como o eu do discurso. A fala da garotinha, entretanto,apresenta várias vozes nas quais se estabelece um diálogo com várias perspectivas, veja: Perspectiva da própria garotinha que usa uma linguagem familiar: “Mammy”; aqui ainda há outra voz, porque não é próprio da língua portuguesa o “m” dobrado seguido de “y”, há um eco da língua inglesa. Voz da instituição escolar representada pela professora: “[...] data su- blime conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a gente não está na idade de entender mas um dia estaremos [...]”. Tentativas de um uso mais formal da língua de não domínio ainda da estudante no emprego vacilante dos pronomes oblíquos: “desejo-lhe”, “resolvi lhe oferecer”, “te escolhendo”, “só não comprei-o”, “encosta- -se eles no armário”. Voz da propaganda (na descrição dos objetos que a garotinha vai ver nas vitrines e nas revistas): “[...] o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica de 2 alto-falantes amplificador e transformador [...]”; “[...] o grill automático de 6 utilidades porta de vidro refratário e completo controle visual [...]”. Voz do próprio narrador que aparece em dois adjetivos que causam estranhamento por serem inadequados à descrição que uma propaganda costuma fazer (multirreacionário e subdesenvolvido) e dão o tom irônico que sutilmente percorre todo o texto. Do ponto de vista da sua organização, o texto apresenta uma divisão básica: a oposição entre o mundo mágico da propaganda e o universo da dura realidade da maior parte das pessoas. Essa divisão se manifesta na própria materialidade linguística do texto, não só por meio de um vocabulário que opõe tematicamente os dois universos, mas também por uma estrutura de frase que se repete fazendo uso do “mas” (aparece explicitamente sete vezes e implicitamente em vários lugares), indicando pontos de vista opostos. O “mas” apresenta alguém que fala de dois pontos de vista diferentes, mudando a conclusão, a orientação argumentativa inicial da frase. Veja como seu funcionamento pode ser explicado: 71Enunciador e enunciatário Linguística Avançada_U2_C05.indd 71 13/09/2017 16:51:22 Há uma voz que diz: “Vi um radiofono Hi-Fi [...]” – que aponta para uma conclusão do tipo: “Vou comprá-lo para mamãe”, mas outra voz diz: “[...] nosso apartamento é um ovo de tico-tico [...]” – que orienta para uma conclusão contrária “não vai caber lá, não devo comprá-lo”. Assim, é possível perceber diferentes vozes (discursos) que aparecem no interior da voz da garotinha e mostram esse aspecto fundamental da linguagem que é seu caráter dialógico e polifônico. O discurso da garotinha é habitado por outros discursos (o discurso escolar, o discurso da propaganda, o discurso crítico do cronista), revelando a heterogeneidade em um processo de multiplicação de vozes, nas quais o falante divide, no seu discurso, o espaço com outros sujeitos. No link ou no código a seguir, você pode ler o texto “Linguística da Enunciação: uma entrevista com Mar- lene Teixeira e Valdir Flores” e aprender mais sobre enunciação. https://goo.gl/2b5qUw Quando usamos os pronomes eu e tu estamos produzindo marcas enunciativas, pistas que permitem ao ouvinte, ou leitor, interpretar o que está sendo dito. Observe o enunciado: — Filha, comprei um vestido para você hoje no Shopping Avenida. Por intermédio das palavras “filha”, “comprei” e “você” podemos imaginar a situação enunciativa da qual só temos um registro escrito: a mãe anuncia a compra de um vestido para sua filha. Com o uso do advérbio “hoje” sabemos o momento em que se deu a compra do vestido. Atente que para essa delimitação do enunciador e enunciatário, do espaço e do tempo foram usadas palavras de diferentes classes gramaticais: um substantivo, um verbo, um pronome e um advérbio. O que mostra que qualquer classe de palavra pode desem- penhar a função de remeter aos sujeitos envolvidos em uma determinada situação de enunciação, ao momento em que ela aconteceu e, inclusive, ao espaço em que se deu. Enunciador e enunciatário72 Linguística Avançada_U2_C05.indd 72 13/09/2017 16:51:23 Francisco Realce Francisco Realce 1. Leia o trecho do poema de Fernando Pessoa: “Sossega, coração! Não desesperes! Talvez um dia, para além dos dias, Encontres o que queres porque o queres. Então, livre de falsas nostalgias, Atingirás a perfeição de seres.” Assinale a alternativa em que é apresentado o enunciatário do poema: a) O leitor b) O coração c) A amada d) O poeta e) Os seres 2. Assinale a alternativa em que há outro modo de denominar o enunciador nos estudos enunciativos: a) Interlocutor b) Locutor c) Leitor d) Destinatário e) Referente 3. Benveniste (1989, p. 83) diz que “A enunciação é esse colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”. No trecho da música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga há utilização particular de determinada variedade da língua brasileira. Essa é uma manobra linguística utilizada para estabelecer um diálogo com um enunciatário específico. Assinale a alternativa em que este enunciatário é apresentado: Quando oiei a terra ardendo Qual fogueira de São João Eu preguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação Eu preguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação a) São João b) Todos os brasileiros c) Deus d) Terra e) Os nordestinos 4. No trecho abaixo, extraído da obra Conversas com Linguistas, Carlos Alberto Faraco responde, ao ser questionado sobre o que é língua: “Eu não sei se há uma resposta simples para essa pergunta aparentemente tão simples. Nós que nos formamos na euforia do estruturalismo, nos acostumamos a ver a língua como um sistema, [...], como um código autônomo e até auto-suficiente. [...] Mas nós vivemos a crise desta perspectiva com a reentrada na cena teórica das práticas de linguagem, aí entendidas com toda a sua complexidade. Daí que eu costumo dizer aos alunos que nosso objeto de estudo é complexa realidade semiótica, estruturada sim, mas necessariamente aberta, fluida, cheia de indeterminações e polissemias, porque é atravessada justamente por nossa condição de seres históricos. [...]” (XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 64). Na sua fala o linguista estabelece uma relação entre o seu dizer e o enunciatário de seu dizer. Assinale a alternativa abaixo que contenha elementos linguísticos que remetam ao enunciador: a) Eu; sei; costumo b) Nós; eu; vivemos c) Eu; nossa; alunos d) Alunos; essa; sistema e) Seres; sua; pergunta 73Enunciador e enunciatário Linguística Avançada_U2_C05.indd 73 13/09/2017 16:51:23 Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce Francisco Realce 5. Na literatura e na poesia, é sabido que as convenções da língua e da realidade podem ser infringidas devido à “licença poética” que as artes têm para que possam melhor expressar seus temas. Benveniste diz que as categorias enunciativas, enunciador e enunciatário não se relacionam a sujeitos empíricos, mas expressam a inscrição dos sujeitos na língua. O poema de Fernando Pessoa, “Mar português”, é um exemplo do que diz Benveniste, pois seu enunciatário não é um sujeito empírico. Leia atentamente o trecho do poema (PESSOA, 2007): “Mar Português Ó Mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!” Assinale a alternativa em que é apresentado o enunciatário deste poema: a) Os filhos b) Portugal c) As mães d) O mar e) Deus Enunciador e enunciatário74 Linguística Avançada_U2_C05.indd 74 13/09/2017 16:51:23 Francisco Realce BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997. (Fundamentos, 72). BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. Campinas: Pontes, 1989. v. 2. DRUMMOND, C. Para gostar de ler: crônicas. 5. ed. São Paulo: Ática, 1980. (Para gostar de ler, v. 1). DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, 1977. FIORIN, J. L. Elementos de análisedo discurso. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2001. FLORES, V. N. Linguística da enunciação: uma entrevista com Marlene Teixeira e Valdir Flores. ReVEL, v.9, n. 16, 2011. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/entrevistas/ revel_16_entrevista.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2017. PESSOA, F. Mensagem. São Paulo: Hedra, 2007. (Clássicos na escola). XAVIER, A. C. R.; CORTEZ, S. Conversas com linguistas: virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003. Leituras recomendadas BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. 5. ed. Campinas: Pontes, 2005. FLORES, V. N. et al. Enunciação e gramática. São Paulo: Contexto, 2008. KNACK, C. Texto e enunciação: as modalidades falada e escrita como instâncias de investigação. 2012. 189 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. MIRANDA, M. G. M. Relações argumentativas entre enunciador e enunciatário no romance Partes de África, de Helder Macedo. Cadernos do CNLF, Rio de Janeiro, v. XIV, n. 2, p. 1601-1611, 2010. Disponível em: <www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_2/1601- 1611.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2017. 75Enunciador e enunciatário Linguística Avançada_U2_C05.indd 75 13/09/2017 16:51:23 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: DICA DO PROFESSOR Acompanhe no vídeo o conceito de enunciador e enunciatário, segundo Benveniste. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Leia o trecho do poema de Fernando Pessoa: “Sossega, coração! Não desesperes! Talvez um dia, para além dos dias, Encontres o que queres porque o queres. Então, livre de falsas nostalgias, Atingirás a perfeição de seres.” Assinale a alternativa em que é apresentado o enunciatário do poema: A) O leitor. B) O coração. C) A amada. D) O poeta. E) Os seres. 2) Assinale a alternativa em que há outro modo de denominar o enunciador nos estudos enunciativos: A) Interlocutor. B) Referente. C) Leitor. D) Destinatário. E) Locutor. 3) Num discurso a enunciação apresenta-se, não como uma única voz, mas como um emaranhado de vozes que originam-se de outros discursos e, ao ser proferido, revela essa heterogeneidade de vozes. Dessa forma, o enunciador divide o espaço da enunciação com uma multiplicidade de vozes. Esse é um dos aspectos fundamentais da linguagem. Assinale a alternativa que melhor define o caráter da linguagem descrito acima. A) A linguagem apresenta diferentes vozes porque há o caráter do enunciador e do enunciatário em um processo de constante interlocução. B) Esse caráter é marcado pelo tempo e espaço de enunciação, por isso determina a heterogeneidade. C) Quando o enunciador faz o enunciado nele carrega a voz do locutor, do enunciador e do narrador, por isso esse caráter heterogêneo. D) O caráter dialógico e polifônico é que caracteriza esse aspecto da linguagem, pois um discurso se constrói por meio das interações do enunciador com outros discursos. E) As múltiplas vozes representam o conjunto completo de um enunciado, ou seja, o enunciador, o enunciado e o enunciatário em tempos e espaços definidos. No trecho a seguir, extraído da obra Conversas com Linguistas, Carlos Alberto Faraco responde, ao ser questionado sobre o que é língua: “Eu não sei se há uma resposta simples para essa pergunta aparentemente tão simples. Nós que nos 4) formamos na euforia do estruturalismo, nos acostumamos a ver a língua como um sistema, [...] como um código autônomo e até auto-suficiente. [...] Mas nós vivemos a crise desta perspectiva com a reentrada na cena teórica das práticas de linguagem, aí entendidas com toda a sua complexidade. Daí que eu costumo dizer aos alunos que nosso objeto de estudo é complexa realidade semiótica, estruturada sim, mas necessariamente aberta, fluida, cheia de indeterminações e polissemias, porque é atravessada justamente por nossa condição de seres históricos. [...]” (XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 64). Na sua fala o linguista estabelece uma relação entre o seu dizer e o enunciatário de seu dizer. Assinale a alternativa a seguir que contenha elementos linguísticos que remetam ao enunciador: A) Eu; sei; costumo. B) Nós; eu; vivemos. C) Eu; nossa; alunos. D) Alunos; essa; sistema. E) Seres; sua; pergunta. Na literatura e na poesia, é sabido que as convenções da língua e da realidade podem ser infringidas devido à “licença poética” que as artes têm para que possam melhor expressar seus temas. Benveniste diz que as categorias enunciativas, enunciador e enunciatário não se relacionam a sujeitos empíricos, mas expressam a inscrição dos sujeitos na língua. O poema de Fernando Pessoa, Mar Português, é um exemplo do que diz Benveniste, pois seu enunciatário não é um sujeito empírico. Leia atentamente o trecho do poema: Mar Português Ó Mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó 5) mar! Assinale a alternativa em que é apresentado o enunciatário deste poema: A) Os filhos. B) Portugal. C) As mães. D) O mar. E) Deus. NA PRÁTICA Algumas categorias linguísticas que também são categorias enunciativas e podem ser rapidamente localizadas em textos são: EU - refere-se àquele que diz - o LOCUTOR - é o ponto de partida para as outras coordenadas. TU/VOCÊ/VOCÊS - refere-se aquele(s) a quem EU digo - o INTERLOCUTOR. AGORA - indica o momento em que EU falo. AQUI - identifica o espaço em que EU falo. ISTO - remete para um objecto próximo do locutor (EU). ELE - refere o não participante da comunicação. A música "O meu guri", do Chico Buarque, traz vários dêiticos em diferentes categorias e também a divisão de vozes, acompanhe a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: No vídeo Categoria de Pessoa, o professor Dr. Fiorin explica que segundo a teoria de Benveniste, a 1a e a 2a são as pessoas do discurso, os parceiros da enunciação, enquanto a 3a pessoa é a não pessoa. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! No artigo O aposto como marca de intersubjetividade: uma análise enunciativa as autoras defendem a ideia de que o aposto é um dos procedimentos acessórios por meio do qual emerge a intersubjetividade no discurso. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! No artigo Relações argumentativas entre enunciador e enunciatário no romance Partes de África analisa as relações entre o enunciador e enunciatário do texto literário, a fim de perceber como se dá o contrato entre esses dois elementos da enunciação. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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