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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE LETRAS E ARTES 
MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA 
 
 
 
 
UMA ABORDAGEM ANALÍTICO-INTERPRETATIVA DO 
CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA 
DE ERNST MAHLE 
 
 
 
 
 
ANTONIO ROBERTO ROCCIA DAL POZZO ARZOLLA 
 
 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO, 1996
 
 
 
UMA ABORDAGEM ANALÍTICO-INTERPRETATIVA DO 
CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA 
DE ERNST MAHLE 
 
 
 
por 
Antonio Roberto Roccia Dal Pozzo Arzolla 
 
 
 
 
 
Dissertação submetida ao Programa de 
Mestrado em Música Brasileira do 
Centro de Letras e Artes da UNI-RIO, 
como requisito parcial para obtenção do 
grau de Mestre sob a orientação da 
Profª. Saloméa Gandelman 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro, 1996
 
 
 
 
RESUMO 
 
Ernst Mahle, alemão de nascimento, descobriu no Brasil sua vocação para o 
ensino musical, tornando-se depois compositor, a partir da necessidade de criar um 
repertório brasileiro para instrumentos de orquestra, para uso dos alunos da Escola de 
Música de Piracicaba, instituição que fundou e mantém há mais de 40 anos. A obra 
didática de Bartók influenciou-o quanto ao uso do folclore e do modalismo, caracte-
rísticas presentes na sua música, além do domínio de técnicas modernas de composi-
ção. A sua preocupação didática reflete-se ainda na postura estético-filosófica neo-
clássica e na escrita altamente idiomática de suas peças para contrabaixo e para 
quaisquer instrumentos, aproximando-as do conceito da Gebrauchsmusik (“música 
funcional”) associado a Hindemith. 
O “Concerto 1990 para contrabaixo e orquestra” de Ernst Mahle, um dos 
poucos exemplos do gênero na música brasileira, apresenta, além das características 
gerais já mencionadas, uma exploração consciente do virtuosismo e dos recursos 
tímbricos do contrabaixo, servindo de modelo para a utilização do instrumento pelos 
compositores. 
A proximidade com o compositor, o levantamento de informações biográficas 
e estilísticas, o conhecimento das suas obras para contrabaixo, a experiência das e-
xecuções anteriores do concerto e a análise de suas características técnicas e com-
posicionais possibilitaram um estudo interpretativo abrangente, envolvendo todos os 
aspectos da performance. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The German-born Ernst Mahle discovered in Brazil his vocation for teaching music, 
later becoming a composer, since it was necessary to create a Brazilian repertoire for 
orchestral instruments, to be used by the students of the Escola de Música de 
Piracicaba, a institution he founded and has been supporting for forty years. Bartok's 
pedagogical works influenced him upon the usage of folklore and modalism, 
characteristics that are still present in his music beside the knowledge of other 
modern compositional techniques. His didactic preoccupation reflects furthermore a 
neoclassical esthetical/philosophical posture and a highly idiomatic writing in his 
pieces for the double bass as well as for any other instrument, approaching the 
concept of Gebrauchsmusik (“utility music”) related to Hindemith. 
Ernst Mahle’s “Concerto 1990”, one of the few examples of its genre in 
Brazilian music, displays, besides the already mentioned general characteristics, a 
conscious exploitation of virtuosity and timbrical resources of the double bass, 
serving as a model for the utilization of the instrument by composers. 
The close relationship with the composer, the search for biographical and 
stylistic information, the knowledge of his works for double bass, the experience 
from the previous performances of the concerto and the analysis of its technical and 
compositional characteristics made possible a broad interpretation study, which 
involved all performing aspects. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ARZOLLA, Antonio Roberto Roccia Dal Pozzo 
 
Uma abordagem analítico-interpretativa do Concerto 1990 para contrabaixo 
e orquestra de Ernst Mahle. Rio de Janeiro. UNI-RIO, Centro de Letras e Artes, 
1996. 220 fl. Dissertação de Mestrado em Música Brasileira. 
 
 
1. Música brasileira 2. Práticas interpretativas (performance) 3. Contrabaixo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Ernst Mahle, 
que muito tem feito pelo contrabaixo 
e pela música brasileira, 
como compositor e educador 
 
 
 
 
iv 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
À minha orientadora, profª. Saloméa Gandelman, pela dedicação; à minha es-
posa Voila Marques, pelo incentivo e pelo afeto; à minha mãe Carolina, pelo carinho e 
pelo apoio à minha escolha profissional; ao casal Ernst e Cidinha Mahle, pela oportu-
nidade de conhecer o contrabaixo; aos professores Sandor Molnar Jr. e Sandrino San-
toro, que me fizeram contrabaixista; e a todos que, de alguma forma, colaboraram pa-
ra a realização deste trabalho. 
v 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
DEDICATÓRIA............................................................................................ iv
AGRADECIMENTOS................................................................................... v
SUMÁRIO................................................................................................... vi
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS.............................................................. vii
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS.................................................... viii
1 - INTRODUÇÃO....................................................................................... 1
2 - ERNST MAHLE E A ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA................ 15
 2.1 - Dados biográficos.......................................................................... 15
 2.2 - O educador e o compositor na construção da EMP........................... 21
3 - A COMPOSIÇÃO DE MAHLE E O CONTRABAIXO................................ 28
 3.1 - A concepção estética e filosófica do compositor.............................. 28
 3.2 - A escrita idiomática da obra para contrabaixo de Mahle.................. 37
4 - O CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA.................. 49
 4.1 - Aspectos composicionais................................................................ 49
 4.1.1 - 1º movimento - Allegro moderato....................................... 49
 4.1.2 - 2º movimento - Andante..................................................... 62
 4.1.3 - 3º movimento - Vivo.......................................................... 68
 4.2 - Procedimentos interpretativos......................................................... 80
 4.2.1 - 1º movimento - Allegro moderato....................................... 80
 4.2.2 - 2º movimento - Andante..................................................... 87
 4.2.3 - 3º movimento - Vivo.......................................................... 92
5 - CONCLUSÃO......................................................................................... 101
6 - BIBLIOGRAFIA...................................................................................... 104
 6.1 - Livros, enciclopédias e periódicos.................................................. 104
 6.2 - Partituras....................................................................................... 106
 6.3 - Entrevistas e apontamentos............................................................. 107
 6.4 - Outros documentos........................................................................ 107
7 - ANEXOS................................................................................................ 108
7.1 - Obras para contrabaixo de Ernst Mahle............................................ 108
7.2 - Composições de Mahle em ordem cronológica.................................. 109
7.3 - Programas....................................................................................... 112
7.4 - Parte de contrabaixo-solo do Concerto 1990..................................... 117
7.5 - Redução para contrabaixo e piano................................................... 127
7.6 - Partitura de orquestrado Concerto 1990........................................... 159
 
 
vi 
 
 
 
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS 
. 
Exemplo 1............ p. 40 Exemplo 22.......... p. 51 Exemplo 43.......... p. 65
Exemplo 2............ p. 41 Exemplo 23.......... p. 52 Exemplo 44.......... p. 66
Exemplo 3............ p. 43 Exemplo 24.......... p. 53 Exemplo 45.......... p. 67
Exemplo 4............ p. 43 Exemplo 25.......... p. 53 Exemplo 46.......... p. 67
Exemplo 5............ p. 43 Exemplo 26.......... p. 54 Exemplo 47.......... p. 68
Exemplo 6............ p. 43 Exemplo 27.......... p. 54 Exemplo 48.......... p. 69
Exemplo 7............ p. 44 Exemplo 28.......... p. 54 Exemplo 49.......... p. 70
Exemplo 8............ p. 44 Exemplo 29.......... p. 55 Exemplo 50.......... p. 71
Exemplo 9............ p. 45 Exemplo 30.......... p. 56 Exemplo 51.......... p. 71
Exemplo 10.......... p. 45 Exemplo 31.......... p. 56 Exemplo 52.......... p. 73
Exemplo 11.......... p. 45 Exemplo 32.......... p. 57 Exemplo 53.......... p. 74
Exemplo 12.......... p. 45 Exemplo 33.......... p. 58 Exemplo 54.......... p. 75
Exemplo 13.......... p. 46 Exemplo 34.......... p. 58 Exemplo 55.......... p. 76
Exemplo 14.......... p. 47 Exemplo 35.......... p. 59 Exemplo 56.......... p. 77
Exemplo 15.......... p. 47 Exemplo 36.......... p. 60 Exemplo 57.......... p. 78
Exemplo 16.......... p. 47 Exemplo 37.......... p. 61 Exemplo 58.......... p. 79
Exemplo 17.......... p. 49 Exemplo 38.......... p. 61 Exemplo 59.......... p. 80
Exemplo 18.......... p. 49 Exemplo 39.......... p. 63 Exemplo 60.......... p. 94
Exemplo 19.......... p. 49 Exemplo 40.......... p. 63 Exemplo 61.......... p. 94
Exemplo 20.......... p. 50 Exemplo 41.......... p. 64 
Exemplo 21.......... p. 50 Exemplo 42.......... p. 65 
 
Observações: 
1. Devido à afinação de solo, a notação do contrabaixo-solo, nos exemplos e no texto, 
está, como na partitura, sempre um tom abaixo da altura de efeito, ou uma 7ª menor 
acima, se considerarmos que o instrumento soa uma oitava abaixo da altura escrita. 
Então um la4 escrito para contrabaixo em afinação solista soará, na realidade, como 
si3. Essa opção permite que o leitor contrabaixista se reporte mais facilmente à técnica 
do instrumento. 
2. As indicações de instrumentação não representam, necessariamente, todas as notas 
da partitura, por motivos práticos. 
vii 
 
 
 
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS 
 
a - letras em itálico* P - posição****, precedida 
c. - compasso(s)** de número ordinal 
CB - contrabaixo =P - mesma posição 
cf. - conforme st, ½ t - semitom 
CL - clarineta t - tom 
CRD - cordas TPA - trompa 
crom. - cromático TPT - trompete 
E.M.P. - Escola de Música de Piracicaba TRB - trombone 
ex. - exemplo VC - violoncelo 
fá1 - altura de som*** VL - violino 
FG - fagote VLA - viola 
FL - flauta 4ª J - quarta justa 
M - maior 5ª J - quinta justa 
m - menor 8ª AB - oitava abaixo 
MAD - madeiras 1ª MP - primeira meia posição 
 MOV - movimento - bemol 
OB - oboé # - sustenido 
op. - opus - dobrado sustenido 
ORQ - orquestra - arco para baixo (talão) 
p. - página - arco para cima (ponta) 
pn - piano . - polegar esquerdo em harmôni-
co 
 
 * As letras em itálico no corpo do texto referem-se a segmentos, temas, células ou 
elementos. Nos exemplos, estão entre parênteses, sem itálico. 
 ** A numeração de compassos compreende as subdivisões dos compassos em tempo 
e parte de tempo, sejam binárias ou ternárias. 
 *** Supondo o lá de 440 Hertz como lá4, ou o 1º dó do piano como dó1. 
**** Segundo a nomenclatura de Josef Hrabe, onde o 4º dedo nas notas diatônicas na-
turais da 1ª corda (sol) define as posições inteiras ascendentes, ou seja, 1ª P=si, 
2ª P=dó, 3ª P=ré, e assim por diante até o lá (7ª P). 
 
viii 
 
 
 
1 - INTRODUÇÃO 
 
Desde o surgimento dos instrumentos da família do violino, o contrabaixo 
sempre foi negligenciado pelos compositores. Uma das razões disso é que, sendo o 
mais grave e, portanto, o maior, demorou muito a ter padrões de construção estabele-
cidos. Os instrumentos construídos até o final do século passado apresentavam gran-
de variedade em aspectos como: extensão, profundidade da caixa harmônica, formato, 
número de cordas e afinação1. 
Assim, a composição para contrabaixo solista só era acessível àqueles que ti-
vessem contato com algum dos poucos virtuosos de seu tempo. A música concertante 
para contrabaixo começou a surgir na 2ª metade do século XVIII, durante o classi-
cismo vienense. Esse repertório2, executado hoje em dia no contrabaixo “moderno”, 
foi escrito originalmente para um tipo de violone que existiu nessa época. O instru-
mento, chamado violone vienense ou terzviolon, era apreciado por autoridades como 
Leopold Mozart e teve peças escritas por Karl Ditters von Dittersdorf, Wenzl Pichl, 
Johannes Mathias Sperger, Johann Baptist Vanhal, Franz Anton Hoffmeister, Anton 
Zimmermann, Joseph Haydn, Michael Haydn, W.A. Mozart e outros compositores e 
instrumentistas. Era dotado de trastes, e sua afinação básica era fá1, lá1, ré2, fá#2, lá2, 
mas não sobreviveu ao advento do romantismo, devido a fatores como a sua limitada 
possibilidade de modulação3. Mesmo no romantismo (até o tardio), o repertório do 
contrabaixo solista se resumia às peças dos contrabaixistas-compositores, como Gio-
 
1 STANTON, D. (1982) p. 21, BRUN, P. (1989) p.87. 
2 Há outras peças dessa época, escritas por contrabaixistas e/ou compositores de outras regiões, como os itali-
 
 2
vanni Bottesini, Serge Koussevitzky, Adolf Misek e outros. Somente a escrita orques-
tral passou a receber maior atenção por parte dos compositores, começando a se e-
mancipar da função de dobrar o violoncelo à oitava inferior4, devido às transforma-
ções ocorridas na orquestra romântica, cujo espectro de alturas, timbres e volume so-
noro se ampliava gradativamente. Mesmo assim, as partes de contrabaixo eram, às 
vezes, simplificadas até pelos próprios instrumentistas, na ocorrência de trechos de 
difícil execução ou mais apropriados à digitação do violoncelo5. 
O século XX trouxe relativa democracia no trato dos instrumentos por parte 
dos compositores, até mesmo porque consolidavam-se as escolas do contrabaixo e a 
quantidade de bons instrumentistas aumentava nos centros musicais de maior impor-
tância. Compositores como Stravinsky (Pulcinella) e Prokofiev (Tenente Kije) - ou 
Mahler, antes (Sinfonia nº1) - confiaram solos ao instrumento em suas obras sinfôni-
cas, e Hindemith compôs uma sonata para contrabaixo e piano. 
No Brasil, o uso do contrabaixo pelos compositores da música colonial, pelo 
menos desde o século XVIII, é um fato comprovado por farta documentação musical 
e bibliográfica. Há, por exemplo, no material do “Magnificat” das “Vésperas de Nos-
sa Senhora”, do padre José Maurício Nunes Garcia, composto em 1797, uma parte pa-
ra “contrabbasso e trombão”6. Um pouco mais tarde, com a abdicação de D. Pedro I, 
o contingente de músicos da Capela Imperial, onde José Maurício trabalhou, foi re-
duzido a 23 cantores, 2 mestres-de-capela, 2 organistas e 4 “instrumentistas de bai-
xo” (2 fagotistas e 2 contrabaixistas) para apoiar o coro7. 
 
anos A. Capuzzi, G. B. Cimador e D. Dragonetti. 
3 BRUN, P. (1989) p.49-55. 
4 STANTON, D (1982) p.23. 
5 BRUN, P. (1989) p.44-8. 
6 MATTOS, C. (1970) p.178. 
7 ANDRADE, A. (1967) p.163-4 
 
 3
Desde a sua fundação, em 1855, o Imperial Conservatório, no Rio de Janeiro, 
já tinha a cadeira de contrabaixo, ocupada pelo italiano Giuseppe Martini. Tendo le-
cionado até 1890, ele foi substituído pelo também italiano Ricardo Roveda, que teve 
reconhecida sua competência profissional logo que chegou ao Rio, sendo nomeado 
para o cargo no então Instituto Nacionalde Música.8 
Nesse ínterim, já haviam se apresentado como concertistas, nos teatros S. Pe-
dro de Alcântara e D. Pedro II - importantes centros de difusão musical da capital do 
Império -, grandes contrabaixistas italianos como Luigi Anglois (em 1859), Giovanni 
Bottesini (em 1879), e, bem mais tarde, Guido Gallignani (em 1922)9. Roveda, men-
cionado anteriormente, lecionou no Instituto até 1932, e entre seus alunos, destaca-
ram-se particularmente Alfredo de Aquino Monteiro e Antonio Leopardi. O grande 
didata italiano Isaia Billé, em seu livro sobre o contrabaixo - que por décadas foi re-
ferência ímpar no gênero - menciona tanto Roveda quanto Leopardi.10 
Esses dois alunos de Roveda estão ligados à origem das duas primeiras peças 
brasileiras escritas para contrabaixo solista, ou de concerto (termos que se referem ao 
uso do instrumento com função melódica). Alfredo de Aquino Monteiro foi talvez o 
primeiro aluno de contrabaixo a se destacar, tanto que Leopoldo Miguez - então dire-
tor do Instituto Nacional de Música - compôs um concerto para contrabaixo e piano 
para a sua formatura, em 189811. No concurso a prêmio para alunos formados, que já 
existia na época, Alfredo repetiu a execução do concerto com sucesso, o que lhe va-
leu a medalha de ouro. Esse contrabaixista veio a substituir seu professor, Roveda, 34 
anos mais tarde. Ficou, porém, pouco tempo no cargo, vindo a falecer 3 anos depois, 
 
8 QUEIROZ SANTOS, I. (1942) p.275. 
9 CERNICCHIARO, V. (1926) p.504-5. 
10 BILLÉ, I. (1928) p.111, 115. 
11 QUEIROZ SANTOS, I. (1942) p.248. 
 
 4
12em 1935 . Portanto, o concerto de Miguez foi, provavelmente, a 1ª obra brasileira 
para contrabaixo solista, que infelizmente se extraviou. 
Com a morte de Alfredo Monteiro, Antonio Leopardi sucedeu-o na cadeira de 
contrabaixo do Instituto, desempenhando a função por muitos anos. Nessa mesma é-
poca, em 1934, o compositor gaúcho Radamés Gnattali escreveu a “Canção e Dança” 
para contrabaixo e piano, dedicando a “Canção” a seu pai, e a “Dança” a Leopardi. É 
possível que Gnattali tenha observado a performance do instrumentista, ou que tenha 
recebido alguma colaboração do mesmo, pois a obra reflete as características técnicas 
e idiomáticas (próprias da linguagem do instrumento) da literatura de concerto com-
posta por Giovanni Bottesini, como o uso de três cordas, afinação de solo13 (um tom 
acima), bom aproveitamento dos harmônicos e escrita virtuosística. Até que se encon-
tre o concerto de Leopoldo Miguez, a “Canção e Dança” é a mais antiga peça brasi-
leira para contrabaixo de que se tem conhecimento hoje, e também uma das mais idi-
omáticas. 
Leopardi também nos remete a uma citação que mostra claramente a idéia que 
faziam os responsáveis pela formação de compositores a respeito do contrabaixo, 
nessa época. Assim pondera José Siqueira, em seu “Curso de Instrumentação”14: 
O talento excepcional de alguns concertistas, dentre 
os quais, Serge Koussevitzky, eminente regente da Orques-
tra Sinfônica de Boston, e Antonio Leopardi, professor ca-
tedrático da Escola Nacional de Música, concorreu para 
que o contrabaixo figurasse, algumas vezes, como instru-
mento de concerto. As qualidades próprias do instrumento 
não se prestam absolutamente a esse fim... 
O contrabaixo não possui a mesma variedade de tim-
bres que caracteriza os outros instrumentos de arco, já es-
 
12 Ibidem 
13 Essa afinação surgiu (provavelmente no século XIX) para aumentar a tensão das cordas de tripa ou seda, fa-
zendo com que a maior pressão delas sobre o tampo do contrabaixo resultasse numa sonoridade mais intensa e 
brilhante, quando o instrumento fosse usado como solista. 
14 SIQUEIRA, J. (1945) p.29-30. 
 
 5
tudados. As suas cordas não oferecem, do ponto de vista 
da sonoridade, diferenças sensíveis. 
 
E, citando Gevaert (sem referência): 
É a sua tessitura que determina quase exclusivamente 
o caráter de seu timbre, dando às notas graves a sua ex-
pressão severa e aos sons agudos a sua aspereza tão difí-
cil de suavizar. 
Como todos os instrumentos que ficam além dos limi-
tes da voz humana o contrabaixo não pode traduzir as su-
as impressões, nem por conseqüência, interpretar, por si 
só, uma melodia expressiva. 
 
15Em São Paulo, na década anterior, Augusto de Burgos apresentava a mesma 
má impressão em relação ao instrumento, além de equívoco quanto aos sistemas de 
afinação predominantes: 
Antigamente, o contrabaixo só tinha 3 cordas: lá, ré, 
sol, afinadas de quarta em quarta. Hoje só se emprega o 
contrabaixo de 4 cordas, afinadas de quinta em quinta: 
dó, sol, ré, lá...Que o compositor conserve o andamento 
grave e severo que está no seu papel, e de que raras vezes 
deve se afastar...Deve evitar-se-lhe, até certo ponto, as 
passagens rápidas, por causa do peso do arco e da difi-
culdade relativa da mão esquerda...A dupla corda é-lhe 
quase interdicta. 
 
Os teóricos dessa época não deviam ter ao alcance dos ouvidos instrumentistas 
bem preparados como os de hoje. Por outro lado, esse tipo de informação negativa 
deve ter demovido vários compositores e alunos de composição da idéia de tentar es-
crever para o contrabaixo, perpetuando um preconceito com relação ao instrumento 
que persiste até hoje16. Mesmo que o juízo a esse respeito fosse mais favorável, como 
é hoje, ainda seria necessário que os próprios instrumentistas incentivassem os com-
positores, dispondo-se a ajudá-los a compreender melhor o contrabaixo, cuja escrita 
 
15 BURGOS, A. (1936) p. 61-2. 
16 Atenuado, certamente, pela iniciativa de contrabaixistas como Gary Karr, que, há mais de trinta anos, fun-
dou a International Society of Bassists, e percorre o mundo como concertista, divulgando o repertório solístico 
do contrabaixo. 
 
 6
apresenta características peculiares, até em relação aos demais instrumentos de cor-
das. 
Além do conhecimento das possibilidades de execução do instrumento (ade-
quação técnica), e das peculiaridades da sua linguagem própria (idiomática), o com-
positor precisa estar atento à característica sonora desse instrumento, fator correlato 
aos dois anteriores. Essa problemática envolve as deficiências acústicas do contra-
baixo, decorrentes da sua tessitura grave e da desproporção com os padrões acústicos 
do violino17, ou seja, volume sonoro menor e projeção mais lenta. Quando o contra-
baixo se encontra na função de instrumento melódico acompanhado por outro instru-
mento, piano ou orquestra, é que se percebe essa defasagem de sonoridade. O pro-
blema acontece também com instrumentos como o violoncelo (em menor escala), o 
fagote, o violão (que costuma ser amplificado) e a harpa. A habilidade do compositor 
em escrever acompanhamentos para esses instrumentos, sobretudo quando se trata de 
obras para solista e orquestra, consiste principalmente em saber como contrapor a 
instrumentação adequadamente a cada registro e textura (articulações, timbres) apre-
sentados na linha do solista. 
Não se pode negar que nos últimos trinta anos o repertório do contrabaixo 
tenha sido beneficiado por iniciativas institucionais e de compositores, isoladamente. 
A Funarte, por exemplo, encomendou peças para vários instrumentos a diversos 
compositores, tendo em vista o II Concurso Nacional de Jovens Intérpretes da Música 
Brasileira, realizado pela entidade, no Rio de Janeiro, em 1984. As peças para 
contrabaixo, escritas pelos compositores Nestor de Hollanda Cavalcanti (“Conversa 
Mole”), Henrique de Curitiba (“Introdução e Sapateado”), Henrique David 
 
17 Para ter as mesmas propriedades acústicas do violino, o contrabaixo precisaria ter uma caixa de ressonância 
bem maior, impossibilitando o seu manejo. 
 
 7
Korenchendler (“Prelúdio, Recitativo e Dança”), Francisco Mignone (“Estudo para 
Contrabaixo”)e Raul do Valle (“Interação”), foram editadas pela própria Funarte no 
ano seguinte, juntamente com a “Canção e Dança” de Gnattali, que ainda se 
encontrava em manuscrito. O Concurso Sul América, realizado no Rio de Janeiro, 
encomendou peças de confronto ao compositor Cláudio Santoro, o que resultou na 
composição de “fantasias” homônimas para quase todos os instrumentos, inclusive a 
“Fantasia Sul América” (1983) para contrabaixo solo. 
Também importantes foram os dois concursos nacionais de composição para 
contrabaixo, o primeiro promovido pela UNESP, em 1991, e o segundo promovido 
pela Associação Brasileira de Contrabaixistas e pela Escola de Música da UFMG, em 
agosto de 1996. Além disso, alguns compositores tiveram, em algum momento de su-
as carreiras, a motivação ou curiosidade de escrever para vários instrumentos, inclu-
sive o contrabaixo, como foi o caso de Marlos Nobre, com a série de “desafios”, e Jo-
sé Siqueira, com a série de “concertinos”18. Este último compositor, citado algumas 
páginas atrás, parece ter mudado de opinião em relação às possibilidades solísticas do 
contrabaixo. O seu “Concertino para contrabaixo”, de 1976, foi dedicado a Ladislav 
Balek, então contrabaixista da Orquestra Sinfônica Brasileira, que realizou a sua es-
tréia. A partitura e o material de orquestra foram extraviados, infelizmente, restando 
apenas a parte do contrabaixo-solo. 
À parte essas e outras iniciativas, a maior contribuição para o repertório do 
instrumento foi, sem dúvida, o conjunto da obra para contrabaixo de um alemão natu-
ralizado brasileiro e radicado há mais de 40 anos em Piracicaba, no interior do Estado 
de São Paulo. Ao longo desse tempo, Ernst Mahle construiu uma das melhores insti-
tuições de ensino de música do Brasil, ajudado por sua esposa Maria Apparecida e 
 
 8
outros piracicabanos, e desenvolveu sua obra didática e composicional em função da 
Escola de Música de Piracicaba (E.M.P.), seus conjuntos e seus alunos. 
Munido de muita disposição e grande idealismo, Mahle partiu de uma estrutura 
ínfima existente em Piracicaba, estudando instrumentos para lecioná-los, fazendo ar-
ranjos para os primeiros alunos tocarem, e acompanhando o progresso dos mesmos 
com a composição de peças cada vez mais difíceis. Como resultado da dedicação de 
Mahle ao ensino, a E.M.P. produziu instrumentistas que hoje atuam pelo Brasil e até 
pelo exterior, e conjuntos como a Orquestra de Câmara, que atingiu alto nível artísti-
co, mas não conseguiu apoio oficial para se profissionalizar. 
Mahle foi um dos poucos compositores brasileiros que, por iniciativa própria, 
escreveram música de câmara ou de concerto para quase todos os instrumentos da or-
questra sinfônica moderna. Tão importante quanto isso é o fato de que os instrumen-
tistas que conhecem as suas peças geralmente acreditam que o instrumento original 
do compositor (o que ele toca) tenha sido o seu próprio, devido à capacidade adquiri-
da por Mahle de escrever bem técnica e idiomaticamente para cada instrumento. 
Com a evolução da sua obra para contrabaixo, desde as peças para iniciantes, e 
as de nível intermediário - material com o qual tive a sorte de contar no início dos 
meus estudos, em Piracicaba - até o “Concerto 1990” e o “Quarteto para contrabai-
xos” (1994), de cujas dedicatórias e estréias tive a honra de participar, Mahle passou 
a compreender, como poucos, as características do instrumento, unindo adequação 
técnica e idiomática, verificada desde as primeiras obras, à exploração do virtuosis-
mo nas últimas. 
O “Concerto 1990”, foco central deste estudo, é não só uma das primeiras pe-
ças do gênero para contrabaixo, no Brasil, como talvez a mais significativa, por inse-
 
18 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1980). 
 
 9
rir-se nessa conjunção de adequação idiomática e virtuosismo, que não deixa de ser 
um aspecto relativamente novo no uso do contrabaixo na música brasileira. 
Para um compositor não afeito à publicidade, como Mahle, e relativamente 
isolado em Piracicaba, é espantoso notar como o conhecimento da “Sonatina 1975” e 
do “Concertino 1978” se espalhou por vários pontos do país, devido à sua utilidade, 
como peças brasileiras de nível intermediário. De certa forma, a divulgação de suas 
peças foi beneficiada pelo concurso bienal para jovens instrumentistas que lá existe 
há vinte e cinco anos, recebendo concorrentes de todas as regiões do Brasil, o que, 
porém, não diminui o seu mérito e valor. Assim, é freqüente ver executantes de ins-
trumentos como trompete, trombone, fagote, clarineta, oboé, tocando peças de Mahle. 
Embora já tenha sido executada por instrumentistas americanos e europeus, a quanti-
dade de pessoas que conhecem ou executam a obra de Mahle - não só a didática, co-
mo também a “séria”, de concerto - poderia ser ainda bem maior. 
A divulgação da música de Mahle, como um todo, é uma das finalidades deste 
trabalho. Evidentemente, pelo enfoque dirigido à obra para contrabaixo, e particular-
mente ao “Concerto 1990”, espera-se que os contrabaixistas, principalmente, estudan-
tes e profissionais, tirem proveito dele. Porém, é preciso que organistas, tubistas, 
trombonistas, claronistas, violonistas, violistas, percussionistas, e até mesmo os ins-
trumentistas que já foram contemplados com um repertório brasileiro abundante (pia-
nistas, violinistas, violoncelistas, etc.) também se beneficiem, através dessa divulga-
ção, da grande contribuição do compositor. Isso sem mencionar a sua obra dedicada 
às crianças (orquestra infantil, coro infantil, pequenos conjuntos), que pode ser apro-
veitada em toda parte. 
Pelo privilégio de ter sido aluno da E.M.P., e de ter participado de todas as a-
tividades que descrevo - ainda que superficialmente - como complemento ao trabalho 
 
 10
interpretativo, senti necessidade de registrar a obra de ensino de Mahle, reconhecida 
e citada na bibliografia de referência da música brasileira. Da mesma forma, a minha 
relação de proximidade com o compositor, com a sua obra para contrabaixo, e com as 
circunstâncias da composição do “Concerto 1990”, também me compeliu à realização 
deste estudo, na esperança de fornecer dados importantes para a interpretação da pe-
ça. 
A finalidade mais específica da pesquisa que resultou nesta dissertação é, jus-
tamente, contribuir para o estudo das práticas interpretativas na música brasileira, es-
pecialmente no tocante à performance do contrabaixo, minha área principal de atua-
ção profissional. Assim como o estudo analítico-interpretativo do “Concerto 1990” 
pretende ser útil a estudantes de contrabaixo (ou outros instrumentos) e contrabaixis-
tas profissionais, a exemplificação dos recursos idiomáticos e da adequação técnica 
das obras para contrabaixo de Mahle poderá servir de modelo para estudantes de 
composição e compositores que venham a se interessar por escrever para o instru-
mento. 
Portanto, para atingir o objetivo principal do trabalho, ou seja, a análise de as-
pectos composicionais do “Concerto 1990” e o estabelecimento de procedimentos pa-
ra sua interpretação, foi necessário reunir informações que levassem a um melhor en-
tendimento da música de Mahle, favorecendo não só esse objetivo como esclarecendo 
outros fatores relevantes ao próprio estudo. Essas ações secundárias consistiram em 
traçar um perfil biográfico do compositor, verificar a relação entre a atividade didáti-
ca na E.M.P. e a evolução de sua composição, levantar as influências e características 
estéticas de sua obra, comprovar o idiomatismo de sua escrita para contrabaixo, e, 
por fim, verificar em que medida as características gerais do estilo composicional de 
 
 11
Mahle estão presentes no “Concerto 1990”, e que procedimentos interpretativos de-
correm dessas características. 
As informaçõesbiográficas sobre o compositor, encontradas em obras de refe-
rência, somaram-se ao material fornecido pelo próprio compositor, através de trans-
crições de entrevistas pré-existentes e outros documentos da biblioteca da Escola de 
Música de Piracicaba. A experiência pessoal como aluno da E.M.P. também propi-
ciou informações para todas as seções do trabalho. Nessa mesma biblioteca, que abri-
ga o acervo de obras, arranjos e material teórico-didático do compositor, foram con-
sultadas as partituras necessárias para a amostragem geral da obra de Mahle, baseada 
também em seu próprio depoimento, bem como todo e qualquer material que relacio-
nasse o autor ao contrabaixo. 
Uma entrevista preliminar abordou informalmente aspectos gerais, pertinentes 
à pesquisa, fornecendo informações para a revisão bibliográfica. A segunda 
entrevista, mais estruturada, aprofundou questões estéticas, filosóficas e biográficas, 
envolveu também a esposa do compositor, Dª. Cidinha. A terceira entrevista envolveu 
questões composicionais e interpretativas da obra de Mahle, e, mais especificamente, 
do “Concerto 1990”. Dois questionários posteriores esclareceram dúvidas que ainda 
persistiam. 
Apesar de não ter, necessariamente, a profundidade de um trabalho da área 
musicológica/composicional, a análise de aspectos composicionais num trabalho de 
performance é imprescindível ao reconhecimento de fenômenos que possam influir 
no direcionamento do procedimento interpretativo. Hoje em dia, com a maior parte 
dos instrumentistas estudando em universidades - locais onde se concentram musicó-
logos e compositores -, e tendo maior acesso ao campo teórico, o nível das discussões 
sobre as práticas interpretativas tende a um salto qualitativo. 
 
 12
Para a análise dos aspectos composicionais, foram consultadas as obras de re-
ferência disponíveis para esclarecimento de dúvidas sobre termos e definições. Atra-
vés das entrevistas e dos questionários, buscou-se a opinião do autor sobre questões 
analíticas do concerto, favorecendo a compreensão de seus processos composicionais 
e o registro de seu ponto de vista a respeito da própria obra. Parte do material teórico 
utilizado por Mahle no ensino de composição também foi referência importante nessa 
etapa da pesquisa. 
A análise procurou identificar aspectos composicionais como: elementos temá-
ticos (imitações, transformações e desenvolvimento), contrastes (rítmicos, melódicos, 
de altura, timbre, densidade e intensidade), estruturas rítmicas, texturas, estruturação 
formal, organização fraseológica, elementos escalares, eventos harmônicos básicos, 
elementos de influência folclórica ou popular, dados da orquestração e quaisquer as-
pectos que pudessem implicar em procedimentos interpretativos específicos ou em 
melhor compreensão da obra. 
A prática da interpretação em bases mais fundamentadas é possível, ainda que 
haja pouca literatura de referência (sobretudo em português), mas é incipiente, pelo 
fato de que a atividade do instrumentista se desenvolve tradicionalmente de forma in-
tuitiva, recorrendo à sua “bagagem”, constituída pelo aprendizado transmitido oral-
mente e pela experiência acumulada ao longo do exercício da profissão. Embora mui-
tos músicos rejeitem a importância da documentação escrita - que pode ter maior ou 
menor rigor formal sem perda de conteúdo - como parte do exercício da performance, 
devemos lembrar que a tentativa de reavivamento das técnicas de execução pré-
românticas, neste século, só tem sido possível graças às valiosas informações conti-
das em tratados de grandes mestres como François Couperin, Jean Philip Rameau, 
 
 13
Johann Mattheson, Johann Joachim Quantz, Philipp Emanuel Bach e Leopold Mozart, 
todos instrumentistas do século XVIII19. 
O estudo mais delimitado da interpretação, com a escolha de um problema es-
pecífico, atenderia aos modelos correntes de pesquisa científica e acadêmica, porém a 
interpretação global do concerto - mesmo que seja impossível esgotar suas questões - 
reflete melhor o valioso trabalho do intérprete, que tem que dar conta, simultanea-
mente, dos vários aspectos da performance de uma obra musical. Os problemas inter-
pretativos levantados nessa abordagem incluíram aspectos como: andamentos (clare-
za versus interesse), delimitação fraseológica, caracterização temática (contrastes e 
transformações), problemas acústicos (dinâmica e articulações), timbre (parâmetros 
do vibrato e do arco), escolha de dedilhados (possibilidade técnica versus coerência 
tímbrica), caracterização de elementos de influência folclórica ou popular e articula-
ção de figurações rítmicas. 
As informações fornecidas pela análise constituíram a diretriz básica das esco-
lhas interpretativas, explanadas e executadas de acordo com a concepção interpretati-
va do autor do trabalho, que também abrange conhecimentos vindos da transmissão 
oral, da experiência de execução das convenções musicais e da intuição. 
A discussão de procedimentos interpretativos com o compositor, através de en-
trevistas, representou uma oportunidade que não poderia deixar de ser aproveitada, 
revelando quais aspectos da concepção original da obra que Mahle deixa mais ou me-
nos “em aberto” na interpretação. A partir das informações obtidas dessa forma, o in-
térprete pode ponderar sobre a concordância ou discordância parcial com a opinião 
do compositor, extraindo dados para a performance. A interpretação se apoiou tam-
bém nas realizações anteriores, registradas em áudio e/ou vídeo, como experiências 
 
19 DORIAN, F. (1986) p.74-5. 
 
 14
que forneceram soluções, nos campos da dinâmica, do andamento e das articulações, 
para os problemas acústicos do contrabaixo solista, tanto nas execuções com orques-
tra como naquelas com o acompanhamento reduzido ao piano. 
 
 
 
 
 
2 - ERNST MAHLE E A ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA 
 
2.1 - Dados biográficos 
Ernst Hans Mahle nasceu no dia 3 de janeiro de 1929, na cidade alemã de 
Stuttgart. Seu avô, Theodor Mahle, e seu pai, Ernst Mahle, eram engenheiros, este úl-
timo ligado à indústria automobilística, e tinham a expectativa de que ele seguisse a 
tradição familiar. 
Suas aulas de música na infância se limitaram à flauta doce, que aprendeu em 
aulas coletivas, na escola de 1º grau, onde sempre tinha notas excelentes. Aos 10 a-
nos de idade teve aulas particulares de violino, mas não se interessou nem se aplicou 
muito. Em 1939 irrompeu a guerra na Alemanha e os Mahle tiveram inúmeros pro-
blemas com bombardeios e outras privações, a partir de 1942, resolvendo mudar-se 
para a Áustria. 
Mahle trabalhou então numa fábrica, especializando-se no ofício de torneiro, e 
graças a esse trabalho acabou não indo para o front. Alguns de seus colegas não tive-
ram a mesma sorte, vindo a morrer em campo de batalha. 
Aos 17 anos, impressionado com a destruição causada pela guerra, abandonou 
a idéia de se tornar engenheiro. Achou que para haver uma melhor compreensão entre 
os homens, favorecendo a paz, o mundo precisava mais de artistas que de engenhei-
ros. Voltou-se então para a música e começou a estudar piano. Para recuperar o tem-
po perdido, dedicou-se intensivamente ao instrumento, almejando tocar peças como 
os estudos de Chopin e as sonatas de Beethoven, que já compreendia com sua musi-
calidade, mas cuja dificuldade técnica exigiria anos de estudo. Nessa determinação, 
 
 16
Mahle foi acometido por uma grave tendinite em ambos os braços, sendo aconselhado 
pelos médicos a mudar de carreira, pois jamais poderia ser um concertista. 
Resolveu então estudar composição, e prestou exame para ingressar na Staatli-
che Hochschule für Musik de Stuttgart, em 1950. Ele já tinha feito algumas composi-
ções para piano, mas a sua leitura pianística à primeira vista não era suficientemente 
boa para aprová-lo no exame. Foi admitido, porém, por ter improvisado muito bem,ao piano, sobre um tema dado pelo diretor. 
Lá estudou com o compositor tradicionalista Johann Nepomuk David, que lhe 
deu sólida base de contraponto. No entanto, esse período durou apenas cerca de um 
ano, pois em 1951 a sua família transferiu-se para o Brasil, para onde veio com seus 
pais e dois dos irmãos. Nesse mesmo ano, seu pai foi um dos fundadores da Metal 
Leve, em São Paulo, levando para lá a experiência da fábrica Mahle na fabricação de 
pistões de alumínio. 
Nesse momento, seu pai, que a princípio ficara perplexo com a escolha profis-
sional, passou a apoiá-lo quando viu que sua vocação musical era inquestionável. 
Mahle matriculou-se então no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, di-
plomando-se posteriormente em composição e regência. 
Em 1952 foi fundada em São Paulo a Escola Livre de Música Pró-Arte, por 
onde passaram inúmeras personalidades da música brasileira. Mahle matriculou-se 
também nessa escola, na classe de composição de Hans Joachim Koellreutter, que o 
influenciou muito. Através dele entrou em contato com a música do século XX e com 
várias técnicas da composição moderna: atonalismo, dodecafonismo, concretismo e 
música eletrônica. Koellreutter o prezava, porque achava que ele tinha bastante faci-
lidade e talento. Enquanto estudava composição e flauta com Koellreutter - que tam-
bém era flautista - Mahle lecionava harmonia e contraponto, como seu assistente. 
 
 17
Trabalhou, ainda, por pouco tempo, em um laboratório de música eletrônica que o 
professor tentava montar; fez isso, porém, sem grande interesse. 
Foi na Pró-Arte, ainda em 1952, que Mahle veio a conhecer sua futura esposa, 
Maria Apparecida Romera Pinto (Cidinha), que tinha estudado piano e canto orfeôni-
co em Campinas e ingressara na classe de Regência Coral de Koellreutter. 
Cidinha era de Piracicaba, e Koellreutter quis conhecer a cidade, constatando 
que lá já havia uma Sociedade de Cultura Artística, mas não havia nenhuma escola de 
música. Encorajado, porém, a estabelecer na cidade uma filial da Pró-Arte, Koellreut-
ter coordenou, em 1953, a fundação da Escola de Música de Piracicaba, juntamente 
com Mahle, Cidinha e outras pessoas representativas da cidade e da Cultura Artística, 
como a pianista Maria Dirce de Almeida Camargo. 
Durante essa fase inicial, Koellreutter supervisionou, por algum tempo, as ati-
vidades da EMP, e Mahle ia lecionar lá uma vez por semana, enfrentando, com seu 
Volkswagen, a precária estrada de terra. Ele ensinava o que fosse preciso: matérias 
teóricas e vários instrumentos. 
Nessa época, voltou várias vezes à Europa, onde, por curtos períodos, em cur-
sos de férias, aperfeiçoou-se com célebres professores de composição: Ernst Krenek, 
Olivier Messiaen e Wolfgang Fortner; e de regência: Lovro Von Matacic, Hans Mül-
ler-Kray e Rafael Kubelik. 
Em 1955 casou-se com Cidinha e continuaram morando em São Paulo, viajan-
do semanalmente para Piracicaba. Nesse mesmo ano, a pedido de D. Dirce Camargo, 
fez arranjos e começou a trabalhar com a primeira orquestra da E.M.P., formada por 
23 crianças. 
Em fins de 1955, Mahle e Cidinha mudaram-se definitivamente para Piracica-
ba, onde, até hoje, se dedicam à Escola de Música, ensinando música da forma mais 
 
 18
criteriosa e competente possível. Além de diretor artístico, professor, regente do Co-
ral, das Orquestras de Câmara e Sinfônica da E.M.P., Mahle idealizou e preside a 
banca julgadora dos Concursos Jovens Instrumentistas de Piracicaba, desde a sua cri-
ação, em 1971. Cidinha, além de pianista acompanhadora e principal administradora 
da entidade, especializou-se em Iniciação Musical e publicou diversas obras nessa á-
rea. Ajudados por colaboradores de longa data, que comungam com eles o amor pela 
escola e pela música, fizeram da E.M.P. uma instituição modelo, reconhecida e admi-
rada no meio musical brasileiro, formando gerações de instrumentistas bem prepara-
dos, que hoje se espalham pelo Brasil e até mesmo pelo exterior. Os cursos para os 
instrumentos de orquestra pouco procurados (viola, contrabaixo, oboé, fagote, metais, 
etc.) sempre foram gratuitos, para que os alunos se motivassem a optar por estudar 
esses instrumentos. O musicólogo Vasco Mariz define bem o papel de Mahle em Pi-
racicaba: graças a seu esforço, ele colocou a cidade no mapa musical do Brasil20. 
Na sua atividade de professor, Mahle sentia falta de material didático para ini-
ciantes, e foi assim que começou a compor. Com o desenvolvimento dos alunos e o 
crescimento da escola, sua obra começou a tomar corpo, pois era necessário suprir a 
demanda de um repertório brasileiro para os instrumentos de orquestra. Mas foi só 
em meados da década de 60, a partir do reconhecimento que suas peças passaram a 
ter, que Mahle se assumiu como compositor. Como ele próprio revela, ficou surpreso 
de se tornar compositor, pois, tendo decidido ser professor, não imaginava que isso 
acabaria acontecendo21. Em 1961 sua obra “Intervalos” recebeu o Prêmio de Compo-
sição “Universidade da Bahia”. 
 
20 MARIZ (1983) p.257. 
21 MAHLE, cf. entrevista (1996). 
 
 19
Em 1963 naturalizou-se brasileiro e em 1965 recebeu da municipalidade o títu-
lo de “Cidadão Piracicabano”, pelo seu trabalho em prol da educação artística da ju-
ventude. Nesse mesmo ano, recebeu a Medalha de Prata “Manuel de Falla”, no Con-
curso Universidade da Bahia, pela obra “Um dia de verão”, para coro e orquestra sin-
fônica. Com essa mesma peça recebeu, ainda, Menção Honrosa em concurso promo-
vido pela Rádio Ministério da Educação e Cultura. 
Foi também contemplado, no 2º Concurso Nacional de Composição, promovi-
do pelo Instituto Goethe e pela Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, em 
1974 com o 3º prêmio pelo “Quinteto de sopros”; no Concurso para Composição e 
Arranjos Corais, promovido pelo Madrigal Renascentista de Belo Horizonte, em 
1976, com o 3º prêmio; no Concurso de Composição para Orquestra de Cordas, pro-
movido pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba, em 1976, com o 1º prêmio 
pela “Suíte nordestina”; no Concurso de Composição de Arranjos Corais, promovido 
pela Funarte, em 1983, com o 1º prêmio pela peça “Carimbó”, para coro misto. A sua 
“Sinfonia modal”, a “Pentafonia” e o “Divertimento hexatonal” também foram pre-
miados pela Funarte na mesma época. 
Foi professor em diversos cursos de férias, como o 1º e o 2º Seminários de 
Música de Universidade da Bahia, em 1954 e 1955; e o 5º Curso Internacional de Cu-
ritiba, em 1969. Entre 1976 e 1981 foi vice-presidente da Sociedade Brasileira de 
Música Contemporânea, cargo que voltou a ocupar desde 1993. É membro da Acade-
mia Brasileira de Música. 
Das suas mais de 200 composições, para quase todos os instrumentos, além de 
arranjos e transcrições, várias foram resultado de encomendas, como a “Sinfonia nor-
destina”, escrita em 1990, para o Maestro Lutero Rodrigues e a Orquestra Sinfônica 
do Litoral; e o “Noneto”, escrito em 1977, para o Noneto de Munique. Mahle teve sua 
 
 20
obra - composta por duas óperas, peças corais e coral-sinfônicas, sinfonias, sinfonie-
tas e numerosa música de câmara - executada por orquestras e conjuntos de todas as 
partes do Brasil e de vários países, como Alemanha, Argentina, Espanha, Estados U-
nidos, Itália e Suíça. Suas peças também são constantemente apresentadas em eventos 
como a Bienal de Música Brasileira Contemporânea, realizada no Rio de Janeiro. Em 
agosto de 1996, foi o principal homenageado do IV Encontro Internacional de Con-
trabaixo, realizado na Escola de Música da UFMG, em Belo Horizonte, tendo parte 
significativa de sua obra para contrabaixo apresentada no concerto de encerramento 
do evento. 
Ernst Mahle é uma personalidade respeitada no meio musical brasileiro, tanto 
pela sua obra composicional, quanto pelo seu trabalho pedagógico, o que se pode 
constatar através de depoimentos como o do professorPaulo Affonso de Moura Fer-
reira: 
A música de Mahle, ao longo de várias décadas de 
produção ininterrupta, tem mantido, ao longo de suas ca-
racterísticas pessoais de linguagem, duas outras, também 
essenciais, porém raras na música contemporânea: são 
obras que os intérpretes sentem prazer em executar, inclu-
sive por sua adequação aos meios vocais ou instrumentais 
empregados; e o público também gosta de ouvi-las, pois 
seu conteúdo é humano e verdadeiro, isento de artificia-
lismo ou preocupações com a “modernidade a qualquer 
custo”22. 
 
Ressaltando a característica nacionalista do compositor, o colega Osvaldo La-
cerda afirma: 
Além da intensa atividade, que exerce como regente e 
diretor de um dos melhores estabelecimentos de ensino 
musical do país - a Escola de Música de Piracicaba -, é 
também um inspirado e prolífico compositor, cuja sólida 
técnica lhe possibilita um perfeito domínio de todos os e-
 
22 ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA et alli (1991) p.4. 
 
 21
lementos que integram a composição musical: ritmo, me-
lodia, harmonia, estrutura e timbre....O que mais me fas-
cina, porém, em muitas de suas obras, é o caráter nacio-
nal delas, o que revela o amor e carinho que Mahle tem 
por sua pátria de adoção23. 
 
Da mesma forma, o crítico Afrânio A. Garbogginni discorre, em crônica no 
Jornal de Piracicaba (4/7/85), sobre a utilização do folclore pelo compositor: 
Ernst Mahle, alemão naturalizado brasileiro, que a-
prendeu a gostar das coisas nossas, percebeu a magia da 
cadência e melodia do carimbó e soube fazer a fusão dos 
temas folclóricos com uma textura altamente elaborada, 
formulando uma composição de interesse universal, sem 
perda da característica brasileira.24 
 
 
2.2 - O educador e o compositor na construção da E.M.P. 
Ainda na Alemanha, Mahle conhecera o efeito do Mikrokosmos de Bartók no 
ensino do piano. Ao mesmo tempo, percebia que a televisão começava a exercer mui-
ta influência sobre a criança, prejudicando a sua formação, restringindo a sua capaci-
dade de reação e interação. 
Com Koellreutter, conheceu ainda melhor Bartók e Hindemith, dois grandes 
compositores que tinham em comum a preocupação pelo ensino, e ficou muito influ-
enciado pelo trabalho deles. 
Esses antecedentes fizeram com que Mahle tomasse para si a missão de educa-
dor, procurando colocar em prática aquelas idéias a partir da criação da Escola de 
Música de Piracicaba. Ele achava que, se a criança se entretivesse com uma série de 
atividades na escola, como aulas de instrumento e matérias teóricas, ensaios de coro e 
orquestra infanto-juvenis e prática de conjunto, estaria menos sujeita à influência ne-
gativa da televisão, ganhando, em contrapartida, maior desenvolvimento da sensibili-
 
23 Ibidem, p.59. 
24 Ibid, p.59. 
 
 22
dade, da habilidade manual, do talento artístico e da sociabilidade, além do contato 
com o folclore brasileiro, fator de identidade cultural. 
Como foi dito, Mahle tinha a incumbência de lecionar vários instrumentos, 
mas não dispunha de material didático suficiente para principiantes. Começou então a 
anotar, no caso dos instrumentos de cordas, as escalas de uma a duas oitavas, com va-
riantes de arco, e exercícios elementares nas primeiras posições. E começava suas au-
las com exercícios em cordas soltas. Logo passou a escrever duetos fáceis sobre me-
lodias folclóricas (principalmente brasileiras, pelas razões já mencionadas) com o 
mesmo ritmo nas duas vozes, porque percebeu que os alunos acertavam melhor quan-
do ele tocava junto no mesmo ritmo. 
O próximo passo foi fazer arranjos dessas melodias para instrumento com a-
companhamento de piano, para melhorar a afinação e a firmeza rítmica dos alunos. 
Além das melodias folclóricas, Mahle arranjou “Melodias da Cecília” (quase sempre 
com caráter brasileiro, à moda das cantigas de roda) para quase todos os instrumen-
tos, selecionadas entre cerca de 1.300 melodias inventadas por sua filha entre os 2 e 6 
anos de idade, e anotadas por ele. 
A preocupação com a viabilização do estudo dos instrumentos de orquestra, 
em um cenário dominado pela “pianolatria”, transparece no prefácio de Mahle para as 
“Melodias da Cecília” para piano25: 
Alimento ainda a esperança de que as demais melodi-
as, em arranjos para os outros instrumentos, despertem 
também interesse, pois felizmente vai sendo despertada no 
Brasil a consciência para a importância do estudo de ins-
trumentos de orquestra. 
 
 
25 MAHLE, E. (1971) p.3. 
 
 23
Para a orquestra infanto-juvenil, formada por flauta-doce, flauta transversal, 
oboé, clarineta, fagote, trompa, trompete, cordas e percussão, compôs arranjos a três 
vozes de mais de cem canções folclóricas. Entre esses arranjos encontram-se alguns 
concertinos, para que o jovem instrumentista passasse pela experiência de tocar como 
solista, diminuindo, no futuro, o nervosismo em situações semelhantes. O concertino 
para contrabaixo, por exemplo, foi baseado na melodia folclórica “Atirei um pau no 
gato”. Fez, ainda nesses moldes, e abrangendo outras melodias universais, arranjos 
para trios, quartetos e quintetos, para despertar o interesse dos alunos para a música 
de câmara e para o desenvolvimento de sua habilidade nesse campo importantíssimo. 
Para o coro infanto-juvenil, Mahle arranjou também mais de cem canções folclóricas, 
a 1 e 2 vozes, com ou sem acompanhamento de piano. 
Em 1971 foi realizado o primeiro Concurso Jovens Instrumentistas, concebido 
de forma a também dar oportunidade aos instrumentos de orquestra, que se revezari-
am, dependendo de circunstâncias diversas, no decorrer das próximas edições bienais 
do evento. A essa altura, Mahle já tinha composto cerca de 50 obras ditas sérias (em 
vários níveis de dificuldade, didáticas ou não), entre corais, sinfônicas e de câmara, 
porém o repertório de música brasileira que poderia servir ao concurso ainda era es-
casso para os instrumentos de orquestra. Iniciou então a composição de uma série de 
sonatinas em duo com piano e uma série de concertinos para instrumento solista e or-
questra de cordas26, num nível de dificuldade que se adaptasse à faixa etária dos par-
ticipantes, limitada a 12, 16, 18 ou 21 anos, dependendo do ciclo. Além da adequação 
técnica, Mahle se preocupou em fazer peças curtas e acessíveis, que combinassem e-
lementos rítmicos e/ou melódicos de influência nacionalista com formas tradicionais, 
de estruturação facilmente assimilável, porém numa linguagem escalar e harmônica 
 
 24
mais moderna, modal. O ciclo das sonatinas se completou, provavelmente, com a 
“Sonatina para corne-inglês”, de 1983; e o ciclo dos concertinos, com o “Concertino 
para tuba”, de 1984, havendo maior ocorrência de composições de ambos os tipos no 
período de 1972 a 1980. 
Outro ciclo, pensado para suprir a carência de repertório brasileiro, além de 
servir ao objetivo didático da prática de execução com dois instrumentos iguais, é a 
série de duetos modais, para quase todos os instrumentos. Esse ciclo reflete a predi-
leção do compositor pelo estudo e uso dos modos, em suas combinações possíveis. 
São peças curtas, cerca de 8 por instrumento, de melodia geralmente alternada entre 
as vozes (procedimento didático), que, explorando uma gama de situações harmôni-
cas causadas pelos diferentes modos, levam ao aprimoramento da afinação; e, sendo 
as vozes de articulação rítmica geralmente alternada, propiciam o desenvolvimento 
do senso rítmico. 
A existência de uma orquestra sinfônica na E.M.P. sempre foi um fenômeno 
temporário, já que a cidade - ao longo desses mais de quarenta anos - não se incum-
biu de oferecer trabalho para os instrumentistas que se profissionalizavam, obrigan-
do-os a procurar emprego em cidades vizinhas. A Orquestra Sinfônica de Campinas, 
por exemplo, apresenta atualmente umcontingente de 20 por cento de piracicabanos. 
Aproveitando essa eventualidade, e diante do fato de que o nível dos alunos ti-
nha melhorado muito, Mahle iniciou uma série de concertos para instrumento solista 
e orquestra sinfônica, chegando a escrever o de violino em 1978, o de trombone em 
1983 e o de contrabaixo em 1990. Nessas obras, a preocupação com a adequação téc-
nica e com a escrita idiomática uniu-se à busca de uma exploração virtuosística dos 
instrumentos, e a uma elaboração composicional mais complexa e sofisticada. Embo-
 
26 Formação de ocorrência mais estável que a orquestra sinfônica, que dependia da disponibilidade de sopros. 
 
 25
ra esse ciclo continue aberto, os demais concertos, para clarineta, de 1988, e para 
quarteto de madeiras, de 1995, foram escritos com acompanhamento de orquestra de 
cordas, de acordo com a disponibilidade de conjuntos em cada circunstância27. 
O perfil cronológico da obra de Mahle mostra como o seu ideal de educador, 
revelado através da preocupação didática sempre presente, apontou o rumo da sua 
evolução composicional. Outro condicionante da sua produção foi a própria escola e 
suas circunstâncias. Ainda hoje compõe, por exemplo, muita música de câmara em 
função dos concertos que acontecem na escola, que são muitos. A sua obra para or-
questra, quando não resulta de encomendas, se adequa às necessidades e aos conjun-
tos da EMP. E como outros compositores, também atende a pedidos de amigos, pro-
fessores e alunos da escola. 
A partir da década de 80, Mahle continuou a compor para instrumentos com 
repertório brasileiro reduzido, como órgão (1981), corne-inglês (1983), tuba (1984), 
clarone (1987 e 1995) e vibrafone (1995). Procurou escrever para formações camerís-
ticas heterogêneas não usuais, como trio vocal e piano (1982), violino e violão 
(1985), violino, violoncelo e violão (1992), mezzo-soprano e quarteto de cordas 
(1995) e flauta, oboé, clarineta, fagote e cordas (1995). Dedicou-se também ao desa-
fio de compor para formações homogêneas, considerando a afinidade que os execu-
tantes do mesmo instrumento costumam ter. Nessa modalidade, fez peças para 3 e 4 
violinos (1981), 3, 4 e 5 flautas (1985), 4 clarinetas (1990), 4 trombones (1991) e 4 
contrabaixos (1995). 
O trabalho didático de Mahle inclui ainda várias transcrições e arranjos de o-
bras suas e de outros compositores, para piano a quatro mãos (ou dois pianos), or-
questra sinfônica e de cordas. Por último, mas não menos importante, o trabalho de 
 
27 O Concerto para clarineta teve, posteriormente, uma versão para orquestra sinfônica. 
 
 26
regente de orquestra levou-o a revisar todo o repertório executado até hoje pelos con-
juntos da EMP, para melhor assimilação pelos alunos. Essa árdua tarefa consiste em 
correção de erros das partituras, extração de partes de instrumentos, revisão de arca-
das, articulações e dedilhados, versão para o português e adaptação de música coral 
(como oratórios barrocos, por exemplo). Dispondo de copista só eventualmente, é o 
compositor quem copia suas partes de próprio punho, atividade que lhe subtrai horas 
preciosas. 
Todo o trabalho de Mahle - composições, transcrições e arranjos, revisões, ma-
terial didático e teórico - encontra-se disponível na biblioteca da Escola de Música de 
Piracicaba, e quem se dispuser a usufruir dele, pessoalmente ou por correspondência, 
certamente terá encontrado uma fonte de informação como poucas no Brasil28. Além 
disso, o usuário poderá testemunhar a generosidade do compositor, que não vende su-
as partituras, mas as distribui, cobrando, quando muito, o irrisório custo das fotocó-
pias. A sua biblioteca ainda dispõe de um vasto acervo de partituras, que Mahle ad-
quiriu aos poucos, para uso dos alunos e dele próprio, no seu aprendizado, em parte 
autodidata. 
 
28 A E. M. P. está situada à Rua Santa Cruz, 1155 - CEP 13416-763 - Piracicaba - SP. O telefone é (019) 3422-
2464, e o fax (019) 3422-6270. 
 
 
 
 
3 - A COMPOSIÇÃO DE ERNST MAHLE E O CONTRABAIXO 
 
3.1 - Concepção estética e filosófica do compositor 
É difícil classificar a estética da obra de Mahle em fases, porque ela apresenta 
um certo ecletismo, que resulta das múltiplas influências, e várias tendências coexis-
tiram ao longo de sua evolução. Além disso, a análise detalhada do conjunto de sua 
obra foge ao objetivo deste trabalho, tendo sido possível examinar somente algumas 
amostras, contando também com o depoimento do autor. 
Mahle aponta três fatores que considera como influências diretas sobre o seu 
perfil composicional29. O primeiro professor de composição, J. N. David, era tradi-
cionalista e lhe deu uma base sólida de harmonia e contraponto. Já no Brasil, Koell-
reuter abriu seus horizontes para a música do século XX e para as técnicas composi-
cionais de vanguarda, incluindo a música eletrônica, com a qual ele chegou a traba-
lhar. A terceira grande influência sobre Mahle foi o folclore brasileiro. 
A influência indireta mais importante foi a observação do trabalho pedagógico 
de dois grandes compositores: Béla Bartók e Paul Hindemith. O “Mikrokosmos” e o 
“For Children”, de Bartók, foram modelos para a utilização do folclore nas suas obras 
didáticas. Ainda no campo didático, o direcionamento da composição para o uso de 
estudantes, amigos ou para ocasiões, partindo da observação de obras de Bach (“Pe-
queno livro de Anna Magdalena”) ou Telemann (“Tafelmusik”), corresponde aproxi-
 
29 MAHLE, cf. entrevista (1996). 
 
 28
30madamente ao conceito de Gebrauchsmusik (“música funcional”), associado a Hin-
demith e outros compositores. O estudo da obra de compositores barrocos e clássicos, 
e principalmente Beethoven, de quem Mahle admira o processo de desenvolvimento 
temático, também influenciou a elaboração formal e estrutural da sua obra. 
Inicialmente, o dodecafonismo e o experimentalismo pregados por Koellreuter 
foram bastante presentes na música de Mahle, que, como outros compositores, rejeita 
o termo “música atonal” para a classificação das suas obras mais avançadas harmoni-
camente, pois a seu ver “tonalidade e modulação podem ser mais simples ou mais 
complexas, chegando, nesse caso, ao ponto de confundir o ouvinte”31. Em seu catálo-
go de obras, a influência da vanguarda de Koellreuter é sugerida por títulos como: 
“Sete peças sobre uma e duas notas só”, “Peça para piano” (ambas de 1954), “Inter-
valos” (1960). Segundo o compositor, são exemplos de peças dodecafônicas: “Trio 
para flauta, violino e piano” (1952), “Quatro estudos para flauta” (1953), “Et ostendit 
mihi” para coro a capella, e o “Septeto” (1975). Porém, Mahle considera esse “Septe-
to” mais “tonal” que outras obras não dodecafônicas, mas tonalmente mais comple-
xas, como por exemplo: “Peças modais para piano a quatro mãos” (1955), “Música 
concertante para tímpano e sopros” (1958), “Miniaturas para flauta” (1967) e “Minia-
turas para clarineta” (1970). 
Como o próprio Mahle observa, no início de sua carreira os arranjos folclóri-
cos e as suas composições propriamente ditas não se assemelhavam, eram campos de 
atuação bem distintos. Mas, ao mesmo tempo em que desenvolvia uma linha compo-
sicional experimental e abstrata, já revelava o seu interesse pelo modalismo, inspira-
 
30 O termo, hoje pouco usado, foi defendido pelo próprio Hindemith, que mais tarde o rejeitou em favor da ex-
pressão Sing-und-Spielmusik, música para ser cantada e tocada (GROVE'S DICTIONARY OF MUSIC AND 
MUSICIANS [1980] verbete Gebrauchsmusik), que corresponde mais precisamente à definição de Mahle para 
sua própria obra. 
31 MAHLE,cf. entrevista (1996). 
 
 29
do pela obra didática de Bartók (especialmente o “For Children”), que conhecia na 
época, ou, indiretamente, pelo impressionismo, como demonstram o balé “As aventu-
ras de um estudante de música” (1954), a “Sinfonieta” (1957), e os primeiros concer-
tinos e sonatinas, ainda sem caráter nacionalista. 
O estudo dos modos não foi direcionado inicialmente para o conhecimento das 
estruturas modais utilizadas na música brasileira folclórica e popular. Mahle sempre 
quis comprovar quantas e quais escalas, obtidas pela combinação das básicas e/ou pe-
lo acréscimo de alterações, seriam interessantes para a composição. Num determina-
do momento, pediu a um aluno de composição que escrevesse todos os modos possí-
veis com 5 a 12 notas, encontrando mais de 1200 escalas. Dessas, ele achou que cerca 
de 70 tinham interesse. Os “Duetos modais” (predominantes entre 1974 e 1981), e-
xercícios de contraponto modal, se inserem nessa pesquisa, não tendo propriamente 
um cunho nacionalista, a não ser pelo emprego eventual de ritmos sincopados. 
Para Mahle, o dodecafonismo pode causar monotonia, levando o ouvinte ao 
desinteresse, por cansaço do ouvido; mas ainda assim a técnica serial é válida, po-
dendo ser aplicada a modos com menos de 12 notas, com resultado melhor tão bom 
quanto o obtido com a escala cromática (série dodecafônica). Mesmo a escala diatô-
nica pode ser organizada em uma série, como exemplifica o compositor em seu com-
pêndio teórico “Modos, escalas e séries”32. Acha que conseguiu uma gama de utiliza-
ção abrangente dos modos, partindo do pentatônico. Antes de se chegar à escala cro-
mática, há modos que geram uma harmonia bem complexa. Mahle gosta de utilizar 
basicamente, na harmonização desses modos, os acordes formados pelas suas próprias 
notas, tornando a característica modal mais efetiva. Não abandona a hierarquia das 
 
32 MAHLE, E. (s.d.) p.10. 
 
 30
33funções harmônicas , mantendo um centro tonal definido mesmo quando expande a 
tonalidade em direção ao cromatismo, pois acha que tendo a 5ª e a 8ª, o modo é me-
lhor assimilado pelo ouvinte. Há momentos em que ainda busca inspiração em algum 
modo que não tenha usado, dedicando-se então a formular uma base harmônica em 
função de suas notas, procedimento que pode ser trabalhoso, mas que sempre fornece 
material alternativo para a composição. 
Perguntado sobre a possível influência de Bartók no sentido de conseguir um 
cromatismo alternativo ao dodecafônico, no qual não há centro tonal34, Mahle acha 
que eles chegaram às mesmas conclusões (embora Bartók muito antes), pelas experi-
ências com os modos, procurando uma linguagem moderna, mas possível de ser de-
codificada pelo ouvinte. 
Ainda quanto aos modos, acredita, na correspondência de cada escala básica a 
um tipo de emoção, ou ethos35. Para ele, a relação vem do “Tratado das cores” de 
Goethe, que associa as cores às emoções; por extensão, a cor atribuída à disposição 
intervalar de cada modo representa uma tendência afetiva. Mahle explica36: 
 
Os modos maior e menor (jônio e eólio) podem ser 
considerados equilibrados. De um lado do modo maior 
[pelo círculo de quintas], há o lídio, que é mais luminoso 
[amarelo]. Do outro lado, há o mixolídio, que tem um pou-
co de sombra [amarelo+azul=verde]. De um lado do eólio, 
temos o dórico, mais luminoso [verde], e do outro lado, o 
frígio, mais tenebroso [azul]... O verde representa o equi-
líbrio banal, sem muita emoção. O amarelo é muito lumi-
noso, jovial e alegre. O azul é mais sério, relacionado ao 
sacrifício e à devoção. 
 
 
33 Para ele, a resolução harmônica é indispensável, pois acredita que a lógica da harmonia equivale à do pen-
samento. 
34 TACUCHIAN, R. (1994-5) p.9. 
35 A associação ética dos modos foi teorizada na Grécia antiga e retomada, com modificações, na Idade Média. 
36 MAHLE, cf. entrevista (1996). 
 
 31
A noção de claro-escuro corresponde, aproximadamente, às considerações de 
Persichetti sobre o acréscimo de sustenidos ou bemóis ao modo dórico (dó com 2 be-
móis), que seria o ponto central. O modo lídio (dó com fá #), por exemplo, seria mais 
“brilhante”, enquanto o frígio (dó com 4 bemóis), seria mais “sombrio”37. 
Com as séries de sonatinas e concertinos, Mahle deu continuidade à explora-
ção do modalismo aliado à forma-sonata (pelo aspecto didático também), e passou a 
se utilizar de elementos rítmicos brasileiros, folclóricos ou populares, com maior fre-
qüência. Isso acontece com a “Sonatina 1975” e o “Concertino 1978”, ambos para 
contrabaixo, sendo que no último a característica nacionalista também se estende ao 
plano melódico. 
À medida que as técnicas de vanguarda passaram a ser utilizadas por Mahle 
com menor freqüência, ele começou a se interessar mais pelo nacionalismo, por di-
versas razões. A principal delas é que, desde o início, ele e Cidinha usaram as coletâ-
neas de melodias folclóricas (“Guia Prático” de Villa-Lobos e outras) para o ensino, 
não só para preservar na criança a identidade cultural brasileira, como para ajudar na 
musicalização através do reconhecimento dessas melodias. Embora o folclore univer-
sal também fosse usado, a ênfase nas melodias brasileiras era considerável nos arran-
jos para coro e orquestra infantil. Além disso, Mahle sempre baseou sua obra vocal (e 
coral) em textos brasileiros, tanto folclóricos (como “Cambinda Elefante” de 1967, 
coletado por Guerra-Peixe em “Maracatus do Recife”), como dos autores Manuel 
Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meirelles, Cassiano Ricardo e Guilherme de 
Almeida. Suas duas óperas, “Maroquinhas Fru-fru” (de 1974, com texto de Maria 
Clara Machado), e “A Moreninha” (de 1980, com texto de José Maria Ferreira, base-
ado em Joaquim Manuel de Macedo), também têm características nacionalistas. 
 
37 PERSICHETTI, V. (1985) p. 33-4. 
 
 32
A partir da composição de obras como a “Suíte nordestina” (para o Concurso 
do Estado da Paraíba, em 1976), baseada em melodias coletadas por Mário de Andra-
de (reunidas no volume “Danças de Feitiçaria”), o compositor passou a ter maior con-
tato com o folclore nordestino, que apreciou muito pela riqueza do seu modalismo38, 
e procurou conhecê-lo com maior profundidade, estudando os modos ocorrentes sob o 
ponto de vista melódico e harmônico. Com o tempo, Mahle percebeu que já tinha in-
corporado características rítmico-melódicas do canto nordestino ao seu estilo compo-
sicional. Lamenta, porém, que quando esteve no Nordeste (Recife e João Pessoa), em 
1987, encontrou muito pouco das manifestações espontâneas do folclore. Depois da 
“Suíte nordestina”, voltou a utilizar melodias folclóricas como citação explícita, co-
mo no “Carimbó” de 1982 (suíte de cantos paraenses, para coro39), no “Concerto para 
clarineta 1988” (canção de cego, no 2º movimento), na “Sinfonia Nordestina” de 
1990 (baseada em melodias da coletânea de “Danças Dramáticas”, de Mário de An-
drade) e na “Jangada de Iemanjá” (1996) para oito contrabaixos. 
Atualmente, Mahle assume uma postura eclética em relação aos meios e mate-
riais a serem utilizados em sua composição. Acha que a utilização de melodias fol-
clóricas ou de estruturas modais com características nacionalistas continua válida, as-
sim como a tonalidade expandida pelo acréscimo de alterações no sistema escalar e 
harmônico. Nas suas obras há, geralmente, apenas um movimento de característica 
rítmica e/ou melódica nacionalista; os outros podem ser também modais,mais ou me-
nos complexos, mas sem nenhuma referência brasileira. Talvez o aspecto mais impor-
tante seja a combinação de elementos de várias procedências. Por exemplo: modo de 
tons inteiros como elemento de transição; melodia sem característica nacionalista 
 
38 Presume-se que no suldo país a música folclórica tenha ficado reduzida ao modo maior devido ao uso do 
acordeão e da gaita como instrumentos acompanhantes (PAZ, E. [1993] p.17-8). 
 
 33
com acompanhamento de influência folclórica ou popular; modo pentatônico sem ca-
racterística nacionalista; transformação melódica pela mudança de modo; uso da série 
harmônica e sua inversão; trechos de ritmo livre (aleatório); trechos explicitamente 
tonais, ou de resoluções harmônicas tonais; exploração da ambigüidade enarmônica 
do trítono; cromatismos, etc. Às vezes, o estilo de suas peças é influenciado pelas 
pessoas, grupos ou eventos para os quais ele compõe. Se fosse compor uma obra com 
mais aparato, acha que usaria até mesmo a música eletrônica, como uma pequena par-
te do todo. Em entrevista para o jornal “La Prensa”, Mahle declarou: “Tenho procu-
rado sempre um meio termo entre a vanguarda e o tradicional. Fiz algumas composi-
ções avançadas, mais elas são minoria. Não me identifico muito com essa tendên-
cia”40 
O compositor, que pesquisou muito o funcionamento dos instrumentos, não 
experimenta mais cada um deles para compor, mas se utiliza sempre do piano como 
ferramenta de trabalho na composição. No caso do “Concerto 1990” para contrabai-
xo, ele anotou uma coleção prévia de temas surgidos da sua improvisação ao instru-
mento, assegurando a adequação técnica e idiomática. 
O tradicionalismo ou neoclassicismo de Mahle em relação a aspectos como 
forma, fraseologia e elaboração temática, estruturas escalares e harmônicas se deve a 
vários fatores. Pelo aspecto didático, a composição de sonatinas e concertinos devia 
fornecer peças acessíveis ao estudante. Pelo aspecto funcional, as peças precisavam 
se adequar à capacidade de assimilação do ouvinte; a troca de vozes e a utilização 
constante de elementos temáticos visava satisfazer os executantes. Há, também, o as-
pecto filosófico, responsável pela opção profissional de Mahle. 
 
39 Com versões posteriores para 2 pianos (ou piano a quatro mãos), e para cordas. 
40 Em entrevista para “La Prensa”, Buenos Aires, [s.d.]. 
 
 34
41O interesse pela antropossofia foi herdado de seu pai. Mahle acha que graças 
ao seu envolvimento com essa filosofia, pôde desenvolver a sensibilidade necessária 
para se inclinar pela música e para o ensino, pois fôra um menino mimado, de família 
abastada, e não tinha nenhuma tendência para o idealismo. 
Da concepção místico-filosófica de Mahle decorre, em parte, a valorização da 
forma-sonata, que julga importante demais para ser descartada na composição. Em 
sua teoria pessoal, baseada na lenda de Parsifal, ele imagina o primeiro grupo temáti-
co como a situação de um indivíduo na realidade cotidiana, com os problemas que ela 
apresenta. No segundo grupo temático, o personagem se vê transportado para o mun-
do dos sonhos, irreal e distante (modulação para o antípoda). No desenvolvimento, o 
sujeito, impregnado pelas maravilhas desse mundo ideal, tenta reconquistá-lo lutando 
contra a realidade. Como ele não consegue se livrar dos problemas, a realidade volta 
na reexposição com todas as suas atribulações. Porém, quando o segundo grupo temá-
tico é reexposto no mesmo plano tonal do primeiro, o indivíduo tem a felicidade de 
perceber que conseguiu trazer à realidade o sonho almejado42. Para Mahle, esse pla-
nejamento temático continua válido nos dias de hoje, pois a reexposição representa 
uma segunda chance dada ao indivíduo, em algum momento da vida, que é cíclica, 
quando a primeira oportunidade de alcançar determinado objetivo lhe escapa. 
O fator de inovação em relação à forma clássica é a modulação para o pólo o-
posto do círculo de quintas, ao invés da vizinha dominante. Ernö Lendvai, em sua a-
nálise das estruturas formais bartokianas, exemplifica o uso dessa relação entre pólo 
e antípoda, analisando os planos tonais da ópera “O Castelo do Barba Azul”. Nessa 
obra o pólo inicial fa# representa o ambiente sombrio do castelo; o antípoda dó surge 
 
41 Doutrina espiritual e mística que teve sua origem na teosofia e que se baseia, principalmente, nos ensina-
mentos de Rudolf Steiner (1861-1925), filósofo austríaco (FERREIRA, A. [1986] verbete antropossofia). 
 
 35
para caracterizar o reino luminoso de Barba Azul; e, por fim, o fa# traz de volta o 
ambiente noturno43. 
A modulação ao trítono, que poderia ser creditada à influência desse procedi-
mento de Bartók, segundo Mahle se deve mais ao impressionismo, pois Debussy usou 
muito essa relação intervalar, e o próprio modo de tons inteiros contém as terças di-
ametralmente opostas (dó-mi e fá#-lá#, por exemplo). O que Bartók lhe inspirou dire-
tamente foi o uso do folclore no ensino das crianças, desde quando tomou conheci-
mento da sua obra didática através do “For Children” e do “Mikrokosmos”44. 
Ainda quanto à forma-sonata, Mahle procura esgotar as possibilidades de 
combinação e transformação dos segmentos temáticos, de forma que se identifique 
claramente a sua origem, o que considera influência do tipo de desenvolvimento ela-
borado por Beethoven. A troca de vozes (em relação à exposição) entre solista e or-
questra, para satisfazer os músicos que estão “acompanhando” o concerto45 também 
pode ser considerada um desdobramento das características da Gebrauchsmusik46. 
Dentre as muitas considerações musicais de Mahle no plano filosófico, há uma 
interessante descrição do contrabaixo como sendo um instrumento tão sonoro quanto 
o violoncelo, mas trazendo algo de maravilhoso que são os sons mais graves e avelu-
dados que o violoncelo não tem. Por estarem abaixo da tessitura vocal, esses sons re-
presentariam um lado cósmico, das forças da natureza. O instrumento se completa 
com os agudos que imitam a voz humana, que para ele é o que se pode ouvir de mais 
belo no planeta47. Ainda no seu modo de ver, os instrumentos de corda são especial-
mente expressivos por estarem em contato físico com o corpo do instrumentista (pró-
 
42 MAHLE, cf. entrevista (1996). 
43 LENDVAI, E. (1971) p.4. 
44 MAHLE, cf. entrevista (1996). 
45 Ibidem 
46 HARVARD DICTIONARY OF MUSIC (1972) verbete Gebrauchsmusik. 
 
 36
ximos ao coração); e a sensibilidade do artista e a emoção captada na música ao vivo, 
estão entre os raros fenômenos que, nos dias de hoje, ainda nos mantém ligados ao 
mundo espiritual superior48. 
 
3.2 - A escrita idiomática da obra para contrabaixo de Mahle 
Depois da “Canção e Dança” (1934) de Gnattali, houve, aparentemente, um 
vácuo de mais de 30 anos na composição brasileira para contrabaixo. Só temos co-
nhecimento de peças escritas a partir de 1968, com o “Desafio IV” op.31, nº 4 bis de 
Marlos Nobre (1968-77), seguido pelos “Dois estudos para dois contrabaixos” de Má-
rio Ficarelli (1969), e pelo “Choro seresteiro” para dois contrabaixos, de Osvaldo La-
cerda (1974-81). 
Quando Mahle resolveu compor a “Sonatina 1975”, ele desconhecia a existên-
cia de peças brasileiras para contrabaixo, mesmo porque a maior parte delas não ha-
via sido editada ainda e, provavelmente, só se tornou pública algum tempo depois. 
Nessa época, Mahle já tinha tido um contato de mais de duas décadas com o contra-
baixo, pois, quando ainda estudava com Koellreuter, este montara uma orquestra de 
cordas para, entre outras atividades, experimentar as composições do grupo, e cabia a 
ele tocar o instrumento. Para isso adquiriu um exemplar do Método de Franz Simandl 
e começou a estudar por conta própria. Posteriormente, recebeu de Calixto Corazza, 
professor da Escola de Música de Piracicaba com quem estudou violoncelo por qua-
tro anos, orientação mais

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