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O Realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary APRESENTAÇÃO Gustave Flaubert escreveu um livro que causou uma grande comoção na época de sua publicação. O escritor chegou a ser acusado na justiça francesa por supostamente ter concebido um romance obsceno, que ofendia a moral pública e os bons costumes. Esse romance era Madame Bovary, de 1856. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai descobrir que história esse romance conta e qual o motivo de ele ter sido tão polêmico no século XIX. Também vai relacionar essa obra e outras de Flaubert com as características do Realismo, que serão contrastadas com as do Romantismo, escola artística que veio logo antes. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as características do Realismo e contrastá-las com as do Romantismo.• Relacionar a obra Madame Bovary com as características do Realismo e com o contexto histórico de Flaubert. • Analisar trechos do romance Madame Bovary.• DESAFIO Você precisa dar uma aula na faculdade e usa o seguinte enfoque: compara a obra de Gustave Flaubert, Madame Bovary, com um filme inspirado nesse livro. O nome do filme é Gemma Bovery: a vida imita a arte, de 2015. Veja abaixo o trailer do filme. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Nesse filme, o protagonista é um ex-editor literário que vive em uma pequena cidade da França. Sua vida pacata ganha uma nova obsessão quando um jovem casal se torna seu vizinho, pois o nome da moça é Gemma Bovary, o que logo o faz lembrar da famosa Emma Bovary. Para apresentar sua aula, reflita sobre o subtítulo do filme e aponte como ele se relaciona com as duas tramas — a do livro e a do filme inspirado no livro. INFOGRÁFICO Gustave Flaubert foi um escritor realista. O Realismo foi um movimento artístico e cultural que se opôs ao movimento anterior, o Romantismo. Neste Infográfico, você vai identificar as características desses dois movimentos para contrastá- los e para entender melhor o que foi cada um deles. CONTEÚDO DO LIVRO Neste capítulo, você vai compreender qual o motivo para o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, ser um clássico da literatura universal. Vai conhecer um pouco mais da vida do escritor, assim como do contexto histórico em que ele viveu. Vai identificar as características do movimento Realista na sua obra e na obra de outros artistas e vai comparar essas características com as do Romantismo, movimento que o precedeu. Na obra Textos fundamentais da literatura universal, leia o Capítulo O Realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, e aprofunde os seus conhecimentos. Boa leitura! TEXTOS FUNDAMENTAIS DA LITERATURA UNIVERSAL Luara Pinto Minuzzi Revisão técnica: Gabriela Semensato Ferreira Licenciatura em Letras Mestrado em Letras Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 M668t Minuzzi, Luara Pinto. Textos fundamentais da literatura universal / Luara Pinto Minuzzi. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 206 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-172-3 1. Literatura universal. I. Título. CDU 82-7 Textos fundamentais da literatura universal_book.indb 2 28/08/2017 17:23:41 U N I D A D E 3 O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identi� car as características do Realismo e contrastá-las com as do Romantismo. Relacionar a obra Madame Bovary com as características do Realismo e com o contexto histórico de Flaubert. Analisar trechos do romance Madame Bovary. Introdução Gustave Flaubert escreveu um livro que causou uma grande comoção na época da sua publicação. O escritor chegou a ser acusado na justiça francesa por supostamente ter concebido um romance obsceno, que ofendia a moral pública e os bons costumes. Esse romance era Madame Bovary, de 1856. Neste capítulo, você vai descobrir que história esse romance conta e qual é o motivo de ele ter sido tão polêmico no século XIX. Também vai relacionar essa obra e outras de Flaubert com as características do Realismo, que serão contrastadas com as do Romantismo, escola artística que veio logo antes. Textos fundamentais_U3C7.indd 119 28/08/2017 17:03:06 Flaubert e o Realismo francês Gustave Flaubert nasceu em 1821 e morreu em 1880, na França. As obras desse escritor são consideradas realistas. Mas você sabe exatamente o que é o Realismo e quais são as suas características? O que faz de uma obra artística seja uma pintura, um livro, uma escultura realista? Para você compreender o que é o Realismo, é importante que conheça o contexto histórico no qual essa escola artística surgiu e fl oresceu. O Realismo teve início na segunda metade do século XIX, na França, e se opôs ao Romantismo, escola que veio logo antes. No Romantismo, o foco é o sujeito e a realidade não é tomada como algo objetivo: a realidade é sub- jetiva, pois a interpretação dessa realidade vai depender de quem a observa. Na literatura romântica, por exemplo, se um personagem está contente, vai descrever uma natureza alegre, cheia de vida e de cores. Por outro lado, se ele está sofrendo, a natureza vai acompanhar o seu estado de espírito, ganhando contornos lúgubres, cores sombrias, aspecto de desolação. No Realismo, esse subjetivismo é negado e a realidade exterior é tomada como algo objetivo. A grande busca dos escritores realistas era a represen- tação mais fiel possível do real. Se, no Romantismo, havia idealização, no Realismo, esse idealismo é deixado de lado. Se for necessário apresentar fatos e acontecimentos não muito agradáveis aos olhos do público, o artista realista apresentará. Se a realidade for desagradável, é isso o que precisa ser mostrado, porque é a realidade que tem de ser mostrada. Apesar de esses movimentos apresentarem características opostas, é importante que você compreenda que a divisão entre eles não é uma divisão precisa. A categorização da arte em diferentes escolas, como o Romantismo, o Realismo ou o Naturalismo, é uma forma de organizar a produção artística e de facilitar a nossa compreensão do passado. No momento em que esses artistas viviam, por outro lado, esses limites não eram tão estanques: muitos escritores Realistas, por exemplo, escreveram romances românticos no início das suas carreiras. Em períodos de transição entre uma escola e outra, igualmente conviviam artistas com tendências realistas ou românticas. Portanto, não acredite que, quando começa o Realismo, automaticamente acaba o Romantismo, ou que um escritor realista não possa apresentar uma ou outra característica do Romantismo nas suas obras — as coisas nunca acontecem de forma tão simples e fácil na realidade. O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary120 Textos fundamentais_U3C7.indd 120 28/08/2017 17:03:06 Agora você vai analisar e comparar dois quadros. O primeiro quadro é do pintor romântico inglês William Holman Hunt. O seu título já é bastante revelador: “O pastor galante” (Figura 1). A pintura é de 1851. O segundo, uma cena realista, foi pintado por Hubert von Herkomer, artista alemão, em 1885. O seu nome é “Tempos Difíceis” — o que é igualmente sugestivo (Figura 2). Figura 1. “O pastor galante”, William Holman Hunt. Fonte: Pintura do romantismo (2017). Figura 2. “Tempos Difíceis”, Hubert von Herkomer. Fonte: Hubert von Herkomer (2009). 121O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 121 28/08/2017 17:03:06 As duas pinturas retratam locais semelhantes: o campo, um lugar afastado da cidade. A forma de representar esse lugar, porém, é completamente diferente. Você deve reparar no idealismo que cerca a primeira pintura, romântica: o pastor não é qualquer pastor, mas umpastor galante, um pastor apaixonado, aparentemente feliz com a sua amada. Além disso, ele não é um homem bruto, mas uma alma delicada, que galanteia a jovem. As cores do quadro são alegres, e os dois personagens parecem satisfeitos e felizes por estarem nesse contexto simples, em meio à natureza e aos animais. Já a segunda pintura, realista, retrata, como o título aponta, uma realidade difícil. Pelas ferramentas deixadas no chão, no canto inferior da pintura, é possível dizer que essas pessoas também trabalham no campo, como nosso pastor galante. Aqui, contudo, elas estão tristes e parecem cansadas. Pelas sacolas que carregam, provavelmente estão se mudando. Você pode pensar no motivo dessa necessidade de mudança: eles possuíam terras e a seca os obrigou a deixá-las? Trabalhavam para um fazendeiro que os demitiu? Os personagens, provavelmente o pai, a mãe e o filho, ainda estão distantes uns dos outros, como se já não tivessem forças para se ajudar. Apenas a criança aparece quase atirada no colo da mãe, como que exaurida da caminhada. As cores do quadro são mais apagadas, acompanhando o sentimento passado pelo que é retratado. Nesse quadro, não há espaço para idealização: a realidade nua e crua é apresentada. A partir dessa pintura, você deve atentar para dois pontos: o contexto histórico do final do século XIX e essa busca dos realistas por representar e, até mesmo, copiar a realidade. Primeiro, em relação ao contexto histórico, você já observou que a pintura de Hubert von Herkomer mostra camponeses que estão se mudando para algum outro lugar. Pelos seus semblantes, essa mudança não é positiva nem foi motivada por uma escolha, mas, provavelmente, por uma necessidade ou por uma obrigação. Entre a metade do século XVIII e o início do XIX, havia ocorrido a Revo- lução Industrial, primeiramente na Inglaterra, espalhando-se posteriormente pela Europa. A produção artesanal foi substituída para uma produção com máquinas, muito mais rápida e eficaz. Por outro lado, muitas pessoas perderam os empregos, que foram substituídos pelo uso de maquinaria. Isso provocou um enorme êxodo rural — talvez os camponeses da pintura façam parte desse movimento do campo para as cidades. A diferença entre as classes também aumentou: de um lado, havia poucas pessoas com muito dinheiro e, de outro, muitas pessoas com pouquíssimo dinheiro. O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary122 Textos fundamentais_U3C7.indd 122 28/08/2017 17:03:06 Eram esses fatos que o Realismo procurava retratar fielmente. Dessa forma, você pode notar que esse movimento se preocupou bastante com as questões sociais e possuía uma forte tendência à crítica dos valores estabelecidos: eles criticavam a forma como a burguesia vivia; criticavam o casamento como instituição; criticavam uma vida levada apenas pelas aparências e o artifi- cialismo das relações; apresentavam, em contraste, a forma como as pessoas mais humildes viviam. Em segundo lugar, você precisa entender o que os realistas concebiam por copiar a realidade. Nesse sentido, há um conceito que é chave para a compre- ensão dessa questão: mimesis. Esse conceito é importante para a literatura desde Aristóteles (2008), que explica, na sua obra Poética, que a mimesis é a represen- tação do mundo sensível. Algumas palavras ou expressões que se relacionam com a mimesis são mímica, imitação, representação ou ato de se assemelhar. O teórico francês Antoine Compagon, na obra O demônio da teoria: li- teratura e senso comum, explica a busca pela mimesis como a ambição dos escritores de “[...] relatar de maneira cada vez mais autêntica a verdadeira experiência dos indivíduos, divisões e conflitos opondo o indivíduo à expe- riência comum” (COMPAGNON, 2006, p. 107). Nesse excerto, é importante destacar os adjetivos autêntica e verdadeira para qualificar essa representação da realidade ambicionada pelos realistas. Aqui, não conta tanto a forma como o personagem se sente e como sente, consequentemente, o mundo ao seu redor. O que conta mais é o que existe independentemente de opiniões e de subjetivismos — o que conta é a realidade objetiva. Nesse sentido, uma corrente filosófica foi bastante importante para a cons- tituição do Realismo: o Positivismo. O Positivismo surgiu na França, no século XIX, e os seus principais pensadores e idealizadores foram Augusto Comte e John Stuart Mill. Para eles, o conhecimento científico é a única forma válida de se conhecer a realidade. Eles se preocupavam em encontrar tendências e leis para os fenômenos naturais e procuravam ser sempre o mais objetivo possível. Dessa forma, você pode perceber as semelhanças entre o que os positivistas afirmavam e a busca dos realistas pela representação fiel da realidade. Se a realidade não é idealizada, os personagens dos textos literários ro- mânticos igualmente não são. Assim, os protagonistas não são heróis solares e imaculados — eles não são perfeitos e não possuem apenas sentimentos elevados de bondade e amor pelo próximo. Eles são heróis problemáticos e complexos. Eles também podem se constituir como seres insignificantes e medíocres. Tudo depende de qual realidade é retratada no romance. Além do herói, a figura da mulher, tomada como angelical no Romantismo, não é mais idealizada, aproximando-se de possíveis mulheres reais, com qualidades e defeitos. 123O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 123 28/08/2017 17:03:06 O Realismo se manifestou em diferentes tipos de arte. Na pintura, vários foram os que se destacaram ao tentar retratar a vida dura de algumas pessoas. Os franceses Édouard Manet, Gustave Courbet (Figura 3) e Honoré Daumier são alguns exemplos de pintores de destaque dessa época. Sobre o último, é interessante referir que trabalhava como balconista em uma livraria, e as pessoas que atendeu ao longo da vida serviram de inspiração para o seu tra- balho como artista. Portanto, os retratados por Daumier são pessoas comuns, das mais variadas origens. Figura 3. “Os quebradores de pedras”, Gustave Courbert. Fonte: Gustave Courbet (2017). Na arquitetura e na escultura, também há alguns artistas e obras impor- tantes. No teatro, destacam-se nomes como o do francês Alexandre Dumas, com a obra A dama das Camélias; do norueguês Henrik Ibsen, com peças como Casa de Bonecas e Espectros; do russo Máximo Gorki, autor de Ralé e Os pequenos burgueses. A crítica ao casamento, à forma como a burguesia vivia, ao tratamento dispensado às mulheres ou às pessoas pobres são alguns dos temas das suas obras. Na literatura, podem ser citados como importantes realistas europeus os franceses Gustave Flaubert e Honoré de Balzac; o português Eça de Queirós e o inglês Charles Dickens. No Brasil, o Realismo também foi muito importante, e Machado de Assis, com os seus textos irônicos e críticos da sociedade da época, é o expoente, ganhando fama e importância internacionais. O romance Madame Bovary, de Flaubert, é considerado o marco do Rea- lismo no século XIX. Nas suas cartas, endereçadas a amigos, você descobre o O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary124 Textos fundamentais_U3C7.indd 124 28/08/2017 17:03:07 quanto ele colocava de esforço e trabalho em cada obra, escrevendo e reescre- vendo cada texto inúmeras vezes. O seu desejo de perfeição e o seu trabalho minucioso com a linguagem podiam lhe custar muito tempo e esforço, mas resultaram em grandes obras para a posteridade. Agora você vai passar ao estudo desse escritor e da sua obra. A obra de Flaubert: Madame Bovary Flaubert, como você já sabe, foi um dos mais destacados escritores do Realismo (Figura 4). O seu pai era cirurgião-chefe em um hospital onde Flaubert e os seus irmãos passaram muito tempo durante a infância. Já na época escolar, Flaubert mostrou a sua tendência para a literatura. Ele dirigiu o semanário da escola, cujo nome era “Arte e progresso”— aqui você já pode notar a se- melhança com um dos lemas do Positivismo, “ordem e progresso”, e perceber as infl uências do escritor. Figura 4. Gustave Flaubert. Fonte: Gustave Flaubert (2007). 125O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 125 28/08/2017 17:03:07 O escritor iniciou os estudos em Direito, mas não se interessou pelo assunto e acabou desistindo do curso. Alguns dos seus amores renderam livros: Élisa Schlésinger, paixão da adolescência, serviu de inspiração para, pelo menos, dois romances escritos durante a sua juventude, Memórias de um louco e Novembro. A sua vida, porém, foi dedicada à literatura e à escrita e reescrita das suas obras. Entre as mais importantes, ao lado de Madame Bovary, encontra-se Educação Sentimental. Flaubert iniciou a escrita dessa obra na década de 1840, mas a versão definitiva só foi publicada em 1869 — portanto, foram quase 30 anos de trabalho em cima desse texto. Figura 5. Ilustração da edição de 1905 de Madame Bovary desenhada por Alfred de Richemont. Fonte: Madame Bovary (2017). Já a escrita de Madame Bovary, o seu mais famoso romance, levou quatro anos e meio e 3.831 folhas manuscritas para ser finalizado (Figura 5). O ro- mance foi primeiramente publicado em partes na revista Revue de Paris, no ano de 1956. Na história Emma Bovary, uma jovem bonita que deseja levar uma vida igual à das histórias que lê nos seus livros românticos, casa-se com um homem mais velho, Charles Bovary. O seu cotidiano ao lado do marido, que, apesar de amá-la muito, não parece ter muitos atrativos aos olhos da mulher, O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary126 Textos fundamentais_U3C7.indd 126 28/08/2017 17:03:07 é entediante e enfadonho. Esse tédio não é quebrado nem com o nascimento da sua filha — para tentar escapar dessa situação, Emma inicia um caso com Rodolphe e, depois, com o jovem Léon. Junto com os casos, Emma começa a gastar dinheiro que não possui sem qualquer controle. Ao final do romance, vê-se obrigada a pedir empréstimos para os amigos para pagar as dívidas junto aos credores. Desesperada com toda a sua situação, a mulher comete suicídio. Agora você deve tentar imaginar como esse romance foi recebido na época da sua publicação, levando em consideração que se trata de uma mulher que comete adultério em uma sociedade extremamente repressora. As pessoas consideraram realmente um escândalo, e Flaubert foi, inclusive, parar na justiça por causa da história de Emma — foi processado pela Sexta Corte Correcional do Tribunal de Sena por ter tratado de temas tão contrários à moral e aos bons costumes, como o adultério. Aqui, portanto, você já pode perceber uma das características do realismo discutidas anteriormente: a crítica social. Flaubert observou a sociedade na qual vivia e transformou a sua visão crítica do casamento e da posição da mulher em um romance. A personagem que dá nome à obra, Emma Bovary, também não é aquela mulher idealizada do romantismo — apesar de a personagem ler os livros românticos e desejar viver uma vida que nem a dessas narrativas. Emma é uma mulher com problemas: o seu casamento não é bem aquilo com que ela havia sonhado e, no lugar de tentar consertá-lo ou, até mesmo, terminá-lo, ela tem relações extraconjugais. A jovem ainda gasta dinheiro descontroladamente, um dinheiro que ela não possui. Apesar disso, Emma não é retratada como uma pessoa má ou como o diabo em pessoa — ela é simplesmente humana. Um comentário de Alfred Pinard, o advogado imperial que apresentou a acusação contra Flaubert e contra Madame Bovary, a respeito da narrativa do romance é muito revelador: “Sim, o sr. Flaubert sabe embelezar suas pin- turas com todos os recursos da arte, mas sem a cautela da arte. Não há nele nenhuma gaze, nenhum véu, é a natureza em toda a sua nudez, em toda a sua crueza!” (PINARD apud FLAUBERT, 2010, p. 438). Como você já viu, mostrar a realidade como ela é era justamente um dos objetivos do Realismo. Se, para Pinard, ele estava tecendo uma enorme crítica ao romance, outros veriam esses defeitos como grandes qualidades. Há uma cena no romance muito famosa. Apesar de longa, vale a pena lê-la, pois foi uma das passagens que mais causou furor entre as pessoas na época da publicação. A “cena do fiacre”, como ficou conhecida, inclusive foi cortada quando da publicação na revista. Flaubert a acrescentou novamente quando publicou a narrativa em forma de livro. Observe o trecho atentamente para compreender a causa de tanta comoção: 127O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 127 28/08/2017 17:03:07 — Aonde o senhor deseja ir? Perguntou o cocheiro. — Onde você quiser! Disse Léon, empurrando Emma para dentro da carruagem. E a pesada máquina pôs-se a caminho. Desceu a rua Grand-Pont, atravessou a praça des Arts, o cais Napoléon, a Pont Neuf e deteve-se de repente diante da estátua de Pierre Corneille. — Continue! Disse uma voz que saía do interior. O carro partiu novamente e, deixando-se levar pelo declive a partir da encruzilhada La Fayette, entrou a galope pela estação da estrada de ferro. — Não, em frente! Gritou a mesma voz. O fiacre saiu do portão gradeado e, tendo em breve chegado à alameda, foi trotando suavemente no meio dos grandes olmos. O cocheiro enxugou a testa, pôs o chapéu de couro entre as pernas e dirigiu a carruagem para fora das alamedas laterais, à beira d’água, perto da relva. Ela foi andando ao longo do rio, no caminho de sirga recoberto de calhaus ásperos e por muito tempo pelos lados de Oyssel, mais além das ilhas. Porém, repentinamente, lançou-se com um salto através de Quatremares, Soteville, a Grande-Chaussée, a rua d’Elbeuf e parou pela terceira vez diante do Jardin des Plantes. — Vá em frente! Exclamou a voz com ainda maior fúria. E retomando logo sua corrida, ela passou por Saint Sever, pelo cais dos Curandiers, pelo cais dos Meules, mais uma vez pela ponte, pela praça do Champs-de-Mars e atrás dos jardins do hospital, onde alguns velhos de casaco preto passeavam ao sol ao longo de um terraço coberto por heras verdes. Subiu novamente o bulevar Bouvreuil, percorreu o bulevar Cauchoise, em seguida todo o Mont-Riboudet até a encosta de Deville. Voltou; e então, sem direção nem destino, ela vagabundeou ao acaso. Foi vista em Saint-Pol, em Lescure, no monte Gargan, na Rouge-Mare e na praça do Gillard-bois; na rua Maladrerie, na rua Dinanderie, diante de Saint-Romain, Saint-Vivien, Saint-Maclou, Saint-Nicaise, — diante da Alfândega, — na Basse-Vieille — Tour, na Trois-Pipes e no cemitério monumental. De tempos em tempos, o cocheiro, em seu assento, lançava olhares desesperados às tabernas. Não compreendia que furor de locomoção levava tais indivíduos a não quererem deter-se. Procurava fazê-lo, algumas vezes, e logo ouvia atrás de si exclamações de cólera. Então fustigava ainda mais seus dois matungos cobertos de suor, mas sem preocupar-se com os solavancos, esbarrando ora aqui ora acolá, sem se preocupar, arrasado e quase chorando de sede, de cansaço e de tristeza. O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary128 Textos fundamentais_U3C7.indd 128 28/08/2017 17:03:07 E no porto, em meio aos carroções e aos barris, e nas ruas, nos marcos das encruzilhadas, os burgueses esbugalhavam os olhos assombrados diante daquela coisa tão extraordinária na província, uma carruagem com os estores fechados e que aparecia assim continuamente, mais fechada do que um túmulo e sacudida como um navio. Uma vez, pela metade do dia, em pleno campo, no momento em que o sol dardejava seus raios com maior força contra as velhas lanternas prateadas, uma mão nua passou sob as pequenas cortinas de fazenda amarela e lançou pedaços de papel, que se dispersaram no vento e caíram mais longe como borboletas brancas num campo de trevos vermelhos floridos. Mais tarde,pelas seis horas, a carruagem deteve-se numa ruazinha do bairro Beauvoisine e uma mulher desceu, caminhando com o véu abai- xado e sem virar a cabeça (FLAUBERT, 2010, p. 304-306). Duas pessoas andando de carruagem. Qual é o problema? Por que o público ficou tão chocado com essa cena? A questão é que aqui importa muito mais o que não foi dito do que o que está propriamente escrito. A cena descreve Léon e Emma entrando em uma carruagem e a carruagem andando por quase um dia inteiro. Como sabemos disso? O narrador não dá essa informação pronta, mas afirma: “uma vez, lá pela metade do dia”, “quando o sol dardejava seus raios com maior força”. Isso nos leva a crer que, ao meio dia, os dois já estavam andando pela cidade dentro do fiacre. Depois, no último parágrafo, é dito ao leitor que a carruagem finalmente para às seis horas da tarde. Portanto, pelo menos do meio-dia às seis horas da tarde, Emma e Léon ficaram juntos dentro da carruagem. Há outros dois aspectos que reforçam essa ideia do longo tempo no qual os dois permanecem rodando com a carruagem. Um se constitui nas reações do cocheiro: ele está cansado, sua, tem sede e fome. Ele olha com sofreguidão para as tavernas, onde poderia matar um pouco da sede e da fome, mas os seus passageiros não permitem paradas. Ele só está nesse estado por ter sido obrigado a trabalhar por tantas horas seguidas. O outro é a extensa lista dos locais por onde eles passam: Grand-Pont, Quatremares, Soteville, Champs-de-Mars, Mont-Riboudet, Saint-Pol e o bairro Beauvoisine são apenas alguns poucos exemplos dos lugares citados no trecho. Pode até parecer um pouco cansativo essa enumeração de tantas praças, monumentos e ruas, mas essa longa lista não está lá à toa, tem um importante propósito — o de que o leitor tenha uma sensação similar à do cocheiro, de exaustão, ou à das pessoas que observam esse fenômeno inusitado em uma cidade pequena. Ela também evidencia o fato de Emma e Léon não 129O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 129 28/08/2017 17:03:07 estarem utilizando a carruagem para o seu propósito mais usual, que é o de levar passageiros de um lugar para o outro. Na verdade, eles não estavam nada preocupados para onde iriam e, por isso, León responde, logo no início, que o cocheiro pode ir para onde bem entender. A sua única preocupação era a de passarem tempo juntos. Portanto, o narrador chama a atenção para três aspectos: o longo tempo passado dentro da carruagem, o fato de ela estar completamente fechada, como um túmulo, e o assombro causado nas pessoas que observam. Como os dois amantes não tinham um lugar adequado para se encontrarem, optaram por andar de carruagem durante todo um dia, a fim de terem um encontro amoroso. Por isso eles precisavam de tempo, as cortinas estavam fechadas e os demais ficam chocados. Tudo isso era demais para as convenções sociais da época. Ademais, as respostas encolerizadas dos dois, quando o cocheiro faz menção de parar, remetem para o desespero dos dois amantes em continuarem juntos. Por fim, o narrador afirma que “uma mulher desceu, caminhando com o véu abaixado e sem virar a cabeça”. Se Emma precisou descer com o véu cobrindo a cabeça, é porque ela não desejava revelar a sua identidade, pois sabia que o que havia feito não seria bem recebido pela sociedade. Repare que Flaubert conseguiu dizer tudo isso de uma forma não explícita — você precisa ler nas entrelinhas para descobrir. Em nenhum momento o narrador deixa claro o que Emma e Léon estão fazendo na carruagem. Ele apenas fornece dicas ao longo do trecho que levam o leitor a compreender o que estava acontecendo. Claro, tudo isso somado às informações que você já tinha: os dois eram amantes e o marido de Emma não poderia ficar sabendo disso, o que os obrigava a se esconder. Mesmo assim, essa cena foi considerada extremamente escandalosa. Apesar de o narrador não falar, fica bastante óbvio o propósito da viagem dos amantes. Além disso, você pode pensar que o fato de Flaubert não ter dito com todas as letras que Emma e Léon estariam tendo um encontro amoroso seja ainda pior, no sentido de que é a imaginação que precisa preencher as lacunas — e a imaginação pode ir muito longe, talvez até muito mais longe do que o autor inicialmente pensou. Você deve atentar para um último aspecto desse trecho: em vez de descre- ver a cena dos dois amantes com muitos detalhes, com declarações de amor apaixonadas, com demonstrações de afeto por parte dos amantes, com beijos desesperados, não nos é dito nada sobre isso. O leitor sabe por onde o fiacre passou, por quanto tempo Léon e Emma permaneceram juntos e como o cocheiro estava cansado. Não é dado destaque para os sentimentos dos dois e para as suas subjetividades — opta-se por mostrar como essa cena é enxergada O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary130 Textos fundamentais_U3C7.indd 130 28/08/2017 17:03:08 de fora, como os dois amantes escolheram a viagem de carruagem para evitar chamar a atenção, mas como a sua escolha acabou virando todos os olhos justamente para eles por conta da situação inusitada. A descrição do encontro dos dois é quase seca, sem sentimentos arrebatados, como no Romantismo. Agora você vai perceber como a contradição das expectativas de Emma com a realidade da sua vida de casada criam o tom do romance. Primeiro, é narrada a paixão da mulher pela literatura na sua juventude e todos os seus sonhos construídos a partir dessas leituras: Com Walter Scott, mais tarde, apaixonou-se por coisas históricas, sonhou com arcas, salas da guarda e menestréis. Teria desejado viver em algum velho solar como aquelas castelãs de longos corpetes que, sob o trifólio das ogivas, passavam seus dias com o cotovelo apoiado na pedra e o queixo na mão a olhar um cavaleiro de pluma branca, vindo do fundo dos campos galopando um cavalo negro (FLAUBERT, 2010, p. 54-55) O trecho segue enumerando ilustres mulheres nas quais Emma se inspi- rava, como Joana d’Arc. Aqui, fica bastante claro o ideal de vida que a jovem desejava: uma vida de princesa, com aventuras e atos heroicos, e com um príncipe montado em um cavalo a combinar. Contudo, não é isso o que a vida lhe concede, e a descrição de seu noivo, Charles, no dia do casamento, já aponta para a futura decepção: Charles não possuía temperamento brincalhão, não brilhara durante o casamento. Respondeu de forma medíocre aos ditos picantes, aos trocadilhos, às palavras de duplo sentido, cumprimentos e atrevimen- tos que todos se consideraram obrigados a lançar-lhe a partir da sopa (FLAUBERT, 2010, p. 45). Charles não é exatamente um homem charmoso ou um príncipe encantado, e a sua rotina não é cheia de surpresas e aventuras. Ela espera por convites para bailes que nunca chegam e começa a se desesperar com a rotina, tendo ataques nervosos: Mas era sobretudo nas horas das refeições que ela não aguentava mais, naquela pequena sala do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que transmudavam, as lajes úmidas; toda a amargura da existência parecia-lhe servida em seu prato e, com a fumaça do cozido, ela sentia do fundo de sua alma outras lufadas de enfado. 131O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 131 28/08/2017 17:03:08 Charles comia lentamente; ela mordiscava algumas avelãs ou, então, apoiada no cotovelo, divertia-se fazendo, com a ponta da faca, alguns riscos no oleado (FLAUBERT, 2010, p. 89). Preste atenção na imagem criada aqui: como a rotina é o que leva Emma a esse estado de apatia, o narrador diz que a sua amargura parecia ser servida no prato e que, com a fumaça desse cozido de amargura, vinha o cheiro de mais e mais enfado. Uma das coisas que mais marca a nossa rotina são justamente as refeições e, portanto, até a comida se reveste de tédio aos olhos de Emma. Até mesmo a lentidão de Charlesao comer e o brincar de Emma com a faca dão a sensação de tédio. O leitor é contagiado por essa atmosfera de marasmo e de tristeza. A decrepitude da casa também não é escondida ou amenizada — é apresentada em toda a sua crueza ao leitor. Em outros trechos, o narrador ainda descreve a situação a que chega Emma, sem cuidar de si mesma ou da casa, sofrendo de distúrbios psicológicos e de um desespero sem fim. Tudo isso, somado às dívidas que contrai e que não consegue pagar, levam Emma ao suicídio. A cena da sua morte, após ter tomado veneno, também é bastante crua: Seu peito começou logo a arquear rapidamente. A língua saiu-lhe intei- ramente da boca; os olhos, ao revirarem, tornavam-se brancos como os globos de uma lâmpada ao se apagarem, a ponto de fazer com que a julgassem morta, sem a assustadora aceleração das costelas, sacudidas por uma respiração violenta, como se a alma desse saltos para soltar-se (FLAUBERT, 2010, p. 401). Essa não é uma morte tranquila e poética. É uma morte bastante terrível, e o narrador não poupa o seu leitor dos detalhes mais horrorosos. A história de Emma Bovary serviu como inspiração para inúmeras criações artísticas posteriores. Só de produções cinematográficas, é possível contar mais de cinco. As desventuras dessa personagem ainda foram analisadas pelo filósofo francês Jules de Gaultier, que criou o termo “bovarismo” para se referir a uma condição psicológica que torna o sujeito eternamente insatisfeito com todos os aspectos da sua vida — exatamente como Emma em Madame Bovary. É também por essa continuidade da obra ao longo do tempo que ela é considerada um clássico. O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary132 Textos fundamentais_U3C7.indd 132 28/08/2017 17:03:08 1. O Realismo foi um importante movimento artístico e cultural do século XIX. Sobre ele, é correto afirmar que: a) ficou restrito à literatura, pois uma das suas marcas era a crítica social e, nos livros, os escritores conseguiam fazer isso muito bem com os seus personagens e tramas. b) o conceito de mimesis foi bastante importante no Realismo. Esse conceito se relaciona com a cópia ou com a imitação da realidade. c) O movimento teve início na Inglaterra, pois está intimamente relacionado com a Revolução Industrial, que também começou nesse país. d) O Realismo foi um movimento que se opôs radicalmente ao Romantismo, seu predecessor. e) O movimento teve muita força na Europa, mas não cruzou as fronteiras do continente. 2. A pintura abaixo é de um pintor realista francês, Gustave Courbet. Observe-a atentamente e assinale a alternativa correta em relação à sua interpretação. a) Essa é uma pintura realista, porque procura retratar um tema cotidiano da forma mais fiel possível. b) É possível perceber, pelo tema retratado, que o realista gostava muito da natureza e se sentia conectado com ela de forma total. c) As cores alegres das frutas apontam para uma idealização da natureza. d) A representação de temas simples e cotidianos aponta para uma das características do Realismo: o retorno às origens, como a infância, quando tudo era muito mais descomplicado. e) Os realistas pintavam naturezas mortas, pois o seu lema era “arte pela arte”. Eles não se preocupavam em retratar temas polêmicos ou em criticar a sociedade. 3. Gustave Flaubert foi um dos escritores realistas de maior destaque. Sobre a sua vida, é correto afirmar que: a) os seus amigos ficavam espantados com a rapidez com que Flaubert escrevia as suas obras. b) apesar de ter publicado várias obras, Flaubert começou a sua carreira de escritor já na maturidade. c) Flaubert chegou a iniciar os estudos em Direito, mas a sua vocação era realmente a literatura. Logo ele largou a faculdade. 133O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 133 28/08/2017 17:03:08 d) Flaubert não costumava usar elementos autobiográficos nas suas obras. Em compensação, os seus personagens eram inspirados em pessoas que ele conheceu. e) A obra de Flaubert não fez muito sucesso na época em que foi publicada, sendo valorizada apenas depois da sua morte. 4. Sobre um dos romances mais famosos e mais importantes de Flaubert, Madame Bovary, é possível dizer que: a) a história é narrada pela personagem que dá nome ao romance, Emma Bovary. b) Emma Bovary é uma jovem que tem os pés no chão. A sua principal preocupação é com a falta de dinheiro em casa, o que a deixa angustiada. c) o romance conta a história de uma mulher infeliz no casamento, que procura a felicidade em um caso extraconjugal. Assim, é dado bastante enfoque aos sentimentos arrebatados Emma. d) Emma, a protagonista, é representada como uma mulher quase incorpórea, angelical. Esse era o ideal feminino realista. e) o romance causou muito escândalo na época por narrar a história de uma mulher que trai o marido. 5. Analise o seguinte trecho de Madame Bovary. Nele, o amante de Emma, Rodolphe, abre uma caixa onde guarda recordações da moça, assim como de outras amantes. A caixa contém cartas, mechas de cabelo, bonecas e outros objetos. Após o analisar, assinale a alternativa correta. Havia, ao lado, batendo em todos os cantos, a miniatura que Emma lhe dera; seu trajo pareceu-lhe pretensioso, e seu olhar de revés, do mais lamentável efeito; depois, de tanto observar a imagem e de tanto evocar a lembrança do modelo, os traços de Emma pouco a pouco confundiram-se em sua memória [...]. Pegando, então, em um punhado de cartas, ele divertiu-se durante alguns minutos em fazê-las cair em cascata de sua mão direita para a mão esquerda. Enfim, entediado, entorpecido, Rodolphe recolocou a caixa no armário, dizendo a si mesmo: — Que monte de bobagens!... (FLAUBERT, 2010, p. 253) a) O trecho deixa clara a paixão de Rodolphe por Emma: o homem pode passar tempos apenas olhando para as recordações do amor dos dois. b) O relacionamento entre um homem e uma mulher é descrito aqui sem qualquer idealismo ou sentimentalismo. c) Nesse trecho, há uma crítica à sociedade da época, que mostrava um sentimentalismo exacerbado ao guardar recordações de um relacionamento, como cartas e presentes. d) A miniatura que Emma deu a Rodolphe é descrita em pormenor para mostrar ao leitor o quanto ela é importante e significativa para o homem. e) Rodolphe está entediado e entorpecido, porque está longe de Emma. O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary134 Textos fundamentais_U3C7.indd 134 28/08/2017 17:03:09 ARISTÓTELES. Poética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. COMPAGNON, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2006. FLAUBERT, G. Madame Bovary. São Paulo: Globo, 2010. GUSTAVE COURBET. In: Wikipédia. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ Gustave_Courbet>. Acesso em: 12 ago. 2017. GUSTAVE COURBET. In: Wikipédia. 2007. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Gustave-Flaubert2.jpg>. Acesso em: 12 ago. 2017. HUBERT VON HERKOMER. In: Wikipédia. 2009. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:Hubert_von_Herkomer_-_Hard_Times.JPG>. Acesso em: 12 ago. 2017. MADAME BOVARY. In: Wikipédia. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ Madame_Bovary>. Acesso em: 12 ago. 2017. PINTURA DO ROMANTISMO. In: Wikipédia. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia. org/wiki/Pintura_do_romantismo>. Acesso em: 12 ago. 2017. 135O realismo: Flaubert e uma nova composição da realidade, Madame Bovary Textos fundamentais_U3C7.indd 135 28/08/2017 17:03:09 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: DICA DO PROFESSOR A crítica à sociedade e aos costumes da época foi uma marca do Realismo. Neste vídeo, você vai conferir como essa críticasurge em um dos romances de Flaubert, A educação sentimental, considerado como uma de suas obras mais ácidas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) O Realismo foi um importante movimento artístico e cultural do século XIX. Sobre ele, é correto afirmar que: A) Ficou restrito à literatura, pois uma de suas marcas era a crítica social e, nos livros, os escritores conseguiam fazer isso muito bem com seus personagens e suas tramas. B) O conceito de mimesis foi bastante importante no Realismo. Esse conceito se relaciona com a cópia ou com a imitação da realidade. C) O movimento teve início na Inglaterra, pois está intimamente relacionado com a Revolução Industrial, que também começou nesse país. D) O Realismo foi um movimento que se opôs radicalmente ao Romantismo, seu predecessor. E) O movimento teve muita força na Europa, mas não cruzou as fronteiras do continente. A pintura abaixo é do pintor realista francês Gustave Courbet. Observe-a atentamente e assinale a alternativa correta em relação à sua interpretação: 2) A) Essa é uma pintura realista, porque procura retratar um tema cotidiano da forma mais fiel possível. B) Podemos perceber, pelo tema retratado, que o realista gostava muito da natureza e se sentia conectado com ela de forma total. C) As cores alegres das frutas apontam para uma idealização da natureza. D) A representação de temas simples e cotidianos aponta para uma das características do Realismo: o retorno às origens, como a infância, quando tudo era muito mais descomplicado. E) Os realistas pintavam naturezas mortas, pois o seu lema era "arte pela arte". Eles não se preocupavam em retratar temas polêmicos ou em criticar a sociedade. 3) Gustave Flaubert foi um dos escritores realistas de maior destaque. Sobre a sua vida, é correto afirmar que: A) Seus amigos ficavam espantados com a rapidez com que Flaubert escrevia suas obras. B) Apesar de ter publicado várias obras, Flaubert começou sua carreira de escritor já na maturidade. C) Flaubert chegou a iniciar os estudos em Direito, mas sua vocação era realmente a literatura. Logo ele largou a faculdade. D) Flaubert não costumava usar elementos autobiográficos em suas obras. Em compensação, seus personagens eram inspirados em pessoas que ele conheceu. E) A obra de Flaubert não fez muito sucesso na época em que foi publicada, sendo revalorizada apenas depois de sua morte. 4) Sobre um dos romances mais famosos e mais importantes de Flaubert, Madame Bovary, é possível dizer que: A) A história é narrada pela personagem que dá nome ao romance, Emma Bovary. B) Emma Bovary é uma jovem que tem os pés no chão. Sua principal preocupação é com a falta de dinheiro em casa, o que a deixa angustiada. C) O romance conta a história de uma mulher infeliz no casamento, que procura a felicidade em um caso extraconjugal. Assim, é dado bastante enfoque aos sentimentos arrebatados Emma. D) Emma, a protagonista, é representada como uma mulher quase incorpórea, angelical. Esse era o ideal feminino realista. E) O romance causou muito escândalo na época por narrar a história de uma mulher que trai o marido. Analise o seguinte trecho de Madame Bovary. Nele, o amante de Emma, Rodolphe, 5) abre uma caixa onde guarda recordações da moça, assim como de outras amantes. A caixa contém cartas, mechas de cabelo, bonecas e outros objetos. "Havia, ao lado, batendo em todos os cantos, a miniatura que Emma lhe dera; seu trajo pareceu-lhe pretensioso, e seu olhar de revés, do mais lamentável efeito; depois, de tanto observar a imagem e de tanto evocar a lembrança do modelo, os traços de Emma pouco a pouco confundiram-se em sua memória [...]. Pegando, então, em um punhado de cartas, ele divertiu-se durante alguns minutos em fazê-las cair em cascata de sua mão direita para a mão esquerda. Enfim, entediado, entorpecido, Rodolphe recolocou a caixa no armário, dizendo a si mesmo: - Que monte de bobagens!..." (FLAUBERT, 2010, p. 253). Sobre a sua interpretação, é correto afirmar que: A) O trecho deixa clara a paixão de Rodolphe por Emma: o homem pode passar tempos apenas olhando para as recordações do amor dos dois. B) O relacionamento entre um homem e uma mulher é descrito aqui sem qualquer idealismo ou sentimentalismo. C) Nesse trecho, há uma crítica à sociedade da época, que mostrava um sentimentalismo exacerbado ao guardar recordações de um relacionamento, como cartas e presentes. D) A miniatura que Emma deu a Rodolphe é descrita em pormenor para mostrar ao leitor o quanto ela é importante e significativa para o homem. E) Rodolphe está entediado e entorpecido porque está longe de Emma. NA PRÁTICA O Realismo é aquele movimento artístico e cultural cuja ambição era reproduzir a realidade da forma mais fiel possível. Porém, você já pode ter passado por algumas situações parecidas com essas: você tem certeza de que algo aconteceu em sua infância, mas sua mãe diz que nunca ocorreu ou algum evento fora do cotidiano se passou e cada pessoa o conta de uma maneira diferente. É como aquela história do copo com água: alguns enxergam o copo como se estivesse metade cheio, enquanto outros, metade vazio. Agora, preste atenção nessa explicação do teórico Antoine Compagnon sobre a tentativa de retratar o real: Reflita sobre essa questão: será que é possível copiar fielmente a realidade? Tente observar alguma cena ou algum acontecimento e descrevê-los fielmente. Você é capaz de captar tudo o que ocorreu da maneira exata como ocorreu? SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Madame Bovary e as tiranias da intimidade Saiba mais sobre a personagem Emma, do romance Madame Bovary. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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