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16/02/2022 10:03 Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de conversa e educação antirracista - Geledés
https://www.geledes.org.br/professora-alfabetiza-criancas-a-partir-de-rodas-de-conversa-e-educacao-antirracista/ 1/6
Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de
conversa e educação antirracista
24/07/2021
to: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo
Quando as crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental chegam à sala de aula da
professora Ana Paula Venâncio, no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj),
uma escola pública da rede Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica), a primeira coisa que
fazem é sentar em roda e conversar. Nada de cartilhas pontilhadas, ditados e tarefas de
copiar a lousa. Na prática da educadora, as crianças aprendem a ler e escrever quase como
consequência de um processo maior de alfabetização.
Nesses diálogos em roda, o estudante vai cultivando o hábito de narrar sobre o mundo, suas
vidas e quem são, de escutar o outro e suas experiências. Daqui e dali surgem histórias de
racismo ou falas que reproduzem essa violência, inevitavelmente, uma vez que no Brasil a
questão é estrutural e permeia todos os espaços e interações, desde muito cedo. A própria
professora também traz o assunto diretamente e se interessa por saber o que as crianças
entendem por racismo. 
https://ea9vhhuzko5.exactdn.com/wp-content/uploads/2021/07/fundeb.jpg?strip=all&lossy=1&ssl=1
16/02/2022 10:03 Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de conversa e educação antirracista - Geledés
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“Estamos todos ali, negros e não-negros, em presença, escutando e aprendendo, tudo com muita
afetividade e cuidado”, conta a professora (Foto: Ana Paula Venâncio)
Esses fios que despontam nas rodas de conversa, a professora puxa e amarra com outros fios
narrativos, como os da valorização das histórias, culturas e identidades negras e afro-
brasileiras, passadas e presentes, e os de compreender o que é o racismo e suas
manifestações na escola e em outros espaços.
Essas amarrações todas parecem intrigar as crianças e despertar nelas várias curiosidades. É
para perseguir o desejo de saber mais que começam a se interessar e efetivamente a ler e
escrever, ainda que a alfabetização tenha começado muito antes, fazendo leituras de si
próprias, das relações e do mundo. “Não se trata de escolarizar a conversa, os desejos, as
curiosidades que as crianças trazem, mas de tornar isso um estudo”, diz a educadora.
Em entrevista ao Centro de Referências Em Educação Integral, a professora Ana Paula
Venâncio contou sobre a trajetória que a levou a construir a prática de alfabetização na
perspectiva antirracista e como ela acontece em sala de aula. Confira os principais trechos da
conversa:
Centro de Referências em Educação Integral: Como foi a sua trajetória escolar e
como ela impactou a construção da sua prática de alfabetização?
Ana Paula Venâncio: Sou mulher negra, nascida na periferia do Rio de Janeiro (RJ), filha de
uma mulher preta, nordestina, analfabeta e mãe-solo. Meu pai infelizmente teve pouco tempo
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16/02/2022 10:03 Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de conversa e educação antirracista - Geledés
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de vida. O que me move como professora alfabetizadora a trabalhar na perspectiva
antirracista é, em primeiro lugar, a minha história, a partir do momento em que me
conscientizo de que meu corpo preto é um corpo alvejado. Então saio em luta para acabar
com o racismo, em prol de uma sociedade inclusiva. É pela ancestralidade que me beneficiou,
é em função da continuidade de uma luta que é anterior à minha, que exerço esse trabalho.
Quando eu tinha a idade das crianças com que atuo, 6 anos, fui reprovada na escola, mesmo
sabendo ler e escrever, que era o requisito mínimo para passar de ano. No dia em que minha
mãe foi à escola perguntar o motivo, a professora falou na minha frente que era porque
minha letra era um garrancho. 
A minha mãe tinha a escola como o maior bem para a minha vida e acatou aquilo que a
professora disse. Mas no fundo ela sabia, assim como eu, que o problema não estava na
minha letra, porque eu sabia ler e escrever. O problema era outro. Eu só não sabia dizer qual.
Não sabia dizer que a escola via algo de errado em mim, não sabia que era minha cor, que
era racismo. Mas sabia o que era doer no meu corpo, naquilo que mais me atravessava.
Minha trajetória escolar foi marcada por vários episódios assim, de sofrimento e dor, e cresci
com isso, dizendo que seria professora, que deveria existir uma outra escola, onde as pessoas
pudessem ser felizes, mesmo que eu não tivesse conhecido isso. 
CR: E como foi o período após a escola?
APV: Achei que na minha graduação encontraria um alívio, mas foi a mesma coisa da escola.
Quando me formei professora, eu também morria para mim mesma, porque lá no início da
minha carreira, lembrando Paulo Freire, reconheço que também pratiquei atos opressores.
Quando silenciamos, quando não queremos ver, não enxergamos, enaltecemos questões que
provocam desigualdades, a gente oprime. Eu conhecia aquilo que fizeram comigo, estudei
aquilo que me diziam que era certo, e reconheço que o racismo fez em mim uma pessoa que
também fez isso com outras. A dor me perseguia. Por que eu tinha que fazer isso com outros,
com crianças negras de periferia como eu, que também viviam o mesmo dilema que eu? Isso
me rasgava por dentro.
Essa inquietação me ajudou a não ficar conformada. Procurei instituições negras que
acolhessem as minhas dores, professoras negras que me ouvissem, pessoas que eu pudesse
sangrar, chorar e me reconstituir como pessoa e educadora em outra perspectiva de trabalho.
Assim fui sendo ajudada, por muitas professoras mulheres, sobretudo. Fui transformando
minha prática e há anos trabalho na perspectiva antirracista, que não é pontual, mas deve
estar presente a todo momento no cotidiano da sala de aula e da prática. 
16/02/2022 10:03 Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de conversa e educação antirracista - Geledés
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CR: Como funciona o seu trabalho de alfabetização na perspectiva da educação
antirracista?
APV: Para começar, recebo as crianças em minha sala, desde o primeiro dia, no que chamo
de Rodas Ubuntu de Conversas. Ubuntu é um princípio filosófico africano que estudo e tento
levar para a minha prática escolar, de respeito à humanidade do outro, enquanto a roda é
outro princípio importante. Meus ancestrais faziam rodas e isso ainda está presente no
terreiro, na capoeira, nas cantorias. 
Nessa roda deixo os assuntos fluírem e não fico perguntando nada a princípio. As crianças
vão falando e eu vou participando e ouvindo. Não trabalho logo de início com a lousa,
pegando o caderno e escrevendo, mas começo com o nosso corpo, conhecendo e se
percebendo, percebendo a sala, se percebendo dentro dela, na roda, com os colegas. 
Aos poucos vou perguntando: Como é seu nome? Você sabe qual é a origem dele? Quem é
você? Como você se vê? São assuntos que vão sendo trazidos e aos poucos vão formando
uma roda de pertencimento, ou seja, é um aquilombamento que se promove na roda:
estamos todos ali, negros e não-negros, em presença, escutando e aprendendo, tudo com
muita afetividade e cuidado. As crianças têm muito o que dizer e do que dizer sobre si. Então
eu pergunto: Você sabe o que é racismo?
Crianças escrevem sobre o que é Ubuntu para elas (Foto:
Ana Paula Venâncio)
https://www.geledes.org.br/ubuntu-filosofia-africana-que-nutre-o-conceito-de-humanidade-em-sua-essencia/
https://www.geledes.org.br/wp-content/plugins/wp-fastest-cache-premium/pro/images/blank.gif16/02/2022 10:03 Professora alfabetiza crianças a partir de rodas de conversa e educação antirracista - Geledés
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Essas conversas não são coisa de um dia só, mas de todo dia. Aos poucos, as crianças vão
entendendo que ali podem dizer o que estão compreendendo sobre o mundo, mesmo que
essa visão seja dura, cheia de preconceitos, de racismos e discriminações, porque vai
chegando uma hora que entendem como essas narrativas precisam ser compreendidas ali.
Chega um momento que a criança branca, por exemplo, também se abre para se ver
enquanto privilegiada em um sistema escolar onde percebe que o colega negro não tem o
mesmo espaço privilegiado que ela tem. É bonito ir percebendo como as crianças são muito
atentas aos sinais, inclusive os não-ditos ou ditos de outras maneiras, principalmente quando
são atitudes racistas. Elas percebem como isso é lido por uns e por outros, e isso também é
alfabetização. As crianças narrando e se narrando, contando os episódios que passam dentro
da escola, sobretudo de racismo, é alfabetização e deveria fazer parte da vida escolar inteira. 
Nessas conversas, também trago elementos da nossa sociedade que constituem a nossa
história e ancestralidade, trago literaturas e referências afro-brasileiras, especialmente as
histórias infanto-juvenis negras, que são ricas, lindas, sobretudo porque enaltecem a nossa
história no Brasil. Conto de Conceição Evaristo e suas escrevivências, e que elas também vão
poder experimentar. Falo sobre quem é Carolina Maria de Jesus, que tem uma escrita
parecida com a delas, em processo de alfabetização. Se elas levam um brinquedo, um livro
de história, eu contextualizo, trago curiosidades e aspectos afro-brasileiros que se conectam
ao tema. 
CR: Como essas conversas vão se tornando leitura e escrita?
APV: As escutas vão se tornando escritas daquele ponto de vista das crianças, de suas
próprias histórias, de algum acontecimento de suas vidas. De repente, surge a vontade de
saber mais sobre Zumbi dos Palmares, então aí aparece junto também o desejo de aprender
a ler para poder acessar esse conhecimento.
Não se trata de escolarizar a conversa, os desejos, as curiosidades que as crianças trazem,
mas de tornar isso um estudo. E tem questões que se desdobram apenas em conversas e
tem questões que vão se tornar projetos de estudo, às vezes mais de um ao mesmo tempo.
Elas próprias vão apontando o que querem aprender, então começam a ler e a escrever
sobretudo aquilo que faz sentido para elas.
Nesse momento, começamos a fazer apontamentos sobre o que estamos estudando no
caderno, elas leem palavras e trechos que eu trago, e fazem atividades de escrita. Mas é se
inteirar de que escrever não é seguir uma cartilha, é um processo experienciado em outras
perspectivas. O caderno delas também começa a se tornar um portfólio que vai mostrando as
aprendizagens ao longo do tempo. No começo, a criança vai escrevendo e eu vou escrevendo
embaixo o que ela escreveu, porque eu não consigo ler o que está ali, só ela. Mas se eu não
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faço isso, a criança vai esquecer e eu não vou conseguir ler quando formos retomar o
assunto. 
Então esse é um pouco do processo, que precisa do comprometimento de todos os
professores, não só na alfabetização, e não só da professora negra, mas de todos nós. Se não
souber lidar com o tema, com alguma situação, tem que pedir ajuda, criar uma rede de
compartilhamento na escola, estudar, mas não deixar que o racismo se perpetue ou seja
tratado com desdém e sem a devida importância. 
Sou muito feliz com esse caminho. Fico com a mesma turma no primeiro e no segundo ano
do Ensino Fundamental, e todas as crianças vão para o terceiro ano lendo e escrevendo. E
vão empoderadas. Tive uma grande alegria e profunda tristeza, ainda no começo de 2020,
quando uma menina que estava indo para o terceiro disse que estava triste porque não teria
mais a roda de conversa e porque não falariam mais sobre racismo. Conversamos mais um
pouco e no final ela disse: ‘Não vou esquecer porque eu olho para o meu corpo’. Depois fiquei
pensando sobre isso e entendi. O que ela aprendeu está nela, faz parte de sua corporeidade,
está ali, ninguém tira dela e nem ela vai deixar que alguém a violente sem que ela possa se
defender.

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