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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 1 6ª Edição Agosto TIPICIDADE DO PORTE DE DROGAS PARA USO PESSOAL Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 2 Tipicidade do porte de drogas para uso pessoal 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 3 1. APRESENTAÇÃO 6 2. CASOS DE CORTES NACIONAIS 7 ÁFRICA DO SUL CCT 108/17 O direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha em local privado e para consumo pessoal. 7 CCT 7/96 É inconstitucional o dispositivo legal que prevê que uma pessoa portando qualquer quantidade de substância ilegal que produza dependência comete crime de tráfico de drogas, por violar o direito ao silêncio e o princípio da presunção de inocência. 8 ALEMANHA 2 BVL 43/92; 2 BVL 51/92; 2 BVL 63/92; 2 BVL 64/92; 2 BVL 70/92; 2 BVL 80/92; 2 BVL 2031/92; 1369/90 O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige, como regra geral, que as autoridades responsáveis pela aplicação da Lei de Substâncias Intoxicantes abstenham-se de instaurar a persecução penal no caso de conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de cannabis e que não ofereça risco a terceiros. 9 ARGENTINA CASO SEBÁSTIAN ARRIOLA Y OTROS. RECURSO DE HECHO. CAUSA Nº 9.080 É inconstitucional dispositivo legal que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de prisão. Ao incriminar conduta que não implica perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade de terceiros, o dispositivo viola os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal. 12 BÉLGICA ARRÊT 158/2004 A lei que determina que nenhum boletim de ocorrência policial deve ser elaborado em casos de posse de cannabis para consumo próprio por pessoa maior de idade compreende conceitos tão vagos e imprecisos que é impossível determinar o seu alcance. 13 BRASIL HC 142987 A importação de quantidade ínfima de sementes da planta cannabis sativa, as quais, ante a ausência de substância psicoativa (THC), não podem, por si sós, produzir droga ilícita, não se amoldam ao crime de tráfico de drogas ou de contrabando. 15 Sumário 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 4 HC 144161 É plausível a alegação de que importar pequena quantidade de substância ilícita, em tese, amolda-se ao porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico internacional de drogas. 17 RE 635659 RG Há repercussão geral na questão quanto a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal. 18 ADI 4274 É dada interpretação conforme a Constituição ao §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, restando excluída qualquer interpretação que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas. 18 CANADÁ R. V. SMITH – CASE 36059 A exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca infringe os direitos constitucionais à vida, à liberdade e à segurança. 20 COLÔMBIA SENTENCIA SP- 2940-2016 (RADICACIÓN 41760) O porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime, o que não justifica um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas. 21 SENTENCIA C-491/12 É tolerado o porte de drogas destinado ao consumo pessoal, sendo puníveis comportamentos que consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas sintéticas, em qualquer quantidade. 22 SENTENCIA C-221/94 O uso pessoal de drogas não é considerado conduta criminosa, pois se limita à esfera individual do consumidor. 23 GEÓRGIA CASE 1/5/592 - CITIZEN OF GEORGIA BEKA TSIKARISHVILI V. THE PARLIAMENT OF GEORGIA É inconstitucional dispositivo legal que prevê pena de prisão àquele que adquirir até 70 gramas de folhas secas de cannabis, por se tratar de medida desproporcional e que não contribui efetivamente para a proteção da saúde e segurança dos indivíduos. 25 HUNGRIA DECISION 54/2004 Permitir o consumo pessoal de entorpecentes elimina o direito do indivíduo à livre autodeterminação, uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 5 sérias consequências para a sociedade e segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado de proteção ao direito à saúde. 26 MÉXICO AMPARO EN REVISIÓN 1115/2017 É autorizado o uso pessoal e recreativo de maconha, bem como a prática de atos gerais ligados ao autoconsumo. Excluem-se dessa autorização quaisquer atos de comércio, bem como o consumo de outros entorpecentes e psicotrópicos. 28 PORTUGAL ACÓRDÃO 587/14 Não viola o princípio da legalidade criminal a interpretação segundo a qual são puníveis como crime de consumo as situações de posse ou aquisição de droga em quantidade superior ao consumo médio individual para dez dias. 29 SEICHELES CASE 8/2001 - PHILIP AMUKHOBE IMBUMI V. THE REPUBLIC Não viola o princípio da presunção de inocência a suposição de que aquele que é encontrado portando quantidade de drogas superior ao limite legal tem o intuito de traficá-la. 31 3. REFERÊNCIAS 32 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 6 1. APRESENTAÇÃO O Boletim de Jurisprudência Internacional tem como objetivo levantar e sistematizar, para fins de comparação, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), de altas Cortes nacionais e órgãos internacionais sobre um tema específico. O Boletim é resultado de pesquisa em bases de dados, bases de jurisprudência e publicações, nacionais e internacionais, com conteúdo em português, inglês ou espanhol. Todas as decisões recuperadas foram inseridas no boletim e não refletem, necessariamente, a posição do STF. As informações incluídas em cada resumo resultam da análise de decisões e documentos, em geral, em idioma estrangeiro, de modo que a fidelidade às fontes poderá ser aferida no original. Ressalta-se, contudo, que não formam um resumo de todo o julgamento, mas a seleção, tradução e adaptação dos trechos para fins de comparação do objeto de estudo em análise. A 6ª edição refere-se ao Tema 506 da repercussão geral “tipicidade do porte de drogas para uso pessoal”, reconhecida no RE 635.659 RG, rel. min. Gilmar Mendes. A controvérsia constitucional cinge-se em determinar se o artigo 5º, X, da Constituição Federal autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006). Os principais termos de busca utilizados foram: porte de drogas, entorpecentes, consumo pessoal, uso próprio, cannabis, descriminalização, estupefaciente, tenencia de drogas, consumo personal, legalización del consumo de sustancias psicoactivas, personal use, legalization, possession of drugs, consumption and acquisition of narcotics. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 7 2. CASOS DE CORTES NACIONAIS África do Sul CCT 108/17 - Minister of Justice and Constitutional Development and Others v Prince (Clarke and Others Intervening); National Director ofPublic Prosecutions and Others v. Rubin; National Director of Public Prosecutions and Others v Acton O direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha em local privado e para consumo pessoal. Julgado em 18-09-2018 I. Três petições foram apresentadas à Suprema Corte sob a premissa de que certos dispositivos da Lei de Drogas e Narcotráfico nº 140 de 1992 (Drugs and Drug Trafficking Act 140 of 1992) e da Lei de Controle de Medicamentos e Substâncias Relacionadas nº 101 de 1965 (Medicines and Related Substances Control Act 101 of 1965) eram inconstitucionais. Os requerentes impugnaram os seguintes artigos: - 4(b)1 da Lei de Drogas, que proíbe o uso ou a posse de qualquer substância perigosa ou ilegal que produza dependência, salvo exceções previstas em lei; - 5 (b)2 da Lei de Drogas, que proíbe o comércio de qualquer substância perigosa ou ilegal que produza dependência, salvo exceções previstas em lei; - 22A(9)(a)(i)3 e 22A(10)4 da Lei sobre Medicamentos, que proíbem a aquisição, utilização, posse, fabrico ou fornecimento de cannabis, bem como a venda ou administração dessa substância para fim diverso do medicinal. O Supremo Tribunal reconheceu que os referidos dispositivos eram inconsistentes com o direito constitucional à privacidade, mas somente na medida em que proíbem uma pessoa adulta de manter e usar 1 4. Use and possession of drugs.-No person shall use or have in his possession- (…) b) any dangerous dependence-producing substance or any undesirable dependence-producing substance; 2 5. Dealing in drugs.-No person shall deal in- (…) (b) any dangerous dependence-producing substance or any undesirable dependence-producing substance, unless - (i) he has acquired or bought any such substance for medicinal purposes; 3 22A. Control of medicines and Scheduled substances. (…) (9) (a) No person shall- (i) acquire, use, possess, manufacture, or supply any Schedule 7 or Schedule 8 substance, or manufacture any specified Schedule 5 or Schedule 6 substance unless he or she has been issued with a permit by the Director General for such acquisition, use, possession, manufacture, or supply: Provided that the Director-General may, subject to such conditions as he or she may determine, acquire or authorise the use of any Schedule 7 or Schedule 8 substance in order to provide a medical practitioner, analyst, researcher or veterinarian therewith on the prescribed conditions for the treatment or prevention of a medical condition in a particular patient, or for the purposes of education, analysis or research; 4 22A. Control of medicines and Scheduled substances. (…) (10) Notwithstanding anything to the contrary contained in this section, no person shall sell or administer any Scheduled substance or medicine for other than medicinal purposes: Provided that the Minister may, subject to the conditions or requirements stated in such authority, authorise the administration outside any hospital of any Scheduled substance or medicine for the satisfaction or relief of a habit or craving to the person referred to in such authority. http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/2018/30.pdf http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/2018/30.pdf http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/2018/30.pdf 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 8 cannabis, em residência ou habitação privada, para seu próprio consumo. Essa decisão foi encaminhada à Corte Constitucional para confirmação. II. O Tribunal Constitucional da África do Sul, por unanimidade, asseverou que o direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha de forma privada e para consumo pessoal, ressaltando que tal direito se estende para além dos limites de casa ou habitação. No julgamento, a Corte levou em consideração, além do direito à privacidade, preocupações com a saúde e o atual entendimento sobre essa matéria em outras partes do mundo. Apontou-se que não foram encontradas evidências médicas convincentes de que a cannabis em pequenas quantidades seja prejudicial aos usuários, particularmente em comparação com os danos resultantes do álcool. Também não foi comprovado que o uso de maconha cause comportamento violento ou agressivo ou que leve ao consumo de drogas mais potentes ou perigosas. Observou-se, ainda, que muitos países democráticos descriminalizaram ou legalizaram o consumo pessoal de pequenas quantidades de maconha. Tendo em vista que o Estado não conseguiu provar que a limitação à privacidade era razoável e justificável, as disposições legais que puniam o uso pessoal e privado de cannabis por adultos foram declaradas inconstitucionais. Esse pedido foi suspenso por 24 meses, permitindo que o Parlamento corrigisse os defeitos constitucionais. Nesse ínterim, o Tribunal determinou que adultos que consumissem, possuíssem ou cultivassem maconha para uso próprio não seriam considerados culpados de infringir essas disposições. No entanto, o consumo ou posse de cannabis por uma criança em qualquer lugar, ou por um adulto em local público, não é descriminalizado. [Resumo oficial] CCT 7/96 - Die Staat v. Julies É inconstitucional o dispositivo legal que prevê que uma pessoa portando qualquer quantidade de substância ilegal que produza dependência comete crime de tráfico de drogas, por violar o direito ao silêncio e o princípio da presunção de inocência. Julgado em 11-06-1996 I. A questão envolvia a impugnação do artigo 21 (1)(a)(iii)5 da Lei de Drogas e Tráfico de Drogas de 1992. O dispositivo criava a presunção de que uma pessoa encontrada portando qualquer quantidade de substancia capaz de causar dependência seria traficante. II. O Tribunal Constitucional da África do Sul declarou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado. Mantendo a jurisprudência firmada no caso Estado v. Bhulwana e Estado v. Gwadiso, a Corte asseverou que essa disposição viola o direito pessoal do acusado ao silêncio e o princípio da presunção de inocência. 5 21. Presumptions relating to dealing in drugs. (1) If in the prosecution of any person for an offence referred to (a) in section 13 ( f) it is proved that the accused- (…) (iii) was found in possession of any undesirable dependence-producing substance, other than dagga, it shall be presumed, until the contrary is proved, that the accused dealt in such dagga or substance; http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/2018/30media.pdf http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/1996/14.pdf http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/1995/11.pdf http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/1995/11.pdf 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 9 Asseverou-se que seria inconcebível que a mera posse fosse considerada indicativo suficiente de alguma intenção particular de comércio, real ou pretendido, ao invés de uso pessoal do portador. Na ausência de conexão racional, o Tribunal constatou que, independentemente de quaisquer considerações políticas, a presunção de crime é inconsistente com o artigo 33(1)6 da Constituição Provisória da República da África do Sul n. º 200 de 1993. [Resumo oficial] Alemanha 2 BvL 43/92; 2 BvL 51/92; 2 BvL 63/92; 2 BvL 64/92; 2 BvL 70/92; 2 BvL 80/92; 2 BvL 2031/92; 1369/90 O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige, como regra geral, que as autoridades responsáveis pela aplicação da Lei de Substâncias Intoxicantes abstenham-se de instaurar a persecução penal no caso de conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de cannabis e que não ofereça risco a terceiros. Julgado em 09-03-1994 I. Na Alemanha, o uso de drogas é regulado por lei. Na década de 90, questionou-se se as disposições penais da Lei de Narcóticos (Betäubungsmittelgesetz – BtMG, de 28 de julho de 1981) eram compatíveis com a Lei Fundamental, na medida em que puniam váriasformas de uso ilícito de produtos derivados de cannabis. A referida lei, que foi alterada diversas vezes, subordinava o tráfico de narcóticos a um abrangente controle estatal. Em princípio, qualquer manipulação de entorpecentes requeria permissão oficial e era proibida sem ela. A autorização oficial para fins científicos ou outros fins de interesse público, juntamente com as isenções legais dela decorrentes, distinguiam o manuseio legal e o tráfico ilegal de narcóticos. Dentre as substâncias consideradas não transacionáveis, previstas no Anexo I da referida lei, constavam as plantas de cannabis (maconha) e partes vegetais das plantas pertencentes ao gênero cannabis; resina de cannabis; e Tetrahidrocanabinol- THC (agente ativo contido na maconha e no haxixe). Excetuavam-se dessa lista as sementes de cannabis; as plantas utilizadas como faixas de proteção na produção de beterrabas e destruídas antes da floração; e aquelas destinadas à extração ou processamento de fibras para fins comerciais. No julgamento do processo paradigma 2 BVL 43/92, a ré foi condenada a dois meses de prisão pois, ao abraçar seu marido, que estava sob custódia na prisão de Lübeck, entregou-lhe uma carta contendo 1,12 gramas de haxixe. O Tribunal Distrital de Lübeck, ao analisar o recurso, afastou a punição sob o fundamento de que as disposições penais da Lei de Narcóticos eram inconstitucionais. 6 Limitation 33. (1) The rights entrenched in this Chapter may be limited by law of general application, provided that such limitation- (a) shall be permissible only to the extent that it is- (i) reasonable; and (ii) justifiable in an open and democratic society based on freedom and equality; and (b) shall not negate the essential content of the right in question, and provided further that any limitation to- (…). http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/1996/14media.pdf https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Downloads/DE/1994/03/ls19940309_2bvl004392.pdf;jsessionid=3941D87B499B75D3ED786062E591A540.2_cid361?__blob=publicationFile&v=2 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 10 Considerou-se que a inclusão de produtos de cannabis no texto legal violava o princípio da igualdade, visto que o álcool e a nicotina - substâncias muito presentes em toda a sociedade e, conforme literatura especializada, mais perigosas do que produtos de maconha– não foram listados. Alertou-se que o consumo excessivo de álcool pode causar sérios danos físicos e psicológicos aos indivíduos e consideráveis prejuízos para a sociedade, sendo um produto que acarreta forte impacto social. Afirmou-se ainda, que o dano causado aos pulmões por fumar produtos de tabaco é superior ao causado pelo fumo de maconha. Em contraste, apontou-se que não há prova de que o uso de cannabis cause danos físicos significativos ou produza dependência física, tampouco há evidências de degradação das funções cerebrais e da inteligência por meio do uso crônico de maconha, não havendo registro de uma dose letal de cannabis. Alegou-se que a chamada "síndrome amotivacional" não é uma consequência específica do uso dessa substância e que não há comprovação de que a maconha seja porta de entrada para drogas mais pesadas. Embora exista a possibilidade de que o uso do narcótico leve a uma ligeira dependência psicológica, os efeitos individuais e sociais do uso de maconha, bem como suas consequências psicológicas, são classificadas como baixas. Asseverou-se que os direitos fundamentais devem ser limitados apenas em estrita conformidade com o princípio da proporcionalidade, não podendo sofrer interferêncais desnecessárias. Nesse contexto, entendeu-se que as razões objetivas para a diferença na responsabilização penal do uso de álcool e nicotina relativamente aos produtos de cannabis para uso próprio eram insustentáveis, por violar o senso geral de justiça e afrontar o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. Ademais, essa restrição é inconsistente com o estado de direito e incompatível com a Lei Fundamental. Explicou-se que um dos elementos básicos da autodeterminação humana é a decisão responsável sobre quais alimentos, produtos e entorpecentes o cidadão poderá consumir, não podendo o Estado proibir ou retringir o direito de intoxicar- se. No processo 2 BvL 51/92, defendeu-se que o haxixe é uma droga relativamente inofensiva e não causa nenhum dano significativo ao consumidor ou à economia. O risco de mudar para drogas mais pesadas não é maior nesse entorpecente do que nas diversas bebidas alcoólicas consumidas. Em 2 BvL 63/92, alegou-se que a venda lucrativa de haxixe não viola os direitos de terceiros, tampouco infringe a ordem constitucional ou a lei moral. Sua proibição, em verdade, afronta o direito de igualdade perante lei, em comparação com a impunidade das vendas lucrativas de álcool. Esses argumentos foram reforçados em demais ações, razão pela qual o Tribunal ad quem proferiu decisão conjunta. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 11 II. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha considerou que o artigo 2, parágrafo 17, da Basic Law se aplica a transações envolvendo substancias entorpecentes na medida em que não existe um “direito à intoxicação” em desconformidade com as restrições do dispositivo. No que diz respeito ao conteúdo dessas limitações, o princípio da proporcionalidade é, na ausência de garantias constitucionais expressas, o critério constitucional geral para decidir em que medida o direito à liberdade pode ser limitado. De acordo com esse princípio, uma lei que limita os direitos fundamentais deve ser adequada para atingir o objetivo para o qual é dirigida e necessária para atingi-lo. A lei é adequada quando, por meio dela, o resultado desejado pode ser alcançado. É necessária quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, que impusesse menor ou nenhuma violação ao direito individual. A aplicação desse critério pode levar a conclusão de que a medida, mesmo sendo capaz de atingir o fim almejado e sendo necessária para atingi-lo, pode ainda assim ser desproporcional se o resultado obtido com a restrição imposta ao direito individual superar o incremento de proteção conferido ao interesse público que a norma quer atingir. Os delitos estabelecidos na lei relacionados a transações ilegais com produtos derivados de cannabis abrangem diversas condutas que, de maneira geral, poderiam implicar risco social. Contudo, a lei penal deve estabelecer condutas com diferenças significativas em relação à natureza e extensão do perigo representado pelos interesses que visa proteger. O mesmo se aplica às variações de ilicitude e culpabilidade individual. Dependendo das características e efeitos da substância, do montante envolvido no caso específico, da natureza da infração pertinente e de todos os outros fatos relevantes, o perigo representado para os interesses públicos protegidos pode ser tão pequeno que a tipificação, como forma de prevenir genericamente a conduta, pode perder força. Em tais casos, tendo em devida conta o direito à liberdade do indivíduo afetado, a culpa individual do réu e as considerações correlatas de política criminal que visam a prevenção no caso específico do indivíduo, a punição é desproporcional e, portanto, inconstitucional. Se a posse de produtos derivados de cannabis for pequena, para uso pessoal, então, como regra, o perigo concreto da droga à terceiros não é significativo. Assim, o interesse público em estabelecer sanções penais nesses casos é proporcionalmente limitado. A sanção penal pode implicar resultados desproporcionais e, no que se refere a desencorajar o indivíduo a violar a lei, pode causar mais malefícios do que benefícios, por exemplo, levando-o à cultura das drogas. Os dispositivos da Lei de Substâncias Intoxicantes(Intoxicating Substances Act) estabelecem punição para conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de cannabis e que não oferecem risco à terceiros. Contudo, a lei conferiu à autoridade responsável por sua aplicação margem de discricionariedade para, à luz da situação particular, abster-se de impor uma sanção (s 29 (5) Lei de Sustâncias Intoxicantes) ou de instaurar a persecução penal (s 153 e seguintes do Código de Processo Penal, s 31 a da Lei de Substâncias Intoxicantes). Assim, as autoridades, em particular os Procuradores, que possuem o 7 Article 2 [Personal freedoms] (1) Every person shall have the right to free development of his personality insofar as he does not violate the rights of others or offend against the constitutional order or the moral law. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 12 controle sobre o processo até a acusação, devem abster-se de perseguir as infracções enumeradas na Lei de Intoxicação de Substâncias, à luz da exigência do princípio da proporcionalidade no sentido mais estrito. Por outro lado, se a ofensa envolve perigo para terceiros, por exemplo, porque ocorre em uma escola, em casa com jovens, em quartéis do exército ou em instituições semelhantes, ou se for cometido por alguém encarregado da supervisão de jovens, por um professor ou por um funcionário público encarregado da aplicação da Lei de Intoxicação de Substâncias, e é provável que encoraje outros a imitar a ofensa, então pode haver culpabilidade suficiente e interesse público em instaurar a persecução penal. Por fim, a Corte rejeitou o argumento de que o princípio da igualdade requereria que todas as substancias que têm potencial de serem igualmente prejudiciais ao indivíduo devem ser proibidas ou permitidas da mesma forma. O legislador pode regular as transações com substancias entorpecentes de forma diferentes em relação à regulamentação do álcool e da nicotina sem que isso implique violação à constituição.8 9 Argentina Caso Sebástian Arriola y Otros. Recurso de Hecho. Causa nº 9.080 É inconstitucional dispositivo legal que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de prisão. Ao incriminar conduta que não implica perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade de terceiros, o dispositivo viola os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal. Julgado em 25-08-2009 I. Como parte de uma investigação policial sobre tráfico de drogas, foram presas oito pessoas que portavam pequena quantidade de maconha, supostamente para uso pessoal. A defesa dos detidos alegou que a criminalização do porte de droga para consumo pessoal é incompatível com o princípio da reserva contida no artigo 1910 da Constituição da Nação Argentina. Observou que é ilegítima a intervenção estatal punitiva quando um ato não ofende a ordem e a moral pública, tampouco afeta total ou parcialmente o bem jurídico alheio, seja ele individual ou coletivo. II. A Corte Suprema de Justiça da Argentina declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do artigo 14, segundo parágrafo, da Lei de Entorpecentes nº 23.737/198911, que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de prisão de 1 mês a 2 anos (substituível por medidas educativas ou de 8 Resumo “GER-1994-1-010” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices – InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission). 9 Resumo traduzido e adaptado da decisão em inglês disponibilizada pela German Law Archive. 10 Artículo 19- Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están solo reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado de lo que ello no prohíbe. 11 Ley 23.737. Art. 14 — Será reprimido con prisión de uno a seis años y multa de trescientos a seis mil australes el que tuviere en su poder estupefacientes. La pena será de un mes a dos años de prisión cuando, por su escasa cantidad y demás circunstancias, surgiere inequívocamente que la tenencia es para uso personal. https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=6711401&cache=1504293704009 http://www.codices.coe.int/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm http://germanlawarchive.iuscomp.org/?p=85 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 13 tratamento, conforme artigo 2112 dessa lei). Entendeu-se que o referido dispositivo vulnera os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal ao incriminar a posse de entorpecentes para uso pessoal em condições que não impliquem perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade de terceiros. O Tribunal afirmou que a reforma constitucional de 1994 e os tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento argentino reforçam a proteção da privacidade e da autonomia pessoal, bem como o princípio da dignidade humana. Nesse contexto, "as razões pragmáticas ou utilitárias" em que a abordagem punitiva se baseou falharam, visto que punir o consumidor para combater o tráfico de drogas não teve o resultado esperado, sendo notório que essa prática aumentou significativamente no decorrer dos anos e às custas de uma interpretação restritiva de direitos individuais. A Corte relembrou que o consumidor é vítima de criminosos que traficam drogas, logo, puni-lo acarretaria sua “revitimização”. Salientou-se que essa decisão de maneira alguma implica "legalizar as drogas", mas busca, por meio de uma linguagem democrática, que pode ser entendida por todos os habitantes, informar sobre os problemas ligados às drogas. Sublinhou-se, ainda, o compromisso inescapável que todas as instituições deveriam assumir no combate ao narcotráfico. Por fim, o Tribunal encorajou as autoridades públicas a garantir políticas de Estado contra o tráfico ilícito de drogas e a adotar medidas preventivas de saúde, com informação e educação dissuasiva do consumidor, focada em todos os grupos vulneráveis, especialmente nos menores de idade, a fim de dar cumprimento adequado aos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo país. Bélgica Arrêt 158/2004 A lei que determina que nenhum boletim de ocorrência policial deve ser elaborado em casos de posse de cannabis para consumo próprio por pessoa maior de idade compreende conceitos tão vagos e imprecisos que é impossível determinar o seu alcance. Julgado em 20-10-2004 12Ley 23.737. Art. 21. En el caso del artículo 14, segundo párrafo, si el procesado no dependiere física o psíquicamente de estupefacientes por tratarse de un principiante o experimentador, el juez de la causa podrá, por única vez, sustituir la pena por una medida de seguridad educativa en la forma y modo que judicialmente se determine. Tal medida, debe comprender el cumplimiento obligatorio de un programa especializado, relativo al comportamiento responsable frente al uso y tenencia indebida de estupefacientes, que con una duración mínima de tres meses, la autoridad educativa nacional o provincial, implementará a los efectos del mejor cumplimiento de esta ley. La sustitución será comunicada al Registro Nacional de Reincidencia y Estadística Criminal y Carcelaria, organismo que lo comunicará solamente a los tribunales del país con competencia para la aplicación de la presente de la ley, cuando éstos lo requiriesen. Si concluido el tiempo de tratamiento éste no hubiese dado resultado satisfactorio por la falta de colaboración del condenado, el tribunal hará cumplir la pena en la forma fijada en la sentencia. http://www.const-court.be/public/f/2004/2004-158f.pdf 6ª Edição Supremo Tribunal FederalMaio de 2019 Sumário 14 I. A lei sobre o tráfico de substâncias venenosas, soníferas, narcóticas, psicotrópicas, desinfetantes ou antissépticas, as quais são comumente utilizadas na fabricação ilícita de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, previa que a posse de cannabis para uso próprio configurava crime. Em 2003, essa norma foi alterada, estabelecendo que o policial não deveria formalizar uma ocorrência, mas apenas registrar, casos de posse para uso pessoal de “determinada quantidade” de cannabis por pessoa maior de idade, quando tal posse não implicasse perturbação pública. Os recorrentes alegaram que essa lei afrontou o princípio constitucional da persecução penal obrigatória, consagrado também no artigo 7.º13 da CEDH e no artigo 15.º14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Sustentaram ainda, que diversos tópicos carecem de definição legal, como: quantidade de drogas que deve ser considerada para consumo próprio, especificação dos problemas decorrentes do uso de droga e conceito de perturbação pública. II. O Tribunal de Arbitragem da Bélgica observou que, embora o referido princípio não vá tão longe a ponto de exigir que a legislação regule cada aspecto individual do processo de acusação, exige, no entanto, que a lei não viole os requisitos particulares de precisão, clareza e previsibilidade com que toda a legislação penal deve cumprir. Asseverou que a disposição impugnada diverge, em vários aspectos, das regras gerais do direito penal, notadamente no que se refere à competência do Ministério Público e à obrigação de os serviços policiais informarem a ocorrência de crimes que chegam ao seu conhecimento. De acordo com o Tribunal de Arbitragem, quando a lei estipula que, embora a posse de cannabis para uso pessoal seja punível, para que esse ato não seja reportado ao Ministério Público, a quantidade da droga em questão deve ser claramente estabelecida. Esta é a única maneira de garantir que os policiais tenham um critério objetivo para decidir se devem ou não instaurar uma ocorrência. Na medida em que a norma impugnada não satisfaz este requisito e permite que a determinação da quantidade de entorpecente seja feita com base em elementos subjetivos, nota-se que seu conteúdo não é suficientemente detalhado para cumprir o princípio da persecução penal obrigatória. 13 ARTIGO 7° Princípio da legalidade 1. Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida. 2. O presente artigo não invalidará a sentença ou a pena de uma pessoa culpada de uma ação ou de uma omissão que, no momento em que foi cometida, constituía crime segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. 14 ARTIGO 15 1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se. 2. Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões que, momento em que forma cometidos, eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 15 O Tribunal observou que a redação da lei parece indicar que os problemas derivados do consumo de drogas não são medidos em função do efeito que a pessoa exerce sobre a sua família e amigos imediatos, mas apenas com base na sua condição pessoal. Assim, os policiais que elaboram o relatório têm ampla liberdade para avaliar a condição psicológica, médica e social do usuário de cannabis, uma situação que leva à incerteza jurídica, além de violar princípios constitucionais. Por último, a definição legal de "perturbação pública" refere-se principalmente à posse de maconha em locais específicos e arredores imediatos, termos também sem conceituação específica na lei. Embora seja inegável que o uso de maconha em "locais frequentados por pessoas menores de idade para fins educativos, desportivos ou sociais" cause incômodo, a falta de definição conceitual daria margem à interpretação de que deve ser aberta ocorrência para averiguar qualquer caso de consumo de cannabis por pessoa adulta em local acessível a menores de idade. A dificuldade em definir "perturbação da ordem pública" também não cumpre os requisitos do princípio da persecução penal obrigatória. Tendo em vista que essa norma compreende uma série de conceitos tão vagos e imprecisos que é impossível determinar o seu alcance exato, o Tribunal anulou a disposição impugnada, tendo conservado os efeitos do dispositivo até à data da publicação do presente acórdão15. Brasil HC 142987 A importação de quantidade ínfima de sementes da planta cannabis sativa, as quais, ante a ausência de substância psicoativa (THC), não podem, por si sós, produzir droga ilícita, não se amoldam ao crime de tráfico de drogas ou de contrabando. Julgado em 11-09-2018 I. O paciente foi inicialmente denunciado pela suposta prática de tráfico internacional de drogas (artigo 33, §1º, I16, da Lei 11.343/2006, combinado com o artigo 40, I17 da mesma Lei), por ter tentado importar da 15 Texto traduzido e adaptado do resumo “BEL-2004-3-010” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices – InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission). 16 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria- prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; 17 Art. 4º. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=748761595 http://codices.coe.int/NXT/gateway.dll/CODICES/precis/eng/eur/bel/bel-2004-3-010?f=templates$fn=document-frameset.htm$q=%5Bfield,E_Thesaurus%3A01.06.05*%5D%20$x=server$3.0%23LPHit1 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 16 Holanda, sem autorização legal e regulamentar, 15 sementes de cannabis, as quais seriam utilizadas em plantio para uso próprio. Após redistribuição do feito, em denúncia substitutiva e em razão da mesma conduta, o paciente foi denunciado pelo crime de contrabando (artigo 334-A, caput18, do Código Penal). O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa. O Ministério Público recorreu dessa decisão ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou o pleito. Em sede de recurso especial, o relator deu provimento ao pedido por entender caracterizada a conduta típica de importação clandestina de sementes de cannabis sativa, matéria-prima destinada à preparação de substâncias entorpecentes. Asseverou, ainda, a não incidênciado princípio da insignificância ao caso. A defesa sustentou ausência de justa causa para autorizar a persecução penal, considerando que a lei proíbe a importação de vegetais e não de sementes. Afirmou que o laudo pericial comprovou a ausência da substância tetrahidrocannabiol (THC) nas sementes, ressaltando que não se extrai substância tóxica desse elemento, mas somente da planta eventualmente geminada. Alegou que o paciente importou o produto de um país onde a venda é legal, o que indica que não teve a intenção de fomentar a criminalidade local. Informou que o acusado adquiriu as sementes para consumo próprio, sendo que estas sequer chegaram a ser plantadas. O Ministério Público apresentou parecer pelo trancamento da ação penal. Atestou que, mesmo que ultrapassada a ilegalidade da conduta do paciente, o ato de importar 15 sementes de maconha não tipifica o crime de tráfico internacional de drogas nem de contrabando. II. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, considerando as particularidades da causa, sobretudo a ínfima quantidade de substâncias apreendidas, com base no artigo 192, caput, do RISTF, concedeu a ordem para determinar a manutenção das decisões (sentença e acórdão TRF 3) que, em razão da ausência de justa causa, rejeitaram a denúncia. Asseverou-se que a matéria-prima ou insumo devem ter condições e qualidades químicas para, através de transformação ou de adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, causadora de dependência física ou psíquica, o que não é o caso das sementes da planta cannabis sativa, que não possuem a substância psicoativa (THC). Ademais, verificou-se que em outros julgados desta Corte, em razão da pequena quantidade de sementes de maconha importadas, foi deferida a liminar para suspender a tramitação da ação penal na origem (HCs 147.478/SP, 143.798/SP e 131.310/SE). I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; 18 Contrabando Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 17 HC 144161 É plausível a alegação de que importar pequena quantidade de substância ilícita, em tese, amolda-se ao porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico internacional de drogas. Julgado em 11-09-2018 I. O paciente foi denunciado pelo crime previsto no artigo 334-A do Código Penal (contrabando), acusado de importar pela internet 26 sementes de cannabis sativa para consumo próprio. O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia. O Ministério Público recorreu dessa decisão ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região que deu provimento ao pedido, determinando que a denúncia fosse recebida e que o paciente respondesse pelo crime de tráfico internacional de drogas (art. 33, § 1º, inciso I, c/c o art. 40, inciso I, da Lei 11.343/2006). A Corte entendeu que, no caso, deveria prevalecer o princípio in dubio pro societate. A defesa apresentou recurso especial, o qual foi inadmitido na origem. Todos os demais recursos interpostos ao Superior Tribunal de Justiça foram denegados. A defesa alegou que não há como afirmar que as sementes apreendidas seriam destinadas à preparação de produto ilícito com a específica finalidade de tráfico ou mercancia. Apontou que a conduta descrita poderia se amoldar ao tipo penal do artigo 28, §1º19, da Lei 11.343/2006, qual seja, porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso pessoal, cuja constitucionalidade da criminalização está sendo discutida por esta Corte. Assim, requereu o trancamento da ação penal. II. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, levando em consideração sobretudo a pequena quantidade de substâncias apreendidas, deferiu a liminar para suspender a tramitação da ação penal na origem. Assentou-se que há real plausibilidade na alegação de que a conduta praticada se amolda, em tese, ao porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico internacional de drogas (artigo 33, § 1º, inciso I, c/c o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006). Relembrou que a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas está sendo discutida pelo Plenário, no ponto em que se criminaliza o porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso próprio, hipótese do presente writ. 19 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=748869614 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 18 RE 635659 RG Há repercussão geral na questão quanto a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal. Julgado em 08-12-2011 I. Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo contra acórdão que, por entender constitucional o artigo 28 da Lei 11.343/2006, manteve a condenação pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. O recorrente argumentou que o crime (ou a infração) definido no dispositivo impugnado ofende o princípio da intimidade e vida privada, direito expressamente previsto no artigo 5º, X da Constituição Federal e, por conseguinte, o princípio da lesividade, valor basilar do direito penal. A controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal. II. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a discussão é de natureza constitucional e possui repercussão geral, por se tratar de tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa e alcança grande número de interessados. No caso, está em jogo o disposto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que revela a consubstanciar tipicidade quanto ao uso adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, prevendo os incisos as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Cumpre ao Supremo pronunciar-se a respeito do tema, pacificando jurisprudência que norteará inúmeras decisões. Reconheceu-se que o que fora veiculado ultrapassa, no campo social, os muros subjetivos do processo em que interposto o extraordinário. ADI 4274 É dada interpretação conforme a Constituição ao §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, restando excluída qualquer interpretação que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas. Julgado em 23-11-2011 I. A Procuradora-Geral da República em exercício interpôs ação direta de inconstitucionalidade contra o § 2º do artigo 3320 da Lei 11.343/2006, para que o Supremo Tribunal Federal realizasse interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que pudesse implicar a criminalização da20 Art. 33. (…) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1804565 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1955301 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 19 defesa da legalização das drogas ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. A requerente alegou que uma descabida interpretação do dispositivo em causa “vem gerando indevidas restrições aos direitos fundamentais à liberdade de imprensa (art. 5º, incisos IV e IX, e 220 CF) e de reunião (art. 5º, inciso XVI, CF) ”. Argumentou que, “nos últimos tempos, diversas decisões judiciais, invocando tal preceito [o §2º do art. 33], vêm proibindo atos públicos em favor da legalização das drogas, empregando o equivocado argumento de que a defesa dessa ideia induziria ou instigaria o uso de substância entorpecentes”. Preceito, portanto, que se tem prestado para interpretação conducente a que “seja tratada como ilícito penal a realização de reunião pública, pacífica e sem armas, devidamente comunicada às autoridades competentes, só porque voltada à defesa da legalização das drogas”. Concluiu-se, portanto, que essa intepretação atenta diretamente contra o núcleo essencial da liberdade de expressão. II. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou procedente o pedido para dar interpretação conforme a Constituição ao dispositivo impugnado, com o fim de excluir qualquer significado que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas. Aduziu-se que a utilização do § 2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 como fundamento para a proibição judicial de eventos públicos de defesa da legalização ou da descriminalização do uso de entorpecentes — popularmente denominados de “Marcha da Maconha” — ofende o direito fundamental de reunião. Há afronta também ao regular exercício das liberdades constitucionais de manifestação de pensamento e de expressão, em sentido lato, além do direito de acesso à informação, os quais emanam diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania. Aduziu-se que nenhuma lei, civil ou penal, pode blindar-se contra a discussão do seu próprio conteúdo. Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta discussão dos seus defeitos e das suas virtudes, desde que sejam obedecidas as condicionantes ao direito constitucional de reunião, tal como a prévia comunicação às autoridades competentes e o fim pacífico. O Ministro Relator Ayres Britto ressaltou que o direito de reunião é insusceptível de censura prévia e poderia ser visto como especial veículo da busca de informação para uma consciente tomada de posição comunicacional. Acrescentou que a expressão “reunião pacífica” permite concluir que a única vedação constitucional, na matéria, refere-se a reuniões cuja base de inspiração e termos de convocação revelem propósitos e métodos de violência física, armada ou beligerante. Ressalvou-se ainda, a possibilidade de restrição ao direito fundamental de reunião que se enquadre nas duas situações excepcionais previstas na própria Constituição: o estado de defesa e o estado de sítio (art. 136, § 1º, inciso I, alínea “a”, e art. 139, inciso IV). O Ministro Luiz Fux acrescentou que, para afastar a incidência da criminalização nessas manifestações, deveriam ser observados os seguintes parâmetros: i) reunião pacífica, sem armas, previamente noticiada às autoridades públicas quanto à data, ao horário, ao local e ao objetivo, e sem incitação à violência; ii) ausência 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 20 de incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes na sua realização; iii) inexistência de consumo de entorpecentes durante a manifestação ou evento público - a marcha é apenas uma reunião para manifestar livremente o pensamento; e iv) a não participação ativa de crianças e adolescentes na sua realização. Canadá R. v. Smith – Case 36059 A exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca infringe os direitos constitucionais à vida, à liberdade e à segurança. Julgado em 11-06-2015 I. Um cidadão canadense produzia derivados de maconha comestíveis e tópicos para venda, através da extração de compostos ativos da planta de cannabis. Ocorre que sua conduta infringiu os Regulamentos de Acesso Médico à Maconha (Marihuana Medical Access Regulations - MMAR), os quais limitam a posse de maconha medicinal à forma seca. Tendo em vista que o cidadão não utilizava a maconha para propósitos médicos, foi acusado de posse ilegal e porte para fins de tráfico de cannabis, crimes previstos na Lei de Drogas e Substâncias Controladas (Controlled Drugs and Substances Act - CDSA). Na ação, o réu contestou a constitucionalidade dos Regulamentos de Acesso Médico à Maconha. II. A Suprema Corte do Canadá decidiu, por maioria, que a exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca, nos termos dos Regulamentos de Acesso Médico à Maconha (Marihuana Medical Access Regulations - MMAR), infringe injustificadamente os direitos constitucionais à vida, à liberdade e à segurança (seção 721 da Carta Canadense de Direitos e Liberdades). Ademais, viola o direito de não ser privado dessas garantias, salvo em decorrência dos princípios fundamentais da justiça. A Corte acrescentou que a vedação do uso de outras formas de cannabis limita a liberdade dos pacientes ao ter que descartar protocolos médicos razoáveis ante a ameaça de sofrer um processo criminal. Da mesma forma, ao forçar uma pessoa a escolher entre um tratamento legal, mas inadequado, e um tratamento ilegal, porém mais eficaz, a lei também viola a segurança do indivíduo. O Tribunal considerou, ainda, que a vedação prevista na norma regulamentar é arbitrária e contrária aos princípios fundamentais da justiça, pois contradiz o objetivo de proteger a saúde e a segurança. Evidências apontam, inclusive, que a inalação de maconha pode apresentar riscos para a saúde e que seria menos eficaz para algumas condições do que a administração de derivados de cannabis, por exemplo, nas formas tópica ou comestível, como produzidas pelo acusado. 21 7. Everyone has the right to life, liberty and security of the person and the right not to be deprived thereof except in accordance with the principles of fundamental justice. https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/15403/index.do 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 21 Concluiu-se, portanto, que não há conexão entre a proibição de formas não secas de maconha e a saúde e segurança dos pacientes que se qualificam para o acesso legal à maconha medicinal, razão pela qual o réu foi absolvido de ambas as acusações22. Em voto divergente, porém, determinava-se novo julgamento, pois o réu não deteria legitimidade para questionar a constitucionalidade da norma. No mérito, considerou-se que os Regulamentos não interferem na liberdade ou na segurança dos interesses pessoais dos usuários de maconha medicinal, tampouco ofende qualquer princípio individual fundamental23. [Resumo oficial] Colômbia Sentencia SP- 2940-2016 (Radicación 41760) O porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime, o que não justifica um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas. Julgado em 09-03-2016 I. Um soldado colombiano foiflagrado portando 50,2 gramas de maconha, tendo sido processado e condenado pelo crime de tráfico, fabricação ou porte de drogas, previsto no artigo 376 do Código Penal24, com o agravante de ter o ato sido cometido em estabelecimento militar. A defesa alegou a atipicidade da conduta, destacando que o réu, desde muito jovem, era viciado e consumidor de maconha. Assim, a quantidade de substância encontrada, embora excedesse a dose pessoal prevista em lei, deveria ser entendida como mero suprimento, especialmente porque estava aquartelado, o 22 No Canadá, entrou em vigor em 17 de outubro de 2018, lei que versa sobre o uso de maconha e altera a Lei de Drogas e Substâncias Controladas e o Código Penal, dentre outros. A partir de então, em linhas gerais, o maior de 18 anos poderá: comprar maconha, plantas e sementes em lojas e sites licenciados; compartilhar a substância com maiores de idade, de forma gratuita; cultivar até quatro plantas para uso pessoal; carregar consigo até 30 gramas da substância, dentre outras prerrogativas. Cada Província (Estado) poderá criar legislação própria para ampliar a idade mínima ou restringir o cultivo caseiro. Dentre as proibições estão, por exemplo: consumir alimentos derivados de cannabis até o advento de regulamentação em legislação específica; dirigir sob efeito da substância entorpecente; exibir publicamente o cultivo da planta; fumar em locais onde o tabaco já é proibido; comercializar a maconha e seus derivados; compartilhar com menores de idade; entrar em outro país com maconha canadense. Fontes: https://www.theguardian.com/world/2018/oct/17/cannabis-becomes-legal-in-canada-marijuana https://edition.cnn.com/2018/10/17/health/canada-legalizes-recreational-marijuana/index.html https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/como-vai-ser-a-legalizacao-da-maconha-no-canada/ 23 Texto traduzido e adaptado do resumo “CAN-2015-2-007” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices – InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission). 24 Artículo 376. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El que sin permiso de autoridad competente, introduzca al país, así sea en tránsito o saque de él, transporte, lleve consigo, almacene, conserve, elabore, venda, ofrezca, adquiera, financie o suministre a cualquier título sustancia estupefaciente, sicotrópica o drogas sintéticas que se encuentren contempladas en los cuadros uno, dos, tres y cuatro del Convenio de las Naciones Unidas sobre Sustancias Sicotrópicas, incurrirá en prisión de ciento veintiocho (128) a trescientos sesenta (360) meses y multa de mil trescientos treinta y cuatro (1.334) a cincuenta mil (50.000) salarios mínimos legales mensuales vigentes. https://www.scc-csc.ca/case-dossier/info/sum-som-eng.aspx?cas=36059 https://www.procuraduria.gov.co/relatoria/media/file/flas_juridico/1325_CSJSP-Rad-41760.docx https://www.theguardian.com/world/2018/oct/17/cannabis-becomes-legal-in-canada-marijuana https://edition.cnn.com/2018/10/17/health/canada-legalizes-recreational-marijuana/index.html https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/como-vai-ser-a-legalizacao-da-maconha-no-canada/ http://www.codices.coe.int/NXT/gateway.dll/CODICES/Precis/ENG/AME/CAN/CAN-2015-2 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 22 que o impedia de obter continuamente a quantia necessária para o consumo regular. Ademais, não foram encontradas provas de que o réu tinha intenção de vender ou distribuir a substância apreendida. II. A Corte Suprema de Justiça da Colômbia decidiu que o porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime. O Tribunal assinalou que a dependência não pode ser confundida com delinquência, motivo pelo qual devem ser diferenciados os comportamentos de porte para consumo próprio dos atos relativos ao narcotráfico (fabricação, venda e transporte), os quais são sujeitos à punição. A dependência química deve ser entendida como problema de saúde pública, estando os consumidores e dependentes sujeitos a medidas estatais de tratamento profilático, pedagógico ou terapêutico, restando afastado o processamento penal. Nesse contexto, o Tribunal firmou que um critério razoável para estabelecer a dose tolerável para o consumo pessoal é o da necessidade do usuário, em quantidade compatível com a política criminal de natureza preventiva e reabilitadora, e que assegure a proteção da saúde da pessoa. Por fim, a Corte assinalou que, embora atípica, a conduta dos dependentes não poderia justificar um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas25. Sentencia C-491/12 É tolerado o porte de drogas destinado ao consumo pessoal, sendo puníveis comportamentos que consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas sintéticas, em qualquer quantidade. Julgado em 28-06-2012 I. No caso, questionou-se a constitucionalidade da expressão "portar consigo" prevista no artigo 1126 da Lei 1453 de 2011, que alterou o artigo 376 do Código Penal. Segundo esse dispositivo, aquele que, sem a permissão da autoridade competente, introduzir no país, transportar, portar consigo, armazenar, preservar, 25 Em 25 de agosto de 2018, o atual Presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, anunciou que emitirá um decreto para capacitar a Polícia Nacional a confiscar quaisquer quantidades de drogas encontradas nas ruas. Reconheceu-se que os consumidores não são criminosos e afirmou-se que a medida visa regulamentar o consumo e abastecimento e implementar mecanismos para processar as pessoas que têm na sua posse as chamadas "novas drogas". Assim, qualquer um que seja flagrado transportando uma quantidade de entorpecente maior que a tolerável será considerado narcotraficante. Fonte: http://www.elcolombiano.com//colombia/confiscar-dosis-minima-propuesta-que-choca-con-la-jurisprudencia- EY9230732. 26 Artículo 11. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El artículo 376 de la Ley 599 de 2000 quedará así: Artículo 376. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El que sin permiso de autoridad competente, introduzca al país, así sea en tránsito o saque de él, transporte, lleve consigo, almacene, conserve, elabore, venda, ofrezca, adquiera, financie o suministre a cualquier título sustancia estupefaciente, sicotrópica o drogas sintéticas que se encuentren contempladas en los cuadros uno, dos, tres y cuatro del Convenio de las Naciones Unidas sobre Sustancias Sicotrópicas, incurrirá en prisión de ciento veintiocho (128) a trescientos sesenta (360) meses y multa de mil trescientos treinta y cuatro (1.334) a cincuenta mil (50.000) salarios mínimos legales mensuales vigentes. http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2012/c-491-12.htm http://www.elcolombiano.com/colombia/confiscar-dosis-minima-propuesta-que-choca-con-la-jurisprudencia-EY9230732 http://www.elcolombiano.com/colombia/confiscar-dosis-minima-propuesta-que-choca-con-la-jurisprudencia-EY9230732 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 23 elaborar, vender, oferecer, adquirir, financiar ou fornecer de qualquer maneira substância narcótica, psicotrópica ou drogas sintéticas previstas nas tabelas 1 a 4 da Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas, será punido com prisão de 128 a 360 meses e multa de 1.334 a 50.000 salários mínimos mensais em vigor. O requerente alegou que, ao punir o indivíduo que porta droga para consumo pessoal, a lei viola o princípio da dignidade humana, do qual fazem parte o princípio da autonomia e do livre desenvolvimento da personalidade. Afirmou que os seres humanos têm liberdade para escolher seus comportamentos e opções de vida, os quais integram seu foro particular,sendo inadmissível que os atos que não interferem na esfera de terceiros sejam criminalizados. II. A Corte Constitucional da Colômbia decidiu que, quando se tratar de porte ou conservação de substâncias entorpecentes em quantidades reconhecidas como de consumo próprio, porém, destinadas à comercialização, tráfico ou distribuição, ainda que gratuita, a conduta será penalizada quando tiver o potencial de afetar bens juridicamente tutelados, como a saúde pública, a segurança pública e a ordem socioeconômica. Assim, ainda que tolerado o porte de drogas em montante considerado como dose para uso pessoal, resta intacta a possibilidade de criminalizar comportamentos que consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas sintéticas, em qualquer quantidade. Sentencia C-221/94 O uso pessoal de drogas não é considerado conduta criminosa, pois se limita à esfera individual do consumidor. Julgado em 05-05-1994 I. Trata-se de ação que questiona a constitucionalidade dos artigos 2º27 e 5128 da Lei 30 de 1986 (Estatuto Nacional de Entorpecentes), os quais definem, respectivamente, a quantidade máxima de entorpecentes que 27 Artículo 2o. Para efectos de la presente ley se adoptarán las siguientes definiciones: (…) j) Dosis para uso personal: Es la cantidad de estupefaciente que una persona porta o conserva para su propio consumo. Es dosis para uso personal la cantidad de marihuana que no exceda de veinte (20) gramos; la de marihuana hachís la que no exceda de cinco (5) gramos; de cocaína o cualquier sustancia a base de cocaína la que no exceda de un (1) gramo, y de metacualona la que no exceda de dos (2) gramos. No es dosis para uso personal, el estupefaciente que la persona lleve consigo, cuando tenga como fin su distribución o venta, cualquiera que sea su cantidad". 28 Artículo 51. El que lleve consigo, conserve para su propio uso o consuma, cocaina, marihuana o cualquier otra droga que produzca dependencia, en cantidad considerada como dosis de uso personal, conforme a lo dispuesto en esta ley, incurrirá en las siguientes sanciones: a) Por primera vez, en arresto hasta por treinta (30) días y multa en cuantía de medio (1/2) salario mínimo mensual. b) Por la segunda vez, en arresto de un (1) mes a un (1) año y multa en cuantía de medio (1/2) a un (1) salario mínimo mensual, siempre que el nuevo hecho se realice dentro de los doce (12) meses siguientes a la comisión del primero. c) El usuario o consumidor que, de acuerdo con dictamen médico legal, se encuentre en estado de drogadicción así haya sido sorprendido por primera vez, será internado en establecimiento psiquiátrico o similar de carácter oficial o privado, por el término necesario para su recuperación. En este caso no se aplicará multa ni arresto. La autoridad correspondiente podrá confiar al drogadicto al cuidado de la familia o remitirlo, bajo la responsabilidad de ésta a una clínica, hospital o casa de salud, para el tratamiento que corresponda, el cual se prolongará por el tiempo necesario para la recuperación de aquél, que http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/1994/C-221-94.htm 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 24 deve ser considerada como de uso pessoal e as sanções aplicáveis aos usuários de drogas que portem a dose indicada para consumo próprio. O autor alegou que, se o Estado não pode garantir a recuperação da saúde do dependente de drogas, porque não há clinicamente um tratamento científico e radical para garantir a cura, não pode privá-lo da substância ou medicamento que proporciona alívio. Segundo o demandante, os toxicodependentes são doentes psicofisiológicos, estejam ou não sob a influência de entorpecentes. Logo, não pode o Estado punir ou aplicar medida de segurança ao direito inalienável das pessoas ficarem psicofisiologicamente enfermas, incluindo o vício em drogas. Acrescentou que aqueles que simplesmente consomem drogas, sem que haja dependência, igualmente não podem ser punidos, porque sua conduta prejudica apenas a si mesmos. O recorrente salientou a discriminação sofrida pelos viciados em relação a outros doentes incuráveis, sob a alegação de que se o Estado permite o alívio do sofrimento de enfermos graves com medicamentos que causam dependência, não pode negar o consumo do entorpecente ao dependente de drogas sem violar o direito à igualdade. Ressaltou que há discriminação também em comparação com o viciado em nicotina e o alcoólatra, os quais recebem a alcunha de dependentes socialmente aceitos, enquanto os usuários de drogas são tratados como infratores ou delinquentes. Asseverou que a quantidade de droga que um viciado requer diariamente depende do grau de dependência e das condições biofisiológicas de cada pessoa. Por conseguinte, definir um valor limite para a dose pessoal sem levar em consideração as necessidades individuais dos dependentes revela uma diferenciação artificial e injustificada entre os que sofrem do mesmo mal. Argumentou que, no caso de toxicômanos incuráveis, a duração do tratamento seria indefinida e a internação em estabelecimento psiquiátrico ou similar pelo tempo necessário para a recuperação se tornaria uma pena imprescritível. Assinalou também que o Estado colombiano é incapaz de fornecer aos dependentes de drogas centros de reabilitação psiquiátrica que não sejam anexos de cadeias ou abrigos subumanos onde se violam constantemente os direitos humanos dos enfermos. II. A Corte Constitucional da Colômbia, em decisão majoritária, descriminalizou o porte de entorpecentes para consumo próprio, não podendo essa conduta estar sujeita a qualquer penalidade. Assentou-se que somente os comportamentos que interferem na órbita da liberdade e nos interesses dos outros podem ser legalmente punidos. Assim, o uso pessoal de drogas não poderia ser considerado criminoso, pois limita-se à esfera individual do sujeito consumidor e, consequentemente, está excluído do controle normativo do sistema legal que respeita a liberdade e a dignidade humana, como é o sistema colombiano. deberá ser certificada por el médico tratante y por la respectiva Seccional de Medicina Legal. La familia del drogadicto deberá responder del cumplimiento de sus obligaciones, mediante caución que fijará el funcionario competente, teniendo en cuenta la capacidad económica de aquella. El médico tratante informará periódicamente a la autoridad que haya conocido del caso sobre el estado de salud y rehabilitación del drogadicto. Si la familia faltare a las obligaciones que le corresponden, se le hará efectiva la caución y el internamiento del drogadicto tendrá que cumplirse forzosamente. 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 25 Nesse cenário, declarou-se a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados por ferir o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. No entanto, o Tribunal asseverou explicitamente que está mantida a punição para aqueles que vendem e distribuem drogas, incumbindo ao legislador “determinar as circunstâncias de lugar, idade, exercício temporário da atividade e outros atos análogos, dentro dos quais o uso de drogas é inadequado ou prejudicial à sociedade”. Geórgia Case 1/5/592 - Citizen of Georgia Beka Tsikarishvili v. The Parliament of Georgia É inconstitucional dispositivo legal que prevê pena de prisão àquele que adquirir até 70 gramas de folhas secas de cannabis, por se tratar de medida desproporcional e que não contribui efetivamente para a proteção da saúde e segurança dos indivíduos. Julgado em 24-10-2015 I. Trata-se de ação que contestou a constitucionalidade do artigo 260.2, do Código Penal (versão em vigor de 1º de maio de 2014 a 31 de julho de 2015), o qual determinava a prisão de 7 a 15 anos para acompra e posse de até 70 gramas de folhas secas de cannabis para uso pessoal, frente ao artigo 17.229 da Constituição, segundo o qual são inadmissíveis a tortura, o tratamento desumano ou cruel e a punição que infrinja a honra e a dignidade do indivíduo. II. O Tribunal Constitucional da Geórgia declarou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado. Observou que, ao determinar as políticas processuais penais, o Estado detém ampla margem de apreciação para especificar a conduta criminosa e a punição aplicável. No entanto, a discricionariedade estatal não é ilimitada, devendo-se avaliar se a lei é adequada e efetiva para neutralizar os riscos advindos da ação criminosa e observar a não intervenção nas liberdades e direitos humanos mais do que é objetivamente necessário. O Tribunal avaliou a proporcionalidade entre a gravidade do crime e a pena atribuída a ele. Asseverou que a lei deve assegurar que o juiz / promotor tenha flexibilidade suficiente para considerar cada fator relevante no caso concreto (danos causados, atos culposos, etc.), de modo que a punição proporcional seja imposta. Apontou-se que a existência de punição só é justificada quando é o meio adequado para alcançar conjuntamente os objetivos da punição (restauração da justiça, ressocialização do acusado e prevenção geral). Caso contrário, a punição se torna um fim em si, o que não é compatível com a ideia de um Estado de Direito. Punir uma pessoa apenas com o propósito de impedir que outras pessoas cometam o mesmo crime 29 Article 17 1. (…). 2. Torture, inhuman, cruel treatment and punishment or treatment and punishment infringing upon honour and dignity shall be impermissible. http://www.constcourt.ge/en/legal-acts/judgments/citizen-of-georgia-beka-tsikarishvili-v-the-parliament-of-georgia.page 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 26 transforma o indivíduo em ferramenta de combate ao crime, o que não é justificável e, portanto, torna a punição grosseiramente desproporcional. A Corte asseverou que o objetivo legítimo do Estado de criminalizar o ato de comprar e armazenar cannabis seria impedir a distribuição dessa substância e, assim, garantir a ordem pública, a segurança e a saúde dos seres humanos. No tocante à proteção da saúde, a Corte concluiu que não é razoável aprisionar alguém por tão longo período por ter cometido ato que prejudica apenas a sua própria saúde. No que se refere à segurança e à ordem pública, o Tribunal assinalou que pesquisas e estatísticas não comprovaram que o consumo de cannabis leva alguém a cometer outros crimes. Segundo especialistas, esse risco é igual ou inferior à possibilidade de cometimento de ato criminoso por pessoas sob a influência do álcool. Quanto ao dever de proteção da saúde da sociedade em geral, a Corte entendeu legítimo o interesse do Estado de controlar a distribuição de maconha e punir quem adquire grandes quantidades de substâncias ilícitas para a revenda. No entanto, a Corte constatou que possuir 70 gramas de maconha seca não indica a intenção inequívoca de revendê-la, dado que, de acordo com a explicação especializada fornecida ao Tribunal, o risco de sobredosagem de cannabis é mínimo, o que permite que uma pessoa consuma 50-70 gramas de maconha em um curto espaço de tempo. Logo, a punição para um ato de natureza hipotética (revenda) ou para uma prática que não prejudica a saúde de outros, além de ser desproporcional e inadequada, acarreta restrição indevida à liberdade do indivíduo. Por fim, a Corte considerou que o dispositivo impugnado impôs uma punição geral para compra/armazenamento de determinada quantidade de maconha, mas não previu a obrigação de o promotor descobrir a intenção do ato, se para consumo pessoal ou para fins de revenda30. Hungria Decision 54/2004 Permitir o consumo pessoal de entorpecentes elimina o direito do indivíduo à livre autodeterminação, uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo sérias consequências para a sociedade e segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado de proteção ao direito à saúde. Julgado em 13-12-2004 I. Cinco petições foram apresentadas ao Tribunal Constitucional com o intuito rever a constitucionalidade de algumas disposições sobre drogas previstas no Código Penal frente ao disposto em acordos internacionais. 30 Texto traduzido e adaptado do resumo “GEO-2016-2-009” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices – InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission). https://hunconcourt.hu/uploads/sites/3/2017/11/en_0054_2004.pdf https://www.venice.coe.int/files/Bulletin/B2016-2-e.pdf 6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019 Sumário 27 Os peticionantes defenderam que o órgão legislativo não cumpriu sua tarefa legislativa exigida pelos tratados internacionais. Alegaram que o atual texto do Código Penal não garante o direito à autodeterminação, que decorre do princípio da dignidade humana. Reclamaram que o presente regulamento sobre entorpecentes considera o uso de certas substâncias estupefacientes e psicotrópicas puníveis sem analisar motivos razoáveis e sem levar em consideração se o usuário obtém drogas para seu uso pessoal ou para fins comerciais. Dois membros do parlamento argumentaram que as disposições que garantem a isenção da responsabilidade criminal violam a Convenção Única de Nova York sobre Entorpecentes e o acordo das Nações Unidas de Viena sobre a proibição de substâncias narcóticas e psicotrópicas. Na sua opinião, as expressões utilizadas no Código Penal, como "por ocasião de um uso comum de drogas" ou "para uso pessoal", são noções legais sem um conteúdo claro e, portanto, violam a exigência de segurança jurídica. Além disso, as petições referiam-se à proteção dos interesses do direito das crianças de receber a proteção e o cuidado de suas famílias, o direito a um meio ambiente saudável e o direito ao mais alto nível de saúde física e mental. II. O Tribunal Constitucional da Hungria enfatizou que se configura como uma instituição neutra e que não pode se posicionar a favor ou contra a regulamentação criminal relativa ao consumo de drogas, tampouco poderia rever decisões políticas no campo penal. Sua atuação deve permanecer restrita aos deveres relacionados à obrigação do Estado de proteção institucional, sendo-lhe permitido comparar os direitos pessoais e os deveres do Estado no tocante ao efeito do uso de drogas nos indivíduos e na sociedade. Sobre essa matéria, a Corte considerou que, como o consumo de narcóticos cria um estado mental alterado, a visão segundo a qual o comportamento do consumidor afeta apenas o indivíduo seria infundada, devendo essa prática ser analisada dentro de um contexto social. Assim, a fim de proteger o direito de todos à dignidade humana, é dever do Estado eliminar os perigos que afetam seus cidadãos. O Tribunal rejeitou a alegação de afronta ao direito à autodeterminação. Afirmou que, para cumprir suas obrigações, o Estado deve proteger não apenas os direitos fundamentais individuais, mas também os valores e situações relacionados a eles. A este respeito, o Tribunal Constitucional aplicou o teste de necessidade- proporcionalidade e analisou apenas se o dever de proteção institucional baseado no direito à vida pode justificar a restrição do direito à livre autodeterminação, e se sim, quais os limites dessa restrição. Concluiu-se, portanto, que o uso de drogas retira parte da dignidade humana do consumidor, tornando sua capacidade de decidir dependente de fatores externos. Entendeu-se que permitir o consumo pessoal de entorpecentes eliminaria o direito do indivíduo à livre autodeterminação, uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada
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