Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO CURSO DE DIREITO A MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PARA A PROTEÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR RITA MARIA COLARES MUNIZ FORTALEZA 2021.2 2 Dedico: A minha mãe. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus fonte da vida e da certeza da igualdade entre todos. Aos meus familiares, principalmente meus pais. Aos meus avós pelo carinho meu muito abrigada. Obrigada 4 “Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade.” Jean Giraudox 5 RESUMO A questão norteadora da presente pesquisa é Como a medida protetiva de urgência garante proteção a mulher? No que consiste a medida protetiva de urgência? O que são medidas protetivas de urgência? Quais as consequências do descumprimento da medida protetiva de urgência na Lei 11.340/2006? e qual a importância da medida protetiva de urgência para assegurar a integridade física da mulher? O estudo teve por objetivo geral demonstrar o quanto a medida protetiva de urgência garante proteção a mulher vítima de violência doméstica e familiar. Para tanto, a pesquisa assumi quanto ao seu processo metodológico uma abordagem qualitativa, bibliográfica e descritiva. Os resultados da pesquisa compreendem que a medida assume caráter próprio, fato que possibilitou maior flexibilidade e eficiência a medida de proteção de urgência, pois, como observado neste estudo a medida não está vinculada a transmites processuais, pelo contrário independe de ações cíveis e ou penais. Essa característica é importante uma vez que impõe ao Juiz o entendimento primeiro sobre a vida da mulher vitimada, e esse valor (princípio) que orientou a formulação da medida. As medidas cautelares são formas de efetivação da lei, não que sejam totalmente responsáveis, no entanto desempenha papel importante. Palavras chave: Lei 11.340/2006; Medida protetiva de urgência, violência doméstica 6 ABSTRACT The guiding question of the present research is How does the protective measure of urgency guarantee protection to the woman? What is the emergency protective measure? What are emergency protective measures? What are the consequences of non-compliance with the emergency protective measure in Law 11.340 / 2006? and How important is the emergency protective measure to ensure the physical integrity of the woman? The overall objective of the study was to demonstrate how the emergency protective measure guarantees protection for women victims of domestic and family violence. For this, the research assumed a qualitative, bibliographic and descriptive approach regarding its methodological process. The results of the research understand that the measure assumes its own character, a fact that made the emergency protection measure more flexible and efficient, since, as observed in this study, the measure is not linked to procedural transmissions, on the contrary it is independent of civil and / or criminal actions. This characteristic is important since it imposes to the Judge the first understanding on the life of the victimized woman, and this value (principle) that guided the formulation of the measure. Precautionary measures are forms of enforcing the law, not that they are fully responsible, but it plays an important role. Keywords: Law 11,340 / 2006; Emergency protective measures, domestic violence 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................08 2. REFERÊNCIAL TEÓRICO .............................................................................................09 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .....................................................................21 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ..........................................................................22 5 CONSDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................26 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................28 8 INTRODUÇÃO A presente pesquisa buscou discutir a medida protetiva de urgência para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, que existe em função da situação social brasileira em que a violência doméstica tem implicações múltiplas à sociedade. Desta forma, o Estado tem por imposição legal intervir e proporcionar a vítima, mulher condições de garantir a sua segurança. A legislação brasileira trata da questão de forma específica. Na Lei nº 11.340/2006, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, uma homenagem a uma mulher cearense vítima da violência doméstica, busca oferecer instrumentos jurídicos para inicialmente coibir a prática de violência e, formas de punição para o crime. A questão norteadora da presente pesquisa é como a medida protetiva de urgência garante proteção a mulher? No que consiste a medida protetiva de urgência? O que são medidas protetivas de urgência? Quais as consequências do descumprimento da medida protetiva de urgência na Lei 11.340/2006? e qual a importância da medida protetiva de urgência para assegurar a integridade física da mulher? O estudo tem por objetivo geral demonstrar o quanto a medida protetiva de urgência garante proteção a mulher vítima de violência doméstica e familiar. De forma específica os objetivos foram: analisar no que consiste a medida protetiva de urgência; identificar o que são medidas protetivas de urgência; demonstrar as consequências do descumprimento das medidas protetivas de urgência na Lei 11.340/2006; analisar a importância da medida protetiva de urgência para assegurar a integridade física da mulher. A metodologia deste trabalho se deu através de uma pesquisa bibliográfica trazendo renomados autores, como Maria Berenice Dias, Rogério Sanches Cunha, entre outros, e sites relacionados ao tema, pesquisa documental com leis e doutrinas atuais. Por fim, o trabalho está dividido em seções para uma melhor compreensão do tema, inicialmente trata-se da definição de violência, o termo violência e de natureza polissêmica, é utilizado em muitos contextos social, em um terceiro momento compreende-se o conceito e as características de violência doméstica, em seguidas as características da violência de gênero contra a mulher, a legislação nº 11.340/2006 que trata sobre o tema e, por fim a especificidade das medidas protetivas de urgência. A violência contra as mulheres não se limita, tão somente as situações corriqueiras, mas atualmente é alarmante o número de casos de violência e descumprimento das medidas 9 protetivas de urgência por parte dos agressores. Por isso, achou-se relevante avançar na discussão sobre esse tema, restringindo-se sua análise. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2 VIOLÊNCIA O ambiente doméstico é tido como privado, quando nos referimos a violência doméstica, tende-se a crer em um problema individual, no máximo familiar, contudo a violência, seja ela doméstica ou não é um problema coletivo, ou seja, social. Essa afirmação decorre de análises sobre a temática da violência. O presente estudo utiliza-se de artigo publicado pela Organização Mundial de Saúde – OMS, intitulado “Violência: um problema global de saúde pública”. O artigo conceitua a violência e a relaciona com as demandas sociais.De forma a dar visibilidade e substância ao objeto da pesquisa, a violência doméstica. (DIAS, 2015, p. 44) Nesse sentido, interessa ao presente artigo essa compreensão, pois, fundamenta e contextualiza a questão da violência doméstica e suas consequências sociais e as necessárias intervenções jurídicas, como é o caso da medida protetiva de urgência. De forma a compreender as razões que fundamentam o advento da medida protetiva de urgência, importa previamente que se compreenda as características específicas da violência contra a mulher e suas especificidades. 2.1 DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA Por ser um fenômeno histórico e recorrente em nossa sociedade a violência pode, de forma equivocada está associada a condição humana, onde, naturalmente somos, como humanos violentos. “Em 1990, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o problema da violência doméstica e sexual como tema legítimo de direitos humanos e de saúde pública.” (JESUS, 2010, P. 15). A definição de violência passa, necessariamente por uma análise abrangente das várias formas em que se pratica a violência, pois é possível definir a violência de muitas maneiras. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como “o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.” (ONUBR, 2018, p.01). 10 As Nações Unidas, por meio da Organização Mundial de saúde, evidenciam que na definição dada associa-se intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido. Diante disso, excluem-se da definição os incidentes não intencionais, tais como a maioria dos ferimentos no trânsito e queimaduras em incêndio (ONUBR, 2018). Quanto a intencionalidade e a característica de atentado a mulher por ser mulher, Damásio de Jesus afirma que foi a ONU que: Em 1993, as Nações Unidas realizaram a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que reconheceu a violência contra a mulher como obstáculo ao desenvolvimento, à paz e aos ideais de igualdade entre os seres humanos. Considerou também que a violência contra a mulher é uma violação aos direitos humanos, e que se baseia principalmente no fato de a pessoa agredida pertencer ao sexo feminino. (JESUS, 2010, P. 16). Para o presente estudo que se busca compreender a questão da violência doméstica, numa relação de gênero, o conceito de violência da OMS destaca a questão do “poder” como forma de violência, inserido no conceito de violência. Para Stevens (etall, 2017), o conceito de "uso de força física ou poder" deve incluir “negligência e todos os tipos de abuso físico, sexual e psicológico”. Esta definição cobre uma ampla gama de resultados, incluindo injúria psicológica, privação e desenvolvimento precário. Numa relação direta com os casos de violência doméstica são esses pressupostos que conceituam as agressões, negligências como um caso de violência. Compreende-se que, a interpretação conceitual da OMS sobre a violência afasta o senso comum onde a violência reside num ato que gere sofrimento visível ou morte, a violência tem características múltiplas, descritas genericamente como físicas, psicológicas, econômica e de negligência. Características essas que se relacionam com a realidade da violência contra a mulher em ambiente doméstico. Pois, sabe-se que a situação de violência pode-se prolongar por anos. Tais consequências podem ser imediatas ou latentes e durar por anos após o ato abusivo inicial. Assim, definir as consequências somente em termos de ferimento ou morte limita a compreensão total da violência em indivíduos, nas comunidades e na sociedade em geral. Para o presente estudo a definição de violência incorpora os aspectos da negligência, o abuso físico, sexual e psicológico em um contexto de dominação e poder, entende-se que o estado se omite diante de tal situação. Diante disso, o conceito da OMS colabora e referencia o presente estudo. Por fim, Jesus (2010) discute no interior do conceito de violência a questão da intencionalidade, para a compreensão da violência doméstica e da sua criminalização, essa 11 questão é fundamental, pois, só pode ser criminalizado o indivíduo que teve a intenção de ser violento. Nesse sentido, um ato de agressão física que causou prejuízo físico à uma outra pessoa pode não ter tido a intenção de causa-lo, nesse sentido não é uma violência e sim uma fatalidade, da mesma forma, a negligência intencional, que não causa danos físico imediato pode ser sim um ato de violência, pois o agente tem consciência das consequências da negligência e teve a intenção de causa-la. Nesse sentido, a definição de violência utilizada pela Organização Mundial de Saúde – OMS, fundamenta a presente pesquisa, de forma a colaborar para o melhor entendimento da violência no âmbito doméstico e aquela praticada contra as mulheres. Uma violência, que por muito tempo foi entendida como problema privado, de ordem pessoal, gerando ditados infames como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. O que a presente definição de violência traz é que a violência doméstica em todas as suas nuances é um problema da coletividade, da sociedade e consequentemente do Estado. 2.2 VIOLÊNCIA COMO PROBLEMA SOCIAL A violência contra a mulher reside na sociedade brasileira, segundo Stevens (2017) para a autora: As mulheres indígenas foram as primeiras vítimas dessa cultura lusa que sequer nelas reconhecia sua condição humana. Estupros, assassinatos, escravizações foram atos corriqueiros nas desiguais relações entre os colonizadores e as mulheres indígenas. Essa cultura da violência de gênero foi historicamente alimentada/realimentada até os dias atuais, de modo insidioso, perverso e poderoso. (STEVENS, 2017, p. 39) Esta situação de violência perpetua-se em nossa sociedade contemporânea, hoje não há distinção de etnia, todas as mulheres estão sujeitas a situação de violência doméstica, um problema cultura que se perpetua ao longo dos séculos em nosso país. A compreensão da violência como um problema social, isto é, que envolve á todos onde, direta ou indiretamente afeta a todos os habitantes de uma localidade podem ser representados inicialmente estatísticas, de acordo ao Mapa da Violência 2015: Mais de 100 mil mulheres foram assassinadas no País em uma década (2003-2013); uma realidade vergonhosa que tornou a tipificação penal do feminicídio uma demanda explícita e urgente, cuja real aplicação tem no Judiciário seu elemento indispensável. (STEVENS, 2017, p. 16) 12 Desta forma, pode-se concluir que socialmente persiste no Brasil condições estruturantes, sejam elas culturais, sociais, políticas, econômicas e jurídicas que sujeitam a mulher a situação de inferioridade em relação ao homem. Um exemplo é a disparidade entre os gêneros nas relações de trabalho. 2.3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA O conceito de violência que adotamos neste estudo decorre de uma compreensão de que a violência é individualizada e permeia todas as relações sociais, a violência é “multifacetada". Segundo Cunha (2018), a definição do conceito de violência doméstica “como sendo a agressão contra a mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), com finalidade específica de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando de sua hipossuficiência” (CUNHA, 2018, p. 56) Contudo, culturalmente, no senso comum, acredita-se que a violência parece estar ligada à criminalidade e ser usada para expressar o que ocorre no espaço público, quando é cometida por desconhecidos. Quando, presenciado ou descritos os problemas que ocorrem com vizinhos, colegas de trabalho e escola, não os reconhecemos como violência. O termo violência está associado a qualificar um acontecimento como grave,encontramos essa associação na expressão “o acidente de carro foi violento”. Violento, no sentido de indicar a gravidade. O sentido inverso também vale, quando casos de agressão em ambiente privado, residências, não encontramos o sentido de gravidade, violento, embora, concretamente o seja. A violência pode ocorrer nos relacionamentos amorosos. Especialmente a violência cometida por pessoas íntimas, que envolve, também, filhos, pais, sogros e outros parentes ou pessoas que vivam na mesma casa. A esse tipo de violência costumamos chamar de violência doméstica ou intrafamiliar. (DIAS, 2015) A violência doméstica está de tal maneira na vida social de determinadas famílias que passa a ser percebida como uma situação normal. E, especificamente o conceito de violência doméstica inclui pessoas que convivem no ambiente familiar. A violência doméstica emerge como questão social importante mediante estudos dos conflitos familiares, sendo mais conhecida por referência aos abusos e maus-tratos sofridos pelas crianças, mulheres. A violência doméstica contra a mulher também foi naturalizada no âmbito jurídico, de acordo com Bianchini (2014) 13 A legislação brasileira, no que tange à questão de gênero, apresenta longo histórico de discriminação negativa, com exemplos de textos legais, alguns relativamente recentes, que previam expressamente tratamento discriminatório em relação à mulher, a confirmar que contexto social e cultural contribui para produzir e reforçar a crença na diferença bem como a intolerância, fazendo- -se refletir na norma positivada. São exemplos: o Código Civil de 1916 (e que vigorou até 2002), que previa, em seu art. 219, inciso IV, a possibilidade de o marido anular o casamento caso constatasse que sua esposa fora deflorada anteriormente (inexistindo qualquer previsão análoga para a mulher que descobrisse que seu marido mantivera relações sexuais antes do casamento); o Código Penal de 1940 (ainda em vigor), que até 2005 trazia o conceito de “mulher honesta”, para identificar aquela cuja conduta moral e sexual fosse considerada irrepreensível, característica (até então) indispensável para assegurar proteção legal contra determinados crimes sexuais. (BIANCHINI, 2014, p. 21) E ainda, crimes gravíssimos como estupro poderiam ser atenuados, segundo o Código penal de 1940, esse “Código previa (também até 2005) a possibilidade de um estuprador não ser condenado caso a mulher vítima do estupro viesse a se casar com ele após o crime, pois entendia o legislador de então que a punição se tornaria desnecessária” (BIANCHINI, 2014, p. 21) Desta forma, compreende-se que a violência doméstica é parte da cultura brasileira, aceita com certa normalidade, inclusive no âmbito do Direito. Exemplo clássico dessa aceitação cultural da prática de violência doméstica são as palmadas dada nas crianças com objetivos de educá-las. As “palmadas” suscitam debate na sociedade brasileira e são defendidas por muitas pessoas, mesmo com o advento da Lei 13.010/14 que caracteriza como crime a agressão da palmada. Sem nos aprofundarmos no debate sobre a Lei da Palmada, ressaltamos que a prática de violência física no ambiente doméstico é culturalmente aceita por parte da sociedade brasileira. Como sugerem os debates decorrentes da Lei da Palmada, onde, a partir do argumento que quem educa os filhos são os pais, se caso esses achem necessário o uso das palmadas essa se justifica. Deste modo, argumenta Bianchini (2014) as dimensões físicas, sexuais e psicológicas mostram-se extremamente interligadas à violência doméstica. Utilizamos o argumento da “palmada” no ambiente doméstico, para evidenciar que, sofrer agressões e abusos por pessoas íntimas torna a violência contra a mulher situação próxima àquela das crianças, onde culturalmente reside na sociedade uma relativa aceitação. Infelizmente, mulheres vítimas de violência sentem-se ainda constrangidas de denunciar os parceiros agressores. 14 Diante do exposto, compreende-se que a violência contra a mulher no ambiente doméstico assume características próprias, entendendo-se que jamais podem ser aceitas ou toleradas pela mulher, sociedade e tão pouco pelo estado, tema que discutiremos a seguir. 2.4 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER No presente estudo distinguimos violência doméstica, aquela prática contra qualquer morador ou agregado a residência da violência contra a mulher, dado ao fato dessa última ser, especificamente o objeto de estudo e as particularidades específicas da violência contra a mulher de uma forma geral e a praticada no ambiente doméstico. A ênfase e a especificidade do conceito de violência doméstica assentam-se no princípio da dignidade da pessoa humana, em que envolve a totalidade do indivíduo, os aspectos físicos, psíquicos e sociais. De acordo com Estefam (2018) no Código Penal a proteção do indivíduo relaciona todos os aspectos aqui citados, para o autor: Proteger a pessoa significa, em primeiro lugar, garantir-lhe a vida (Capítulo I), resguardando-a desde a concepção, passando pelo nascimento, até a morte. A proteção também abrange a saúde e a integridade física do indivíduo (Capítulos II a IV). Envolve, ainda, sua a honra (Capítulo V) e a liberdade individual (Capítulo VI). (ESTEFAM, 2018, p.95) Desta forma, a especificidade do conceito é sistêmica, está se relaciona e interage com aquilo que propõe o a Constituição e o Código Penal brasileiro. Segundo Gonçalves (2018), a própria Lei Maria da Penha entende que a violência doméstica não está necessariamente direcionada exclusivamente a mulher Tendo em vista que a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que trata da violência doméstica ou familiar contra as mulheres, ganhou grande repercussão na mídia, é necessário que se esclareça que, embora tenha alterado o montante da pena do crime em análise, não modificou o texto originário, de modo que a vítima das hipóteses agravadas dos §§ 9º e 10 pode ser homem ou mulher (o filho ou a filha, o pai ou a mãe, o avô ou a avó, o irmão ou a irmã, o marido ou a esposa, o companheiro ou a companheira etc.). (GONÇALVES, 2018, p. 228). No entanto, a violência doméstica sofre de preconceito histórico, Stevans (2018) alerta para o fato de a violência contra a mulher em ambiente doméstico ser comumente aceita 15 em face a posição sociocultural que a mulher ocupa na sociedade, onde, na realidade concreta é inferior ao homem, diante disso: É necessário reconhecer que a violência contra a mulher é uma força social herdada da ordem patriarcal e dotada de capacidade estruturante da realidade social. Essa se torna uma modalidade expressiva em nossa sociedade, posta que está carregada de significados e significações, e cujas relações sociais são permeadas por relações de dominação e de poder (STEVANS, 2017, p. 21) De forma convergente e evidenciando a necessidade de reafirmar a proteção a mulher, Lima (2016), refere-se a cultura discriminatória que permeou a sociedade nas últimas décadas em relação a mulher À primeira vista, fica a impressão de que o dispositivo seria de todo redundante, já que tais direitos seriam inerentes a todo e qualquer ser humano, seja ele do sexo masculino ou feminino. No entanto, quando nos lembramos que, historicamente, a construção dos direitos humanos ocorreu, inicialmente, com a exclusão da mulher, percebe-se a importância da explicitação de todos esses direitos e garantias fundamentais (LIMA, 2016, p.900). Dito isso, o conceito de violência doméstica foi uma construção histórica, social e jurídica. A própria Lei maria da Penha, quando estabelece o conceito se utiliza de um olhar amplo do entendimento jurídico. Especificamente quanto ao conceito de violência doméstica entendido na legislação brasileira Lei Maria da penha (11. 340/06), citamos Dias (2015), para a autora o conceito de violência doméstica reside:Para se chegar ao conceito violência doméstica é necessária a conjugação dos arts. 5º e 7º. Deter-se somente no art. 5º é insuficiente, pois são vagas as expressões” qualquer ação, omissão baseado no gênero”; “âmbito de unidade doméstica”; “âmbito da família” e “relação íntima de afeto”. De outro lado, apenas do art. 7ºtambém não se retira o conceito legal de violência contra a mulher. A solução é interpretar os arts. 5º e 7º conjuntamente para, então, extrair o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ou seja, violência doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7º (violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) praticadas contra a mulher em razão de vínculo de natureza familiar ou afetiva. (DIAS, 2015, p. 49) Tanto Dias (2015), quanto Cunha (2018) apresentam além do conceito e das características que fundamentam a violência domésticas a Leis que colaboram no atendimento à mulher vitimada pela violência doméstica. De forma a combater a omissão por que passam 16 algumas mulheres vítimas de violência, existe a Lei nº 10.778/03, que estabelece a notificação compulsória da violência contra a mulher atendida nos serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. Este fato também é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). E antes pela Constituição Federal de 1988 (Art. 227), sendo obrigatória a notificação de casos suspeitos ou confirmados, prevendo penas para quem não o fizer. De forma a conjunta a Lei 13.721/2018, essa altera o Decreto Lei número 3.689, de 03 de outubro 1941 (Código de Processo Penal), para estabelecer que será dada prioridade a realização de exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher ou violência contra a criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (CUNHA, 2018) Pode-se concluir que a existência da legislação que obriga a denúncia de casos de violência contra a mulher, faz crer que a omissão persista em nossa sociedade, tanto é que a Lei 13.721/2018 buscou superar obstáculos que por ventura venha a dificultar a caracterização da violência doméstica. A questão da violência contra a mulher não é um problema exclusivo do Brasil, a questão da imposição à mulher de uma condição inferior ao homem e com isso sujeita a violência de qualquer tipo, fez com que as nações Unidas – ONU, na Conferência de Direitos Humanos de 1993, definisse oficialmente o que venha caracterizar a violência contra a mulher: Qualquer ato ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, incluindo a ameaça de tais atos, e a coerção ou arbitrária privação de liberdade, tanto no âmbito público, como no privado.” (ONU, Assembleia Geral 1993 e Convenção Interamericana, 1994). Qualquer ato ou omissão perpetrada por um membro da família (em geral o marido ou parceiro atual ou anterior) que afete negativamente o bem-estar, a integridade física e psicológica, a liberdade ou o direito ao pleno desenvolvimento de uma mulher”. (ONU, Assembleia Geral 1993 e Convenção Interamericana, 1994) (ONUBR, 2018) Entende-se assim, que a questão da violência contra a mulher assume dimensões planetárias, presente em praticamente todas as culturas, pode-se afirmar que é uma questão de gênero. O que se discute é que a posição social da mulher inferior ao homem é uma construção histórica, uma relação de sujeição, poder e violência que impôs as mulheres uma situação de inferioridade em relação ao homem. No decorrer do presente estudo conceituamos violência e a distinguimos da condição humana, pois como já afirmado anteriormente, não somos, como humanos 17 naturalmente violentos, a violência é uma prática do indivíduo ou da coletividade, contudo um fenômeno social. Quanto a violência praticada contra as mulheres, incluindo a agressão física, sexual e psicológica é conhecida como violência de gênero porque se relaciona à condição de subordinação da mulher na sociedade, que se baseia em papéis socialmente construídos de homens e mulheres. O conceito de gênero importa à presente pesquisa, pois caracteriza uma construção histórica da sociedade, onde o posicionamento do feminino em relação ao masculino se dá na biologia, na sexualidade do indivíduo, contudo, a distinção social, por consequência a distinção de detenção do poder se dá no âmbito social, ou seja, entre gêneros. Nesse sentido, discutimos, no presente estudo a violência contra a mulher, quando está se posiciona socialmente como mulher, e como tal é vítima de violência. Como afirma a ONU quando caracteriza a violência contra a mulher por esta ser tão e somente mulher, onde se constitui a violência de gênero. No decorrer desse estudo definimos violência, violência como um fenômeno social, violência doméstica, violência contra a mulher e neste tópico a violência de gênero. O que pretendemos ressaltar é que em todos os conceitos permeia a concepção de poder, inicialmente discutimos a definição de violência como “uso de força física ou poder”, como determina a OMS. Nesse sentido, os demais conceitos estabelecem o fator poder como parte da concepção de violência. Da mesma forma, entende-se na violência nas relações de gênero a existência do fator “poder” intrínseco a mesma. O objetivo do presente estudo não é de aprofundar na questão de gênero e poder, o que se busca é reconhecer a relação que permeia os conceitos de violência, violência doméstica e violência contra a mulher. Nesse sentido, compreende-se que o poder é fundamental para a existência da violência contra a mulher no ambiente doméstico. Destaca-se a questão do poder nas relações “afetivas e amorosas”, onde esse poder também é fruto de uma concepção social da relação intima. O papel atribuído a mulher na relação do casal também foi uma histórica, deu-se na história, onde também foi mudando. A mulher não foi um agente passivo nessa relação, existiu e existe uma reação da mulher nessa relação de poder. É importante para a presente pesquisa essa afirmação, pois retira da mulher qualquer possibilidade de aceitação da dominação, nada, pode justificar a natureza da dominação ou do poder que se configura em violência. Nos faz perceber que a mulher possui seu campo de poder e o exerce também, mesmo em graus menores. 18 Compreende-se a dinâmica dessa relação entre violência-gênero-poder, mesmo que não de forma tão aprofundada, auxilia no entendimento dos conceitos que sustenta a presente pesquisa, pois demonstram que a violência contra a mulher é uma questão de gênero e, como tal se dá na sociedade de forma dialética, fluida e heterogenia. Demonstrando-se que a violência doméstica cometida contra a mulher depende do poder socialmente atribuído a figura do homem, e que este exerce de diferentes maneiras (tipos de violência), entendendo também que a mulher não é passiva nesse contexto, reage e se instrumentaliza no processo de afirmação e empoderamento social. Diante disso, de forma a buscar instrumentos jurídicos que garantam o direito constitucional da mulher a igualdade, é que são promulgadas Leis que atuem especificamente na realidade da mulher vitimada pela violência, como é o caso da Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. 2.5 LEI Nº 11.340/2006 “LEI MARIA DA PENHA” A Lei nº 11.340/2006, conhecida como “Lei maria da Penha”, ilustra o drama por que passam mulheres vítimas de violência. O contexto histórico desta Lei, importa para demonstrar que as reações sociais e do Poder Público buscam se contra por ao machismo e a cultura de violência contra a mulher. No dia 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva a Lei n. 11.340, que: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da ConstituiçãoFederal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.(BRASIL, 2006) A Lei foi prontamente aceita pela população pelo nome de Lei Maria da Penha, em uma justíssima homenagem à bio-farmacêutica Maria da Penha, vítima de um caso de violência doméstica que se tornou emblemático. (DIAS, 2015, p. 21-23) “Em 29 de maio de 1983, o marido de Maria da Penha tentou matá-la com disparos de arma de fogo enquanto a mesma dormia, sendo que procurou encobertar a sua ação alegando que houve uma tentativa de roubo em sua residência”. (DIAS, 2015, p. 21-23) 19 Após ficar hospitalizada por duas semanas, Maria da Penha retornou ao lar com a sequela permanente da paraplegia nos seus membros inferiores. Não obstante, “seu marido voltou a atentar contra sua vida, tentando eletrocuta-la durante o banho”. (DIAS, 2015, p. 21- 23) Felizmente, Maria da Penha conseguiu sobreviver, mas seu marido ficou impune durante longos 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses, quando, finalmente, veio a ser condenado e preso. Foi responsabilizado também o estado do Ceará que, “em julho de 2008 em solenidade pública oficializou um pedido desculpas e efetuou pagamento de indenização estipulado pela OEA”. (DIAS, 2015, p. 22) Entretanto, diante desta imensa morosidade, “o caso foi levado até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Caso n. 12.051/OEA)”, que, em resposta, publicou o Relatório n. 54, de 2001, no qual consta a recomendação dirigida à República Federativa do Brasil para que fosse realizada uma profunda reforma legislativa com o objetivo de proporcionar um efetivo combate aos casos de violência doméstica praticada contra a mulher. (DIAS, 2015, p. 23) A Lei Maria da Penha cria “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”. Para que a mulher supere o passado histórico de assimetria de poder em relação ao homem e atinja um status de igualdade concreta (e não só na expressão legal), é necessário, para além de uma profunda alteração no modo de pensar e de agir social, o erigir de um aparato jurídico próprio, sensível às diferenças produzidas culturalmente e capaz de neutralizá-las. (BIANCHINI, 2014, p. 20). Atendendo a esta recomendação é que o país, em muito boa hora, fez surgir a Lei Maria da Penha. Através deste instrumento legislativo, verificou-se a implementação de medidas que verdadeiramente passaram a contribuir no combate à violência doméstica contra mulheres, a exemplo da possibilidade de retirada do agressor do convívio da agredida (inclusive com a decretação da prisão preventiva daquele), do apoio psicossocial da vítima e medidas protetivas de urgência. 2.6 MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA Compreendeu-se neste estudo que a Lei Maria da penha se situa na realidade concreta das mulheres vitimadas pela violência de maneira geral e a doméstica em particular, 20 diante disso, para fins de garantir os aspectos teleológicos da Lei, importam instrumentos que protejam a mulher imediatamente. Diante disso, na Lei 11.340/06 são previstos nos artigos 22 a 24, são apresentados dois tipos de medidas protetivas de urgência: aquelas que obrigam o agressor e as dirigidas à ofendida. Entre as medidas previstas nesses artigos, estão o afastamento do agressor do lar, proibição de contato com a ofendida e seus familiares, encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, assim como proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum. Segundo Dias (2015, p. 65), “são medidas que visam conferir proteção à mulher em situação de violência doméstica – prevenindo ou fazendo cessar a violência – resguardando sua integridade física e psicológica, sua esfera patrimonial e os demais âmbitos de sua vida.” Ainda segundo a autora: Essa multiplicidade de medidas previstas na Lei – e que não é exaustiva – é essencial para que se possa enfrentar a violência doméstica em suas diferentes formas de ocorrência, conforme prevê o artigo 7º da Lei. O intuito das medidas protetivas de urgência é conferir proteção à mulher, não assegurar a efetividade de outro processo futuro. DIAS, 2015, P. 69) Ainda segundo Dias (2015), a Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas para produzir garantias a Lei, ou seja, ações que visem garantir e “assegura a mulher o direito a uma vida sem violência” (DIAS, 2015, p. 138). Para tanto, a Lei tutelou a “urgência” para que todos os envolvidos do Estado (policia, Ministério Público e Juiz) atue de forma efetiva e sistêmica. Tentar deter o agressor bem como garantir a segurança pessoal e patrimonial à vítima e sua prole agora não são encargos somente da polícia. Passou a ser dever também do juiz e do Ministérios Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. (DIAS, 2015, p.138 grifo nosso). Importam destacar duas questões nos escritos de Dias (2015) a questão imediata e eficaz, entendendo que para alcançar esse objetivo o Estado (na pessoa do policial, promotor ou juiz) devem buscar os meios necessários para a devida proteção da vítima de seus filhos, e também de seu patrimônio. Ou seja, a Lei reconhece que a segurança da mulher não está em não sofrer a violência, mas também em garantir a sua vida no sentido amplo do termo, sua moradia e bem-estar. 21 No entanto, para que as medidas busquem a efetividade imediata, importa que a mulher vitimada compreende que é a partir de sua iniciativa que se provoca a Justiça. O Estado só se movimenta quando provocado. Logo, a informação e a conscientização da vítima também são partes de um processo de busca de eficiência para a lei, para quem está posse de fato ter efetividade. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O processo metodológico que será assumido na presente pesquisa terá caráter qualitativo, com pesquisa do tipo bibliográfico e descritivo. Quanto ao método, este será indutivo. Quanto a pesquisa qualitativa, porque de acordo Lakatos (2017) “o estudo qualitativo desenvolve-se numa situação natural, oferecendo riqueza de dados descritivos, bem como focalizando a realidade de forma complexa e contextualizada (LAKATOS, 2017p. 303) Pesquisa bibliográfica estende-se dos livros aos sites sobre o tema, através de material pronto, ou seja, o estudo terá como base material já publicado, tais como livros, artigos, revistas. Conforme Lakatos (2017, p. 33) “trata-se de levantamento de referências já publicadas, em forma de artigos científicos (impressos ou virtuais), livros, teses de doutorado e mestrado. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com que foi escrito em determinado assunto”. O estudo assumirá como método de pesquisa o processo indutivo. Segundo Lakatos (2017) o método indutivo É uma operação mental que consiste em estabelecer uma verdade universal ou uma proposição geral com base no conhecimento de certo número de dados singulares ou proposições de menor generalidade. É um processo que, com base em um conjunto de dados, permite descobrir e confirmar certas hipóteses e leis de caráter geral. A indução caracteriza-se principalmente pelo fato de, apoiada em dados, atingir ideias ou leis. Permite, portanto, inferir conclusões gerais de proposições particulares. (LAKATOS, 2017, p. 279) Desta forma, o percurso metodológico pretendido para esta pesquisa teve caráter qualitativo, bibliográfico e descritivo. 22 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Sobre a questão das mediadas protetivas os autores pesquisados (CUNHA, 2018, e DIAS,2015) acentuam o caráter autônomo do pedido. O pedido de proteção, ainda que não busque a condenação do agressor pela prática de um crime ou que ela faça qualquer outro requerimento, as medidas protetivas tem caráter autônomo, ou seja, não tem necessariamente relação com a persecução penal e ou civil do agressor. No entanto, para requisitar a concessão da medida protetiva de urgência há de se passar por alguns requisitos, bastante simples, de acordo com Cunha (2018), basta que a mulher em situação de violência doméstica manifeste sua vontade apresentando elementos, como por exemplo mensagens nas redes sociais. Essas características para a concessão se devem a uma análise social da violência contra a mulher, Dias (2015) afirma que: Deve-se considerar ainda que a violência doméstica acontece, diversas vezes, em ambientes íntimos ou domésticos, nos quais não há testemunhas nem provas documentais; portanto, a palavra da vítima tem grande relevância e é suficiente para fundamentar a concessão das medidas, especialmente em caráter liminar – que pode ser reavaliada a qualquer tempo durante o processo. (DIAS, 2015, p. 70) No entanto, a Lei Maria da Penha, no §1º do artigo 12, elenca os elementos que devem estar presentes quando o pedido de medida protetiva feito pela ofendida for tomado a termo pela autoridade policial, os quais são: (i) qualificação da ofendida e do agressor, (ii) nome e idade dos dependentes e (iii) descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas. Assim, mesmo quando o requerimento é encaminhado por meio de Delegacia, observa-se que são necessários apenas os elementos básicos para a identificação do ocorrido a fim de que a situação possa ser analisada e as medidas, concedidas. A Lei não exige quaisquer outros elementos comprobatórios para tanto. Considerando a gravidade e a urgência dos casos que envolvem violência doméstica, é necessário que o procedimento para a sua concessão seja simplificado e rápido. Para garantir a agilidade nesse processo, o artigo 12 da Lei prevê que, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência. A legislação também prevê no artigo 18 que, recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 horas: (i) conhecer do expediente e do pedido e 23 decidir sobre as medidas protetivas de urgência; (ii) determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso e (iii) comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Também para conferir maior agilidade ao procedimento, a vítima tem capacidade postulatória para o pleito das medidas de urgência; assim, conforme prevê o artigo da Lei, é desnecessário que esteja acompanhada de advogado ou defensor público. Entretanto, para a realização dos demais atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado. (CUNHA, 2018). A garantia de que as medidas protetivas possam ter caráter preventivo está intimamente ligada à necessidade de existirem mecanismos no ordenamento que são capazes de assegurar não apenas a efetividade de outros processos (função exercida pela tutela cautelar), mas o próprio direito material. Se o objetivo da Lei 11.340/06 é garantir que os direitos da mulher sejam protegidos, para que essa lei seja efetiva, não se pode pensar apenas em meios repressivos à violência, porque, com isso, seria necessário esperar que a agressão acontecesse para, somente depois, pleitear algum tipo de proteção. Quanto a natureza jurídica das mediadas de proteção à mulher vitimada pela violência, Dias (2015) esclarece de forma lapidar um empate se essas são de natureza penal e/o cível, qual a doutrina jurídica de tal medida? para a autora: Não se trata de uma discussão meramente acadêmica, pois significativos são os reflexos de ordem processual. Uns afirmam que, se a medida for de natureza penal, pressupõe um processo criminal. Outros pregam sua natureza cível, servindo para resguardar um processo um processo civil. Mas há mais. Enquanto consideradas acessórias, só funcionariam enquanto perdurar o processo civil ou criminal. Fausto Rodrigues de Lima afirma que a discussão é equivocada e desnecessária, pois as medidas protetivas não são instrumentos para assegurar processos. O fim das medidas protetivas é de proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e situações que a favorecem. Não são, necessariamente preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas as pessoas (DIAS, 2015, p. 141) A reafirmação de Dias (2015) do caráter humanitário da mediada de proteção importa para seu entendimento, mesmo sendo óbvia, entende-se que dada a realidade cultural e social de nossa sociedade, enfatizar a necessidade de proteção a mulher é de fundamental importância para a preservação de sua dignidade e de sua própria vida. Nestas decisões sumárias, de caráter de urgência não residem aspectos processuais, como bem afirmou Dias (2015) o interesse maior é o da proteção da pessoa humana. De forma ainda a buscar maior efetividade da medida protetiva, não se vincula as medidas protetivas 24 quaisquer vínculos com o processo, não há uma necessidade de vinculação com prazos, por exemplo. As medidas deferidas em sede de cognição sumária, não dispõe de caráter temporário, não sendo imposto a vítima o dever de ingressar com a ação principal no prazo de 30 dias, limitação temporal existente na lei processual civil. Ainda que fazendo uso de procedimento cautelar, a busca de medidas provisórias pode dispor de natureza satisfativa, sem prazo de eficácia, podendo perdurar indefinidamente, enquanto persistir a situação de risco (DIAS, 2015, p. 141) Ou seja, a medida de protetiva de urgência está associada a situação de vulnerabilidade da vítima e não de aspectos processuais. De forma a exemplificar as características independentes do prosseguimento processual em relação as mediadas protetivas de urgência, citemos jurisprudência: Acordo no âmbito cível não prejudica prosseguimento da ação penal. Embargos de declaração com efeitos infringentes em habeas corpus. Omissão inexistente. Ação cautelar de medidas protetivas. Acordo entre ofensor e ofendida. Não obsta prosseguimento ação penal. Coação ilegal não caracterizada. Embargos improcedentes. O acordo celebrado entre ofensor e ofendida no âmbito da ação cautelar de medidas protetivas, não obsta o prosseguimento da ação penal, na apuração do crime de lesão corporal de violência doméstica e familiar contra a mulher, por se a ação pública incondicionada, por essa razão, o prosseguimento da mesma não configura coação ilegal. E se a questão foi discutida e julgada, não há que se falar em omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração1 9TJMT, EDcl com efeitos infringentes em HC 757.39/2007, rel Juvenal Pereira da Silva) (CUNHA, 2018, P. 165) E ainda, as medidas protetivas independem também de inquérito ou processo penal. De acordo com Cunha (2018): É plenamente cabível, com efeito, que a vítima ameaçada não deseje que seu ofensor seja processado criminalmente. Antes, quer que ele deixe o lar, proibindo-se sua aproximação. Trata-se de medida judicial que, em seu entender, é suficiente para solucionar o problema que experimenta. (CUNHA, 2018, p. 212) Outro sim, a medida de proteção, como afirma anteriormente visa a pessoa e não os prazos processuais e sua dinâmica, compreendendo que, se restringir a medida de proteção aos aspectos judiciais de natureza criminal, a Justiça só poderia ser provocada de forma posterior 25 ao ocorrido. Ou seja, apósa vítima sofrer a violência a medida de intervenção seria tomada. Uma situação inócua do ponto de vista de sua eficácia. Nesse sentido, Cunha (2018) cita decisão do Superior Tribunal de Justiça em que o Ministro relator Luís Felipe Salomão afirma; Parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo que a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequenciais irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas. Franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da lei maria da penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações familiares. (CUNHA, 2018, p. 211) Em caso de descumprimento da medida protetiva, pode o Juiz arbitrar multa ou ainda decretar a prisão preventiva do agressor. De acordo com Dias (2015, p. 155), “a multa diária pode ser imposta pelo juiz independentemente de pedido da vítima. Também lhe é facultado modificar o valor ou sua periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.” Ainda sobre o descumprimento, A Lei 13.641/2018, promulgada em outubro de 2018 em que modifica a Lei maria da penha, quanto aos casos de descumprimento. A Lei de 2018 acrescenta a possibilidade da prisão do agressor, como previsto no art 24 A pode ser decreta, mesmo que não esteja o agressor em situação de flagrante. Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1oA configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2oNa hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.” (BRASIL, 2018) Desta forma, compreende-se que as medidas de proteção de urgência estão contextualizadas socialmente, buscam na realidade concreta das mulheres vitimadas pela 26 violência doméstica produzir instrumentos jurídicos (cível e criminal) que visem a preservação da vida da mulher e de seus filhos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que é de fundamental importância destacar que com a sanção da lei Maria da Penha em 2006, as mulheres passaram a ser amparadas por inúmeros instrumentos, políticas públicas e serviços para garantir seus direitos e o atendimento em situações de vulnerabilidade, pois é uma lei que ampara, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade, cria mecanismos de assistência e atendimento humanizado para mulheres em situação de risco. Sendo uma dessas a medida protetiva de urgência. O presente estudo compreendeu que, a medida protetiva de urgência a mulher em situação de violência doméstica e de fundamental importância para preservar a dignidade da mulher e dos filhos, mesmo que a constituição federal tenha estabelecido previamente a igualdade de direitos entre homes e mulheres, pois a realidade concreta não estava condizente com a realidade normal, daí a necessidade de se desenvolver instrumentos jurídicos que busquem estabelecer no universo cotidiano a equidade de gênero e a proteção a mulher. O estudo observou os meios de proteção em favor da mulher em situação de violência doméstica, bem como os de punição para os agressores. E ainda destacou a importância de se dar maior atenção a este tipo de comportamento no âmbito familiar ou em qualquer relação intima de afeto, seja ela física, psicológica, sexual e moral uma vez que por falta de conhecimento supõe-se que violência doméstica é somente agressão física. A violência doméstica é fruto, em parte de uma sociedade que impôs a mulher um papel de submissão a figura masculina. Não é possível, admitir a condição de igualdade jurídica sem uma condição de igualdade de oportunidades. Entende-se que muito têm-se avançado nessa questão do trabalho feminino. Hoje a mulher tem condições de acessar o mercado de trabalho, entretanto, fatores inerentes as condições femininas afetam a continuidade da vida profissional, uma dessas é a gestação. Para tanto, importam políticas públicas e mecanismos privados para tal objetivo. Diante do exposto, entende-se que a violência de gênero é umas das formas mais repulsivas de ofensa aos direitos da mulher. Com intuito de combater essa atrocidade que a Lei Maria da Penha foi sancionada e trouxe um grande avanço no combate à violência doméstica contra a mulher. As medidas cautelares são formas de efetivação da lei, não que sejam totalmente responsáveis, no entanto desempenha papel importante. 27 Ademais, o combate à violência doméstica passa sim por garantias legais que auxiliem a mulher no enfrentamento da violência e a medida de proteção é uma dessas ações, no entanto, medidas estruturais são importantes para dar garantias a mulher e proporcionar a sua autonomia. O Estado detém atribuição importante no combate para erradicar esse tipo de violência, deve dispor de suporte aos agentes que lutam contra a violência de gênero, disponibilizando e amparando as medidas necessárias para que seja alcançado o bem comum, além de conscientizar a população de todas as ferramentas trazidas pela lei, beneficiando as mulheres agredidas e punindo os agressores. A promulgação da Lei 13.641/2018, busca colaborar de forma a penalizar os agressores que, até então não respeitavam as medidas protetivas contidas na Lei Maria da Penha, esse fato, ilustra o desafio que vem a ser a garantia de efetividade das leis de proteção a mulher vitimada pela violência doméstica. Analisando ainda pelo contexto da medida protetiva de urgência que muito tem-se avançado na proteção a mulher vítima de violência doméstica e familiar, os índices de violência contra mulher matem-se altos, nesse sentido importam ainda mais políticas públicas e mecanismos jurídicos eficazes para que possam combater a violência doméstica e familiar antes que possam vir a causar danos físicos, morais e psicológicos. 28 REFERÊNCIAS BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistências, protetivos e criminais da violência de gênero. Saberes monográficos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. BRASIL. Lei 8.069/ 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em<:http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069- 1990?OpenDocument>. Acesso em 08 de outubro de 2018. ______.Lei 10.778/03 de 24 de novembro de 2003. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.778.htm>. Acesso em 20 deoutubro de 2018. ______.Lei 11.340/06de 07 de agosto de 2006. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 20 de outubro de 2018. ______.Lei 13.010/2014. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2014/Lei/L13010.htm. Acesso em 12 de maio de 2016. ______.Lei 13.641/2018de 03 de abril de 2018. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13641.htm>. Acesso em 10 de novembro de 2018. ______.Lei 13.721/2018 de 02 de outubro de 2018. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13721.htm>. Acesso em 10 de novembro de 2018. CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica: Lei maria da penha. Lei 11.340/2006. Comentado artigo por artigo – 7 ed. Ver. Atual e ampl – salvador: Editora JusPodivm, 2018. DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htm 29 ESTEFAM, André Direito penal, volume 2: parte especial (arts. 121 a 234-B) / André Estefam. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios Direito penal esquematizado: parte especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. JESUS, Damásio. Violência Contra a mulher. Aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006. São Paulo: Saraiva, 2010. LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima-4. ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2016. ONUBR. Organização das Nações Unidas no Brasil. A ONU e as Mulheres. 2018. Disponível em:<https://nacoesunidas.org/acao/mulheres/>. Acesso em 20 de outubro de 2018. STEVENS, Cristina etall. Mulheres e violência Interseccionalidades.Organização Cristina Stevens, Susane Oliveira, ValeskaZanello, Edlene Silva, Cristiane Portela. Brasília DF: TECHENOPOLITIK. 2017. 30 ANEXO III MODELO DE QUADRO DE ACOMPANHAMENTO DE ORIENTAÇÃO DIA.DA ORIENTAÇà O CONTEÚDO DA ORIENTAÇÃO RUBRICA DO ORIENTADO R RUBRICA DO DISCENTE Data Assinatura do docente ANEXO III
Compartilhar